UA-89169382-1 Crônicas de Juvenal: março 2012

sexta-feira, 30 de março de 2012

Tornado

Sabe aquela semana que, quando termina, dá a nítida impressão de ter passado e deixado sua vida de pernas para o ar? Pois é... essa última foi uma dessas.

Não tivesse que sair agora para um velório, tentaria saber mais sobre as imagens do tornado solar gigante que foram capturadas por um telescópio da NASA, "cujo tamanho é diversas vezes ao do planeta Terra" - e aqui eu me refiro ao tornado, não ao telescópio (http://www1.folha.uol.com.br/bbc/1069364-cientistas-capturam-tornados-na-superficie-solar.shtml).

Não sei se há correlação segura entre os tornados de lá e os solavancos existenciais daqui - mesmo porque as imagens divulgadas hoje na matéria da Folha online por pesquisadores da Universidade de Aberystwyth haviam sido registradas em 25 de setembro de 2011. Mas fato é que não se pode ignorar o efeito de rajadas de gases que podem "atingir até 300 mil quilômetros por hora" e temperaturas que variam "entre 47.250 e 2 milhões de graus Celsius".

Fora as sequelas eletromagnéticas, há, sem dúvida, um efeito psicológico inquestionavel nos tornados solares: eles varrem do nosso planeta toda e qualquer sensação de estagnação.

Enfim, fico por aqui, sem tempo para ponderações adicionais. O tempo urge. Bom fim de semana para quem fica. Boa eternidade para quem já foi.



(Fonte: http://youtu.be/QlGZavEO58g)

quinta-feira, 29 de março de 2012

Greve geral

A Espanha está em crise. A Europa está em crise. O mundo está em crise. Mas a consciência de classe vai muito bem, obrigada!

A julgar pela notícia veiculada hoje na seção de negócios da Revista Época, Karl Marx teria muito do que se orgulhar das operárias do sexo daquele país: é que há três dias elas decretaram greve aos banqueiros em prol de um comportamento socialmente mais responsável da parte de seus clientes. "Elas pedem para que os funcionários das instituições financeiras abram linhas de crédito para oferecer a famílias carentes e empresas à beira da falência", relata matéria originalmente pulicada no jornal inglês Daily Mail e devidamente replicada pela Época (http://epocanegocios.globo.com/Informacao/Acao/noticia/2012/03/com-crise-prostitutas-de-luxo-de-se-recusam-fazer-sexo-com-banqueiros.html).

Esses tempos sombrios já viram o fim de muita coisa ser decretado: do Estado de bem-estar social, da esquerda, do sindicalismo, das preocupações sociais... Mas com essa, nem o otimista mais convicto contava: "As garotas de programa dizem que a paralisação continuará até que os banqueiros 'cumpram suas responsabilidades sociais' e comecem a oferecer empréstimos maiores à população" - que, por sinal, já está por aqui com uma taxa de desemprego chegando aos 23%, em uma das piores crises econômicas jamais enfrentadas naquele país.

O mais interessante, contudo, é perceber a capacidade de pressão daquele setor sobre o seu patronato: "Nós somos as únicas com capacidade real de pressionar o setor", relata uma líder do movimento, ligada à "principal associação de prostituição do país".

Diante disso, só resta aos banqueiros sentar e chorar: "Segundo o tablóide, os banqueiros têm tentado contornar o protesto, dizendo que são arquitetos ou engenheiros às prostitutas, mas a tentativa não tem funcionado". Morri de rir. Só falta tentarem se disfarçar de garis e mudarem de nicho de mercado.

O mais irônico, no entanto, é ver os banqueiros terem de recorrer justamente a aquilo que tanto tentaram depenar: "Os executivos dos bancos até já acionaram o governo para tentar mediar o assunto". Fica ao menos o consolo de que, após tantos e tantos anos de neoliberalismo, ainda sobrou algum resquício de aparelho estatal para regular contendas dessa natureza.

Infelizmente, os prognósticos para os próximos dias permanecem sombrios - pelo menos para os banqueiros: "A greve de sexo das prostitutas de Madri vem em um momento em que toda a Espanha se prepara para iniciar uma greve geral, marcada para esta quinta-feira. Os trabalhadores protestam contra o elevado grau de desemprego no país e pedem mudanças nas leis trabalhistas – que tornam mais barato para as empresas despedirem seus empregados".

Ah, se a moda pega!

quarta-feira, 28 de março de 2012

Despedidas outonais

O outono é, via de regra, aquela estação em que as árvores se despedem das folhas mais velhas.

E assim termina este dia tipicamente outonal: com duas folhas maduras tocando docemente o solo para encerrar seu ciclo de vida e cumprir sua função nesse mundo. Millôr Fernandes (http://oglobo.globo.com/cultura/frases-marcantes-de-millor-fernandes-4433871) e Ademilde Fonseca (http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/1068349-ademilde-fonseca-a-rainha-do-choro-morre-aos-91-no-rio.shtml) serão certamente lembrados pelos tempos em que floresceram na árvores dos grandes talentos.

Mas, como nos lembra o próprio Millôr, "o cadáver é que é o produto final. Nós somos apenas a matéria prima". Emocionada, a rainha Ademilde Fonseca responde com o meu choro preferido:

"Ai, meu chorinho
Eu só queria
Transformar em realidade
A poesia
Ai, que lindo, ai, que triste, ai, que bom
De um chorinho chamado Odeon"



Missão cumprida! Já podem partir.

terça-feira, 27 de março de 2012

Efeitos inusitados

Das duas, uma: ou as leis costumam ter efeitos estranhos e totalmente inesparados; ou o mundo está próximo do fim.

Acabou de ser aprovado na noite de hoje, 3a feira, um projeto de lei denominado "Lei Anti-Baixaria": "O projeto, de autoria da deputada Luiza Maia (PT), proíbe o poder público de contratar artistas cujas músicas 'desvalorizem, incentivem a violência ou exponham as mulheres à situação de constrangimento' ", ressalta matéria publicada hoje an Folha online (http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/1068198-lei-antibaixaria-limita-musicas-maliciosas-na-bahia.shtml).

