UA-89169382-1 Crônicas de Juvenal: novembro 2015

terça-feira, 24 de novembro de 2015

Novembro polêmico

Se você gosta de polêmicas, eis aqui uma imperdível!

Todos sabemos que o chamado Novembro Azul é o mês em que várias entidades médicas se mobilizam para promover a conscientização e a prevenção das doenças masculinas e, mais particularmente, do câncer de próstata.

No entanto, uma polêmica entre especialistas divide opiniões que irão transcender - e muito! - a duração do mês de novembro. De um lado, está a Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade, que "passou a contraindicar o rastreamento de rotina, por toque retal e dosagem de PSA (antígeno prostático específico) no sangue". De outro, encontra-se a Sociedade Brasileira de Urologia, "que defende o diagnóstico precoce e recomenda que todo homem com mais de 50 anos – ou 45, no caso de negros e pacientes com histórico familiar – façam anualmente os exames."

A divergência de posição está amparada em estudos que apresentam resultados contrastantes. A Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade cita um estudo americano que "conclui que o rastreamento precoce não diminui a mortalidade dos homens". Já a Sociedade Brasileira de Urologia cita dois estudos europeus que afirmam haver uma redução de "até 40% na chance de morrer de câncer de próstata" para aqueles que fazem os exames preventivos regularmente.

Mas a polêmica não fica por aí. Os urologistas alegam erros metodológicos grosseiros no estudo americano (grupo de controle pequeno, avaliado pelo período de 7 anos, considerado relativamente curto quando comparado aos estudos europeus, que lidam com ). Os médicos de família alegam que, para além do estudo americano, evidências clínicas coletadas na última década indicam que "a grande maioria dos tumores encontrados pelo rastreamento não se comporta agressivamente" e que, portanto, não precisariam ser tratados. Para estes últimos, o rastreamento anual levaria ao problema do sobrediagnóstico, já que o tratamento poderia "levar homens saudáveis a complicações como incontinência urinária e impotência sexual". 

Mas há também uma componente, digamos, epistemológica na divergência encontrada. De acordo com o diretor-científico da sociedade de medicina da família, Gustavo Gusso, os "urologistas são formados para tratar a próstata doente, mas não têm treinamento em epidemiologia" e acabam inflacionando os resultados estatísticos. Já os urologistas "rebatem dizendo que os médicos de família ignoram as particularidades do tumor na próstata" e que um diagnóstico tardio pode inviabilizar o tratamento ou levar a uma morte lenta, na qual o paciente experimenta bastante perda de qualidade de vida.

Por enquanto, o fiel da balança tem sido o Instituto Nacional do Câncer (INCA), que adotou "postura semelhante à dos médicos de família", por acreditar que o rastreamento do câncer de próstata "produz mais dano do que benefício." E enquanto não aparecer uma quarta entidade para alterar a relação de forças entre as áreas de conhecimento e seus respectivos profissionais, o exame de PCA continua envolto em tabu e vai sendo ostensivamente evitado pela maioria dos machos-alfa brasileiros. Longe de conhecer a polêmica, esses só querem (perdão pelo trocadilho!) tirar o deles da reta.

sexta-feira, 20 de novembro de 2015

Velório de corvo

Experimentos são situações artificiais em que se busca testar algo, que tanto pode ser um fenômeno, como um artefato ou uma hipótese teórica específica. A amplitude da definição sugere, logo de saída, que existe experimento de tudo quanto é jeito e para tudo quanto é tipo de situação.

Por exemplo, um notícia publicada na Folha de S. Paulo online (mas traduzida do New York Times) de hoje busca entender a reação dos corvos à morte de um ente da mesma espécie. A situação artificial provocada pelo estudo envolve a interação de humanos com os corvos, mas de uma maneira bastante peculiar.

Primeiro, uma pessoa (no caso, a pesquisadora Kaeli N. Swift) atira ao chão amendoim e salgadinhos de queijo para reunir um grupo de corvos. Logo em seguida, uma segunda pessoa (um voluntário ou "cúmplice", nos termos da matéria), se aproxima do grupo com um máscara de látex (acredite: os corvos reconhecem rostos humanos e o estudo exige ano anonimato), um cartaz onde se lê "estudos de corvos UW" (University of Washington) em uma das mãos e um corvo empalhado na outra. A primeira pessoa (pesquisadora) observa e toma notas sobre o comportamento dos corvos a partir da chegada do companheiro falecido, conservado por taxidermia.

