UA-89169382-1 Crônicas de Juvenal: junho 2015

terça-feira, 30 de junho de 2015

A queda da Muralha

Se alguém buscava um pouquinho de otimismo nesta noite auspiciosa, que antecede a tão celebrada conjunção entre Vênus e Júpiter no nosso céu, a notícia publicada no jornal Folha de S. Paulo online sobre o estado de uma das sete maravilhas do mundo moderno cai como uma luva. Ao que parece, uma extensão considerável da Grande Muralha da China está desaparecendo. (http://f5.folha.uol.com.br/voceviu/2015/06/1649154-cerca-de-30-da-muralha-da-china-da-dinastia-ming-desapareceu.shtml).

Ou melhor: já desapareceu, segundo estudo desenvolvido pela Administração do Estado da China, encarregada do patrimônio. O estudo avaliou um trecho total de 9.000 km de muralha construída no Séc. XV, durante a Dinastia Ming, para chegar a conclusão de que "2.000 quilômetros desapareceram e 1.200 estão danificados."

A parte da muralha construída na Dinastia Ming, contudo, não é nem a mais antiga nem a mais extensa parte da muralha, cuja extensão total está estimada em 21.000 km. O mais interessante é que o destino provável dos tijolos é a construção de casas. De acordo com Cheng Dalin, especialista da Comissão de Estudos da Grande Muralha "os habitantes que vivem perto da Grande Muralha tinham o costume de utilizar seus tijolos para construir suas casas e vários setores da fortaleza foram destruídos como consequência da expansão urbana e da construção de estradas."

Ah, se toda despesa militar no mundo passasse a ser usada para abrigar famílias! De todos os destinos, os tijolos daquela que é a parte mais recente da Muralha da China conheceram o mais nobre: acolher ao invés de dividir, abrigar ao invés de separar.

Que esta noite fria seja então o prenúncio de muitas outras mudanças e - por que não? - de celebração do fim das grandes muralhas psíquicas, que nos impeçam de comunicar e conviver livremente. 


terça-feira, 23 de junho de 2015

O país do futebol é um país de sedentários

De quantas contradições vive este país?

Não sei, mas acabei de saber de mais uma para o nosso vasto repertório. Vejam só que o País das Mil e uma Plásticas é também o país dos sedentários precoces. É o que reza a Pesquisa Diagnóstico Nacional do Esporte, divulgada hoje mesmo pelo Ministério do Esporte: "Quase 90% dos brasileiros que abandonaram as atividades físicas e os esportes o fizeram antes dos 34 anos." (http://www.hojeemdia.com.br/horizontes/a-saude/brasileiros-tornam-se-sedentarios-antes-dos-34-anos-diz-pesquisa-1.326962).

Acham os dados pouco expressivos? Então lá vai: segundo a pesquisa, realizada conjuntamente pelas universidades federais da Bahia, do Rio Grande do Sul, do Rio de Janeiro, de Goiás, de Sergipe e do Amazonas, 45% das pessoas que se tornaram sedentárias o fizeram entre os 16 e 24 anos.

O cenário traçado é dos mais preocupantes: "De acordo com a pesquisa, 58,8% das pessoas que não praticam esportes afirmam que não têm tempo e dão prioridade para outras coisas, como estudar, trabalhar ou cuidar da família. Outras 11,8% declaram que têm preguiça, desinteresse ou desmotivação e 9,5% alegam questões de saúde".

Mas é realmente uma contradição tão pouca atividade física em um país em que as pessoas parecem tão preocupadas com a aparência? Bem, em termos. Um país com um número tão elevado de cirurgias estéticas pode ser um indício de que as pessoas preferem resolver seus problemas de "adequação estética" pela via mais rápida, mas menos segura.

E quem já andava imaginando que a consciência do valor da atividade física estaria de alguma forma condicionada à distribuição do PIB ou do nível médio de escolaridade da população, enganou-se redondamente: a
 região sudeste é a mais sedentária de todas as regiões brasileiras, com "54,4% da população sem praticar atividades físicas ou esportes." A propósito: "o Centro-Oeste teve 45,1%, o Sul, 39,3%, o Nordeste, 38,5%; e o Norte, 37,4%". Se levarmos em consideração que a ausência de atividade física tem o potencial de agravar doenças crônicas e coronárias, então podemos ir dormir sabendo que uma expressiva proporção da população brasileira está optando por uma espécie de morte programada.

Foi o ministro do esporte, George Hilton, que captou a contradição, mesmo sem nomeá-la: "Onde está maior parte da população do país não há interesse em praticar atividades físicas. Isso tem que gerar um alerta, porque vai gerar um déficit na saúde pública. É uma conta que não fecha."

