UA-89169382-1 Crônicas de Juvenal: setembro 2011

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Love... is in the air - 2

A 6a-feira encerra esta semana maluca (ué, a sua não foi?) com duas notícias que trazem alento às almas apaixonadas - ou àquelas em vias de se apaixonar.

A primeira grande boa-nova do dia foi o lançamento de um airbag central pela General Motors (GM). Situado do lado direito do banco do condutor, a "inovação protege os ocupantes dianteiros em caso de colisão lateral, situação em que os corpos do motorista e do carona tendem a se chocar um contra o outro" (http://classificados.folha.com.br/veiculos/983656-gm-apresenta-airbag-que-evita-choque-entre-motorista-e-carona.shtml).

Fato é que apesar de a GM ter percebido algumas potencialidades adicionais do produto - já que "o novo airbag também poderia ser útil em casos de capotamento" - ela acabou deixando passar desapercebida aquela que talvez seja a maior das contribuições do seu lançamento: a mediação (literal) de conflitos entre motorista e carona.

Errou a rua? Virou na contramão? Cortou ou não deu seta? Nada de entrar em atrito. Talvez a GM não saiba, mas seu experimento poupará muitos desfechos trágicos nos relacionamentos afetivos, principalmente naqueles momentos-chave em que o GPS começa a falhar e a discussão tem início.

Para ficar perfeito, só falta o desenvolvimento de modelitos mais profiláticos, a serem acionados a qualquer sinal de altercação entre interlocutores posicionados na parte frontal do automóvel. Pronto! É só apertar o botão do airbag central e o início de briga é interrompido. Estou certa de que o airbag central pode fazer muito mais por cada um de nós - só não pode ensinar o motorista a dirigir.

E para terminar esta 6a feira com uma imagem temperada de amor e volúpia, fica aqui um link para matéria publicada hoje no Hoje em Dia online mostrando cenas de sexo explícito entre o gorila Idi Amin e sua nova parceira Imbi (http://www.hojeemdia.com.br/minas/gorila-idi-amin-perde-a-virgindade-com-nova-parceira-1.348292).

Para quem não mora aqui na Roça Grande e não está familiarizado com o nome, Idi Ami é aquele gorila de 38 anos que não sabia o que era um acasalamento há pelo menos 27, já sua última parceira havia falecido em 1984, 14 dias após ser transferida ao Zoológico da cidade.

Para quem quiser saber mais sobre a saga do ex-solitário Idi Amin, vale a pena dar uma olhada na matéria do jornal supracitado, fartamente consubstanciada em detalhes picantes e fotos reveladoras.

O trecho abaixo dá uma amostra do clima de alegria que reina por lá: "Ficamos muito surpresos, pois o Idi não tinha contato com um semelhante há muito tempo e temíamos que ele tivesse perdido a memória da convivência coletiva. Tínhamos medo, inclusive, de ele não saber cruzar". Pois fique sabendo que Idi surpreendeu: deu show e ainda pediu bis!

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Dois surtos

Duas notícias que foram publicadas no dia de hoje acabaram me remetendo à palavra "surto".

A correlação da palavra em questão com a primeira das notícias, publicada no O Globo online, é bastante óbvia: trata-se de uma notícia relatando do surto da bactéria listeria nas fazendas de melões da Empresa Jensen, no Colorado (http://oglobo.globo.com/vivermelhor/mat/2011/09/28/surto-de-bacteria-originada-em-meloes-causa-morte-de-13-pessoas-nos-estados-unidos-925460289.asp).

A bactéria anda fazendo estrago por lá e já infectou 72 pessoas, causado a morte de 13, o que faz dela "o mais letal nos Estados Unidos em mais de uma década". Nunca imaginei que melões maduros pudesse dar tanta dor de cabeça ou pior: apagar a cabeça de vez!

A segunda notícia, que não é exatamente uma notícia, foi publicada na Folha online e traz um compêndio com verdades e mitos sobre a psicanálise (http://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/981368-veja-mitos-e-verdades-sobre-psicanalise.shtml).

O primeiro mito desconstruído é a premissa de que "todo mundo precisa fazer análise". Especialistas consultados pela Folha explicam que não é bem assim, que "a relevância de uma análise varia de acordo com o momento da vida e os objetivos de cada um".

Bom, se eu pudesse enviar algo para a análise, este "ente" certamente seria o meu computador. Ele não anda numa fase muito boa: tem crises existenciais inexplicáveis e dá no pé quando você mais precisa dele. É que o danado anda tendo apagões repentinos que não me deixam terminar o que estava escrevendo. Foi o que aconteceu ontem à noite, quando comecei a escrever este comentário. Ele teve um surto apagonístico e eu acabei perdendo o fio da meada.

De surto em surto, isto é, da bactéria listeria até o papo sobre psicanálise, acabei naufragando no esquecimento do que queria dizer. Enfim, no final das contas, acho que a maioria pensa mesmo não precisar de análise, até ter um surto em plena praça pública. Fazer o quê? Então, pelo bem de si próprio e da humanidade circundante, talvez fosse melhor todo mundo ir fazer análise mesmo. Meu computador será, com certeza, o primeirão da fila!

terça-feira, 27 de setembro de 2011

No túnel do tempo da publicidade 14

( Fonte: Revista IstoÉ, 24-02-93, p. 66-67)

É muito comum ouvirmos nas salas de aula dos cursos de publicidade aí afora uma dada versão (muito famosa, aliás) da distinção entre publicidade e propaganda. Segundo esta, a publicidade atenderia a ditames comerciais, enquanto a propaganda estaria voltada a fins políticos.

