UA-89169382-1 Crônicas de Juvenal: julho 2015

quarta-feira, 29 de julho de 2015

Pandemônio

Intrigas, falsidade ideológica, ostentação, privilégios, estelionato.

Não, estou estou falando do nosso Senado ou da Câmara dos Deputados, nem muito menos me referindo a qualquer telenovela brasileira ou seriado americano. Pois saibam, senhores e senhores, que a sórdida narrativa se passou no zoológico de Taipé, no norte da ilha da Taiwan. Segundo notícia publicada no jornal O Globo online de hoje, uma farsa de proporções ficcionais foi protagonizada pela por uma ursa panda de 11 anos, que teria simulado a própria gravidez.

Ao que tudo indica, a ursa Yuan Yuan, que "tinha passado por um procedimento de inseminação artificial em 26 de março e 27, de acordo com um porta-voz do zoológico",  já demonstrava sinais típicos de gravidez na espécie, tais como "perda de apetite, espessamento do útero e aumento da concentração de progesterona fecal." No entanto, a hipótese de gravidez foi desmentida por especialistas trazidos da China continental, que "determinaram que sinais de gravidez exibidos por panda gigante no zoológico de Taipé, no norte da ilha da Taiwan, parecem ter sido falsificados pelo animal, a fim de garantir melhores condições durante o verão".

Ainda de acordo com a notícia, "quando pandas engravidam, são transferidos para quartos individuais com ar condicionado e assistência em tempo integral, recebendo mais frutas e bambu".  Portanto, de boba, essa panda não tem nada: "especialistas acreditam pandas inteligentes apresentam um comportamento semelhante ao da gravidez para melhorar sua qualidade de vida, depois de perceber a diferença de tratamento que recebem".
 
A pena para semelhante delito? Infelizmente, o jornal não fala. Mas em se tratando da China , não seria exagerado pensar em uma punição exemplar, isto é, algo que oscilasse entre reclusão em solitária - obviamente, sem acesso a ar condicionado, frutas e bambu - e a pena de morte, com grandes possibilidades de que a pobre ursa acabe virando churrasquinho para alimentar o proletariado do país mais populoso do planeta. 

quinta-feira, 23 de julho de 2015

El niño

Prontos para avaliar o ano de 2015 antes mesmo do seu fim?

Pois vejam só vocês que mal chegamos a meados do ano e já temos notícia do seu primeiro recorde: segundo notícia publicada hoje no jornal O Globo online, "o primeiro semestre de 2015 foi o mais quente da história moderna, segundo a Administração Oceânica e Atmosférica Nacional (NOAA) dos Estados Unidos".

Em termos absolutos, a quebra do recorde significou um aumento de 0,88°C na média planetária registrada durante o Séc. XX, o que fez "com que os primeiros seis meses deste ano sejam os mais quentes que se tem registro no mundo" tanto na terra quanto nos oceanos. Mas se você acha que a demonstração já foi suficiente, é bom ir se preparando para o pior. Em anos de ocorrência do vento El Niño, há forte possibilidades de alterações no regime de chuvas e aumento das temperaturas globais.

Bem, se você acha que o calor aqui nesse planeta já deu e pensa em buscar alternativa melhor, saiba que nem tudo está perdido. Notícia publicada no jornal Folha de S. Paulo online, a Agência Espacial Europeia (ESA) tem planos que podem trazer alento para quem anda de saco cheio do calor. De acordo com o novo diretor da entidade, Johann-Dietrich Wörner, a ESA "pretende instalar um laboratório permanente para o trabalho de astronautas e robôs na Lua e que sirva de base para eventuais missões a Marte, como centro de mineração ou complexo turístico".

De acordo com a notícia, Wörner teria, em seu discurso de posse no início deste mês, proposto a criação de "uma 'aldeia lunar', o que não significa que vai ter casas, prefeitura e igreja, mas um lugar onde os diferentes países possam aplicar suas competências através de astronautas e robôs".

