UA-89169382-1 Crônicas de Juvenal: junho 2016

quinta-feira, 30 de junho de 2016

As belas recatadas de Wimbledon

Então vamos falar de um tema que eu quase nunca falo por essas bandas: moda!

A Nike resolveu lançar um novo modelito para as tenistas que ela patrocina no Torneio de Wimbledon: um vestido largo e curto, em substituição aos tradicionais saia e top. Entretanto, após passar no teste na seletiva da semana passada, o modelito acabou servindo de mote uma grande polêmica.

A notícia publicada pelo jornal New York Times, republicada em português por aqui pela Folha de S. Paulo,  não poupou críticas: "Ele não tem muita forma, e pedaços longos de tecido pendem soltos na frente e atrás. Seu estilo lembra o modelo 'babydoll' criado em 1942 pela estilista Sylvia Pedlar, de Nova York, a fim de enfrentar a falta de tecido de que os Estados Unidos sofriam na época da guerra, e é mais comumente associado a lingerie ou a roupas de dormir do que ao desempenho esportivo."

O efeito prático do tal vestidinho, que está mais para bata hippie do que para babydoll, é fazer todas as jogadoras de tênis reviverem a cena clássica de Marilyn Monroe no filme O Pecado Mora ao Lado, quando a diva teve sua saia levantada ao passar sobre uma saída de ventilação do metrô de Manhattan. 

A peça esvoaçante, como não poderia deixar de ser, enfrentou resistência entre suas usuárias preferenciais. Ainda segundo a notícia, a tenista sueca Rebecca Peterson "jogou com uma camisa de manga comprida sobre o vestido, para mantê-lo ao menos em parte no lugar". Outra tenista, Katie Boulter, "improvisou, amarrando uma faixa de cabeça na cintura para servir como cinto, mantendo o vestido mais ou menos no lugar". Já Lucie Hradecka "usou leggings sob o vestido, o que transformou na prática em camisa".

Diante da saia justa, ou melhor, do vestido largo, a Nike teve que rever suas intenções iniciais, por ela intitulado de NikeCourt Premier Slam Dress, uma "peça única, que representa novidade diante da combinação de saia e top usada em Grand Slams anteriores." Sem querer dar o braço a torcer quanto a um possível erro de modelagem, a Nike se defendeu como pôde. O primeiro passo foi ir à luta e conclamar as jogadoras para devolverem o vestido para "pequenas alterações em respeito às regras de Wimbledon". Em seguida, a Nik convocou um costureiro próprio para costurar as fendas laterais, para firma-lo um pouco mais e impedir que voasse durante o jogo. 

Além das alterações em corte e costura, foi dada às jogadoras a opção de retomarem os tradicionais top-e-saia das competições anteriores. A tenista Daria Kasatkina, por exemplo, disse que ficou "feliz por ter essa oportunidade, porque quando você se sente bem em quadra, joga melhor". O depoimento de Sabine Lisicki, outra tenista de Wimbledon, foi mais ou menos no mesmo rumo: "Não me sentia confortável mostrando tanto."

Diante de tanto desconforto, cabe perguntar: quem, afinal, gostou e aprovou o novo modelo? A resposta está na concorrência: "Eugenie Bouchard, finalista de Wimbledon em 2014, foi a jogadora usada como modelo para o vestido nos materiais de promoção da Nike. Ela defende o modelo", que ela considera "bonito e curto, e você pode se movimentar e ter liberdade". 

"Não sei, acho engraçado que as pessoas tenham prestado tanta atenção a ele, mas para mim é bem bonito", diz Bouchard. Belamente desconfortável para sua concorrentes, seria mais correto dizer. Dentre todas as jogadoras do torneio, suspeito que Bouchard seja, seguramente, a maior beneficiada pela adesão em massa ao modelito Nike. 


terça-feira, 28 de junho de 2016

Nós e as melancias chinesas

A China é danada. Além de viver desvalorizar propositalmente sua moeda e fazer desabar as bolsas de valors pelo mundo afora, seus habitantes ainda conseguem produzir rumores de larguíssima escala - os maiores do planeta, por sinal! - como nenhum outro país seria capaz de criar.