Conquanto esta separação seja arbitrária e difícil de ser sustentada - principalmente se levarmos em conta que toda mensagem publicitária é potencialmente política, na medida em que é formadora de subjetividade e, consequentemente, pode agir como mobilizadora de protestos ou de afirmações identitárias com viés político - pelo menos fica claro que, no Brasil, a distinção teve um respaldo histórico. É que quando se pensou em um sistema auto-regulatório para a publicidade brasileira no final dos 1970 quis-se provar, em plena ditadura militar, que a publicidade comercial comercial não tinha cunho político e que este aspecto cabia tão somente à propaganda política. A ideia era tirar a publicidade comercial do jugo militar, provando que ela diferente da propaganda política e, portanto, capaz de se auto-regular. Claro, a noção de ppropaganda aqui parece estar mais estreitamente ligada à esfera eleitoral e constituída uma preocupação central dos esforços de censura daquela época.

Mas não quero aqui discutir se noção de política que os publicitários daquela época retinham para si é a mesma que esboçamos logo acima. Na verdade, nem preciso. O que quero mostrar hoje, com exemplos concretos, é que a publicidade comercial já quis, em um dado momento, se aproximar estrategicamente da política institucional, incorporando figuras de grande visibilidade em um dado cenário político.

As publicidades que aparecem, respectivamente, no topo da página e ao lado são um exemplo de um momento-chave da política brasileira - o impeachment do então presidente da República Fernando Collor de Mello - que foram estrategicamente apropriada na propaganda comercial.

(Fonte: Revista IstoÉ, 22-12-93, p. 93-94)

Para quem não se lembra ou não estava lá, fica aqui o lembrete: Collor foi afastado do poder assim que o processo de impeachment foi instaurado em 02 de outubro de 1992. Na verdade, seu afastamento só foi consumado quando ele renunciou em meio à sessão do julgamento do processo de impeachment no Senado, em 29 de dezembro do mesmo ano. Portanto, a publicidade que aparece logo acima foi veiculada às vésperas da votação do processo, ao passo que a publicidade do topo da página faz alusão ao ex-presidente no ano seguinte (1993), poucos meses após seu afastamento do cargo na Presidência da República.

Não se pode deixar de notar que as duas publicidades selecionadas aludem ao mesmo segmento de produto: jornais impressos de tiragem diária (Folha de São Paulo e Diário da Tarde, respectivamente). Mas as estratégias foram bastante distintas.

No caso da Folha de São Paulo (topo da página), a citação do Collor é um subterfúgio para registrar um vantagem competitiva deste jornal com relação ao seu maior concorrente: o Estado de São Paulo. No caso da Folha da Tarde, o aspecto panfletário fica bem mais evidente: o texto conclama o leitor à participação cívica: por exemplo, firmando abaixo-assinados reivindicando rigor na apuração da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) ou ligando para lideranças parlamentares para pressioná-los na votação do impeachment.

Se claro está que houve utilização intencional da imagem política de Fernando Collor de Mello nessas duas publicidades comerciais, qual delas foi mais política?

Impossível dizer. Ou melhor: ambas foram, mas cada qual a seu modo. Enquanto a primeira aludia indiretamente a uma diferencial editorial entre os jornais Folha de São Paulo e o Estado de São Paulo (já que este último havia sustentado, até certo ponto, a candidatura de Collor) - diferença esta que pode ser traduzida tanto em dividendos políticos quanto comerciais - a segunda publicidade acena para uma participação política orientada para fins éticos. A primeira publicidade (topo da página) mostra a política sendo disputada em linhas editoriais; a segunda publicidade (meio da página) pretende emprestar ao jornal nela anunciado um certo ar de imprensa de opinião do Séc XVIII, quando se valia com empenho do seu papel de mobilizador de ações políticas práticas.

Se existe uma versão de uso político mais conveniente do que a outra, isso é algo que deixo para o leitor deste blog concluir. Mas não se esqueçam: a intenção de traduzir a temática política em dividendos comerciais esteve muito bem representada em ambas. Sinal de que a política pode ser um negócio rentável, até mesmo como tema da publicidade comercial.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Caça-níqueis

Todas essas histórias de tesouros perdidos no fundo do mar sempre seduziram mentes propensas ao desbravamento e à ambição. Mas esta última do navio mercante inglês SS Gairsoppa promete muito mais do que isso (http://oglobo.globo.com/ciencia/mat/2011/09/26/descoberto-no-fundo-atlantico-tesouro-da-segunda-guerra-925441139.asp). Ela serve de analogia para outra história muito menos gloriosa, ligada à situação do ensino público no estado de Minas Gerais.

Em 1941, o SS Gairsoppa saiu levando um tesouro de 200 toneladas em prata, estimado em R$ 440 milhões, da Índia para a Inglaterra. Só após ser atingido por um submarino alemão, o navio foi parar a 4.700m de profundidade, a um raio de 500km da costa da Irlanda. Mesmo com toda a dificuldade prevista, o resgate promete compensar a empresa responsável pela descoberta, a americana Odyssey Marine: 80% deste montante fica com ela, enquanto os 20% restantes irão parar nas mãos do governo britânico.

Mas que tipo de analogia pode ser retirada deste fato verídico?