A bem da verdade, isso já era para ser lei há muito tempo. Mas como a lei (infelizmente) tem validade somente para o território baiano, os efeitos imediatos recaem sobre um filão de mercado local: "O projeto da 'lei antibaixaria' causa polêmica no meio musical por representar uma ofensiva contra letras de ritmos como o 'pagode baiano', gênero popular entre as classes mais pobres", prossegue a matéria. O projeto aguarda agora a sanção do governador da Bahia, Jacques Wagner (PT).

Porém, ao contrário do que afirma a matéria, tenho cá minhas dúvidas de que o foco da polêmica assim seja realmente a representação das mulheres nas letras do pagode baiano. A meu ver, são as duas emendas que foram votadas hoje que poderão impactar de totalmente inesperada na discussão sobre a moralidade das representações femininas, tirando o foco do objeto principal da lei em questão.

Para quem não sabe, a primeira emenda previa sanções também as letras e coreografias que fossem ofensivas às mulheres. No entanto, "após discussão, os parlamentares optaram por retirar a parte que falava sobre as coreografias --a justificativa é que seria difícil fiscalizar esse tipo de ação".

Bem, até aí, vai. Afinal, já posso vislumbrar as dificuldades operacionais de se cumprir a lei na letra e no espírito. No mínimo, faltaria contingente humano na Bahia capaz de realizar tanta batida policial. Mas acredito realmente que seja a segunda emenda a que dará mais margem às especulações, ou seja: aquela que prevê a extensão do veto "aos grupos 'que fazem apologia a drogas ilícitas e incentivam a homofobia' ".

A questão agora é: se a lei for mesmo aprovada pelo governador Jacques Wagner, ela poderá suscitar reações indignadas não somente do setor musical que está sendo criativamente amputado - compositores de pagode baiano, no caso - como também suscitar indignação na tchurma do "Legalize já", que há anos milita em prol da legalização de drogas ilícitas como a maconha.

Já imaginaram os efeitos colaterais de tais emendas? Pois saibam que eles seriam de proporções inéditas. Na possibilidade de haver, algum dia, uma marcha de protesto com a lei em questão, ela certamente será lembrada por muitos e muitos anos por ter sido a única a alinhar politica e esteticamente os aficionados do Planet Hemp aos pagodeiros da Bahia - numa mistura inusitada, em que todos juntos dançariam até o chão. Os homofóbicos, quanto a eles, se sentiriam no mínimo vingados ao verem aquilo tudo: eles diriam, não sem razão, que o mundo está realmente perdido.

Eu, pela primeira vez na minha vida, teria que dar a razão a eles: o mundo estará realmente perdido se isso um dia acontecer.

segunda-feira, 26 de março de 2012

Três Dê

Ajoelhou, tem que rezar. E assim, vamos terminando esta bela noite estrelada de segunda-feira requentando algumas notícias e especulando outras.

A semelhança do assassinato de "Crônica de uma morte anunciada", do colombiano Gabriel García Márquez, a descida do cineasta James Cameron às profundezas das famosas Fossas Marianas já havia sido anunciada aos quatro ventos. Seu objetivo era trazer alguma imagem inédita das Fossas Marianas, ponto mais profundo dos nossos oceanos, situado a 10,9 mil metros da superfície (http://cronicasdejuvenal.blogspot.com.br/2012/03/dedicatoria.html).

Faltava, no entanto, o óbvio: cumprir-se o prometido.

Claro, tal feito não teria metade da atenção que lhe está sendo atribuída, se seu relato não estivesse entremeado de certos detalhes pitorescos. Dentre eles, o fato de Cameron ter praticou yoga para fazer seu 1m90cm no bastiscafo, um minisubmarino de apenas 1,09 metro de largura (http://oglobo.globo.com/ciencia/a-viagem-ao-fundo-do-mar-de-james-cameron-4411926).

"Acabei de chegar ao ponto mais profundo do oceano", replica a matéria publicada hoje no O globo online. "Chegar ao fundo nunca foi tão bom. Mal posso esperar para dividir com vocês o que estou vendo". Bem, se ele mal pode esperar, nós ainda estamos esperando... Principalmente se o relato vier acompanhado das popularização das impressoras 3D, como anuncia matéria publicada hoje na Folha online (http://www1.folha.uol.com.br/tec/1066221-impressao-3d-comeca-a-ficar-mais-acessivel-no-brasil-saiba-como-ela-funciona.shtml).

"Usadas hoje principalmente por empresas, para criação de protótipos, e por profissionais como designers e arquitetos" para a produção de "peças criadas em programas de desenho tridimensional", a impressora 3D adota a retórica de Cameron e promete mundos e fundos: em um futuro não muito longínquo, espera-se que "baixar um par de tênis, produzir um aparelho eletrônico na sua casa ou receber o transplante de um órgão produzido inteiramente em uma máquina, a partir de algumas células humanas".

A propósito, se você é amante de façanhas as mais variadas, saiba que já possível "hoje, com máquinas que custam alguns milhares de reais", "produzir brinquedos, apetrechos e peças plásticas" com o auxílio dessas impressoras.

Ao que parece, o cumprimento da promessa não anda tão distante assim. o melhor ainda está por vir. Rodrigo Krug, diretor da empresa Cliever, anunciou que lançará em maioa primeira impressora 3D fabricada no Brasil, que custará em torno de R$ 4.000. "Em vez de comprar um produto fabricado na China, você comprará um design, que poderá ser impresso na sua casa", prospecta Krug.

Enquanto esperamos o óbvio - cumprir-se o prometido - ficamos elocubrando de onde o sr. Krug tirou tanto otimismo: quem garante que o design não será ele também passível de pirataria? Com os chineses a postos, em breve desfrutaremos das imagens de Cameron em 3D. E cumprir-se-á o óbvio.

sexta-feira, 23 de março de 2012

Choro de criança

Novos ensinamentos, um novo mundo que se revela. Com eles, surgem novos desafios, tão grandes quanto o mundo. E lá vamos nós de cabeça no desconhecido... mais uma vez.

Esta música da Sharon Burch fala do primeiro choro de uma criança que acaba de vir ao mundo. É exatamente assim que eu me sinto. Mas trata-se muito mais de um choro ancestral, fruto de uma semente plantada anos atrás - quiças de outros planos - um choro que de tão velho é mais tênue do que poeira fina no vento.

