UA-89169382-1 Crônicas de Juvenal: outubro 2016

quinta-feira, 27 de outubro de 2016

Papagaio-surpresa

O mundo está repleto de coisas surpreendentes, dessas de deixar o queixo cair e a coluna vertebral arrepiar. A grande questão é o quão frequentemente as pessoas se dão conta dessas coisas, estejam elas próximas ou distantes no espaço e no tempo.

Dentre os bilhões de mortais que povoam este planeta, existe um pequeno grupo que fica particularmente satisfeito em se deparar com coisas surpreendentes que estão distantes no tempo. Trata-se, obviamente, dos paleontólogos. No entanto, quando a "surpresa" envolve a descoberta de um objeto distante no tempo e no espaço, aí, então, meu caro leitor, é só alegria, alegria.

Este parece ser o caso da equipe coordenada por Nikita Zelenkov, pesquisador no Instituto Paleontológico Borissiak, da Academia de Ciências da Rússia. Ele foi responsável pela descoberta de um osso de papagaio em plena Sibéria: "Um único osso de papagaio foi descoberto na região de Baikal, ao sul, e data de, aproximadamente, entre 16 e 18 milhões de anos atrás". Por ser a primeira vez em que um fóssil de papagaio é encontrado no continente asiático, a descoberta pode "mudar o nosso entendimento sobre o quão cedo os papagaios se disseminaram pelo mundo e migraram para a América”.

A descoberta, contudo, teve de ser "garimpada" em meio a fósseis de diversos outros animais - tais como rinocerontes, hipopótamos, gatos e roedores. Mas bastou um único fragmento de um osso denominado de tarsometatarso do papagaio fossilizado, localizado na parte inferior da perna do animal, para que ele pudesse ser comparado com outros possíveis parentes: "O osso tem características similares às de outro fóssil recente na Alemanha, divulgado há seis anos, pertencente a uma espécie chamada Mogontiacopsitta miocaena," explica Zelenkov.

Mas o mais surpreendente de tudo é algo que talvez os próprios paleontólogos ainda não tenham se dado conta até o momento: trata-se, seguramente, do papagaio que está há mais tempo calado em todo o continente asiático. Possivelmente, um grande alívio para animais de grande porte e roedores que compartilharam com ele a sua exótica caminhada por este mundo.

segunda-feira, 24 de outubro de 2016

Crônica do orelhão vintage

















Era só um orelhão azul na esquina de uma tarde de domingo.

Hoje, totalmente relegado ao esquecimento pela era wifi"Provavelmente não funciona", disse uma amiga. "O pior que eu cheguei a comprar um cartão há mais ou menos um ano atrás. Tentei em uns 10 telefones no centro da cidade e não achei nenhum que funcionasse. Guardei o cartão de recordação...". Esse aí da foto, nem pude testar, pois não consegui achar meu último cartão.

Pelo menos, ao contrário das novas gerações, ainda sabemos para que ele serve.  Também, pudera! Somos remanescentes do tempo em que se usava a expressão "só agora caiu a ficha'  - prima-irmã da expressão "vê se vira esse disco". Também somos solidárias com o telefone de disco (sim, os números antes eram discados e não digitados), com o disquete flexível e com a capa plástica de proteção do computador de mesa. Hoje, quase ninguém entende o significado dessas expressões, da mesma forma que as novas gerações provavelmente nem sabem para que serve um orelhão. E, mesmo se soubessem, não saberiam nem onde conseguir o cartão para testar o funcionamento.

Quando muito, devem pensar que o orelhão é local de abrigo em dia de chuva. Imagine se, um dia, aquele vizinho de bairro que você sempre viu, mas nunca cumprimentou, resolve correr para debaixo do orelhão justamente no momento em que você chegava lá. 

Imagine a seguinte situação: nervoso, o tal vizinho chamava um Uber pelo celular.  Aliás, faz todo sentido a cena, muito mais verossímil do que o oposto: alguém de dentro do Uber ligando para um orelhão. Nisso, a chuva aperta. "Pode chegar mais para perto", disse o vizinho. "Perto? Que perto? Perto para quê? Meu pé já está ensopado", pensa você. A chuva não cede, mas você, você que vive com pressa, resolve ceder. 

E a gentileza acaba virando um abraço apertado e um beijo molhado. Logo vocês dois que, em plena era das mídias interconectadas, das comunicações interativas em tempo real, nunca tinham tido tempo para se conhecer. O tempo passa, os respectivos celulares tocam, mas o beijo continua - antes molhado, agora encharcado.

Nisso, o Uber passa, mas ninguém nota sua presença. O motorista, comovido, resolve não interromper. Chegou a pensar em descer do carro, entrar debaixo de um orelhão e ligar para o seu amor. Como os orelhões são escassos, liga dali mesmo, de dentro do carro, parado junto ao acostamento.

Nisso, uma velhinha nascida na década de 1920 - portanto, genuinamente vintage! - recém-saída da casa paroquial da Igreja de Santa Efigênia, chama um Uber pelo aplicativo do seu celular. "Uai, mas tem um aqui logo em frente da marquise!" Ela bate no vidro no exato momento em que o motorista do Uber desliga o seu celular. "Claro, minha senhora, pode entrar."

A senhora vintage, sentada no banco de trás, olha para o motorista e segreda: "Sabe, meu filho. Esse tal de smartphone é um orelhão que a gente carrega no bolso e que faz mil coisas que a gente nem imagina. Mas já teve um tempo em que namorar pelo orelhão era modernidade. Na minha juventude, a gente marcava encontro era por bilhetinho mesmo."

"Foram muitos encontros marcados ali mesmo, pertinho da casa paroquial da Igreja de Santa Efigênia", lembra saudosa a senhora vintage. Exatamente ali onde o casal recém-formado ignorava a tecnologia de ponta para se conhecer melhor.

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Meus agradecimentos a Sandra Rodrigues e a Maira Botelho, com quem esta bela crônica foi colaborativamente redigida.

sexta-feira, 21 de outubro de 2016

Gritos de ordem

Eta que a escrita anda cansativa nesses últimos dias. É tanta notícia ruim na imprensa local e nacional, que tem me sobrado pouca motivação para falar das flores.

Mas para cada picada de cobra, há sempre um soro antiofídico nesse mundo. E o antídoto mais indicado nesse momento, caro leitor, se chama: mobilização. Concordo, contudo, que há mobilizações de todos os tipos. Algumas são formas bem estranhas, como aquela escolhida pela cantora Madonna para incentivar os eleitores norte-americanos a votar em Hillary Clinton: "Madonna prometeu, durante um show nesta terça-feira (18), em Nova York, fazer sexo oral em quem votar em Hillary Clinton na eleição presidencial dos EUA", relata notícia publicada hoje no jornal Hoje em Dia online.  

Segundo a referida notícia, Madonna teria se dirigido ao público nos seguintes termos: "Se você votar em Hillary Clinton, vou lhe fazer sexo oral (...) Ok? Eu sou boa nisso. Costumo olhar nos olhos e engulo". Não sei se ela conseguiria muitos novos eleitores, nem mesmo se teria disposição para cumprir a promessa, mas, de qualquer forma, estou certa de que Bill Clinton aprovaria o método.

Outra mobilização com slogan contundente aconteceu na cidade do México, onde palhaços de diversos países da América Latina protestam contra a nova tendência de pessoas saírem travestidas de palhaços assustadores para assustar a população local. Nascida nos EUA e disseminada por outros países, como Reino Unido, Austrália e Brasil, a prática é de gosto duvidoso e deixou um gosto amargo na boca daqueles que fazem desta arte seu ganha-pão.

"Parem com essa palhaçada", gritaram durante congresso anual naquela cidade. "Somos palhaços, não assassinos," reivindicam eles. Preocupados com o impacto negativo desta tendência no seu modesto meio de vida, os palhaços de verdade mandam um recado para suas plateias: morrer, só se for de rir. De susto, jamais!

Por fim, alunos da área de Ciências Biológicas e da Saúde da Universidade Federal de Minas Gerais resolveram ocupar o Centro de Atividades Acadêmicas 1 (CAD1) para protestar contra a proposta da PEC 241 - aquela emenda constitucional que congela os investimentos em saúde e educação por vinte anos. A proposta, que foi lançada após o anúncio da redução do orçamentos das instituições de ensino federais em 45% para o ano que vem, tem por objetivo fazer o drama do sucateamento da universidade pública, gratuita e de qualidade perdurar por mais duas décadas.

Parar com a palhaçada, eis o querem o quanto antes os estudantes. Do contrário, eles pensarão muito seriamente em convidar a Madonna a atuar em sua defesa lá no Congresso Nacional. Fila de adesões garantida.

quarta-feira, 12 de outubro de 2016

Crianceiras

Uma frestazinha de sol nesse mundo acinzentado?

Um pouco de poesia para refrescar suas manhãs (tardes e noites também)?

Pois a boa nova do dia - que é também o Dia das Crianças - é a seguinte: a poesia de Manoel de Barros agora está disponível em aplicativo para celular.

A ideia de musicar os poemas de Barros nasceu de um vizinho do poeta, Márcio de Camillo, quando este decidiu canta-los para a sua filha. A ideia progrediu e acabou virando o show Crianceiras, que circulou pelo país nos últimos cinco anos.

Agora, a brincadeira ganhou ares interativos: "O app reúne dez poemas musicados e animados - Bernardo, Linhas Tortas, Um Bem-Te-Vi e O Menino e o Rio são alguns deles - e quatro poesias interativas - as palavras se movimentam e viram desenhos ao serem tocadas". 

Com ilustrações de Martha Barros, filha do poeta, o aplicativo Crianceiras pode ser baixado em plataformas iOS e Androide e é totalmente gratuito.