A receita parece boa. No que se refere à aplicação de competências, tenho lá minhas dúvidas sobre sua capacidade de mobilizar interessados. Mais fácil acreditar que um bom sistema de ar condicionado vai, sim, atrair muita mais gente com o El Niño no corpo.

Enfim... deixa eu dormir meu sono de inverno, enquanto o verão não vem.

Bem,



terça-feira, 21 de julho de 2015

Na rota da seda

Múmias ruivas chinesas de até 4 mil anos de idade, encontradas na Bacia do Tarim (porta de entrada da rota da seda, no oeste da China), provam que a diversidade genética local é coisa mais antiga do que se supunha.

Estudo publicado na revista BMC Genetics, que contou com a análise de DNA de 36 indivíduos encontrados no cemitério Xiaohe, identificou linhagens genéticas de pelo menos dois grupos euro-asiáticos em meios aos primeiros colonizadores daquela região. No primeiro caso, trata-se de grupos nômades provenientes de estepes do Cazaquistão. Já o segundo caso conta com grupos provenientes do oásis de Báctria, onde hoje se encontram o Uzbequistão, o Afeganistão e o Turcomenistão. "Os resultados mostraram que ambas as teorias possuem certa validade, mas as populações das estepes cazaques tiveram maior contribuição que os povos do oásis de Báctria" (http://oglobo.globo.com/sociedade/ciencia/exames-de-dna-revelam-origens-de-mumias-ruivas-chinesas-16843220).

Nada disso poderia ser comprovado, no entanto, se a Bacia do Tarim não fosse uma região desértica, capaz de preservar material genético suficiente para comprovar as teorias relacionadas com linhas e mutações dos primeiros habitantes da região.

Contudo, para além das conclusões apontadas pelo estudo genético em questão, uma terceira hipótese corre a boca miúda, nos bastidores da ciência oficial. De acordo com ela, a rota da seda nada mais foi do que uma mera desculpa para uma outra, muito mais importante e comercialmente influente do que a primeira: a rota da henna.
No mais, Gerais. Depois dessa, melhor ir dormir.

P.S.1= Esse blog preza a ironia

P.S.2= Portanto, mantenha o bom humor.

P.S.3= Henna faz bem para o cabelo. Experimente antes de virar múmia.

sábado, 18 de julho de 2015

No coração das barreiras

Bravíssimo! Sonda da NASA chega ao coração de Plutão no mesmo dia em que a brasileira Etiene Medeiros conquista, pela primeira vez, uma medalha de ouro na natação feminina nos Jogos Pan-Americanos (PAN). Mas o que esses dois eventos têm em comum? Ambos superam barreiras e excedem expectativas anteriores.

No caso da brasileira, que já havia se tornado, em dezembro 2014, "a primeira mulher do país a se sagrar campeã mundial (em piscina curta, de 25 m), com um título nos 50 m costas –com direito a recorde mundial– em Doha", mas um recorde vem bater à sua porta. Com o novo recorde pan-americano (59') e a primeira vitória de mulher brasileira na natação, Etiene já coleciona 3 medalhas, antes mesmo das provas da sua categoria terminarem: além da medalha de ouro conquistada hoje, ela foi "prata no revezamento 4 x 100 m livre, na terça, e nesta sexta ganhou o ouro nos 100 m costas".

No caso da New Horizons, enviada pela NASA ao planeta Plutão, a surpresa ficou por conta das imagens inéditas, em alta resolução, capturadas pela sonda: "A formação parecida com um coração vista em Plutão pela sonda New Horizons, da Nasa, é na verdade uma enorme planície provavelmente composta em grande parte por gelo de monóxido de carbono".

O chamado coração de Plutão nada mais é do que "uma superfície 'enrugada', provavelmente formada nos últimos 100 milhões de anos e dividida em pequenos segmentos por um processo geológico de natureza ainda desconhecida". De qualquer forma, de acordo com o líder da equipe de geologia, geofísica e imageamento da missão, Jeff Moore, "a descoberta de vastas e jovens planícies sem crateras em Plutão excede todas nossas expectativas de antes do sobrevoo."