Um choro pleno de vida e com a certeza de que ela - a vida - volta a fazer algum sentido.

quinta-feira, 22 de março de 2012

O olhar de Charlees

Muito inspiradora a primeira aparição pública da rinoceronte Charlees, no zoológico de San Diego, registrada hoje pelo fotógrafo Ken Bohn, da Agência Reuteurs. A pequena rinoceronte de apenas 2 meses "é a 61ª rinoceronte com um chifre só a nascer no local, desde 1975", mas já ficou célebre pelo "olhar desconfiado" com que posou para as lentes dos fotógrafos (http://f5.folha.uol.com.br/bichos/1065102-rinoceronte-corre-com-olhar-desconfiado-em-zoo-de-san-diego.shtml).

Olhar para as novidades do mundo com ar de desconfiança não é privilégio de rinocerontes debutantes de um chifre só - e nem de rinocerontes de dois chifres, diga-se de passagem. Aliás, mesmo havendo uma certa correlação estatística entre chifres e desconfiança, os primeiros não servirão de mote para as reflexões de hoje.

O foco da conversa é o expessivo olhar de desconfiança de Charlees, a rinoceronte recém-apresentada ao mundo. Certamente lançaria um olhar parecido com o dela, caso me deparasse com uma "barata ciborgue" ou um "caracol elétrico", ambos frutos de uma nova linha de pesquisa nos EUA. "Empenhada na criação de híbridos de animais e máquinas de tamanho mínimo e energicamente autossustentáveis, que substituiriam pequenos robôs", a nova área de experimentação científica aceitou o desafio de "aproveitar sensores naturais e gerar energia em insetos"(http://oglobo.globo.com/ciencia/eua-testam-barata-ciborgue-4381962#ixzz1prBfLV6Z).

Atenção, damas e cavalheiros! Não desdenhem sem antes conhecer a motivação primordial dessa nova linha: "o objetivo seria usá-los na guerra biológica". E ela conta com o apoio de agência governamentais dos EUA, tais como a
Agência de Pesquisa de Projetos Avançados de Defesa (DARPA).

Interpelados pelo interesse governamental, a linha de pesquisa já conta com a adesão de uma "massa crítica" substantiva no meio acadêmico. Dentre eles, estão o pesquisador "
Evgeny Katz, professor de química da Universidade Clarkson, em Nova York", responsável pelo desenvolvimento de um arrojado modelito de "caracol elétrico". Katz "e seus colegas publicaram este mês, na revista da Sociedade Americana de Química, um artigo sobre o animal adaptado".

Apesar de terem sido devidamente avalizados pela revisão de pares e publicado em periódico de referência para a área, "a equipe não tem apoio financeiro da Darpa, mas acredita que seu trabalho possa ser aproveitado pela agência". Questão de tempo, provavelmente.
E não pensem que a Universidade de Clarkson é a única a flertar com a agenda de pesquisa da DARPA. "Em janeiro, Daniel Scherson, da Universidade Case Western Reserve, divulgou, na mesma revista, que sua equipe usou um método similar para obter eletricidade de uma barata — e depois, num passo mais ambicioso, reproduziu o experimento em um cogumelo".

Se, com apenas 2 meses de idade, Charlees - nossa rinoceronte de um chifre só - não hesitou em expressar suas reservas diante do mundo novo que se descortinava diante dos seus olhos, o que dizer de nós, que teremos que matar baratas ciborgues ou descascar pepinos elétricos em um futuro não muito distante?

quarta-feira, 21 de março de 2012

Corrida

E lá vou eu dando uma rasteira no tempo, entrando na área e marcando gol: maneira poética de dizer que passei o dia procurando cinco minutos para escrever algumas mal-traçadas linhas e que só consegui achá-los agora.

Uma coisa é certa: não poderia ir dormir sem, contudo, mencionar esta notícia publicada hoje no O Globo online, segundo a qual uma expedição retomará as buscas pelo corpo da aviadora Amelia Earhart. Ela desapareceu no dia 2 de julho de 1937 enquanto sobrevoava o Oceano Pacífico, numa tentativa então inédita de dar a volta no globo terrestre pela linha do Equador (http://oglobo.globo.com/ciencia/em-busca-de-amelia-4372035#ixzz1poUglMCp).

Um ícone da defesa dos direitos das mulheres, Amelia "foi pioneira na aviação e recebeu condecoração do governo americano por sobrevoar sozinha o Oceano Atlântico". Morreu com a dignidade das águias mais altaneiras, tentando alcançar outro marco histórico.

Para quem quer alçar vôos altos, fica aí a inspiração. Para quem vai ter um dia cheio amanhã, boa noite e bons sonhos!

terça-feira, 20 de março de 2012

Guerra Fria

A política de controle e de invasão da privacidade dos funcionário pode chegar às raias da loucura nas corporações americanas. E a rede social Facebook tem virado o principal vetor desse controle.

"Bobeou, a gente pimba!" parece ser o lema por lá: órgãos públicos vêm solicitando aos seus candidatos a emprego que revelem a sua senha de acesso ao Facebook: "Pedir a senha de um candidato é mais comum entre órgãos públicos, especialmente entre polícias e serviços de atendimento a emergências", relata matéria publicada hoje no O Globo online (http://oglobo.globo.com/tecnologia/nos-eua-empregadores-agora-exigem-que-candidatos-informem-senha-do-facebook-4368337).

Obviamente, mesmo sendo a legalidade da prática questionada por alguns, outros tantos continuam a fazê-lo sem a menor desfaçatez. Além disso, "empresas que não chegam a exigir as senhas têm tomado outras medidas, como pedir aos candidatos que adicionem na rede social funcionários do departamento de recursos humanos da companhia ou acessem o site na frente do entrevistador". E a coisa não para por aí. "Alguns profissionais já empregados também têm sido obrigados a assinar um acordo que os proíbe de criticar o empregador nas redes sociais".

Como se não bastasse o gerenciamento abusivo de opiniões - leia-se censura - há quem banque o hacker por lá também. "Outras companhias também estão usando programas de computador que vasculham os perfis dos candidatos no Facebook". E como isso se dá? Simples: empresas do porte e do renome da Sears solicitam ao seus usuários que acessem a página da companhia a partir de sua conta no Facebook. "Dessa forma, o aplicativo consegue informações como a lista de amigos do candidato". Pode? Uai, parece que pode!

