UA-89169382-1 Crônicas de Juvenal: Sem dilemas

sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Sem dilemas

Ia tentar dormir sem dar ao menos dois pitarcos na polêmica levantada recentemente pelo biólogo Richard Dawkins, mas não consegui. A bobagem propalada pelo distinto professor da Universidade de Oxford foi tão monstruosa que, mesmo com muito sono, não conseguiria dormir.

Pois vamos ao pitarco nº 1: se o senhor Dawkins teve algum "mérito" no dia de hoje, este foi acordar o fantasma da Eugenia e mostrar ao mundo que ele continua vivinho da Silva. É que ao ser informado sobre um suposto dilema ético que seria vivido  uma usuária do Twitter, caso ela constatasse que seu filho nasceria com síndrome de Down, o senhor professor foi categórico: "Aborte e tente de novo", teria dito o biólogo. "É imoral trazer 'isso' ao mundo se você tiver escolha." (http://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2014/08/1504047-richard-dawkins-diz-ser-imoral-dar-a-luz-a-bebes-com-sindrome-de-down.shtml).

Pois bem: "aborte e tente de novo" é a resposta que ele considerou como sendo a opção moralmente correta e pretensamente "lógica", porque destituída de emoções. A meu ver, o máximo que ele conseguiu provar foi um diagnóstico provável de alexitimia, sem nenhum rasgo lógico. E não vou nem entrar aqui em uma discussão consistente sobre o quão limitada e politicamente conservadora e equivocada é a visão de "normalidade" na qual ele se apoia.

Por esta razão, passo diretamente ao pitarco nº 2. O problema de uma polêmica dessa natureza é que uma parcela das vozes que se insurgem contra o argumento de Dawkins tendem a resvalar para o extremo oposto: abortar um bebê é imoral, quando não criminoso, e não cabe à mãe da criança decidir o futuro de sua gestação.

No meu entendimento, este extremo é tão perigoso e politicamente conservador quanto o argumento da Eugenia. Aborto obrigatório e aborto proibido, no final das contas, acabam desaguando no mesmo rio: a mulher não pode decidir sobre seu corpo e, consequentemente, sobre a vida que ela porta em si.

Enfim, agora que dei os meus dois pitarcos, já posso ir dormir sossegada. Isto, claro, se o fantasma da Eugenia ressuscitado por Richard Dawkins não vier puxar o dedão do meu pé hoje à noite.



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