Imaginem o ensino público neste estado há até uns 30 anos atrás, quando sua qualidade era o equivalente 200 toneladas de prata. Apesar de toda essa riqueza, os governos do estado agiram e agem como os submarinos alemães: bombardeiam o navio com toda sorte de políticas espúrias. Sua artilharia de ponta é o achatamento salarial, mas com uma particularidade importante: ao contrário de um bombardeio real, em que os torpedos causam danos severos e imediatos, o achatamento salarial pode ser executado ininterruptamente ao longo dos anos.

Fora isso, meus amigos, a analogia prevalece: o navio do ensino público afundou vertiginosamente nestes últimos anos e a qualidade do ensino foi para o fundo do oceano. Até que as empresas privadas - sob os auspícios do poder público - assumiram o comando da situação, indo buscar para si a riqueza perdida.

Se esse caminho tem volta, eu não sei. Mas se depender do Supremo Tribunal Federal, que considerou ilegal uma greve que não nada além de reivindicar a aplicação de um direito adquirido (http://www1.folha.uol.com.br/saber/981177-stf-mantem-decisao-que-considera-abusiva-greve-de-professor-em-mg.shtml), e do atual governo deste estado, o caminho é realmente... o fundo do fundo do mar!

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Até breve, Cesária!

Li com muita consternação essa notícia da Folha online dizendo que a cantora cabo-verdiana Cesária Évora está encerrando sua carreira por problemas de saúde (http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/979815-cantora-cabo-verdiana-cesaria-evora-encerra-sua-carreira.shtml).

O afastamento dos palcos foi comunicado pela sua gravadora, a Lusafrica, a qual alegou que "seus novos problemas de saúde acontecem depois de várias operações cirúrgicas a que foi submetida nos últimos anos, entre elas uma operação de coração aberto".

Aos 70 anos, Cesária Évora não deixa apenas os palcos, mas também os nossos corações abertos, cheios de saudade, mas esperançosos de que ela ainda volte a brilhar sob as luzes da ribalta.

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

É (quase) Primavera!

A chegada da primavera está prevista para as 06h05 da manhã de amanhã, sexta-feira (http://www.hojeemdia.com.br/minas/primavera-chega-as-6h05-desta-sexta-com-calor-e-pancadas-de-chuvas-1.345044).

Como ela chegará 25 minutos antes do meu despertador tocar, vou antecipar aqui as minhas boas-vindas. Vida nova, vida nova! E muito mais vida para o coração de cada um.

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Brevíssima sobre o Machado branco

A notícia publicada hoje na Folha online remete à representação imagética que se fez do santo padroeiro desse blog, Machado de Assis, em uma publicidade da Caixa Econômica Federal.

Contrariando as atitudes mais recorrentes da parte dos anunciantes quando o assunto é discriminação, "a Caixa Econômica Federal tirou do ar ontem um comercial sobre seu aniversário de 150 anos no qual o escritor Machado de Assis era representado por um ator branco" (http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/978575-caixa-tira-do-ar-propaganda-que-retrata-machado-de-assis-como-branco.shtml).

A matéria relata que a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR) esteve a frente de uma nota de repúdio à publicidade, visto que Machado de Assis era tudo, exceto branco (provavelmente mulato, já que sua mãe era negra). "A secretaria redigiu um comunicado em que se referiu ao comercial como uma 'uma solução publicitária de todo inadequada' ". Diante do exposto, a SEPPIR pediu o reconhecimento do equívoco e a correção do vídeo.

Interessante notar que a matéria cita os termos da retratação do banco -"a Caixa lamenta que a peça não tenha caracterizado o escritor, que era afro-brasileiro, com sua origem racial", mas não informa que a segunda solicitação da SEPPIR - a reformulação do comercial com a representação verossímel do fundador da Academia Brasileira de Letras - não foi acatada. Na verdade, a Caixa não reformulou o vídeo, ela apenas sustou sua veiculação. Portanto, o anunciante não corrigiu o erro, ele apenas limitou o dano causado pela publicidade, impedindo sua reprodução.

Pois ficamos todos a ver navios, sem o Machadão na sua versão afro-brasileira, sem sua ironia preciosa, nem suas tiradas de mestre. Não fosse o homem uma figura historicamente datada, ainda ia. Mas Machado de Assis branco e sem senso de humor é que nem peixe com espinho: difícil de engolir.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Fundamentalismo evolucionista

A teoria do Evolucionismo deve ou não ser ensinada a crianças a partir de 5 anos de idade?

Para responder a essa pergunta, cientistas defensores do Evolucionismo darwinista e de formas mais recentes de Criacionismo estão se engalfinhando lá no Reino Unido, conforme relata matéria publicada hoje no O Globo online (http://oglobo.globo.com/ciencia/mat/2011/09/19/um-manifesto-contra-criacionismo-925397792.asp).

Bem, a querela demanda um pequeno parêntesis explicativo. O debate, que é pra lá de antigo, ganhou ainda mais força desde que a crença de que a vida na terra é uma expressão da vontade de Deus começou a adquirir versões mais sofisticadas, como a Teoria do Design Inteligente. Os defensores desta última acreditam que as modificações ocorridas no universo e nos seres vivos são tão complexas e harmônicas que somente uma causa inteligente (leia-se a vontade Deus) seria capaz de motivá-las. Ou seja, os defensores vêem nessas modificações, sinais de planejamento, funcionalidade e propósito divino. Já os Darwinistas acreditam que a seleção natural, processo de mutação genática aleatória e desprovida de intencionalidade, é a melhor explicação para as transformações operadas nos seres vivos ao longo do tempo. O Evolucionismo aposta na ideia de que é o embate pela sobrevivência que mobiliza as funções adaptativas das espécies ao meio no qual se inserem.