No final das contas, fica parecendo mesmo é aqueles filmes de espionagem em plena Guerra Fria. Contudo, todavia, porém... é bem pior! Na Guerra Fria, pelo menos, existia um inimigo externo, diabolizado, contra quem lutar. E naquele momento, o demônio era (supostamente) o outro. Mas agora, o demo está em toda parte, até nos lugares mais insuspeitos: por exemplo, o "Departamento de Justiça americano considera crime federal o acesso irregular a uma rede social, mas o próprio órgão disse recentemente no Congresso que esse tipo de violação não está sujeita a processo".

Casa de ferreiro, espeto de pau.

segunda-feira, 19 de março de 2012

Anjos e arcanjos

Anjos e arcanjos se uniram em visita à minha casa. Em número de cinco, eles chegaram ontem, domingo, prometendo ficar até 5a feira.

Sua presença coincide, muita vezes, com acontecimentos absurdamente estranhos e sem sentido. Alguns deles podem ser até mesmo trágicos. Outros nem tanto. Mas fato é que anjos e arcanjos vieram para mostrar que sua presença é mais que benvinda.

Ela é necessária!

Aos meus cinco guardas-costas, cúmplices da minha estupefação, meu muito obrigada!

sexta-feira, 16 de março de 2012

Nas nuvens

Ainda sobre celebridades e suas peculiaridades físicas.

O turco Sultan Kosen já estava fadado a passar o resto do seus dias com a cabeça nas nuvens, ainda que não visse muita vantagem nisso. Também, pudera: medindo 2m51cm aos 29 anos, ele ainda não havia parado de crescer. (http://www.hojeemdia.com.br/noticias/homem-mais-alto-do-mundo-parou-de-crescer-1.420295).

A razão? Ele sofria da chamada "doença de acromegalia", que era "causada por uma rara desordem hormonal que o fez continuar crescendo após atingir a fase adulta". Sua sorte, contudo, foi ter sido grande o suficiente para ter entrado para o Guinness como o homem mais alto do mundo, em 2009, quando media "apenas" 2m47cm. É ele próprio quem estabelece a ligação entre a sua cura e o recorde mundial de tamanho: "Sem meu recorde do Guiness, nunca teria essa oportunidade de contar às pessoas sobre a minha condição".

Filho de pais agricultores do sudeste da Turquia, Kosen provavelmente não poderia ter arcado com o seu próprio tratamento. Mas fato é que, passados dois anos de uma neurocirurgia que extirpou o turmor que causava seu crescimento desordenado e de sessões de radiocirurgia com raios gama, paciente e médicos comemoram juntos o fim do seu crescimento.

Seu percurso contrariou todas as expectativas: parou de crescer para continuar vivendo; ficou célebre para achar a cura; estancou o processo que lhe garantiu sua condição de excepcionalidade. A impressão que fica é a de que, no fundo, no fundo, ele tenha sonhado com outra vida bem diferente da sua como celebridade. Talvez, ele tenha sonhado apenas em não ser nem grande demais, nem pequeno mais, mas com espaço suficiente para ser ele mesmo.

Mas tudo isso não passa de especulações sobre sentimentos e expectativas de vida de alguém sobre a qual pouco ou nada sei. Afinal, os sonhos são dele, não meus. Pouco importa. Celebremos então a alegria do homem mais alto do mundo, aquele que vive com a cabeça nas nuvens e que acaba de parar de crescer. E deixemos essas outras questões de alta complexidade para outro momento, curtindo a música minimalista de Jack Johnson:

quinta-feira, 15 de março de 2012

Dimensões paralelas

Confesso que fiquei até comovida com a morte de Yoda - considerada a cadelinha mais feia do mundo em um concurso ocorrido em 2011, na Califórnia (http://www.hojeemdia.com.br/noticias/morre-yoda-a-cadelinha-mais-feia-do-mundo-1.419823). A pequena Yoda, fruto de um cruzamento genético de fins trágicos entre as raças "cão de crista chinês" e "chiuaua", acabou ficando notável pela sua feiúra comovente: dotada de traços marcantes, era capaz de inspirar piedade até nas criaturas mais insensíveis deste planeta.

Pobre Yoda! Era a encarnação daquilo que aqui na Roça Grande se convencionou chamar de "fiotim de cruz-credo", logo ela que "pesava apenas 0,8 quilos e tinha poucos pelos e uma longa e fina língua". Bonita não era, mas morreu que nem uma debutante, "aos 15 anos de idade, enquanto dormia". Morte justa, a meu ver.

A vantagem de Yoda é que ela, muito provavelmente, nunca tentou provocar toda a atenção de que foi alvo ao longo de sua vida. Ela é a própria antítese das celebridades instântaneas que fazem de tudo - inclusive muita plástica - para aparecer nas páginas diárias dos jornais.

A bem da verdade, nem tenho nada de substantivo para dizer sobre essas celebridades que buscam lugar ao sol em função da sua suposta beleza, exceto que nós parecemos habitar planetas distintos. Na melhor das hipóteses, vivemos em dimensões paralelas neste mesmo planeta. Nossas realidades não se cotejam, assim como nossos referenciais de beleza, inteligência, feminilidade e sensibilidade.

Mas até aí, tudo bem. Elas lá, eu cá, cada qual no seu quadrado, cada qual na sua órbita, sem risco de colisões. Mas no meu planeta a pequena Yoda será sempre benvinda: o mundo precisa de comoção involuntária e não-premeditada. Descanse em paz, Yoda! E volte feliz para o seu planetinha de origem, bem longe dos holofotes e mais perto dos anjos.

quarta-feira, 14 de março de 2012

Chuva poética

Como não reverenciar a chuva que cai essa noite?

Pois ela mal começou a cair e já veio lavando tormentos, levando descrenças, regando novos desafios. A chuva que cai agora, lá fora, já fez seus milagres de cura e limpeza. Aqui, ela trouxe à lembrança o abraço da criança amendrontada, querendo colo, carinho e proteção. Acolá, ela semeou a esperança de um novo gostar, de uma nova fonte nutrição - quiças - de uma nova oportunidade de entrega. Chuva poética, intensa, reveladora de verdades profundas, que enxarca de poesia uma noite mágica.