No final das contas, romper a barreira do sistema solar e romper as diversas barreiras que impediram as predecessoras de Etiene de subir ao pódio é farinha do mesmo saco. Mas o melhor da superação das barreiras é o seguinte: o que está do lado de lá pode ser muito melhor e maravilhoso do que imaginamos.

Boa noite para quem fica. Hora de dormir!  



quinta-feira, 16 de julho de 2015

Em atividade

 Você que está ai, cabisbaixo, de olho no seu smartphone, pensando na morte da bezerra ou nos descalabros de uma suposta crise, nem sonha que há mais atividade entre o céu e a Terra do que julga sua vã filosofia. Ou melhor, há mais atividade entre a Terra e o Universo... do que qualquer um jamais poderia imaginar!

A boa nova é que nós, brasileiros, além de termos rapado três medalhitas de ouro nas provas de natação dos Jogos Pan-Americanos de Toronto hoje, estamos também tendo a oportunidade até então inédita de testemunhar a captação das primeiras imagens feitas pela sonda New Horizons.

O que aprender com as essas imagens de planeta tão distante e tão pequeno (cerca de 0,24% a da Terra ou 66% do diâmetro da lua, segundo o Wikipédia)? Ora, pequeno é uma pinoia! Plutão tem muita atividade geológica, mas tanta, tanta, tanta que até andou emprestando um bocado para Caronte, sua maior lua.

Para a alegria dos astrônomos e geólogos, Plutão está se apresentando como uma caixinha de surpresas: além de sofrer possivelmente frequentes pancadas do cinturão de objetos celestes que gravitam ao redor dele, "montanhas com cerca de 3.000 a 4.000 metros de altitude" dão fé do caráter recente dessas últimas. "John Spencer, cientista da missão, deu um palpite informado de que essas superfícies devem ter menos de 100 milhões de anos — o que é um piscar de olhos, para um objeto que tem 4,6 bilhões de anos de idade".

Velhinho, sim. Anão, também. Mas, sobretudo, geologicamente ativo. Pelo visto, Plutão ainda tem muito a ensinar a toda essa gente cabisbaixa, de olho nas más notícias que chegam no seu celular. De qualquer forma, amigo, saiba que você não está só: você tem 280 milhões de viciados ao seu lado, olhos fixos na tela do celular. 

De qualquer forma, entre a contemplação de uma imagem ou outra de Plutão na tela do seu celular, não deixe de olhar para cima e buscar o céu. Plutão está aí para te lembrar que há mais atividade nesse pano de fundo estrelado do que julga sua vã filosofia.



segunda-feira, 13 de julho de 2015

Desafio poético - 5º dia

Após uma breve pausa para descanso, cá estou eu já na reta final do último dos desafios. Antes de passar ao derradeiro poema, gostaria de frisar que este desafio poético não passa de um desafio de meia-tigela: não há nada mais prazeroso que ser desafiado a publicar e comentar poesia. Só que desafio que é desafio pode até dar prazer, mas tem que dar frio na barriga também. Do contrário, não é desafio.

Foi em consequência de um frio na barriga, portanto, que escolhi o poema que cito hoje. A primeira leitura me arregalou os olhos; a segunda me revirou as vísceras; mas foi na terceira que saí convencida da genialidade do seu autor.

Não, queridos leitores, lamento informar mas o autor de hoje não é conhecido da grande massa (ainda que ele venha angariando fãs incondicionais - como eu! - nas redes sociais). Por enquanto, devo ressaltar. Meu dever - e o seu, tão logo ler este poema - é semear seu nome até os confins da Ursa Maior, de modo que sua poesia continue varrendo universos e enternecendo pessoas.

