UA-89169382-1 Crônicas de Juvenal: março 2016

quinta-feira, 31 de março de 2016

Neanderthalize já!

Duas notícias publicadas nos últimos dias nos contam sobre o passado e o presente da reprodução humana. Até aí, tudo bem. Triste é você constatar que o retrato do nosso passado reprodutivo parecia muito mais divertido do que o futuro que nos está sendo acenado.

Comecemos então pelo diagnóstico do nosso passado. Notícia publicada no jornal Folha de S. Paulo indica que os testes de DNa dos nossos antepassados e de alguns de seus contemporâneos apontam para um passado de muita troca de material genético: "Fósseis já haviam demonstrado que houve convivência entre o homem moderno e seus primos arcaicos encontrados em cavernas, o homem de Neanderthal (Alemanha) e o de Denisova (Sibéria, na Rússia). O DNA agora revela que houve farto sexo."

Com base em complexas técnicas estatísticas, estudo da Universidade de Washington (EUA), publicado recentemente na Nature, liderado pelo pesquisador Joshua Akey, está mostrando que a "frequentação" entre espécies distintas era prática comum e que ela nos deixou, inclusive, um legado genético. "A análise também mostrou que houve pelo menos três momentos de 'inserção de genes' –isto é, sexo– de neandertais no DNA do homem moderno, e uma vez de genes denisovanos. Uma pesquisa no mês passado em um fóssil neandertal indicou a presença de genes do homem moderno 100 mil anos atrás."

Em sentido diametralmente oposto ao luxurioso passado de frequentes "inserções de genes", desponta um futuro de troca quase nula. É o que dá a entender especialista notícia do Jornal O Globo online sobre o recém-publicado livro The End of Sex and the Future of Human Reproduction. Seu autor, Henry Greely, da Universidade de Stanford (EUA), acredita que "em 20 a 40 anos, quando um casal quiser um bebê, ele vai fornecer esperma e ela um pedaço de pele." Daí por diante, "a pele da mulher seria usada para criar células tronco, que virarão óvulos. Esses óvulos serão fertilizados com o esperma, resultando em muito embriões".

Neste cenário futurista, a troca de gametas para fins reprodutivos será feita à distância, no ambiente asséptico dos laboratórios do Primeiro Mundo, com crescente controle sobre as características da prole: "Segundo o professor, o processo teria um custo benefício equilibrado para a sociedade com a redução em doenças hereditárias e bebes mais saudáveis", o que levaria a uma mudança de visão da sociedade sobre a gravidez natural.

Faltou, contudo, à matéria do O Globo ressaltar que os sonhos de uma Humanidade mais sadia a partir de experimentos genéticos guarda um parentesco muito mais próximo com as teorias de "melhoramento racial" do final do Séc. XIX do que o homem moderno de seu parente Neanderthal. Ou seja, o papo não tem nada de novo em suas premissas políticas, inovando apenas no método de seleção de características hereditárias.

Se o cenário descrito pelo senhor Greely for realmente ocupado por seres mais inteligentes, mais sadios e mais aptos, então eles hão de convir que os neandertais e denisovanos deram lições de show de diversidade e abertura aos homens modernos. 

Fora isso, que futurinho mais banal seria esse nosso: abrir mão da contato com o diferente em prol de um suposto controle sobre nossa própria miséria. Credo!  Neanderthalize já!

quinta-feira, 24 de março de 2016

O amor nos tempos de cólera

Aparentemente, tudo parece ter dado certo.

Notícia publicada no jornal O Globo online de hoje fala de um romance inusitado entre dois australianos, Aminah Hart e Scott Andersen. De acordo com a notícia, "em 2012, a publicitária engravidou com o esperma doado por Scott. Os dois não se conheciam, mas, depois que o bebê nasceu, Aminah foi atrás do pai biológico. Eles se apaixonaram e, em dezembro, casaram-se".

Aparentemente... Até prosseguirmos algumas linhas na leitura da notícia e tomarmos conhecimento de outros detalhes mais "comerciais", digamos, da história: "A publicitária escreveu um livro sobre eles, 'Como conheci seu pai', que agora deve virar um filme feito pela produtora que fez 'Simplesmente amor' e o 'Diário de Bridget Jones' ".