Pois aqui vão minhas múltiplas e repetidas reverências: à chuva que encerra o Dia Nacional da Poesia, a Manuel Bandeira, à promessa de vida em nossos corações.

Enquanto a chuva cai - Manoel Bandeira

A chuva cai. O ar fica mole . . .
Indistinto . . . ambarino . . . gris . . .
E no monótono matiz
Da névoa enovelada bole
A folhagem como o bailar.

Torvelinhai, torrentes do ar!

Cantai, ó bátega chorosa,
As velhas árias funerais.
Minh'alma sofre e sonha e goza
À cantilena dos beirais.

Meu coração está sedento
De tão ardido pelo pranto.
Dai um brando acompanhamento
À canção do meu desencanto.

Volúpia dos abandonados . . .
Dos sós . . . — ouvir a água escorrer,
Lavando o tédio dos telhados
Que se sentem envelhecer . . .

Ó caro ruído embalador,
Terno como a canção das amas!
Canta as baladas que mais amas,
Para embalar a minha dor!

A chuva cai. A chuva aumenta.
Cai, benfazeja, a bom cair!
Contenta as árvores! Contenta
As sementes que vão abrir!

Eu te bendigo, água que inundas!
Ó água amiga das raízes,
Que na mudez das terras fundas
Às vezes são tão infelizes!

E eu te amo! Quer quando fustigas
Ao sopro mau dos vendavais
As grandes árvores antigas,
Quer quando mansamente cais.

É que na tua voz selvagem,
Voz de cortante, álgida mágoa,
Aprendi na cidade a ouvir
Como um eco que vem na aragem
A estrugir, rugir e mugir,
O lamento das quedas-d'água!

terça-feira, 13 de março de 2012

Stroopício

Se você quer esquecer o trânsito infernal, a chuva e a greve dos rodoviários e, ainda por cima, terminar seu dia rindo, então leia isto aqui!

Matéria publicada hoje no O Globo online descreve estudo experimental sobre a capacidade cognitiva de estudantes locais de ambos os sexos, realizado na Universidade Radboud, na Holanda: este "novo estudo, cujo resultado foi publicado na revista 'Scientific American', sugere que o simples fato de antever o encontro com uma mulher já é capaz de comprometer a performance masculina" (http://oglobo.globo.com/saude/imaginar-que-esta-sendo-observado-por-uma-mulher-compromete-performance-mental-do-homem-4297788#ixzz1p3lDW989).

O estudo simula duas situações em que os estudantes são convidados a preencherem o chamado Teste de Stroop, desenvolvido em 1935 pelo psicólogo John Ridley Stroop, e que mede a capacidade de processar informações conflitantes e que exigem certa performance cognitiva da parte do respondente. Em ambas as situações, os estudantes deveriam preencher o Teste de Stroop antes de depois de lerem em voz alta uma lista de palavras para uma câmera. Porém, a "sutileza" do teste consistia em creditar um nome e gênero à pessoa que - supostamente - assistiria à leitura em voz alta do outro lado da câmera, atribuindo-lhe um nome masculino ou feminino.

Não deu outra. "Depois de concluir a leitura, os estudantes receberam um segundo Teste de Stroop. A performance das mulheres no novo exame foi igual à do primeiro. Mas, entre os homens que julgaram ter sido observados por uma mulher durante a leitura, o desempenho foi pior nesta segunda parte do Stroop". Traduzindo para a linguagem dos leigos com uma baita preguiça de fazer esforço mental: os homens pareceram mais abobalhados após interagirem - ou terem sido avisados de que interagiriam - com uma mulher.

Bem... E daí? A pesquisa promete dar pano para manga para quem surfa na apologia às "novas tecnologias", patati, patatá: "A pesquisa de Sanne Naut sugere que, nos dias de hoje, em que é comum as pessoas interagirem sem contato físico ou visual — ao telefone ou on-line, por exemplo — os homens podem ter sua capacidade cognitiva prejudicada quando confrontados com o sexo oposto".

O engraçado dessas pesquisas comportamentais é que elas formalizam um conhecimento prático que o senso comum já vem lançando mão faz tempo. Basta ver o número de pessoas do sexo feminino trabalhando na função de operadoras de telemarketing. Donde concluímos, com a sabedoria que a empiria nos deu, que homens endividados devem correr de credores que vestem Prada e saia justa.

segunda-feira, 12 de março de 2012

Continuidade e ruptura

A vida é uma sucessão de continuidades e rupturas.

No que se refere especificamente às continuidades, estas podem ser longas ou recentes. No plano dos feitos terrenos, a mistura de chuva e greve dos rodoviários permanecem sendo sinônimos irrefutáveis de caos absoluto na Roça Grande (http://www.hojeemdia.com.br/minas/motoristas-enfrentam-transito-lento-na-volta-para-casa-1.418570). No plano das continuidades de curto alcance, está a tempestade geomagnética ocorrida em razão de uma série de explosões solares iniciadas na semana passada (http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/1060521-ira-cancela-cerimonia-para-diretor-vencedor-do-oscar.shtml); .

Isso significa que a vida anda sem surpresas? De jeito nenhum. Mas elas também podem ser descritas em função do seu caráter mais ou menos radical. Por exemplo, a decisão das autoridades iranianas de cancelarem a cerimônia de homenagem ao cineasta também iraniano, Asghar Farhadi, diretor do longa-metragem que ganhou Oscar de melhor filme estrangeiro com "A Separação", é uma ruptura que comporta nível médio de radicalidade (http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/1060521-ira-cancela-cerimonia-para-diretor-vencedor-do-oscar.shtml).

Não que a retaliação do governo iraniano tenha sido totalmente inesperada. O que surpreende mesmo é que eles tenham reconhecido publicamente o mérito do filme, na ocasião da premiação: "Os governantes do país já haviam parabenizado o diretor pelo Oscar e chegaram a dizer que o prêmio era uma grande conquista para a cultura do país".