Se, por um lado, o debate é antigo, por outro, a disputa não deixa de ser menos acirrada. Principalmente depois que "um grupo de 30 dos mais proeminentes cientistas, entre eles Richard Dawkins e David Attenborough, assinou uma petição defendendo a ideia de que a Teoria da Evolução, de Charles Darwin, deve ser ensinada às crianças a partir dos cinco anos". Mas muito mais do que o ensino de uma determinada teoria a partir da mais tenra idade, o que os defensores do Evolucionismo querem mesmo é "o combate as aulas de criacionismo nas escolas".

Qualquer que seja a resposta que será dada pelas autoridades do Reino Unido - já que "proposta de colocar a Evolução no currículo nacional foi aceita pelo governo anterior, mas derrubada no ano passado e, atualmente, está sendo revista pelo Ministério da Educação" - o caso merece um exame mais atento do que aquele que está sendo oferecido ao leitor do jornal em questão.

O argumento-chave das reivindicações apresentadas na petição - a saber, o banimento do Criacionismo das escolas e ensino do Evolucionismo para crianças - está assentado no pressuposto da ausência de cientificidade do primeiro enquanto teoria explicativa da evolução humana. A matéria do O Globo é clara a este respeito: "A petição do governo britânico sustenta que embora o criacionismo e o design inteligente não sejam teorias científicas, eles são apresentados como se o fossem por 'fundamentalistas religiosos' que tentam promover suas visões de mundo em escolas financiadas com verbas públicas".

O problema, a meu ver, é a noção de ciência que embasa as reivindicações dos Evolucionistas. O banimento do Criacionismo por ausência de cientificidade expõe um paradoxo neste argumento quando se tem crianças como público-alvo. O argumento parte de um pressuposto implícito, segundo o qual as crianças não teriam crivo suficiente para se defenderem racionalmente (isto é, sopesando com argumentos pró e contra ambos os lados da questão) das crenças religiosas que informam a teoria criacionista. Até aí, tudo bem. Mas daí a querer enfrentar o problema desta suposta ausência de julgamento crítico com pregação evolucionista desde a pré-escola é combater o diabo com a ponta do ancinho. Pior ainda, é antecipar para pré-escola uma explicação com medo dos efeitos que o debate possa trazer posteriormente.

A citação da fala do cientista Richard Dawkins à Revista Times não deixa dúvidas quanto ao tipo de desconforto suscitado pelo Criacionismo: "A Evolução é uma explicação para a existência verdadeiramente satisfatória e completa; eu suspeito que isso seja algo que uma criança pode apreciar desde muito nova". Pois bem: se ela é mesmo satisfatória e completa, por que não esperar pela idade certa para ensiná-la? Por que começar tão cedo? E que tipo de "estrago" a dúvida sobre a base explicativa do Evolucionismo pode acarretar para a formação do caráter de uma criança em seus primeiros anos de escolaridade?

A resposta a todas essas indagações é sugerida, também sob a forma de citação, nas últimas linhas da matéria publicada no O Globo: "Ele [Richard Dawkins] escreveu ainda que a Evolução poderia ser ensinada de forma 'mais simples de ser entendida do que os mitos'. Isso porque, acrescentou, 'mitos deixam várias perguntas sem resposta ou acabam por levantar mais questões do que as explicam' ".

Impossível ler essas conclusões sem desdenhar da noção de ciência que se quis defender logo acima. Em primeiro lugar, Dawkins descrendencia o mito por este não fornecer sistemas explicativos fechados, o que, por sua vez, nos faz questionar até que ponto um sistema teórico consegue ser realmente "fechado" e "conclusivo" com relação a um dado fenômeno ou evento. Claro, para acreditar nessa noção é preciso insistir na ideia de que que a ciência seja um acúmulo linear de verdades que vão se sobrepondo umas às outras. Só que esta crença é totalmente incompatível com o fato de que teorias totalmente divergentes possam eventualmente estar igualmente informadas por critérios de cientificidade validados pela comunidade científica.

Há de se argumentar também que não é este o caso do Criacionismo e que este modelo explicativo está totalmente desprovido de base científica. Mas duas ressalvas devem ser feitas a este respeito. De um lado, os critérios de cientificidade não são estáticos, nem inquestionáveis, estando eles mesmos abertos (de tempos em tempos, pelo menos) à dissensão.

De outro lado, eliminar o mito pelo potencial crítico e mobilizador que ele trás é jogar a criança fora, junto com água do banho. A ciência está povoada de questões sem resposta, mas nem por isso as questões deixam de ter lá a sua pertinência. O que não se pode, em hipótese alguma, é deixar de levantar determinadas questões, sob o temor de que elas não sejam satisfatoriamente respondidas pelos modelos explicativos à disposição em um determinado momento.