Lembremo-nos disso na próxima vez que formos culpar o Norte ou o Nordeste pelo atraso do país.

sexta-feira, 19 de junho de 2015

A homenagem

Há muitas maneiras de se homenagear os vivos. E muitas outras tantas de se homenagear os mortos. Mas homenagear os "insetos mortos por humanos" é coisa nunca dantes vistas por essas paragens (http://f5.folha.uol.com.br/voceviu/2015/06/1643196-japao-inaugura-monumento-em-homenagem-a-insetos-mortos-por-humanos.shtml).

Claro, um evento dessa envergadura não é mérito nosso, mas dos nossos antípodas. Trata-se de "um novo monumento inaugurado em um templo no Japão [que] serve para homenagear insetos mortos pelos humanos". A escultura, localizada no templo budista de Kenchoji, em Kamakura (sul de Tóquio), "retrata uma criatura de grandes proporções em formato de besouro escalando uma pedra, cercada por malhas de arame."

De um gosto estético discutível (basta conferir a foto disponível no link acima), a obra foi idealizada pelo escritor japonês Takeshi Yoro, mas faz as vezes de um ato de contrição coletivo diante dos animais mortos injustamente por humanos. Segundo a notícia publicada no jornal Folha de S. Paulo, "Yoro diz esperar que o monumento console as almas dos insetos que ele já matou, e que envie um mensagem de conscientização à sociedade."

Sem dúvida,  a escultura é um ato compassivo para com os seres injustiçados. Sob o holofotes da Kyodo News, o escritor afirmou esperar "que as pessoas tenham total noção do que seria de nós sem os insetos". Bonita ou não, a estátua tem o mérito de lançar um alerta sobre os animais que não devemos matar inutilmente.

No mais, a ideia poderia ser estendida aos micro-organismos, homenageando aqueles que são injustamente mortos pelo uso indiscriminado de antibióticos. Difícil imaginar uma estátua para este fim, mas ela não seria, certamente, não muito melhor do que a do besouro escalador.

quarta-feira, 17 de junho de 2015

Gatinhos "blockbuster"

Sabe quem são os campeões de audiência nos vídeos publicados no Youtube? Se pensou em esportes radicais, errou feio. Se pensou em vídeos de superstars do mundo pop, errou também. Mas se pensou em gatinhos fofinhos, você mandou bem.

Segundo notícia publicada hoje no jornal O Globo, vídeos com gatinhos são os grandes e verdadeiros blockbuster na Internet: "Mais de 2 milhões de vídeos de gatos foram publicados no YouTube em 2014, com quase 26 bilhões de visualizações. A média de visualizações desses vídeos foi maior do que a de qualquer outra categoria de arquivos publicados", informa (http://oglobo.globo.com/sociedade/tecnologia/videos-de-gatos-na-internet-deixam-as-pessoas-mais-positivas-reduzem-ansiedade-diz-estudo-16460989).

Claro, tamanha popularidade chamou a atenção de pesquisadores da  Universidade de Indiana (EUA), motivou um pesquisa com 7 mil entrevistados, que foram convidados a falarem do seu estado de espírito após a visualização dos vídeos. As conclusões da pesquisa acabaram resultando uma publicação na revista Computers in human behavior.  E é a coordenadora da pesquisa que sai em defesa da relevância acadêmica da sua pesquisa: "As pessoas podem achar que vídeos de gatos não são um assunto sério o bastante para ser alvo de um estudo, mas o tema é um dos mais populares na internet. Se quisermos entender melhor o efeito da internet nas pessoas, pesquisadores não podem ignorar vídeos de gatos"


E o dizem as conclusões da tal pesquisa? Maravilhas sobre esses vídeos. "Segundo o trabalho, as pessoas ficam mais alegres e positivas depois de assistir a material sobre gatos na internet. Os participantes também relataram menos sentimentos negativos, como ansiedade, irritação e tristeza 'depis' (sic) de ver um desses vídeos". E a parte mais curiosa de todas: "As pessoas reconheceram que assistem a imagens de gatinhos no trabalho, mas afirmaram que o prazer sobrepõe qualquer culpa associada à procrastinação".


Indisciplinas à parte, o que fazer, uma vez de posse de informações tão surpreendentemente reveladoras? "O estudo também sugere que, em vista dos resultados, trabalhos futuros devem explorar como vídeos de gatos podem ser usados como forma de terapia de baixo custo".