Que o estardalhaço causado pelo filme no Ocidente seja "politicamente motivado", não há dúvidas (e nem é ruptura coisa nenhuma). Mas nem por isso o filme de Farhadi deixa a desejar em termos de qualidade. Pelo contrário, deveria ter ganhado o Oscar de melhor roteiro. Mas, se ele tirasse esse prêmio do queridinho Woody Allen, aí, sim, veríamos sérios sinais de ruptura radical no horizonte.

A questão é: quantas tempestades solares seriam capazes de alterar padrões solidamente ancrados na nossa querida Terra? Questão filosófica que discutirei logo mais com os carneirinhos do meus sonhos.

E, para quem fica, boa noite!

sexta-feira, 9 de março de 2012

Circuladores

Bastou o Escritório Geral de Arrecadação e Distribuição (Ecad) querer colocar as manguinhas de fora para tributar blogueiros que publicam em seus blogs vídeos postados no YouTube, para a mamãe Google ir logo cortando as asinhas do órgão (http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/1059845-ecad-nao-pode-cobrar-por-videos-em-blog-diz-google.shtml).

"Responsável por cobrar pelas execuções públicas das músicas", o Ecad levantou polêmica ao enviar um comunicado ao blog Caligrafitti, no qual constava uma "espécie de 'fatura' (R$ 352,59 por mês) pelos direitos autorais de vídeos incorporados ao site de arte, design gráfico e fotografia". Detalhe: o blog não tem fins lucrativos, ao contrário do Ecad.

O arroubo tributário do Ecad, como era de se esperar, deixou a Google de cabelos em pé, para quem "a entidade não teria respaldo legal para cobrar por vídeos inseridos em sites de terceiros".

A bem da verdade, é o Ecad que deveria pagar a nós, blogueiros, por desenterrar tanta coisa bacana do fundo do baú e fazê-las circular. Canções esquecidas, artistas pouco divulgados mas de ótima qualidade, hits que marcaram época. Disponibilizar uma canção é como citar um belo poema - como o "Elegia XIX" de John Donne - desde que tenhamos o cuidado de citar o pai ou a mãe da criança.

Fim de papo, seu Ecad! Diante da vidraça quebrada, Mamãe Google não teve outra opção senão recolher a bola e te colocar de castigo. Mais uma cobrança dessas e vai passar o fim de semana ajoelhado no milho.

Quanto a mim, vou comemorar a puxada de orelha da Google no Ecad... circulando essa pérola belíssima de Bob Dylan, cantada por Caetano Veloso, no disco Circuladô.



Bom fim de semana a todos e... circulai!

quinta-feira, 8 de março de 2012

Dedicatória

No Dia Internacional das Mulheres, os jornais de circulação nacional ou regional desfilam um rosário de clichês: algumas matérias destacam ações políticas em favor das mulheres, outras apuram o lugar delas no mercado de trabalho, e um terceiro grupo identifica as homenageadas do dia.

Não que essas matérias não fossem boas ou necessárias. Elas, de fato, o são. Mas não é delas que quero falar hoje, dia 8 de março. Vou falar de matérias que, sem querer, me remeteram a um outro lado da alma feminina, como esta publicada hoje no Jornal O Globo online.

James Cameron, cineasta que assina por blockbusters da estirpe de Titanic e Avatar, é um grande amante do mar. Sua devoção é tão grande que ele ontem bateu o recorde de mergulho em águas profundas: "Ontem, James Cameron fez todo o seu corpo – de 1,90 m – caber numa cápsula de pouco mais de um metro e mergulhou, sozinho, a oito quilômetros de profundidade, numa fossa oceânica no litoral de Papua Nova Guiné" (http://oglobo.globo.com/ciencia/cineasta-vai-explorar-local-mais-profundo-do-oceano-4263366).

Mas epopeia não para por aí. "Semana que vem, Cameron planeja mergulhar a 11 quilômetros de profundidade num dos lugares mais inacessíveis do planeta, as Fossas Marianas, no Oeste do Pacífico, um mundo alienígena que se imagina seja povoado por enguias, vermes, peixes e crustáceos bizarros". Tudo devidamente registrado em película, claro.

O mais interessante, contudo, é ver as aspirações que movem o cineasta: "Não há nada mais divertido do que entrar ai e ver coisas que os seres humanos nunca viram antes", afirma. Sim, é certo que Cameron verá coisas nunca dantes vistas. Mas não sem riscos, já que "duas pessoas já morreram em mergulhos com veículos submersíveis".

Mas, tivesse ele atentado para o famoso poema "Elegia XIX, To His Mistress Going to Bed", de John Donne - que ganhou versão musicada de Caetano Veloso com a belíssima "Elegia" - entenderia que as Fossas Marianas são rasas diante do mistério feminino. Mas isso o poeta e o cantor já sabiam: descer às profundezas desse mistério equivale a descobrir um novo continente.

Sem mais para o momento: feliz de quem penetra em seus mistérios. Um brinde a nós, mulheres, e aos poetas e cancioneiros que nos querem bem!

Como presente, deixo o poema na íntegra:

Elegia XIX, To His Mistress Going to Bed - John Donne
Come, madam, come, all rest my powers defy,
Until I labor, I in labor lie.
The foe oft-times having the foe in sight,
Is tired with standing though he never fight.
Off with that girdle, like heaven's zone glistering,
But a far fairer world encompassing.
Unpin that spangled breastplate which you wear,
That th' eyes of busy fools may be stopped there.
Unlace yourself, for that harmonious chime
Tells me from you that now it is bed time.
Off with that happy busk, which I envy,
That still can be, and still can stand so nigh.
Your gown, going off, such beauteous state reveals,
as when from flowry meads th' hill's shadow steals.
Off with that wiry coronet and show
The hairy diadem which on you doth grow:
Now off with those shoes, and then safely tread
In this love's hallowed temple, this soft bed.
In such white robes, heaven's angels used to be
Received by men; thou, Angel, bring'st with thee
A heaven like Mahomet's Paradise; and though
Ill spirits walk in white, we easily know
By this these angels from an evil sprite:
Those set our hairs on end, but these our flesh upright.
License my roving hands, and let them go
Before, behind, between, above, below.
O my America! my new-found-land,
My kingdom, safeliest when with one man manned,
My mine of precious stones, my empery,
How blest am I in this discovering thee!
To enter in these bonds is to be free;
Then where my hand is set, my seal shall be.
Full nakedness! All joys are due to thee,
As souls unbodied, bodies unclothed must be
To taste whole joys. Gems which you women use
Are like Atlanta's balls, cast in men's views,
That when a fool's eye lighteth on a gem,
His earthly soul may covet theirs, not them.
Like pictures, or like books' gay coverings made
For lay-men, are all women thus arrayed;
Themselves are mystic books, which only we
(Whom their imputed grace will dignify)
Must see revealed. Then, since that I may know,
As liberally as to a midwife, show
Thyself: cast all, yea, this white linen hence,
There is no penance due to innocence.
To teach thee, I am naked first; why than,
what needst thou have more covering than a man.
(Fonte: http://www.eecs.harvard.edu/~keith/poems/Elegy19.html).