Deste último ponto de vista, até a Teoria do Design Inteligente poderia ter lá sua contribuição: ela força os partidários do Evolucionismo a sofisticarem suas respostas sobre questões tangenciando, por exemplo, a complexidade das mutações operadas nos seres vivos; ou, então, a providenciarem respostas mais convincentes sobre as mutações percebidas ao longo do tempo. Em última instância, ela pode até mesmo ajudar os Evolucionistas a reverem lacunas do seu modelo explicativo, principalmente naqueles casos considerados "limites", em que seres "pouco adaptados" acabam sobrevivendo à seleção natural.

Bola fora, colega! Sinto muito mas essa noção de ciência ficou lá no Séc. XIX ou, pelo menos, deveria ter ficado. Na melhor das hipóteses, a noção de cientificidade entendida como acúmulo de verdades é uma verdadeira chatice. Debates científicos tendem tender a ser empolgantes porque tomados enquanto tal, isto é, em seu caráter agonístico e em permanente tensão com formas concorrentes de entender e explicar os fatos. E se o caso é velar pela preservação do capacidade crítica das crianças, que elas sejam então protegidas de ambas as formas de fundamentalismo: científico e religioso.

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Ratinhos ociosos

Estranho como notícias de grande relevância para o interesse público costumam ficar relegadas às periferias topológicas dos jornais online. Essa aqui mesmo, que estava escondidinha lá no rodapé da Folha online na manhã dessa 2a feira friorenta, comenta (de maneira bastante acrítica a meu ver) o relatório "Pharmeceutical R&D Factbook", encabeçado pela agência Thomson Reuteurs (http://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/977351-criacao-de-remedios-inovadores-diminuiu-mostra-levantamento.shtml).

Na verdade, a Folha inicia a notícia aparentemente replicando a conclusão apresentada pelo relatório com relação à produção das Novas Entidades Moleculares (NMEs em inglês) pela indústria farmacêutica. As MMEs são medicamentos considerados carros-chefe da indústria farmacêutica - isto é, "moléculas que nunca tinham sido sintetizadas antes em escala comercial nem aprovadas para uso médico" - e que por isso mesmo constituem o caráter mais inovador desse segmento industrial.

A conclusão é que "2010 viu o menor número de drogas inovadoras lançadas no mercado por grandes companhias nos últimos dez anos", isto é, somente 21, contra 26 do ano anterior. Um menor número de novas drogas implica também em menor número de drogas em fases de testes clínicos, utilizando cobaias humanas. Além de uma queda em 50% da produção de novos remédios, o relatório afirma que dobrou o número de medicamentos que fracassarram na fase 3 de testes clínicos.

Contudo, a principal consequência deste quadro de retração, do ponto de vista empresarial, é desvendada lá pelo quinto parágrafo da matéria: "Do ponto de vista dos negócios, também são as mais interessantes porque trazem patentes duradouras, e portanto exclusividade no mercado, para seus criadores". Aliás, esta frase é um bom indício de qual santo está sendo agraciado pela ladainha: a própria indústria farmacêutica.

Mais detalhes? Para comentar o dito relatório, a notícia dá voz a dois pesquisadadores, Richard Stack e Robert Harrington, da Universidade Duke, autores de um artigo de opinião publicado na revista especializada "Science Translational Medicine". A opinião dos pesquisadores é apresentada nos seguintes termos: "eles dizem que boa parte da culpa é da própria FDA, mais famosa agência regulatória de fármacos do mundo" e que " 'parâmetros inconsistentes' têm atrapalhado a chegada de medicamentos inovadores ao mercado. Eles também afirmam que o público tem a expectativa 'irreal' de que um bom remédio será 100% seguro".

De maneira velada (mas nem tanto), o editor de Ciência e Saúde da Folha, responsável pela notícia, dá um veredito sobre a razão supostamente levantada pelos pesquisadores com relação aos dados do relatório da Thomson Reuters: "A FDA não comentou". Como se a ausência de comentário da parte da FDA fosse um indício de culpa no cartório... Ora, vejam só!

Mas, muito pior do que isto - e a despeito de qualquer argumento que pudesse ter sido aventado pela agência americana Food and Drug Administration - o que a narrativa jornalística fez de forma exemplar foi decretar silêncio sobre qualquer forma legítima de regulação governamental sobre a matéria dos testes clínicos. Sem dúvida, uma excelente forma de encerrar uma discussão antes mesmo de ela acontecer. Esperteza de rato... mas não de rato de laboratório, claro, por esses aí andam muito sem serviço, a julgar pelas conclusões do relatório.

Diante dessas críticas, qual seria a alternativa? Bem, uma notícia mais crítica, por exemplo, começaria jogando um pouco mais de luz sobre as atividades da agência que produziu o relatório em questão, a Thomson Reuters, e o porquê da Comissão Europeia abrir um inquerito para investigar a infração do artigo 82 sobre normas anti-trust (http://en.wikipedia.org/wiki/Thomson_Reuters). É que a Thomson Reuteurs é famosa pela produção de informação estratégica para decisores dos setores os mais variados setores do mercado global, indo do financeiro ao jurídico, passando, claro, pelas corporações midiáticas. Com tanta sinergia com os grandes setores corporativos internacionais, fica difícil acreditar na pretensa isenção da agência em questão (http://thomsonreuters.com/about/trust_principles/).

Além disso, uma notícia mais crítica também não se fiaria em apenas um artigo de opinião - seja ele de quem for - para condenar a atuação da FDA. E, principalmente, uma notícia mais crítica não deixaria para a última linha a informação politicamente mais relevante do relatório: "Em um ponto, porém, todos concordam: doenças infecciosas que afetam populações pobres, como a malária e a leishmaniose, continuam órfãs, com baixos investimentos da para novos remédios" (sic!).