Ok, vou parar com o suspense. Com vocês, senhoras e senhores, uma bela amostra da poesia visceral de Wender Montenegro.

De pedras e ganhos

Me dá uma pedra, Senhor.
onde eu possa recostar o sonho.
Uma pedra de mó que me sirva de âncora;
uma pedra só lâmina 
pra retirar escamas do remorso,
mais que isso, vísceras.
Pedras-de-lei para anistiar ofensas
e imprimir perdões.
Dá-me a alegria de um seixo leve:
quero das margens vê-lo milagrar
passos de dança sobre o chão das águas.
Uma pedra-alimento que seja, 
dessas que as rolas vêm colher aos bandos
na hora da sesta...
Minha pedra é caminho, Senhor,
e eu quero uma pedra-canção!

Wender Montenegro. Casca de nós. Guaratinguetá, Ed. Penalux, 2012, p. 65. 

sexta-feira, 10 de julho de 2015

Desafio poético - 4º dia

No 4º dia do desafio poético, Lya Luft vem deixar seu recado para quem vive essa vida corrida e não tem tempo nem hora para amar.

Pela urgência do tema, pela exatidão dos termos, pela fluidez dos versos, decidi que hoje eu vou me abster de mais comentários. Para viver e amar, basta este aviso.

Aviso

Se me quiseres amar, 
terá de ser agora: depois
estarei cansada.
Minha vida foi feita de parceria com a morte:
pertenço um pouco a cada uma,
para mim sobrou quase nada.

Ponho a máscara do dia,
um rosto cômodo e simples,
e assim garanto a minha sobrevida.

Se me quiseres amar,
terá de ser hoje:
amanhã estarei mudada.

Lya Luft. "Aviso" IN: Para não dizer adeus. Rio de Janeiro, ed. Record, 2005, p. 39.

quarta-feira, 8 de julho de 2015

Desafio poético - 3º dia

No terceiro dia do meu desafio poético, a dica é chutar o pau da barraca com a poetisa Wislawa Szymborska. E se há alguém que o faz com graça e leveza, é ela mesma.

Para tanto, escolhi "Sob uma estrela pequenina", um primor de poema feito para quem pretende, deliberadamente, frustrar as expectativas que foram colocadas sobre seus pobres ombros. Algumas dessas expectativas, fomos nós mesmos que nutrimos. Outras tantas e várias, foram sendo plantadas pelas diversas pessoas que atravessaram nossa existência ao longo dos anos. No final das contas, qualquer uma dessas expectativas cria suas próprias condições de desassossego: se elas forem atendidas, vivemos o sonho alheio e nos distanciamos de nós mesmos; se forem frustradas, ficamos de joelhos para nossos credores, pagando juros sobre juros.

Pois então: este poema de Wislawa Szymborska é um perfeito chute no pau da barraca de quem optou por não cumprir as regras do ritual. O bacana é que ela faz isso com a graça de quem se desculpa de algo. Mas desculpar-se de quê, afinal de contas? Da liberdade de ser o que se quer, muito provavelmente.

Vamos ao poema, sem mais delongas.

Sob uma estrela pequenina

Me desculpe o acaso por chamá-lo necessidade.
Me desculpe a necessidade se ainda assim me engano.
Que a felicidade não se ofenda por tomá-la como minha.
Que os mortos me perdoem por luzirem fracamente na
                                                                                    [memória.
 Me desculpe o tempo pelo tanto de mundo ignorado por
                                                                                    [segundo.
Me desculpe o amor antigo por sentir o novo como
                                                                                    [primeiro.
Me perdoem, guerras distantes, por trazer flores para casa.
Me perdoem, feridas abertas, por espetar o dedo.
Me desculpem os que clamam das profundezas pelo disco
                                                                                     [de minuetos.
Me desculpe a gente nas estações pelo sono das cinco da
                                                                                    [manhã.
Sinto muito, esperança açulada, se às vezes me rio.
Sinto muito, desertos, se não lhes levo uma colher de água.
E você, falcão, há anos o mesmo, na mesma gaiola,
fitando sem movimento sempre o mesmo ponto,
me absolva, mesmo se você for um pássaro empalhado.
Me desculpe a árvore cortada pelas quatro pernas da mesa.
Me desculpem as grandes perguntas pelas respostas
                                                                              [pequenas.
 Verdade, não me dê excessiva atenção.
Seriedade, me mostra magnanimidade.
Ature, segredo do ser, se eu puxo os fios das suas vestes.
Não me acuse, alma, por tê-la raramente.