A controvérsia em torno do velho hábito de bater na casca da melancia é uma delas. "Tudo começou quando um chinês publicou uma foto de um aviso de um supermercado na Itália que pedia aos clientes para não baterem nas melancias," relata notícia publicada hoje no jornal Folha de S. Paulo

Mas o fato de o cartaz estar escrito em italiano - um indício de que ele havia sido exibido originalmente a milhares de quilômetros da China - e de não haver um único chinês presente na cena em nada contribui para evitar que uma comoção nacional se instalasse a partir de então: "os chineses o interpretaram como um ataque a uma prática considerada por muitos como um costume único de seu país".

O problema de uma preocupação super-dimensionada com a auto-imagem arranhada e de uma necessidade atroz de colocar a melancia no pescoço (um trocadilho bastante a calhar neste contexto), nós, brasileiros, conhecemos bem. O que não conhecemos é essa propensão a defender o país a unhas, dentes e mãos tamborilando na casca da melancia. "A verdade é que os chineses estão sempre a postos para rebater fatos falsos sobre o país e zelar por sua reputação —assim como a mídia chineses (sic) com frequência considera relatos publicados em redes sociais como verdadeiros".

Ainda de acordo com a notícia, "bater na melancia e esperar ouvir um som oco é, na verdade, um costume quase universal", da mesma forma como o é a tendência da mídia de publicar relatos nas redes sociais como se fossem verdade. Contudo, a preocupação com a auto-imagem de uma nação parece produzir efeitos inversos aqui e lá. Na China, a comoção e a indignação gerados pela suposta referência implícita aos chineses fizeram com estes se unissem para provar que seu método de teste de melancias era o melhor do planeta.

Estivéssemos nós na mesma situação de pseudo-questionamento, a reação teria sido totalmente diferente. Rapidamente, nós correríamos para o Facebook para compartilhar aos quatro ventos uma suposta notícia sobre o desmantelamento de uma suposta máfia internacional de brasileiros tamboriladores de melancia, sob protestos veementes de que "este país anda perdido mesmo". 

A despeito de tudo isso, uma ampla maioria da população brasileira continuaria a tamborilar cinicamente nas melancias da esquina (alguns mais desinibidos chegando mesmo a pendura-la ostensivamente no pescoço), como se a prática hedionda fosse prerrogativa exclusiva dos mafiosos aqui instalados desde a chegada de Cabral. 


quinta-feira, 23 de junho de 2016

Izildinha e Sílvio Santos

Até o dia de hoje, eu nunca havia ouvido falar de Santa Izildinha, nem muito menos da faculdade de mesmo nome, que fica na Zona Leste de São Paulo. E devo admitir que a impressão não foi das melhores.

Meu problema não é nem tanto com a santa, mas com a Faculdade em questão. Ela é acusada de fornecer diplomas falsificados aos seus alunos. "A fraude foi descoberta no início do mês por um grupo de ex-alunos da Faculdade Santa Izildinha, de São Mateus, ligada ao grupo Uniesp. Eles já identificaram cerca de 50 documentos inválidos". 

De acordo com a notícia publicada no jornal Folha de S. Paulo, como a Santa Izildinha não é uma universidade, mas uma faculdade, ela precisa do registro e validação de outra universidade de maior porte que, no seu caso, era a USP. A USP caberia a emissão de um carimbo e assinatura no verso de cada diploma, serviço pelo qual a Santa Izildinha deveria dispensar a módica quantia de R$90 por diploma.

Mas quão grande não foi a estupefação dos alunos quando descobriram que "os números de registro de seus documentos não constavam dos arquivos da Universidade de São Paulo. Além disso, a assinatura de um suposto diretor da instituição também foi forjada". 

O pior - pasmem! - é que o grupo Uniesp, ao qual pertence, desde de 2011, a Faculdade Santa Izildinha - tem outro precedente desonroso de irregularidades no Fies (financiamento estudantil). "Entre os problemas, registrava no Fies alunos em cursos diferentes, e mais caros, do que eles de fato cursavam. Assim, garantia repasses maiores do governo".

Para uma faculdade pouco idônea, um diploma de mentirinha. A única mais ou menos coisa certa nessa história foi o fato de os alunos terem pagado as mensalidades desse curso. Ou não... Vai saber!