Finalmente, se nos fiarmos no tom alarmista do relatório no tocante à redução dos testes em seres humanos (fazendo abstração de qualquer discussão ética que pudesse ser levantada com relação a este tipo de teste), só me resta mesmo torcer pelos ratos de laboratório e pelas condições de trabalho destes últimos. Se a esperança é a última que morre, então que a esperança de que dias melhores iluminem a vida deste relegado proletariado laboratorial seja a penúltima.

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Na trilha do próximo blockbuster

E já que falamos sobre notícias que giraram em torno do tema "memória" ao longo desta semana, por que não terminá-la com outra do gênero?

A Folha online replicou hoje uma notícia da Agência Associate Press sobre um novo mistério que paira sobre a cidade de Berlim desde a semana passada. É que um adolescente de aproximadamente 17 anos e com alguns lapsos de memória chegou à sede da Prefeitura de Belim, alegando dois fatos no mínimo curiosos: ter vivido os últimos cinco anos isolado em uma floresta juntamente com o seu pai e de ter caminhado duas semanas para chegar até a capital do país (http://f5.folha.uol.com.br/humanos/976543-rapaz-diz-que-passou-cinco-anos-vivendo-na-floresta.shtml).

Mas o mistério não para por aí. Ele afirma ter ido parar na floresta com o pai logo após a morte da mãe, e que só saiu de lá porque o pai faleceu recentemente. Falante de inglês, ele diz não se lembrar de onde a família vem, razão pela qual a polícia daquela cidade decidiu recorrer a outros países da União Europeia para identificá-lo.

Claro, com uma história dessas o garoto está a dois passos de virar roteiro para o próximo filme hollywoodiano. As reais motivações que o mantiveram lá durante todos estes anos e as circunstâncias mais concretas de sua sobrevivência numa floresta alemã ainda estão por ser desvendadas. Muita, muita água vai rolar debaixo dessa ponte.

Portanto, não percamos tempo! Hoje à noite, quando formos dormir o sono dos justos (no meu caso, pelo menos), pensemos em um roteiro melhor, mais humano e mais comovente para a vida deste singelo rapaz. Sonhar não custa nada, não se paga para sonhar...

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Orientalismo tupiniquim

Fim da linha para o famoso "Chá Sete Ervas"! A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) publicou ontem no Diário Oficial da União a suspensão da distribuição e do comércio do famigerado produto e de mais oito produtos fitoterápicos por não possuírem registro naquele órgão (http://oglobo.globo.com/vivermelhor/mat/2011/09/15/anvisa-suspende-distribuicao-venda-de-nove-fitoterapicos-no-pais-925360145.asp).

Não sei se estamos falando exatamente do mesmo chá, mas quem passou as tardes em casa lá pelos no final da década de 1980 e início 1990 deve se lembrar bem de uma determinada publicidade de TV do Chá emagrecedor Sete Ervas. O produto povoou o imaginário dos telespectadores - em sua maioria crianças - com estereótipos da Índia, de onde viriam supostamente as sete ervas que compunham o produto.

Minha memória de elefante trouxe à tona alguns detalhes pitorescos da publicidade: nela, uma moça de cabelos longos e pretos, trajada com trajes supostamente típicos da Índia (aspecto bastante discutível), dizia que como o chá era oferecido em cápsulas por ser "intragável para o paladar ocidental".

Bem, foi graças a esta publicidade que aprendi, em tenra idade, que existe um "ocidente" e um "oriente" com gostos a tal ponto distintos que essas duas metades da Laranja Terra jamais não poderiam tomar um simples chá juntas. Aquilo com certeza foi um achado publicitário, uma espécie de estratégia argumentativa de vendas totalmente kamikase: a despeito de todas as diferenças culturais atestadas entre "nós" e "eles", a moça trajada "à la indiana" tentava manter a autoridade de quem está por dentro dos hábitos do povo indiano.

Na verdade, aquela moça arriscava uma espécie de "tradução cultural" da Índia para o populacho não iniciado. Claro, o resultado era desastroso demais porque estava apoiado em uma representação estereotipada e pouco convincente de "indianidade". Se bem que nada impede que ela tenha tido lá sua eficácia e que aquela conversa de "paladar ocidental" tenha atiçado a curiosidade de muitas damas e cavalheiros desejosos de se desfazer de alguns quilinhos sobressalentes. Vai saber...

Para quem não sabe, o Chá Sete Ervas 130g que foi proíbido pela ANVISA é aquele produzido pela Rouxinol Produtos Naturais. Na senda de mercado em expansão e cada vez mais desejoso de técnicas rápidas e milagrosas de emagrecimento, ele era "indicado para obesidade, gordura localizada, celulite,colesterol".

Já contra os males causados pelos estereótipos de sua publicidade a que me refiro, lamento informar que seu melhor antídoto já estava disponível anos antes de sua veiculação, desde a publicação, em 1978, do livro "Orientalismos", de Edward Said, uma bíblia crítica das representações ocidentais sobre o "Oriente".

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Consenso sem Washington

Interessantes e complementares essas duas notícias que foram publicadas, respectivamente, nos jornais O Globo online e Folha online de hoje. Interessantes porque elas são contra-intuittivas, isto é, servem de contraponto à visão de que normalmente se faz do poderio do capital privado em um mundo cada vez mais globalizado. Complementares porque elas expressam pontos de vista que normalmente são negligenciados na maior parte da cobertura econômica.