Ainda de acordo com a matéria, a pesquisadora em questão e seu orientador, John M. Marzluff, pretendem entender o "modo como os corvos parecem se reunir em bandos ruidosos em volta de colegas mortos". Mas o que pode haver de especial nisso?

Bem, o primeiro achado de pesquisa é um tanto quanto curioso: "Quase todas as vezes os corvos atacaram em bando os voluntários com o corvo morto" (um ataque "apavorante", nos termos da própria pesquisadora). Comparações ajudam a colocar a reação em perspectiva: "Mas se o voluntário estivesse levando uma pomba morta, os corvos só o atacavam cerca de 40% das vezes. E, se o voluntário chegasse de mãos vazias, os corvos simplesmente se afastavam até ele ir embora."

Essas evidências levaram a pesquisadora e seu orientador a concluírem, em artigo publicado na revista Animal Behavior do mês de novembro de 2015, "que os corvos prestam muita atenção a seus mortos para reunir informações sobre ameaças à sua própria segurança". Mas é a interpretação das reações do objeto de estudo que é um atrativo à parte: "A presença de um corvo morto talvez informe aos outros corvos que um lugar específico é perigoso. Os grasnidos altos das aves podem ser uma maneira de compartilhar informações com o resto de seu bando".

De fato, o experimento parece envolver um certo teor de perigo para os seres em observação. Afinal, amendoim e salgadinhos de queijo estão longe de ser uma dieta saudável para qualquer ser humano, o que dizer então para um corvo... 

No próximo experimento, sugiro mudar o cardápio e incluir uma dieta rica em fibras e produtos orgânicos...

quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Retrato póstumo

Retratos póstumos. Um deles foi feito para homenagear Antônio Francisco Lisboa, nosso popular Aleijadinho, considerado por muitos como o maior expoente da arte colonial brasileira.

Contudo, à semelhança do seu protagonista, seu retrato está envolto em um manto de mistério e controvérsias. A primeira delas refere-se à autoria do próprio retrato (um "óleo sobre pergaminho", para ser mais exata): inicialmente atribuída ao Mestre Ataíde, ela acabou sendo revista no Séc. XX e finalmente conferida ao pintor Euclásio Penna Ventura.

A segunda controvérsia diz respeito ao próprio caráter póstumo da obra, já que ela fora pintada após a morte de Aleijadinho, ocorrida no ano de 1814. Portanto, a morte de Aleijadinho antecedeu em pelo menos 25 anos a invenção do daguerreótipo, que ficou conhecido como o primeiro equipamento fotográfico fabricado em escala comercial da história.

Ora, se a fotografia enquanto tal ainda não existia - ou, pelo menos, associada a processos de fixação da imagem sobre material razoavelmente perene - a única saída viável para a produção de um retrato fidedigno seria a observação direta do seu referente. Mas como este já tinha passado desta para melhor, fica aqui o cerne de mais uma controvérsia: que cara tinha, afinal, Aleijadinho?

Em depoimento ao jornal Hoje em Dia online, Vinícius Duarte, historiador da Superintendência de Museus e Artes Visuais da Secretaria de Estado de Cultura, reconhece: "Essa obra é muito reproduzida em livros didáticos do Brasil inteiro. Não existe uma referência de como era o rosto de Aleijadinho." Ficamos, pois, com esta espécie de "genérico" do grande mestre do barroco mineiro, feita sabe-se como.

Nada disso, porém, desencorajou os defensores do retrato a reconhecer sua oficialidade em evento realizado hoje, 4a feira, no salão nobre da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, data em que também se comemora o Dia do Barroco Mineiro. Da Assembleia Legislativa, a pintura segue para o Museu Mineiro, em Belo Horizonte, e, de lá, para o Museu de Congonhas.

O mistério em torno de Aleijadinho e sua iconografia, contudo, persistirá ainda por um bom tempo. Afinal, quem, um dia, poderia imaginar que o maior ícone do barroco mineiro - escultor, entalhador e arquiteto de qualidade inquestionável - fora considerado, no seu tempo, um aleijado? E quem, nos dias de hoje, poderia imagina-lo sem rosto? 

"Mas aí você já está pedindo demais", alega o leitor conformado. Concordo plenamente. É muita informação nova para a tradicional família mineira.

terça-feira, 17 de novembro de 2015

Aos Phóbicos

Ei, você aí, que é excessivamente preocupado, ansioso e craque em sofrer por antecipação: está na hora de ir conhecer de perto o drama de Phobos, a maior das duas luas de Marte.