Me desculpe tudo, por não poder estar em toda parte.
Me desculpem todos, por não poder ser cada um e cada
                                                                                       [uma.
Sei que, enquanto viver, nada me justifica
já que barro o caminho para mim mesma.
Não me julgue má, fala, por tomar emprestado palavras
                                                                               [patéticas,
e depois me esforçar para fazê-las parecer leves.

Wislawa Szymborska [poemas]. Tradução de Regina Przybycien. São Paulo, Companhia das Letras, 2011, p. 50-51. 

terça-feira, 7 de julho de 2015

Desafio poético - 2º dia

Depois do drama, a sátira. E ninguém melhor do que Juó Bananére, um joão-banana que fez da poesia brasileira um negócio mais alegre e engraçado.

Para quem não sabe (e eu mesma não sabia até ganhar o livro em questão), Juó Bananére é o pseudônimo de Alexandre Ribeiro Marcondes Machado que, em 1915, teve a brilhante ideia de escrever La Divina Increnca e tornar-se o pai do macarronismo no Brasil. Ao prefaciar a obra em 1958, Otto Maria Carpeaux explicou que macarronismo é uma "mistura intencional e literária de duas línguas para fins parodísticos" (p. xi).

O que Juó Bananére faz nada mais é do que misturar o italiano com o português para satirizar algumas coisas que faziam parte do seu universo: de um lado, a poesia parnasiana, com suas convenções e regras; de outro, os italianos recém-migrados para os subúrbios da cidade de São Paulo.

Com sua poesia satírica, Juó Bananére acende, portanto, vela para dois santos. Não vou me alongar mais nos comentários. Basta ler para rir. Espero que vocês se divirtam o tanto que eu me diverti com essa poesia tão saborosa quanto macarronada italiana!

Sodades de Zan Baolo

Tegno sodades dista poliçea,
Dista cidade chi tanto dimiro!
Tegno sodades disto çeu azur,
Das bellas figlia lá du Bó Ritiro.

Tegno sodades dus tempo pirdido
Xupano xoppi uguali d'un vampiro
Tegno sodades dos bigigno ardenti
Das bellas figlia lá du Bó Ritiro.

Tegno sodades lá da Pontigrandi,
Dove di notte se vá dá um giro,
I dove vó si spiá como n'un speglio,
As bellas figlia lá du Bó Ritiro.

Andove tê tantas piquena xique,
Chi a genti sê querê dá un sospiro,
Quano perto per caso a genti passa, 
Das bellas figlia lá du Bó Ritiro.

Tegno sodades, ai de ti - Zan Paolo,
Terra chi eu vivo sempre n'um martiro
Vagabundeano come un begiaflore,
Atraiz das figlia lá du Bó Ritiro.

Tegno sodades da garôa fria,
Assustada com o sopro du Zefiro,
Quano io durmia ingoppa o collo ardenti
Das bellas figlia lá du Bó Ritiro.

 
   
 



 

Desafio poético - 1º dia

Há vários dias - quiçá semanas - uma amiga me convidou para um desses desafios poéticos que andam grassando nas redes sociais. O desafio consistia em postar cinco poemas durante cinco dias seguidos.

Os dias se passaram e nada de eu arrumar tempo para catar meus versos preferidos. E aí a poesia foi ficando para depois, perdida entre os prazos, as lidas, os artigos. Agonizante, ela ainda quis crer que eu teria tempo para ela um dia desses aí, quando tarefa x ou y estivesse terminada.