A primeira notícia replica matéria da revista "The Economist", segundo a qual "governos são as instituições que mais empregam no mundo", uma vez que "dos dez maiores empregadores globais, sete são governos" (http://oglobo.globo.com/economia/boachance/mat/2011/09/13/dos-10-maiores-empregadores-globais-sete-sao-governos-925346348.asp).

Segundo a notícia do O Globo, dentre os maiores empregadores globais, estão, em ordem decrescente do número de empregados: Departamento de Defesa dos Estados Unidos (3,2 milhões), Forças Armadas da China (2,3 milhões) e o Serviço Nacional de Saúde da Grã-Bretanha (1,4 milhão). Dentre os maiores empregadores privados - como era de se imaginar - estão o Walmart (2,1 milhões) e McDonalds (1,7 milhão).

A segunda notícia divulga dados sobre o contingente de funcionários públicos no Brasil de 1991 a 2010 e que foram levantados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). A notícia informa que "o número de funcionários públicos concursados hoje é semelhante ao do começo dos anos 90" (http://classificados.folha.uol.com.br/empregos/974213-numero-de-funcionarios-publicos-e-igual-ao-dos-anos-90-diz-ipea.shtml).

Na contramão da tendência global, e contrariando todas as acusões de inchaço da máquina estatal, o governo federal parece ter parado no tempo: é que, "embora tenha havido muitas contratações, os contingentes [de novos contratados] foram suficientes apenas para repor o patamar de servidores públicos que existiam em 92, 93". E mais: o estudo revela que a porcentagem de trabalhadores ocupados no setor público no Brasil passou de 27,8% (de 2003 a 2010) para 23,7% (2010), uma consequência das expansão das contratações do zsetor privado.

Bem, algum neoliberal de plantão há de lembrar que a redução dos gastos públicos está na cartilha do Consenso de Washington justamente porque os gastos com funcionalismo ainda são altos - o que só vem a confirmar os dados da primeira notícia e a necessidade de manter a tendência apontada na segunda. Lembremos, no entanto, que os direitos sociais adquiridos por esta parcela - salários, estabilidade, plano de carreira - são cruciais nesses momentos de crise, com fechamentos de fábricas e demissões em massa.

Levando-se em consideração que a população brasileira era, em 1991, de 147,4 milhões de habitantes, e que, em 2010, ela chegava a 192 milhões, o contingente do funcionalismo público no Brasil não parece estar nada estacionário: há fortes suspeitas de que ele esteja mais é aquém do contingente populacional.

Enfim, com ou sem consenso, a impressão que fica é que os ditames de Washington não conseguiram coibir totalmente a expansão dos setores públicos, já que eles são responsáveis ainda por uma parte significativa da economia mundial. Felizes mesmos com ambas as notícias ficam os donos de cursinhos preparatórios para concurso público aqui no Brasil: o mercado promete!

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Memorex para mulheres

Duas notícias publicadas hoje colocaram em foco os revezes da memória humana, de modo geral, e das mulheres, particularmente falando.

A primeira dessas notícias, publicada na Folha online, revela que a capacidade de recordar da origem de uma dada informação é mais lenta nas crianças e que tal capacidade só atinge sua plenitude na fase adulta (http://www1.folha.uol.com.br/ciencia/973882-memorizacao-so-se-desenvolve-por-completo-na-fase-adulta.shtml).

A notícia descreve estudo desenvolvido pela Universidade de Saarland, na Alemanha, utilizando grupos de controle de faixas etárias distintas compostos por crianças, adolescentes e jovens adultos. A conclusão geral é que "embora a capacidade de memorização melhorasse de modo geral com a idade, a capacidade de reconhecer a fonte das informações retidas na memória - avaliada no segundo teste - era particularmente fraca nas crianças". É aquela velha história: quando crianças, lembramos do milagre, sem saber direito quem é o santo.

Outra notícia, desta vez publicada no O Globo online, replica matéria do "Daily Mail" sobre um outro estudo, desta vez levado a cabo pela Universidade da Califórnia, e que analisou o modo como a memória opera em mulheres, separando-as em usuárias de pílulas anticoncepcionais e em não-usuárias (http://oglobo.globo.com/vivermelhor/mulher/mat/2011/09/12/pilula-anticoncepcional-influencia-lembranca-das-mulheres-mostra-estudo-925333475.asp).

O estudo revela que "a pílula anticoncepcional pode influenciar a forma como as mulheres lembram das informações", pois a capacidade das mulheres se lembrarem logicamente de um evento estaria ligada aos níveis de estrógeno e progesterona no sangue. O que não quer dizer que a pílula danifique diretamente a memória mas, sim, a forma pela qual os eventos são lembrados. "As [mulheres] que usavam a pílula lembraram com mais clareza dos aspectos gerais do evento - que um menino havia se envolvido na batida e como os médicos trataram dele. As que não usavam a pílula lembraram de mais detalhes - que havia um hidrante próximo ao carro, por exemplo".