Então ficamos assim: se vc for pego pelo seu chefe em pleno ato de procrastinação com vídeos dessa natureza, diga que esta é a forma mais barata que você encontrou manter o emprego que tem!

sexta-feira, 12 de junho de 2015

Colombianas - Parte 2: ilhas de San Andrés e La Providencia

Uma vez cumpridas (e com louvor) as obrigações acadêmicas previstas para Medellín, chegou a hora de encontrar aconchego debaixo da asa da "mamãe avião" e subir rumo ao próximo destino: ilhas de San Andrés e La Providencia, região do Caribe colombiano.

As duas ilhas têm um precedente cultural que as torna bastante distintas da região continental da Colômbia: elas foram colonizadas por britânicos, mais precisamente por corsários britânicos como o lendário Henry Morgan (um voraz saqueador de colônias espanholas que viveu no Caribe no início do séc XVII). Esta particularidade fez com que os escravos jamaicanos, trazidos para trabalhar nas lavouras de tabaco e algodão, dessem origem à chamada cultura Raizal, com língua, comida, feições e temperos próprios. Hoje, contudo, esse grupo étnico afro-caribenho fala espanhol muito bem, obrigada, porque, afinal de contas, as ilhas são destinações turísticas baladas da Colômbia.

Mas não exatamente da mesma forma. San Andrés e La Providencia tem vybes totalmente distintas. A única coisa parecida é o mar do Caribe, com seu azul generoso e transparência infinita, capaz de fazer você subestimar em muitos e muitos metros a profundidade do mar por onde nada alegremente com o seu snorkel comprável a R$ 20 realitos (modelito mais básico, sem firulas). De resto, nada a ver.

Para comparar as vybes das duas ilhas: esta é uma praia de San Andrés.

E esta é uma praia de La Providencia.

San Andrés é uma pérola caribenha maculada por preços extorsivos e serviço ruim, precário, quando muito desonesto. Infelizmente, como planejava ficar pouco na ilha, optei por me hospedar no ó do borogodó, o que me rendeu uma sequência de três noites maldormidas por conta do barulho do hóspedes do hostel (péeeeeesimo!). Fora o hostel, esse cantinho norte da ilha de San Andrés é mesmo barulhento, uma espécie de Porto Seguro versão família, compactada em algumas poucas quadras, com uma zona franca bem fraca (não tinha equipamentos fotográficos Canon, ora vejam só) e praias tão lindas quanto superlotadas. Felizmente, tem gente boa em qualquer canto do mundo, de modo que Andrea, Juan Pablo e Érica foram excelentes companhias por esses dias.

Resumidamente, os quatro dias não consecutivos passados em San Andrés me valeram uma GOPRO Hero 4 com preço bastante vantajoso, um mergulho com cilindros (paguei por 4 horas, mas só durou 3), café decente (mérito da Colômbia continental), um passeio a um maravilhoso aquário a céu aberto, onde extorsionários alugavam snorkel,  guarda-volumes e sapatilhas aquáticas para que as pessoas sapateassem com mais vigor e disposição sobre os pobres corais indefesos. Consciência ecológica do impacto ambiental daquela multidão de sapateadores de corais? Deve ter sido levada para bem longe pelos primeiros corsários ingleses.

Mergulho de boas-vindas logo na primeira manhã em San Andrés. Perfeito se não tivesse durado uma hora a menos.
Esta imagem do Aquário é uma boa síntese de San Andrés: praias superpovoadas, cercadas de um mar de uma cor sem explicação.


Bem, se eu quisesse praia cheia, teria ido para Copacabana e não para o Caribe colombiano. Razão pela qual eu dei um jeito de comprar uma passagem e viajar de "avioneta" (termo que eles usam para designar um aviãozinho de 20 lugares) para La Providencia. O conjunto da obra passagem-hospedagem-traslado-alimentação não ficou uma bagatela, mas o que eu encontrei em La Providencia não tem preço: sossego autêntico e irrestrito.

Vista aérea do mar da ilha La Providencia



Sossego despovoado: essa La Providencia é mesmo o paraíso!


O sossego de La Providencia não conhece limites. Quer desfrutar de um passeio de bicicleta pelos 18km de circunferência da ilha? Esqueça o cadeado, lá não precisa. "Aqui todo mundo se conhece", me explicaram, em uníssono, o motorista do táxi, a funcionário do hotel, o funcionário que me alugou a bicicleta. Quer admirar uma praia deserta, sem o assédio de ambulantes? Pois esta ilha é o lugar ideal. Ninguém te aborda, ninguém te perturba, mas todos, sem exceção, foram corteses, polidos e respeitosos quando solicitados para dar alguma informação.