Hoje, agradeço reiteradamente à poesia por ela não ter desistido de mim (o mesmo digo da amiga do desafio). Para aceitá-lo, contudo, achei por bem migra-lo para este blog, que é território todo meu, onde só me lê quem tem estômago para os faits divers, para as nerdices e para a ironia barata.

No entanto, quero deixar claro que trouxe o desafio para cá porque achei que a poesia ficaria bem ao lados das crônicas, que, por sinal, andam ficando mais esparsas do que eu gostaria. Para arejar este recinto, revigorá-lo e torná-lo um pouco mais útil para as almas errantes (aquelas que navegam pela Internet atrás de leitura acidentaçl), resolvi ir um pouco além da proposta inicial. Cada dia uma poesia, cada poesia um autor e cada autor um estilo, um sentimento, um sabor especial na ponta língua.

Vou começar então com o decano dos cinco autores, Manuel Bandeira, campeão olímpico de intensidade dramática nos 500 versos rasos. Escolhi o poema abaixo porque ele fala tanto de si próprio (o verso) quanto do seu autor: tão intenso e dramático, que por pouco não vira uma novela mexicana.

Senhoras e senhores, aqui vão os versos escolhidos do Manuel Bandeira:

Desencanto

Eu faço versos como quem chora
De desalento... de desencanto...
Fecha o meu livro, se por agora
Não tens motivo nenhum de pranto.

Meu verso é sangue. Volúpia adente...
Tristeza esparsa... remorso vão...
Dói-me nas veias. Amargo e quente,
Cai, gota a gota, do coração.

E nesses versos de angústia rouca
Assim dos lábios a vida corre,
Deixando um acre sabor na boca.

- Eu faço versos como quem morre.

Do livro: "Vou-me embora para Pasárgada e outros poemas" (Ediouro, 2ª ed., Rio de Janeiro, p. 7).  

sábado, 4 de julho de 2015

Decisões por consenso

Só mesmo um humor destilado com ironia para digerir a pataquada antidemocrática que o senhor Eduardo Cunha aprontou nesta ditosa semana. Da atitude golpista, ficou uma lição básica: só o humor inteligente é capaz de resgatar a moral de mulheres e homens de bem.

A melhor da semana, seguindo esta linha de autoajuda psicológica, ficou a cargo do Piauí Herald. De acordo com o factoide humorístico, "Eduardo Cunha articula para o Brasil jogar novamente contra a Alemanha" (http://revistapiaui.estadao.com.br/blogs/herald/brasil/eduardo-cunha-articula-para-o-brasil-jogar-novamente-contra-a-alemanha).

Ao que parece, depois do seu último golpe regado a inconstitucionalidade, Cunha já vislumbra um novo horizonte para o futuro da democracia no país: "Abri negociações para que o Brasil jogue diversas vezes com a Alemanha pela semifinal da Copa do Mundo. Só estaremos satisfeitos quando avançarmos para a final com, pelo menos, dois gols de diferença. Um deles tem que ser do David Luiz, de bicicleta, com um passe do Firmino", teria dito o deputado em entrevista fictícia ao jornal humorístico.

Não muito atrás no quesito "humor autoajuda" foi a notícia do Sensacionalista, segundo o qual "Espermatozóide é preso por roubar a vida que seria de outro" (http://sensacionalista.uol.com.br/2015/07/02/espermatozoide-e-preso-por-roubar-a-vida-que-seria-de-outro/). Segundo notícia igualmente fictícia, "após a aprovação da redução da maioridade penal para a idade de espermatozoide, a polícia prendeu o primeiro criminoso acusado de matar milhares de irmãos."