Fiel à profissão, Aminah conseguiu fazer da sua história pessoal um promissor produto comercial. "Mas histórias reais também merecem virar livro", dirão alguns. Certo! Difícil vai ser conseguir convencer os públicos do livro e do filme que Banco de Esperma não é agência de namoro.



terça-feira, 22 de março de 2016

Cometas gêmeos

Notícia publicada no Jornal Hoje em Dia online relata passagem do cometa 252P/Linear relativamente próximo a Terra, na manhã dessa 2a feira, dia 21 de março de 2016.

Bom, até aí, nada demais. Cometas costumam passear por essas bandas do Universo sem grandes constrangimentos. Porém, a novidade trazida pelo Laboratório de Propulsão a Jato (JPL) da Agência Espacial Norte-americana (Nasa) é que o 252/Linear será sucedido por um segundo cometa, o P/2016 BA14, que possui órbita bastante similar ao primeiro. "A aparente coincidência, segundo os cientistas, pode ser uma indicação de que os dois cometas sejam 'gêmeos' ", explica a notícia. 

Ainda se forem gêmeos, isso não quer dizer necessariamente que os dois cometas sejam "univitelinos". É que "o P/2016 BA14 tem aproximadamente a metade do tamanho do 252P/Linear e poderia ter se originado do 'irmão' maior em um passado distante". De qualquer forma, é sempre bom saber que o P/2016 BA14, apesar de não oferecer risco de colisão com a Terra, "chegará bem perto do planeta, em termos astronômicos: 3,5 milhões de quilômetros". 

Mas se você está mais é querendo ver o circo pegar fogo e anda ansioso para testemunhar uma queda de cometa na Terra, lamento informa-lo: não vai ser desta vez. Aliás, é bem provável que nem estejamos vivos para conferir a passagem de outro cometa tão próximo a Terra: "até hoje só foram registrados dois cometas com trajetórias mais próximas à Terra, em 1770 e em 1983. Só haverá outro cometa tão próximo dentro de 150 anos". 

Agora, se você anda procurando apenas por uma razão a mais para se preocupar nos dias atuais (como se já não existissem razões de sobra), então a passagem do P/2016 BA14 será um prato cheio. Minha recomendação, neste caso, é que você se una a outros cidadãos brasileiros que adoram criar "caraminholas" e aguarde ansiosamente pelo momento de maior aproximação entre a Terra e o P/2016 BA14, que "nesta terça-feira (22), por volta das 10h30 da manhã (horários de Brasília)".

Não que eu seja vingativa contra os "caraminholeiros" de plantão. Ao contrário, minha sugestão é apenas fruto de uma constatação: tem gente que anda com a vybe tão baixa nesses últimos dias que é bem capaz de alterar a rota de um cometa só com a força do pensamento.  

Desses aí, no entanto, eu peço distância.

sexta-feira, 18 de março de 2016

Superfície de Plutão

Graças à sonda espacial New Horizons, a revista Science nos trouxe esta semana um belíssimo presente: um compêndio de imagens e estudos sobre Plutão e sua lua, Caronte, tiradas durante missão espacial norte americana em julho de 2015.

De acordo com notícia publicada hoje no jornal Hoje em Dia online, os estudos abordados pela Science relatam um planeta com presença de uma "ampla variedade de cores e composições químicas" e com paisagens extremamente diversificadas, marcadas pela injunção de "placas tectônicas, extensos montes, glaciares e blocos de gelo."

"A variabilidade do terreno sugere que as camadas da estrutura de Plutão resultaram da erosão e de diferentes processos de formação geológica, que ocorreram durante os últimos cem milhões de anos", explica ainda a notícia. Nada mal para um planeta cuja "atmosfera é mais fria e compacta do que se pensava."

Vendo tanta diversidade daqui de longe, termino uma das semanas mais tumultuadas no ano até agora com a seguinte questão para reflexão: se em Plutão pode, por que não aqui?

quarta-feira, 16 de março de 2016

Pérolas verdadeiras

Já estava mesmo chegando a hora de acabar com a farra!

Clarice Lispector tem muitos ávidos adoradores e não há nada de mal nisso. O problema são aqueles que, segundo notícia publicada hoje na Folha de S. Paulo, buscam nela inspiração "para dar conforto moral ou conselhos sentimentais", mas acabam compartilhando citações falsas da autora. 