P. S.= Ironia da história: o nome do diretor cuja assinatura foi forjada é "Sílvio Santos". 

terça-feira, 14 de junho de 2016

Platão às avessas

"Quando a luz dos olhos meus/
 e a luz dos olhos teus/
resolvem se encontrar..." 

Pois bem, inspirados amantes: se depender da poluição luminosa que assola pelo menos 1/3 da Humanidade, a luz dos olhos meus e a luz dos teus jamais nos permitirão ver a Via Láctea.

Notícia publicada hoje no jornal O Globo online traz diagnóstico assustador, obtido graças a um atlas global da poluição luminosa que foi publicado recentemente na revista Science Advances. "De acordo com os dados do atlas, 83,2% da Humanidade estão expostos a um nível já relativamente alto de poluição luminosa, sendo que 13,9% da população mundial vivem em locais tão iluminados — com um brilho no céu acima de 3 mil microcandelas por metro quadrado (mcd/m2) — que seus olhos não precisam mais atuar à noite na chamada visão escotópica, produzida sob baixa luminosidade em que os bastonetes — receptores em nossa retina responsáveis pela detecção de cores e que só funcionam em boas condições de luz — são 'desligados'"

Em termos bem práticos, os dados indicam que estamos perdendo a capacidade de nos adaptar ao escuro porque este simplesmente está deixando de existir. Uma das consequências disso é que o excesso de luz está originando um novo tipo de ignorância nunca antes experimentado pelos nossos antepassados: "Temos gerações inteiras de pessoas nos Estados Unidos que nunca viram a Via Láctea — lamenta Chris Elvidge, pesquisador do Centro Nacional de Informações Ambientais da Administração Nacional para Oceanos e Atmosfera dos EUA (NOAA) e um dos coautores do atlas." Além do NOAA, participaram do estudo o Centro Alemão para Pesquisas em Geociências (GFZ) e Oa Instituto Italiano de Ciência e Tecnologia da Poluição Luminosa

Outro dado interessante do atlas é que, quando se trata de poluição luminosa, países ricos são mais afetados do que os pobres, inversamente ao que acontece com outras formas de poluição, muito embora todos sejamos, de alguma forma, impactados pelo avanço das tecnologias de iluminação, como as lâmpadas de vapor de sódio e de LED: "O problema é maior em países ricos, como na União Europeia e nos EUA, onde, respectivamente, quase 60% e 80% da população não conseguem mais ver a Via Láctea onde moram, mas também afeta nações pobres e em desenvolvimento como o Brasil, no qual 62,5% das pessoas vivem em locais em que estão impedidas de observar nossa galáxia pela invasão das nossas luzes no céu".

Claro, o problema vai muito além de apenas de ver ou não ver estrelas, dado que a saúde também padece junto com o desconhecimento do céu noturno: "estudos apontam que a poluição luminosa prejudica a saúde humana, afeta nossos padrões de sono e provoca danos ao meio ambiente, em especial a animais de hábitos noturnos."

Com tanta luminosidade disponível, nosso risco agora é viver o avesso do mito da caverna de Platão: ao invés de mantermos nossa ignorância acreditando nas sombras que vemos projetadas na parede da caverna, tal como reza o mito, deixaremos olhar para o céu e de nos conectar com o Cosmos justamente porque estamos expostos em demasia à luz. Triste destino: seremos gerações de mentes brilhantes cegados pela luz artificial.

quinta-feira, 9 de junho de 2016

Fusão e desaceleração

Lembra dos novos elementos da tabela periódica, cuja descoberta foi anunciada logo na primeira semana deste ano de 2016? Pois então: a partir de hoje, eles deixaram de ser apenas um número e passaram a ganhar nomes próprios: "são eles nihonium (número atômico 113), moscouvium (115), tennessine (117) e oganesson (118)".

Antes, precisou da União Internacional de Química Pura e Aplicada (IUPAC) analisar as propostas de nomes submetidas pelos grupos responsáveis pelas descobertas para dar o seu aval. O próximo passo será submete-los a " um período de consulta pública", após o qual "os nomes serão aprovados e o resultado será publicado."

A lógica da nomeação dos elementos químicos novos segue mais ou menos um padrão previamente estabelecido. Os nomes moscovita (de Moscou), tennessine (do Tennessee) e nihonium (de Nihon, um dos nomes atribuídos ao Japão) são alusões aos locais onde essas descobertas foram realizadas. Apenas o elemento oganesson homenageia diretamente o seu descobridor, Yuri Oganessian, um físico nuclear russo de ascendência armênia.

Um aspecto interessante a respeito dos novos elementos da tabela periódica é que eles não existem na natureza e precisaram de condições especiais em laboratório - como um acelerador de partículas, por exemplo - para serem produzidos artificialmente: "os novos elementos não existem na natureza e são criados por aceleradores de partículas que fazem elementos menores colidirem entre si e se fundir. Os átomos criados nessas condições sobrevivem por apenas algumas frações de segundo".

Inevitável estabelecer uma analogia entre as fusões ao ler a notícia publicada hoje sobre as manifestações contra o fim do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, realizadas essa tarde na Universidade Federal de Minas Gerais, diante da sua recente fusão com o Ministério de Comunicações.  Realmente, não sei quem teve essa ideia de jerico, mas a única coisa "acelerada" com essa fusão de pastas será o nosso atraso: dividir a verba de uma área estratégica como a de ciência e tecnologia com a de outra, na qual os interesses corporativos falam mais alto, é dar um tiro no pé do avanço da pesquisa e das ciências no país. 

Como explica com didaticamente o comunicado assinado pela Fundação Osvaldo Cruz, "o MCTI tem como linhas de atuação fomentar, junto a agências financiadoras, o desenvolvimento da ciência e tecnologia e desenvolver investigação científica em seus Institutos de Pesquisa. O Ministério das Comunicações age junto a órgãos de controle que visam dar transparência e acesso às ações governamentais, além de proporcionar a interação com a sociedade civil. São claras as diferenças entre os procedimentos adotados pelos dois ministérios e suas respectivas áreas de atuação, para que se possa unificá-los em uma única estrutura."

O fim do MCTI tal como o conhecemos no passado - isto é, com autonomia de Ministério - é um retrocesso tão grave que só nos cabe renomeá-lo para MCTinha: tinha ciência, mas acabou; tinha pesquisa, mas acabou; tinha produção científica crescente, mas acabou; tinha formação de novos quadros na ciência, mas acabou. 

Enfim: no país do "tem, mas acabou", sobraram justamente as áreas mais vulneráveis a cortes, como Educação, Cultura e Ciência & Tecnologia. Torço apenas para que os "novos ministérios" criados sob condições tão artificiais tenham vida tão curta quanto os átomos dos elementos químicos criados em laboratório.




sábado, 4 de junho de 2016

Louvação

Nesses tempos tão hostis não só às mulheres, mas à própria noção de um Feminino Sagrado e sadio, eis que uma uma homenagem sensível e inusitada vem iluminar o noticiário do dia: "o Museu de História Natural de Cleveland, nos Estados Unidos, identificou uma nova espécie de louva-a-deus e a batizou em homenagem a Ruth Bader Ginsburg, a decana da Suprema Corte dos Estados Unidos." 

Ginsburg, que foi um expoente da "luta pelos direitos da mulher e pela igualdade sexual" nos Estados Unidos nas décadas de 1960 e 1970, emprestou seu nome à Ilomantis ginsburgae, espécie de louva-deus que acaba de descrita e caracterizada pelos entomólogos do museu em questão.

A homenagem ao sexo feminino, no entanto, foi um tanto além da atribuição do nome e acabou esbarrando no próprio método adotado para a identificação de novas espécies. De acordo com a pesquisadora Sydnet Brannoch, "tradicionalmente, na taxonomia do louva-a-deus, usam-se as características do aparelho genital masculino para descrever e delimitar novas espécies, mas queríamos saber se podíamos usar as características do aparelho genital feminino." E foi justamente a observação da genitália feminina que permitiu "diferenciar sem ambiguidade duas espécies entre ilomantis".

No nome ou no método, a louvação gera efeitos similares: que, nesses dias mais sombrios, o reconhecimento e a reverência às especificidades do Feminino nos sirva de bálsamo e inspiração.