E aqui vai canção:


quarta-feira, 7 de março de 2012

Lua cheia, tempestade solar

Não é todos os dias que temos olhos para ver a beleza dos paradoxos da Mãe Natureza. Quem ainda não os tem, saiba que a hora é agora: em plena entrada de lua cheia, a terra passa por uma das mais importantes tempestades solares dos anos mais recentes.

"As últimas explosões na superfície solar estão provocando as maiores tempestades geomagnéticas enviadas à Terra nos últimos cinco anos, conforme afirmou nesta quarta-feira (6) especialistas em meteorologia espacial", explica a matéria publicada hoje no jornal Hoje em Dia online (http://www.hojeemdia.com.br/noticias/terra-enfrenta-maior-tempestade-solar-dos-ultimos-5-anos-1.416363). Cientistas afirmam ainda que o evento pode interferir diretamente "redes de energia e sistemas de navegação por satélite", podendo causar "ruído nos sistemas de imagem dos satélites".

De uma beleza singular, o fenômeno incidiu sobre uma região muito ativa do sol, conhecida como 1429: "No local houve uma grande explosão solar simultâneamente com uma rajada de plasma, o que gerou uma massa de ejeção coronal, que se deslocou à Terra", conforme podemos ver nesse vídeo postado no Youtube pela NASA:



Não sei se NASA concordaria, mas para mim o fenômeno mais parece um beijo do sol na face da lua. Presente divino, que celebra a grandeza e a beleza do feminino em nosso universo. Um gesto nobre, tão tocante quanto a despedida das gorilas Imbi e Kifta de Idi Amin, até então o único gorila vivo na América do Sul, residente há 37 anos no jardim zoológico da Roça Grande.

"O gorila faleceu na área onde era alimentado e examinado por especialistas. Idi Amin foi vítima de uma parada cardiorrespiratória que ocorreu logo após ele receber uma anestesia com tranquilizantes", relata a matéria também publicada no Hoje em Dia online (http://www.hojeemdia.com.br/minas/zoologico-de-bh-prepara-homenagem-para-o-gorila-idi-amin-1.416421).

Foi Herlandes Tinoco, chefe da seção de Veterinária do Zoológico, quem imprimiu na matéria o relato da despedida: "Durante todo o tratamento, as duas demonstravam carinho, sempre cheirando o Idi e, após a medicação, e quando elas o viram morto, tocaram nele, dando a ideia de que estavam se despedindo".

Outro gesto pleno de sentido. Idi Amin, gorila cuja trajetória foi marcada pela solidão, acabou convivendo pouco com suas duas namoradas: "As fêmeas chegaram à capital em agosto do ano passado, vindas do Reino Unido, e a esperança era a de que os animais conseguissem se reproduzir em cativeiro".

Diante do exposto, concordo em parte com a sábia reflexão da mãe de uma amiga minha, segundo a qual Idi Amin estaria finalmente livre, pois, "ao contrário de muitos de nós, conhecia suas grades". Mas houve também um tempo em que a esperança reinou no cativeiro, materializada no sonho da reprodução. Ela não aconteceu. Mas todas as fêmeas receberam hoje o beijo do sol, que há de fecundar nossas almas e encher de esperança o coração de cada uma de nós.

terça-feira, 6 de março de 2012

Cobra criada

Ah, a vida!... Que surpresas ela nos reserva?

Uma casal tendo filho em idade avançada, já é algo digno de atenção. E quando se trata de trigêmeos, aí o feito ganha ares de inusitado.

E foi exatamente isso o ocorreu com um par de cascáveis que vivem em cativeiro há 20 anos na Fundação Ezequiel Dias (Funed): "duas cobras com idade avançada, de aproximadamente 30 anos, tiveram uma fêmea e dois machos em um ambiente controlado", revela matéria publicada hoje no jornal Hoje em Dia online (http://www.hojeemdia.com.br/minas/nascimento-de-filhotes-de-cascavel-surpreende-pesquisadores-em-bh-1.415776). Além de terem se reproduzido em idade avançada, o casal de cobras superou as expecativas dos funcionários da fundação em diversos sentidos.

Em primeiro lugar, elas já superaram em pelo menos 10 anos a expectativa de vida da espécie: "A expectativa de vida das cascavéis é de cerca de 20 anos e pelos nossos cálculos eles já têm aproximadamente 30 anos", afirma Rômulo Righi de Toledo, chefe do Serviço de Animais Peçonhentos da Funed.

Em segundo lugar, as cobras deram um show de discrição: ninguém as viu se acasalando, ninguém notou a gravidez. "Ficamos muito surpresos quando, ao chegar do Carnaval, encontramos três filhotes muito bem formados e saudáveis", relata Toledo.

Finalmente, tudo leva a crer que os filhotes são realmente fruto de experiência genética ímpar. Nascidos de pais de espécies distintas, "esses novos filhotes é como se fossem uma terceira subespécie, com desenhos da [subespécie] Collilineatus e da Cascavella em um único corpo”.

Na calada de uma 4a feira de Cinzas, duas cobras criadas (e em cativeiro) nos brindam com filhos mutantes. Por essa, 2012 realmente não esperava!

segunda-feira, 5 de março de 2012

Guarda-chuvas de aço

Já falei isso aqui antes e repito: adoro manuais! Mas a maior delícia proporcionada por eles é a sua própria descontrução. Matéria publicada hoje na Folha online ensina o que fazer "se um objeto espacial cair no seu quintal" (http://www1.folha.uol.com.br/ciencia/1056660-saiba-o-que-fazer-se-um-objeto-espacial-cair-no-seu-quintal.shtml). A matéria afirma que indagação semelhante já havia sido feita recentemente pelos moradores de Anapurus, interior do Maranhão, quando uma esfera de 30kg caiu a poucos de metros de uma residência.