 Para fechar o relato com chave de ouro, vou contar rapidamente um evento interessante que me aconteceu em La Providencia. Estava eu com a bicicleta alugada até às 21h quando, por volta de 18h30, decido pegar a estrada e fazer um percurso de uns 15 minutos de bicicleta até um café-restaurante bastante recomendado pelo guia Lonely Planet. Como os postes era numerosos no caminho, não me preocupei em levar lanterna. Ainda estava claro quando saí, mas a noite havia caído totalmente quando decidi voltar ao hotel para devolver a bicicleta. Para a minha surpresa, vários daqueles postes estavam apagados e a estrada estava um breu total.

Nessa hora, eu tive medo. Medo de colisão, pois os nativos iam e vinham de moto, e as luzes acesas dos faróis diminuiam minha visibilidade. Medo de atropelar um caranguejo, pois eles estavam em período de desova no mar, descendo da montanha e atravessando a pista em filas indianas. Medo de ser interceptada na parte mais escura do caminho, pois, afinal, eu estava na Colômbia, e a Colômbia faz parte da América Latina. De repente, em uma parte bastante escura da estrada, passo por um grupo estacionado na beira da estrada, ao lado de uma caminhonete. Não deu para ver muita coisa no escuro, mas parecia que eles estavam trocando um pneu da caminhonete. Logo após minha passagem por eles, uma moto é ligada e começa a me seguir, permanecendo logo atrás de mim.

A moto não fez nada mais do que permanecer na mesma posição, iluminando meu caminho, até que eu chegasse na parte totalmente iluminada da estrada. Em seguida, ela passou por mim e eu agradeci. Era uma moça com um menino na garupa. Um sinal claro de que temos que confiar com mais frequência na guiança da Divina Providência.

Matando saudades de umas boas pedaladas na Ilha da Providência.




Ilha da Providencia vista do seu pico.

segunda-feira, 8 de junho de 2015

Colombianas - Parte 1: Medellín

Segurança demais também atrapalha!

Se não fosse a Google ter me dado um olé e me bloqueado o acesso  a todos os serviços oferecidos por ela (como email e blog) - achando que alguém estava hackeando minha conta de email na Colômbia, quando, na verdade, esse "alguém" era eu mesma - já teria publicado há muito tempo algumas impressões colhidas durante a primeira parte da minha estadia nesse belo país que é a Colômbia.

Meu primeiro destino foi a cidade de Medellín, onde fui participar do congresso da Rede de Popularização da Ciência e da Tecnologia da América Latina e Caribe (Red Pop 2015). Mas não quero falar do congresso (afinal, tem quem o faça muito melhor do que eu). Quero falar das minhas primeiras impressões sobre a Colômbia, descritas pelo filtro da segunda maior cidade do país.

Duas coisas me saltaram aos olhos. A primeira é um hábito curiosamente simpático que têm os habitantes de Medellín. Ao invés de responderem ao seu "obrigado(a)" com um singelo "de nada", como se costuma fazer em outras artes da América Latina, eles respondem dizendo "com prazer" (con gusto). Às vezes, para emprestar ainda mais carga dramática à cena, eles dizem "com muito prazer" (con mucho gusto). E dizem isso tanto e com tamanha ênfase, que chego a pensar que eles passam a vida se divertindo bastante, tamanho é o prazer em dar informações e em prestar auxílio à menor sombra de hesitação do visitante que por ali passa. Até vi isso em outras partes por onde andei, mas, em Medellín, o hábito meu pareceu mais crônico.

A segunda característica local bastante sui generis é a coloração da frota de ônibus que circula por Medellín. Simplesmente não existe um padrão único para as diversas linhas. Ou melhor, o padrão é a própria criatividade kitsch levada ao seu paroxismo: são onibusinhos de cores tão intensas, tão particularizadas para cada linha e com nomes às vezes tão insólitos, que bate uma vontade louca de conhecer todos aqueles lugares: Aranjuez, Laureles, Poblado, San Lucas, Milagrosa, Sucre, Villa Hermosa, Santa Cruz.

Este espécime traz as cores da bandeira colombiana.

















As linhas de ônibus podem até ser colombianas, mas as cores são de Frida Kahlo

















Mas bom mesmo são as luzes neon, que acabam emprestando um certo ar de show do ABBA às ruas de Medellín. No lugar do grupo sueco, porém, a trilha sonora vem regada a rumba, bachata, vallenato ou champeta, gêneros musicais recorrentes, quando não obrigatórios
 
A luz neon se faz presente nas fachadas dos ônibus, tão logo o sol se põe.

Linha de ônibus com o sugestivo nome de Coopetransa: ônibus ou área de recreação?





Bom, por hoje é só isso mesmo. Depois de expor minhas primeiras impressões sobre Medellín, na próxima etapa, falarei da viagem à Ilha de San Andrés, Caribe. Con mucho gusto.