Para vocês terem ideia, outro dia, dei de cara com um longo texto, compartilhado pelo menos algumas milhões de vezes no Facebook, segundo o qual Lispector teria supostamente utilizado o termo "balada" no seu sentido mais contemporâneo: farra, boemia, noitada, gandaia. Sinto muito se você é um desses compartilhadores, mas associar a Clarice Lispector a ideia de que "não dá para arrumar um amor verdadeiro na balada" (ou coisa parecida) deveria ser crime inafiançável.

Mas ainda bem que o Grupo Zaffari se prontificou a corrigir esta classe de equívoco e munir os citadores compulsivos com um dicionário de pérolas verdadeiras da nossa grande musa existencialista. Intitulada "Clarice Lispector - A Transcendental Visão do Cotidiano", a obra traz nada mais nada menos do que "mil verbetes com trechos de livros e cartas da autora", prontinhos para serem divulgados na web. Tudo isso com uma grande vantagem: você não vai fazer a autora revirar de desgosto no caixão.

Se, contudo, a leitura do dicionário for muito densa e desafiadora, vale a pena dar uma olhada na notícia publicada na Folha de S. Paulo, que já pré-selecionou 15 frases verdadeiras da autora para os amantes da citação. Por sinal, nenhuma delas traz o termo "balada".

Boa leitura, boas citações e boas compartilhadas!

terça-feira, 15 de março de 2016

Outono 2016

O outono chegou!

E chegou logo hoje, 2a feira. O diagnóstico, contudo, é aberto a controvérsias. Alguns preferem afirmar que o outono ainda não chegou oficialmente; outros, por sua vez, acreditam que ele já estava aí desde a 5a feira passada. Mas isso realmente não importa.

Importa que a brisa fresca e aquele súbito arrepio no braço serão mais frequentes daqui por diante, até que alcancemos o solstício de inverno. Mas, antes de atingirmos o ponto máximo de distanciamento entre o hemisfério sul e o sol, nos despediremos dos dias quentes de verão com um breve lamento do estrago que ele andou fazendo por aqui no mês passado.

Segundo dados da Agência Espacial Americana (NASA), o houve um salto no aumento da temperatura média do mês de fevereiro, provocando um aumento muito superior ao observado nos meses anteriores. Em termos práticos, significa reconhecer que "os termômetros marcaram um avanço de 1,35 grau Celsius em relação à media do mesmo mês durante o período de base de comparação, entre 1951 e 1980".

No meio dessa barafunda, alguns tentam colocar parte da responsabilidade no fenômeno do El Niño, "que aquece as águas do Oceano Pacífico, [e] pode ter contribuído para o aumento nas temperaturas." Outros preferem culpar a emissão crescente de gases com efeito-estufa. Mas isso realmente não importa.


Importa que o lamento hoje seja tão breve quanto um arrepio no braço. O sono já bateu. Boa noite para quem fica. E deixa eu investir nos sonhos, porque o aquecimento global já é realidade.


sexta-feira, 11 de março de 2016

Digite WIN

Quer deixar um adolescente chocado?

Mostre a ele como funcionava o sistema operacional Windows 95, o sucesso de vendas que fez a Microsoft revolucionar o mercado de computadores pessoais em meados da década de 1990. 

Não, a ideia (infelizmente) não é minha, mas dos produtores americanos Fine Brothers. Eles resolveram emplacar a ideia e produzir um relato videográfico deste - por que não dizer? - encontro de gerações. 

O vídeo, que mostra jovens "mais novos que o sistema vendo um computador com ele pela primeira vez", já "acumulou mais 5,4 milhões de visualizações em quatro dias". A ideia do vídeo, ao que parece, era mostrar aos jovens "como era usar um computador antes do wi-fi, do Google, do monitor de tela plana (e fino) e de programas que você pode baixar e ligar com um clique." 

Para ser sincera, tive a maior preguiça de assistir ao vídeo e conferir as reações. Quem sabe, no fundo, o que bateu mesmo foi um certo constrangimento por já ter digitado as três famosas letrinhas "WIN" no Prompt do MS-DOS e poder, feliz da vida, entrar no Windows 3.0.

Falei grego? Então é porque você nunca pensou em fazer um curso de Basic e Cobol após terminar o de datilografia.