Notícia publicada hoje no jornal O Globo online relata o registro de fendas em sua superfície, identificado pelos cientistas como um efeito da ação da gravidade do planeta Marte sobre a lua: "De acordo com estudo apresentado esta semana durante reunião anual da Sociedade Astronômica Americana (AAS), as longas e rasas fendas em sua superfície indicam que ela já sofre com as forças de maré que deverão despedaçá-la daqui a 30 a 50 milhões de anos".

Aliás, o nome da lua - Phobos - já é uma espécie de piada pronta, ou melhor, um vislumbre do estado de espírito de quem já sofre com o que ainda está por vir. Certo, daqui a 30 ou 50 milhões de anos, você não estará mais aqui. Porém, até para sofrer por antecipação, é preciso ter paciência. Afinal, se a lua, de fato, se aproxima cada vez mais de Marte em função da ação da gravidade deste planeta, é bom registrar que isso só acontece na proporção de 2 metros a cada século.

Sabida mesmo é a Astronomia, que ensina que sofrer por antecipação não é tarefa para fracos; é preciso rigor e disciplina. É que as catástrofes celestes pedem, acima de tudo, paciência. Fica então a sugestão: na hora em que você se cansar de falar das ameaças de ataques terroristas no Brasil ou do prenúncio de novas barragens se rompendo nas Minas Gerais, pare tudo o que estiver fazendo e olhe para Phobos. De preferência, mude-se para lá!

Aos demais, que preferem viver com a mente em paz e o coração cheio de esperança, recomendo ficar de olho na estreia do filme "Awake - a vida de Yogananda", que relata a vida de um dos grandes difusores da yoga no Ocidente.

No fim das contas, tudo é uma questão de escolha entre o amor e o medo.


quinta-feira, 12 de novembro de 2015

Raridade

Ah, mutações genéticas! Elas acontecem o tempo todo, mas quando o acaso ajuda, sai de baixo!

Esse parece ser o caso do pequeno povoado de Araras, um distrito que fica a 40 km da cidade de Faina, no estado de Goiás. Araras é conhecida por um recorde mundial: "O povoado é recordista mundial na prevalência do xeroderma – uma para cada 30 pessoas. No mundo, a doença afeta uma para cada 250 mil". 

O xeroderma pigmentoso é descrito como uma extrema sensibilidade ao sol, a tal ponto que as células da pele acabam sofrendo mutações provocadas pela radiação UV. O resultado disso é sentido na pele (literalmente) pelos habitantes de Araras: "O acúmulo delas causa manchas, escurecimento, engrossamento da pele e aumenta mais de mil vezes a chance do aparecimento de vários tipos de câncer."

Com uma taxa de incidência dessa monta, Araras não poderia jamais passar despercebida dos geneticistas interessados em mutações humanas de toda espécie. Segundo Carlos Menck, professor titular da USP e especialista no reparo de DNA, as mutações de Araras são fruto do que ele chama de "azar dos azares": "o encontro geográfico de duas famílias não correlacionadas, que fundaram o povoado, cada uma carregando uma cópia alterada de um gene."

Em consequência disso, os ararenses devem "evitar ao máximo a exposição ao sol e utilizar um potente filtro solar com uma enzima reparadora de DNA." Devem também, na medida do possível, vencer o isolamento geográfico e procurar consortes em outra freguesia, evitando assim casamentos consanguíneos. 

Bem, se irão buscar isso ou não, já é outra história. Mas fato é que Araras tem hoje motivos para acreditar que está melhor do que no passado, mesmo diante da fatalidade de uma doença considerada raríssima. É que até bem recentemente, "muitas pessoas achavam que a doença era contagiosa e que seria fruto de doenças venéreas, como sífilis, de seus antepassados". A Genética, contudo, provou que não.

terça-feira, 10 de novembro de 2015

Criança travessa, futuro incerto

Uma prova cabal do quanto nossa percepção nos engana é a distância existente entre a sensação térmica que experimentamos na epiderme e o aumento real da temperatura média da Terra nos últimos anos.

Se nos fiássemos na sensação de calor dos últimos dias, os termômetros teriam acusado temperaturas médias pelo menos 100 vezes mais altas do que o normal  - se é que se pode chamar as temperaturas dos últimos vinte anos de "normais".

Mas a verdade dos cálculos oficiais atestam um aumento infinitamente mais tímido do que a nossa vã filosofia. Em notícia publicada hoje no jornal O Globo online, o escritório britânico de meteorologia, Met Office, afirma que, "pela primeira vez, a temperatura média da Terra está mais de 1 grau Celsius superior à registrada antes da Revolução Industrial".