Em tempo: as decisões por consenso são fruto de um aprendizado tão "difícil" que até os babuínos quenianos da espécie Papio anubis dão conta do recado. É o que sugere notícia publicada há umas duas semanas atrás na Revista Science processo decisório de locomoção e mudança de direção de babuínos foi analisado em profundidade, com o auxílio de colares GPS: "O resultado é que a probabilidade de certos movimentos arrastarem consigo um grande número de seguidores não tem nada a ver com o sexo, a idade ou a posição de cada babuíno na hierarquia do grupo. O fator mais importante é a concordância entre diversos 'iniciadores' [indivíduos que lideram deslocamentos] - ou seja, quanto mais babuínos indo mais ou menos para o mesmo lado, maior a chance de outros macacos seguirem a onda." (http://www1.folha.uol.com.br/ciencia/2015/06/1644815-bandos-de-babuinos-tomam-decisoes-democraticamente.shtml).

E o que temos de aprender com eles? A forma mais racional de resolver dissensos decisórios. Segundo a notícia, quando não há concordância entre "iniciadores", "os seguidores tendem a esperar até que surja um consenso ou, se os 'iniciadores' estão indo para direções muito diferentes, às vezes os membros do grupo se dividem entre mais de um 'iniciador'. Por outro lado, quando as direções não são exatamente iguais, mas se aproximam, os macacos tendem a adotar um caminho consensual entre uma direção e outra".


Isto posto, só consigo antecipar uma única saída honesta para homens e mulheres de bem deste país: presentear Eduardo Cunha com um colar GPS e mandá-lo para o Quênia!

quarta-feira, 1 de julho de 2015

Um a mais

Dia 30 de junho de 2015 devia entrar para a história como um dia de eventos astronômicos marcantes e altamente populares.

Em primeiro lugar, nunca se falou tanto da conjunção Vênus/Júpiter como neste ano (http://www.climatempo.com.br/noticia/venus-vai-ficar-ao-lado-de-jupiter). Longe de ser uma raridade, o fenômeno conseguiu arrecadar muitos pescoços esticados para o céu e câmeras apontadas para o pôr do sol (inclusive o pescoço e câmera desta que vos escreve). 

Em segundo lugar, nunca se falou tanto de instâncias internacionais como o Serviço Internacional de Rotação Terrestre, o Serviço Internacional de Rotação da Terra e Sistemas de Referência Saltar, a União Astronômica Internacional e a União Internacional de Geodésia e Geofísica, todas elas de alguma forma envolvidas na medicação do Tempo Universal Coordenado, que é o tempo tal como nossos relógios o registram. Tudo isso porque, além da brilhante e totalmente visível conjunção entre Vênus e Júpter no dia de hoje, seremos também brindados com um segundo a mais no nosso dia.

De acordo com notícia publicada no jornal Folha de S. Paulo online, este segundo a mais servirá para "compensar as pequenas variações que se acumulam ao longo do tempo e produzem uma defasagem entre o período de rotação da Terra e as 24 horas do dia" (http://www1.folha.uol.com.br/ciencia/2015/06/1649702-dia-30-de-junho-tera-um-segundo-a-mais-entenda.shtml). 

Um ajuste desta natureza só foi possível com a criação de relógios atômicos nos idos de 1970, capazes de registrar pequenas defasagens "entre o Tempo Universal Coordenado, que é o tempo atômico em que se baseia a hora dos nossos relógios, e o tempo de rotação terrestre, que toma como referência a posição do Sol".

O mais interessante, contudo, foi aprender que a inexatidão da rotação da Terra tem lá suas razões:"A necessidade de acrescentar um segundo adicional se deve a minúsculas variações da duração do dia que se acumulam, por a Terra não ser um sólido rígido. A rotação do globo é afetada pelo acoplamento de núcleo, manto líquido, oceanos, atmosfera".

Para brindar este dia, que nos presenteia com uma segundo a mais, façamos uma reverência à fluidez, aos encontros e aos aprendizados luminosos. E que a seguinte questão nos guie a reflexão: "se nem mesmo a Terra não é rígida, por que eu hei de ser?"