Ok, depois dessa, melhor ficar por aqui. Boa noite para quem fica. Vou sonhar com o MS-DOS e suas letrinhas verdes. Ou brancas, dependendo da versão.




sexta-feira, 4 de março de 2016

Microgravidade

E só dá ele: Scott Kelly, o astronauta pop que mandou recado lá do espaço durante a COP-21 e plantou uma jardim para espantar a solidão sideral, ganha mais uma vez a atenção da imprensa.

Dessa vez, após 340 dias a bordo da Estação Espacial Internacional, ele volta para a Terra e se descobre... um grande homem! Ou melhor, ele se descobre um homem 4 cm mais alto, graças ao efeito prolongado da ausência de gravidade no seu corpo.

A explicação é simples: "Sem a pressão exercida pela gravidade, os espaços entre os discos da coluna vertebral se expandem", diz matéria publicada hoje no jornal O Globo online. A medição foi comprovada em checagem de rotina que todo astronauta passa após retornar a Terra. Fora isso, Kelly tem outro bom referencial para identificar alterações de estatura: Mark Kelly, um ex-astronauta da NASA, é seu irmão gêmeo idêntico. 

Aliás, um dos objetivos de uma jornada tão estendida no espaço - 340 dias é um recorde que só havia sido batido anteriormente por astronautas russos - era mesmo "estudar os efeitos da exposição prolongada ao espaço, em especial à falta de gravidade". Acredita-se que tais estudos serão essenciais para "viabilizar o envio de missões tripuladas para regiões mais longínquas, como Marte".

Contudo, há que se fazer um alerta aos baixinhos, nanicos e outros complexados com o próprio tamanho e que já estejam de olho no alistamento para a próxima missão de povoamento em Marte: "Em outra entrevista, Kelly admitiu já ter encolhido". E tem mais: a volta para a gravidade costuma ser penosa: "Voltar é mais complicado. Fui jogar basquete e errei tudo, todos os meus grupos musculares estão doendo um pouco".

A conclusão, portanto, não poderia ser outra: se o seu complexo de tamanho for tão forte a ponto de te levar para Marte, então é melhor ficar logo por lá. Não que Marte lhe fará necessariamente feliz, mas, pelo menos, nós teremos um complexado a menos nesse planeta.


terça-feira, 1 de março de 2016

Longevidade de classe

Se você, quando você faz aniversário, sempre espera ouvir "muitos anos de vida" junto com os parabéns, é bom saber que a longevidade não é para todos.

É que estudos recentes, desenvolvidos nos EUA, atestam um aumento desproporcional da longevidade entre os mais ricos. Pelo menos, esta é a tendência por lá, onde os efeitos nefastos da disparidade de renda afetam não apenas a qualidade de vida e de morte das pessoas mais ricas em relação às pessoas mais pobres, mas também o tempo geral de sobrevida. 

É claro que o fato não causa nenhuma surpresa nos habitantes do País das Mil e uma Plásticas, também conhecido como Brasil. A novidade, contudo, reside no fator de que, de acordo com matéria do New York Times, traduzida pelo jornal Folha de S. Paulo, a diferença de longevidade entre americanos e de baixa e alta renda vem aumentando drasticamente, a despeito de todos os avanços na adquiridos nas áreas da medicina, tecnologia e educação. 

Dados do governo norte-americano atestam o fato:



Esses dados são corroborados e ampliados por um estudo mais recente do Instituto Brookings, em Washington:


Mas atenção: os números não são mais animadores quando se trata das desigualdades sociais entre mulheres. Para elas, a lacuna passou de 4,7 para 13 anos, no mesmo período.

Resumindo bem resumidamente a matéria, o aumento da diferença de longevidade entre ricos e pobres desafia, pelo menos, dois entendimentos comumente atribuídas aos países ricos: 1) que os investimentos em tecnologia e saúde consigam aumentar a expectativa de vida de maneira equânime, independente da classe social; 2) que benefícios sociais, tais como a seguridade social, sejam usufruídos por todos os cidadãos, a despeito de sua classe social.  

Ao contrário, os estudos mostram que a faixa mais abastarda da população usufrui desproporcionalmente mais dos benefícios de seguridade social e de outros avanços tecnológicos, porque vive mais para recebe-los. 

Para os que se contentam com a máxima de que "os ricos pagam mais impostos", fica a resposta encontrada pelos órgãos de avaliação da área da saúde dos EUA: