UA-89169382-1 Crônicas de Juvenal: fevereiro 2014

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Resmungando

O jornalista Oliver Bukerman acaba de lançar um livro intitulado Manual anti-ajuda.

Uma crítica ferrenha aos métodos motivacionais calcados na ideia do chamado pensamento positivo. "Por meio do humor característico dos britânicos, Burkeman foca sua crítica nos conselhos comuns presentes nos inúmeros volumes de autoajuda que concorrem nas prateleiras das livrarias" (http://www1.folha.uol.com.br/livrariadafolha/2014/02/1411101-autor-ingles-critica-a-industria-global-do-pensamento-positivo.shtml), revela notícia publicada hoje no jornal Folha de S. Paulo.

Olha só: a crítica de Burkeman está longe de matar alguém de surpresa! Dizer que "a retórica da auto-ajuda é simples e falaciosa" é chover no molhado da existência humana. Aliás, é tão óbvio, que nem dá para ficar rico vendendo livro a este respeito. Ou será que dá?

Bem, deve poder. A notícia diz, ao menos, que o livro tem um mérito: ele "consegue, por fim, espantar a tristeza ao pensar a felicidade pela via oposta". A prova disso está na seguinte frase, atribuída a Bukerman pela notícia: "Criticar o poder da positividade é a prova de que você não o captou. Se tivesse captado, não estaria resmungando sobre essas coisas. Aliás, não estaria resmungando sobre nada".

Se bem que sob este ponto de vista, a obra de Bukerman não deixa ter lá seu quinhão de inovação. Livros de pensamento positivo não podem resmungar, sob a pena de traírem seu próprio princípio de positividade. Já o próprio Bukerman, este resmunga o tempo todo contra os manuais de auto-ajuda. A única diferença entre os resmungões é que este último faz rir ao ridicularizar, de maneira pessimista, o pensamento positivo.

Sinal dos tempos e de que o mundo anda mesmo às avessas...


quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Calendário

Acho que nem o calendário maia - na sua mais pessimista interpretação - teria conseguido ser tão catastrófico: "Em ano de Copa do Mundo no Brasil e eleições, o Senado vai trabalhar apenas cinco semanas entre os meses de junho e outubro" (http://www1.folha.uol.com.br/poder/2014/02/1417814-senadores-cortam-72-das-atividades-na-copa-e-na-eleicao-salario-fica-igual.shtml).

A média de uma semana de trabalho por mês - pasmem! - concentra os esforços parlamentares para que a força criativa dos nossos representantes não se esvaia ao léu: "No calendário distribuído aos senadores, (...) constam jogos do Brasil e outras partidas que serão acompanhadas por muitos congressistas – como a disputa Portugal x Gana, no dia 26 de junho, e Suiça e Equador, no dia 23 de junho".

O presidente do Senado, Renan Calheiros, justifica a medida: "Aprovamos um calendário para o ano legislativo todo para compatibilizar ano eleitoral e eventos internacionais com o funcionamento do Congresso", teria afirmado ao jornal Folha de S. Paulo online.

Melhor seria dizer que o Senado aprovou os eventos internacionais para compatibilizá-loscom espírito da casa...

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Fera ferida

Não há como prescindir da banalidade do cotidiano se queremos conferir alguma estabilidade à nossa existência. Agora, convenhamos: não há nada de banal em topar com um leopardo dentro de uma sala de cinema dentro de uma cidade de 3,5 milhões de habitantes.

A cidade de Meerut, na Índia, sabe muito bem o que estou falando: "Um leopardo provocou pânico em uma cidade do norte da Índia ao invadir um hospital, um cinema e um edifício residencial e driblar seus captores" (http://www.hojeemdia.com.br/noticias/mundo/leopardo-provoca-panico-entre-moradores-de-cidade-indiana-1.221607).

"Autoridades pediram o fechamento dos mercados na cidade de 3,5 milhões de habitantes até que o animal, que deixou seis pessoas feridas" fosse capturado.

Nada banal. Antes de ser acalmado finalmente com dardos tranquilizantes, o felino deveria ter ouvido esta canção da Diana Krall, perfeita para relaxar os sentidos e exercitar a entrega. Mas leopardo é bicho teimoso, viu!



terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Tigres veganos

Indiferença às vezes machuca. Mas, definitivamente, não nesse caso.

Pelo contrário: a indiferença dos tigres de bengala do zoológico de Chengdu, na província de Sichuan, a sudoeste da China, salvou a vida de Yang Jinhai, 27 anos. De acordo com a imprensa local, ele "subiu em uma árvore e saltou para a jaula dos tigres, no domingo passado", em um tentativa bastante incomum de suicídio (http://www.hojeemdia.com.br/noticias/bizarro/homem-tenta-sem-sucesso-ser-devorado-por-dois-tigres-na-china-1.219526).

Desempregado, deprimido e vítima de transtornos mentais, Jinhai bem que tentou convencer os tigres de devora-lo ali mesmo: "Os visitantes, chocados, observaram Yang fazendo movimentos exagerados e tentando por 20 minutos incitar os tigres."

Frustrado, a quase vítima expôs seu ponto de vista ao ao jornal financeiro de Chengdu: "Disse a eles que me mordessem, que devorassem a minha carne, que eu não me defenderia". Mas nem assim: "embora os felinos tenham chegado a arranhá-lo com suas garras, principalmente na parte de trás do pescoço, não mostraram maior interesse em devorá-lo".

Saiu de lá vivinho da Silva, com um boletim médico de baixo do braço, dizendo que ele "só apresentava vários ferimentos pequenos." É o milagre da vida protagonizado por tigres veganos!



sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Flores e debandada

 A diplomacia brasileira teve que se mobilizar e ir até Havana esta semana para tratar da evasão dos médicos cubanos do programa governamental "Mais Médicos" (http://oglobo.globo.com/pais/mais-medicos-abandono-de-cubanos-leva-ministro-havana-11596987). É que os tais médicos cubanos, aqueles mesmos que ameaçaram a auto-estima dos médicos brasileiros, estão fazendo o que os quilombolas fizeram durante mais 300 anos: abandonando o barco e colocando o pé no mundo - desde que bem longe de Cuba, claro.

A polêmica gira "em torno das condições de trabalho e da remuneração dos cubanos contratados para o programa Mais Médicos". Muita especulação ronda a missão diplomática: "Segundo fontes, Figueiredo teria tratado com Parrilha sobre formas de evitar que o programa seja esvaziado, incluindo a melhora da remuneração dos médicos. O governo de Cuba estaria preocupado com esse cenário, uma vez que os médicos enviadas ao Brasil são produtos de exportação da ilha caribenha".

Certamente, foi para resolver este problema - e tantos outros que o país ainda tem - que o Itamaraty resolveu lançar um edital  de R$ 461,1 mil para a compra de flores para fins diplomáticos. De acordo com o texto do edital, "As flores contribuem para que seja transmitida às autoridades estrangeiras uma melhor impressão do país anfitrião, o que se traduz por ganhos institucionais para o governo brasileiro" (http://www1.folha.uol.com.br/poder/2014/02/1410886-itamaraty-lanca-edital-de-r-460-mil-para-comprar-flores.shtml).

Bacana demais! Quando a fome apertar e o salário miserável for insuficiente para uma vida decente, os médicos cubanos do programa pensarão seriamente na salada de flores oferecida pelo Itamaraty em troca de ganhos institucionais.

Mas melhor mesmo seria o Itamaraty dar um melhor fim nessas flores e convidá-las para passar uns dias aqui em casa. Elas teriam um uso mais digno e mais sincero, sem a menor sombra de dúvidas.

Boa noite para quem fica. Hoje já é o meu aniversário.

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Versões

Já tinha ouvido com a Lorena MacKennit. Mas a versão em português não fica nada a dever...


quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Camelódromo

Quem conta um conto, aumenta um ponto. Disso, todo mundo já sabia. O que não se sabia era que os camelos iriam um dia colocar os criacionistas para correr.

Desenvolvido pela Universidade de Tel Aviv, estudo arqueológico sobre a origem dos camelos revela inconsistências históricas nas narrativas bíblica, inconsistências estas que envolvem a presença indevida de camelos nos textos sagrados (http://oglobo.globo.com/ciencia/historia/origem-dos-camelos-mostra-erro-na-biblia-diz-estudo-11573807).

O estudo em questão precisa o momento histórico em que os camelos foram domesticados pelo homem, o que, via de regra, torna inverossímel a presença de camelos em diversas passagens da Bíblia: "O erro histórico é uma evidência de que a Bíblia foi escrita ou editada muito tempo após os eventos narrados, e suas histórias nem sempre são confiáveis".

Na verdade, a domesticação dos camelos é bem posterior ao período sugeridos pelos escritos bíblicos: "os camelos tornaram-se amplamente empregados no comércio no século VII a.C", ao passo que "ao contrário do que dizem as Escrituras Sagradas, os patriarcas judeus, como Abraão, Jacó e José, que viveram no segundo milênio a.C., não conheceram os animais".

Populares por terem cumprido um papel importante na região do Egito - tornando possíveis viagens mais longas, como, por exemplo, até a Índia -  os camelos pressagiam hoje tempos difíceis nos meios criacionistas radicais. Mas há quem considere também que eles prestaram um ótimo serviço ao expor as mazelas históricas das narrativas sagradas. Para estes últimos, os camelos bem que podiam prestar um último favor: colocar Eva no lombo e levá-la para bem longe do tempo mítico - para lá da Índia, se possível.

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Sob demanda

Pesquisa sobre "as transformações nos hábitos dos assinantes de TV por assinatura no país", realizada pelo Ibope, conseguiu um feito inédito: identificar o crescimento dos VODs (videos on demand) entre pessoas que ignoram completamente o que seja um VOD (http://outrocanal.blogfolha.uol.com.br/2014/02/10/quase-80-dos-brasileiros-nao-conhecem-videos-on-demand/).

Sejamos mais precisos: a pesquisa, que é chamada de 20ª PayTV pop, ouviu mais de 18 mil pessoas em 13 metrópoles do Brasil para "mapear e analisar as transformações nos hábitos dos assinantes de TV por assinatura no país".

A conclusão não poderia ter sido mais surpreendente: "os serviços de vídeo 'on demand' (sob demanda), VOD, não param de crescer, mas quase 80% dos brasileiros não têm a menor ideia do que é um vídeo 'on demand' ".

Se ninguém conhece, pegou nem viu, como explicar então o crescimento de VODs? Sem arriscar em falar de almas de outro mundo, uma das fornecedoras do serviço, a Netflix, ofereceu uma explicação também não muito convincente para o fato: "Procurada, a Net diz que o nome VOD (vídeo on demand’) é pouco difundido no Brasil pelas empresas e que isso pode ter causado confusão entre os participantes da pesquisa".

Qualquer que seja o indicador do crescimento, o que fica mesmo é a certeza do caráter restrito do público brasileiro. Basta lembrar que "apenas 20% dos entrevistados disseram conhecer o VOD e, desses, somente 2% já utilizaram o serviço". Ou seja, se levarmos em consideração que a população brasileira gira em torno de 200 milhões de habitantes, os usuários efetivos não ultrapassariam a marca de 4 milhões. 

Enquanto o crescimento dos VODs no Brasil permanece um mistério metodologicamente inexplicável, os números americanos apontam uma realidade radicalmente oposta à nossa. Além de os assinantes digitais de pay TV terem acesso ao VOD nos Estados Unidos - algo em torno de 45 milhões de domicílios em 2011 -  destes, "74% dos usuários de banda larga dizem assistir vídeo online" (http://www.teletime.com.br/16/03/2012/tv20-netflix-e-80-maior-que-vod-de-operadoras-nos-eua/tt/268043/news.aspx). 

Moral da história dos VODs: se cresceu, ninguém viu...

 

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Obstinação solar

Se você não estava em Londres na noite de ontem, então acabou perdendo a melhor oportunidade da sua vida de ficar pobre comprando um única de Picasso em papel.

"A casa de leilões Sotheby's, em Londres, vendeu o quadro 'Composition au Minotaure', de Pablo Picasso, pelo valor de 10,4 milhões de libras (cerca de R$40,8 milhões), o preço mais alto já alcançado por uma obra em papel do artista, conforme informa o jornal 'El País' " (http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2014/02/1408317-obra-de-picasso-em-papel-atinge-recorde-em-leilao.shtml).

Se, por um lado, você perdeu a oportunidade de ficar pobre comprando um única obra em papel de Picasso, por outro, manteve-se também ao abrigo de melar lindo Picasso porque resolveu levá-lo consigo debaixo das primeiras chuvas sinceras deste ano de 2014.

Pior ainda: você, que ficou sem o Picasso e sem as chuvas, tem agora que rezar por vários milagres: ver cair as chuvas neste verão (raras por essas bandas), acumular riquezas em libras e melar seu Picasso recém-adquirido.

Se bem quando o milagre é muito, o santo desconfia. Melhor então é permanecer pobre mesmo, deixando as obras raras para a posteridade, já que o sol, este, é o único que parece brilhar com convicção, a despeito de todas as rezas em contrário.

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Exceções

Está certo que 2014 já começou quente - em todos os sentidos - e trouxe em seu esteio muitas mudanças inesperadas. Mas daí a virarmos um país de exceções, já é outra história.

Por exemplo, essa desculpa do governo federal de dizer que o apagão que deixou quatro regiões do país sem luz hoje "não foi causado por excesso de demanda" é de deixar o queixo caído (http://oglobo.globo.com/economia/ons-afirma-que-apagao-nao-foi-causado-por-excesso-de-demanda-11504147). O incidente, que afetou todos os estados das regiões Sudeste, Sul e Centro-oeste, mais alguns pontos isolados em Tocantins, na região Norte, foi "considerado raro".

Certamente, tão raro quanto o record de calor hoje no Rio de Janeiro, isto é, 40,8ºC bem medidos na Estação de Santa Cruz. Por causa dessa raridade, funcionário público impedido de trabalhar de bermuda apela e faz algo ainda mais raro: veste saia e vai trabalhar (http://www.hojeemdia.com.br/noticias/proibido-de-usar-bermuda-rapaz-vai-ao-trabalho-de-saia-1.215565).

Aliás, a única pessoa excepcionalmente feliz hoje foi o próprio funcionário "recém-ensaiado": "por que é que eu nunca fiz isso antes é que não sei", teria dito ele lá no Facebook. Bem, se os apagões e o calor continuarem neste ritmo, não haverá mais constrangimento por estar ou não de saia: no escuro, ninguém há de notar nada.

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Intempestiva

E essas surpresas que a vida nos reserva...

Se fosse apenas o tamanho da tempestade que a Sonda Cassini flagrou se formando no hemisfério norte de Saturno, ainda ia (http://oglobo.globo.com/ciencia/cassini-flagra-tempestade-em-saturno-11488560).

Não que tempestades dessa magnitude nunca se formem por lá: "sistemas climáticos deste tamanho costumam surgir uma vez a cada órbita de Saturno em torno do Sol, que leva cerca de 30 anos terrestres." A novidade, contudo, da tempestade advém do seu extratemporâneo: "esta tempestade, porém, surpreendeu os cientistas, já que surgiu durante a primavera no Hemisfério Norte do planeta ao invés do verão, estação normalmente mais turbulenta na região".

A morte do documentarista Eduardo Coutinho não foi menos surpreendente do que a tempestade em Saturno. Aos 81 anos, Coutinho poderia ter tido uma morte da mesma natureza das tempestades de verão: naturais, conquanto indesejadas.

A morte do cineasta, contudo, veio em dia de sol quente, sem tempestades. Ela nos ensina, de um jeito um tanto quanto triste, sobre a fragilidade do sopro da vida. E mais: nos deixou a certeza de que as grandes turbulências da vida surpreendem ainda mais quando na ausência de nuvens carregadas.

Coração turvo em dia de céu limpo. Ao grande mestre, minha humilde reverência.