Como todo bom manual, o guia de sobrevivência da Folha traz o conselho do especialista. Nesse caso, é Petrônio Noronha de Souza, chefe do Laboratório de Integrações e Testes do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) quem dá o recado: "O mais correto a fazer é chamar as autoridades e isolar a área. É importante evitar que as pessoas fiquem tocando o material antes que ele seja analisado para ver se há risco, por exemplo, de ser algo tóxico ou radioativo".

Bem, de gente tóxica e radioativa, esse mundo anda cheinho. A diferença é que não podemos arremessar ninguém cima - para a órbita de outro planeta de preferência - e depois chamar as autoridades para ter certeza de que elas estão fora de alcance.

Enfim, continuando... De qualquer forma, a esfera metálica já chegou causando impasse: a Aeronáutica colheu o material, uma equipe do Centro de Lançamento de Alcântara fez as análises preliminares do material, mas segundo o pesquisador do Inpe, a confusão sobre o que fazer com o objeto assola também outros países. Más notícias: "em nenhum lugar do mundo há uma equipe de emergência só para lixo espacial", lamenta. Nós também. Não gostaria de ver uma esfera metálica instalada no meu sofá, por exemplo. Mas quem lamentou de verdade foram os moradores de Anapurus. Reza a matéria que eles beiraram o pânico após a queda do objeto não-identificado: "Assustada, a população chegou a falar em invasão alienígena e até em possíveis indícios do fim do mundo".

Também, pudera: "A chance de alguém ser atingido é de 1 em 3.200. O risco de que um objeto caia em uma pessoa específica, como você, é de 1 em trilhões. É mais fácil ser atingido por um raio". Trilhões de chances de cair em outro lugar - como nos 70% da superfície do nosso planeta coberto por água - e ela tinha que cair justo ali, a alguns metros de um casa.

Mas para todo surto de alarmismo extremo, há sempre uma boa dose de vacina estatística: "Acredita-se que a única pessoa atingida por lixo espacial tenha sido a americana Lottie Williams, em 1997. Ela não se feriu". Se as chances de ser atingida era de uma em trilhões, a chance de ser atingida e sair ilesa é de uma em quadrilhões. Palmas para ela! Aposto que nunca mais saiu de casa sem levar consigo um guarda-chuva de aço.

sexta-feira, 2 de março de 2012

Amadeus

Então vamos fechar essa semaninha de emoções fortes vibrando em outra frequência. Para quem achava que já sabia tudo do gênio Mozart, 2012 promete surpresas!

Uma hora dessas, senhorinhas e senhorões devem estar saracoteando de alegria em Salzburgo: é que uma partitura de inédita para piano de Wolfgang Amadeus Mozart encontrada recentemente será executada em breve naquela cidade (http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/1056199-partitura-desconhecida-de-mozart-e-encontrada-na-austria.shtml).

Composta em 1780, esta é a terceira partitura inédita de Mozart encontrada desde 2006. O mais interessante, porém, é o cenário criado para a primeira interpretação da partitura: "Será interpretada no dia 23 de março na sala de baile da casa de Mozart em Salzburgo, sua cidade natal, no piano do compositor, pelo pianista austríaco Florian Birsak".

Recital mais autêntico, só se a alma do próprio Mozart for requisitado em mesa espírita!

Para quem fica, ou quem vai, ou quem ainda não decidiu o que fazer daqui até a próxima encarnação de Mozart, aqui vão meus votos de bom fim de semana! E para quem for andar, um cúmplice: o "Andante".

Justiça no Olimpo

Com tanta gente perdendo a cabeça à toa nesse mundo, por que a Medusa não pode ter a dela de volta?

Uma matéria publicada hoje no O Globo online me fez pensar nas mazelas sofridas pela Medusa, aquela figura mitológica de olhar petrificante e cabelos de serpente: "uma segunda Medusa pintada pelo mestre italiano Caravaggio (1571-1610) acaba de ser descoberta numa coleção particular na Itália" (http://oglobo.globo.com/cultura/descoberta-uma-irma-da-celebre-medusa-de-caravaggio-4105894).

Entre outras coisas, a notícia expõe como os avanços tecnológicos levaram à revisão de alguns dogmas sobre a autenticidade desta curiosa obra de Caravaggio. Ao que parece, a descoberta inverteu totalmente a "ordem dos fatores" até então tida como certa pelos historiadores e críticos de arte: "Especialistas analisaram radiografias da peça — considerada, até agora, uma cópia da obra original, datada de 1598-1599 — e concluíram que se trata de uma outra obra, inclusive pintada antes, entre 1597 e 1598".

Ou seja, aquela que era considerada inicialmente apenas uma cópia provou ser, na verdade, uma versão tão original quanto a sua irmã, e até mesmo anterior a esta. Exatamente como a de Caravaggio, a Medusa dos gregos também tinha irmãs. Só que, "ao contrário de suas irmãs Górgonas, Esteno e Euríale, Medusa era mortal e acabou sendo decapitada por Perseu". E justamente por não ter a imortalidade das irmãs, seu fim foi um tanto quanto trágico: "o filho de Zeus teria usado posteriormente sua cabeça como arma, até dá-la de presente para a deusa Atena, que a colocou em seu escudo".

Por uma questão de isonomia, sou a favor de ir logo garantindo a Medusa o mesmo direito à imortalidade que suas irmãs. Meu sonho de justiça para a Medusa prevê a restituição da sua cabeça sem delongas, com juros e correção monetária. Junto com ela, a Medusa receberia de Perseu e Atena todos os honorários devidos pelos seus prestimosos serviços como segurança particular - incluindo-se aí todos os encargos trabalhistas por milênios de trabalho gratuito.

A justiça já foi feita neste plano quando a tecnologia provou que a suposta "cópia" da Medusa de Caravaggio era, na verdade, um original. Agora, é hora de fazer justiça também lá pelos lados do Olimpo. Justiça seja feita: restituamos ao mito sua dignidade e, se possível, também sua cabeça.