Mesmo objetivamente menor do que a sensação percebida subjetivamente, o aumento desregulado da média mundial pode colocar o planeta em risco: "De acordo com os cientistas, o aumento da temperatura média da Terra não pode chegar a 2 graus Celsius, sob o perigo de o homem perder o controle sobre o clima do planeta".


Para chegar a esta conclusão, o Met Office driblou a dificuldade de se conseguir dados objetivos das temperaturas em 1750 - período em que teve início a Revolução Industrial e, consequentemente, o uso de combustíveis fósseis - observando a média das temperaturas registradas entre 1850 e 1900, as quais "são mais conhecidas e acuradas."


Mas o rol de "notícias quentes" não para por aí. "Estima-se que, nos próximos meses, esta diferença será até superior, devido à combinação entre as emissões de carbono e o impacto do fenômeno climático El Niño." Some-se a isso o fato de que, neste ano de 2015, está se formando um El Niño de proporções inéditas, conforme declaração do diretor do Centro Hadley do Met Office, Stephen Belcher: "Um forte El Niño está se desenvolvendo no Oceano Pacífico, e ele provocará um impacto sobre a temperatura global."


Para coroar "de glória" nossa percepção sensorial do calor, parece que a coisa vai se complicar ainda mais no ano de 2016: "os cientistas acreditam que 2016 também está se configurando como um ano muito quente. É provável que nele a temperatura média da Terra também fique acima de 1 grau Celsius em relação aos índices vistos entre 1850 e 1900".


Diante das evidências apresentadas pelos climatologistas e da possibilidade de que estejamos caminhando a passos largos rumo a mudanças de grandes proporções climáticas, fica uma breve e singela lição: com o El Niño não se brinca; nem muito menos com os efeitos dos gases-estufa.

segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Paradoxos da vigilância

Paradoxos: o universo está cheio deles. Uma parte deles cruza os ares e ameaça a segurança psíquica da Terra. Outros, rastejam pela terra e ameaçam a integridade física das crianças.

Dentre os que cruzam os ares, está o WT1190F, "um objeto espacial detectado no início do mês [que] está em rota de colisão com a Terra, com queda prevista para o próximo dia 13," a 65 Km ao sul do Sri Lanka. 

Mesmo sabendo que ele "tem entre um e dois metros de diâmetro" e que "deve queimar por completo durante a entrada na atmosfera do planeta", há um interesse destacado da parte dos astrônomos em acompanhar de perto sua rota nessas próximas duas semanas. A razão é simples: o WT1190F possibilitará uma oportunidade ímpar de treinamento para situações de risco, isto é, uma "oportunidade inédita de acompanhamento e [para] testar planos de esforços coordenados para uma situação de perigo real".

Ainda assim, sabe-se pouco do WT1190F. Acredita-se que ele seja oco e, possivelmente, um destroço de algum corpo artificial, como pedaços de foguete ou painéis perdidos em missões espaciais anteriores. Pouco importa: "a descoberta do objeto a apenas um mês do impacto indica a importância de se aumentar os esforços para a identificação de corpos que apresentem riscos de colisão."

A outra ponta do paradoxo, aquela que esteja pela terra, está localizada aqui mesmo nesse nosso Brasilzão de dimensões continentais. Mesmo rastejando, acabou interceptada pelas mãos de uma criança de 1 ano e cinco meses, que vive com os pais na cidade de Mostardas, no Litoral Norte do Rio Grande do Sul.

A ameaça, contudo, só foi detectada mesmo pela mãe da criança, que viu o pequeno Lorenzo mordendo a cobra, jp´com sangue na boca e nas mãos. "Percebi que ele estava muito quietinho e fui ver se alguma coisa havia acontecido. Mas ele já estava na sala, e com a cobra na boca, mordendo ela!"

Após o susto, a cobra foi retirada das mãos e boca da criança, mas acabou morrendo logo em seguida. Levado ao Hospital São Luiz, Lorenzo foi examinado e ficou em observação durante duas horas, até ser destacada a hipótese de intoxicação. 

Criança sã e salva, cobra morta, susto redobrado: chegou-se a pensar que se tratava de uma cascavel, tida como a cobra que mais mata no Brasil. Cascavel ou não, quando se trata de crianças, a necessidade de vigilância é redobrada. De qualquer forma, as duas pontas do paradoxo da vigilância não deixam de convidar à reflexão: tanto esforço para controlar as situações de perigo que grassam pelo universo afora e ainda nem conseguimos vigiar nem nosso próprio quintal.

De qualquer forma, em ambos os casos, quando a falha humana se apresentar, a recomendação deve ser a mesma: vigiai e orai!