Mas somente uma análise conjunta e consistente das duas notícias acima poderia nos levar às seguintes conclusões (muito brilhantes, por sinal):

1) quando crianças, as mulheres se lembram até muito bem dos milagres, mas muito vagamente dos santos;

2) quando chegam à fase adulta, a coisa melhora e elas já se lembram de tudo: milagre, santo, data, horário e até a marca do perfume do santo;

3) se, na fase adulta, elas começam a tomar pílula anticoncepcional, aí então elas se lembram apenas dos "aspectos mais gerais" do santo: por exemplo, se o santo era barbudo, se tinha 1m80 e ele atendia pela alcunha de Paulão;

4) mas se, na condição de mulheres adultas, elas se esquecem de tomar suas pílulas anticoncepcionais e engravidam, aí o nome do evento passa a ser outro: ele vira um autêntico "milagre do Espírito Santo".

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

No plano das intenções

Pode haver muita distância entre o querer e o realizar, isto é: entre se ter uma ideia e vê-la tomar corpo e alma. Geralmente, esta distância vai sendo preenchida com interpretações e expectativas de toda ordem, de modo que a coisa toda faça algum sentido: para quem idealizou e para quem sofre as consequências.

Vejamos aqui dois exemplos, extraídos da imprensa no dia de hoje, que mostram como o desejo de um pode esbarrar nos lapsos interpretativos do outro (os quais, às vezes, nem são tão lapsos assim). Na primeira notícia, Leonardo Dicaprio é confundido com bandido ao aparecer de capuz, cercado por dois guardas-costas, em uma joalheria na cidade de Sidney (http://f5.folha.uol.com.br/celebridades/972653-leo-dicaprio-vai-a-joalheria-encapuzado-e-vendedora-o-confunde-com-ladrao.shtml).

O galã só não chegou a ser preso, porque a vendedora notou o equívoco antes de chamar a polícia. Mas ela tem todo o direito de achar que à noite todos os gatos são pardos. E que deve ser noite escura dentro de toda joalheria que tem colares de US$ 1.600 em seu mostruário. Taí um exemplo clássico de ressignificação ao avesso: querendo se livrar de uma ameaça - o assédios dos fãs - ele acabou sendo percebida como uma.

O segundo exemplo é um pouco mais vago quanto às intenções originais de seu idealizador, o que abre o precedente para conjecturas de maior monta. Sob o sugestivo de título de "Milionário paranaense dá calcinha e cuecas para funcionarios", a matéria publicada na Folha online vem seguida do depoimento do empresário Mário Gazin, 62 anos, dono de uma loja de móveis e eletrodomésticos da cidade Douradinha (PR) (http://www1.folha.uol.com.br/mercado/972419-milionario-paranaense-da-calcinhas-e-cuecas-para-funcionarios.shtml). O Sr. Gazin com certeza teria muito a esclarecer sobre hábitos em ambiente de trabalho. É que ele "distribui cuecas e calcinhas com as metas da empresa e reza com os funcionários antes do expediente".

Bom, que ele reze em seu estabelecimento, isto realmente não me surpreende, ainda que a prática não deixe de me causar uma certa aflição: afinal, liberdade de culto e crença é direito (ao menos em tese) de todo cidadão no Brasil. E até que ponto que a prática instituída em ambiente de trabalho não fere as crenças alheias, permanece uma questão em aberto. Afinal, o desejo de conservação do emprego e o receio de impor sua própria crença, quando esta existir, podem criar uma forma sutil de constrangimento diário em ambiente de trabalho.

Mas a histórias das calcinhas e das cuecas é que me intriga. Por que as metas da empresa tem que chegar até o espaço íntimo do trabalhador? Pior, não são apenas as metas enquanto tais, mais um emaranhado de informações técnicas que aparece podem gerar tanto alegria quanto tristeza nos usuários das peças íntimas (e em quem quer que usufrua delas). É ele próprio quem explica: "Há mais de 20 anos entrego cuecas e calcinhas com as metas do mês, o lucro e o crescimento de patrimônio líquido. Virou tradição."

Enquanto a intenção primerva do seu autor permanece tão obscura quanto o disfarce do Sr. DiCaprio, fico por aqui me perguntando pelos efeitos práticos gerados nos usuários dessas roupas íntimas. Torço, claro, para que a alegria prospere entre os funcionários e todos os seus nos meses em que o patrimônio líquido cresce...

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Pausas

O comentário de hoje vai ser curto e grosso.

Olha, que o mundo anda cheio de bizarrices de toda sorte, isto todos nós já sabemos. Eu mesma tenho um gosto especial em registrar neste blog toda sorte de comportamentos desviantes.

Mas a notícia que li hoje na Folha online é de tirar (literalmente) o fôlego do freguês: holandesa de 42 anos liga para suposto ex-namorado 65 mil vezes em um ano (http://f5.folha.uol.com.br/humanos/972451-mulher-liga-para-ex-namorado-65-mil-vezes-em-um-ano.shtml). Digo "suposto" porque a vítima, um homem de 62 anos que registrou queixa na polícia de Roterdã (Holanda), nega de pé junto a referida informação (o que eu, se estivesse no lugar dele, também faria sem pensar duas vezes).

A notícia, que replica informação do Gawker, um site americano de fofocas, faz o balanço da tragédia obsessiva: 65 mil ligações em um ano equivaleria a "178 ligações por dia, o que corresponde a 7,4 ligações por hora durante 24h. Ou ainda uma ligação a cada 8,1 minutos durante um ano inteiro sem nenhuma trégua!".

Com tanta insanidade pairando no ar, encerro este comentário com as seguintes perguntas: 1) o que cargas d'água ela fazia nos intervalos de 8,1 minutos? 2) Por que ela não teve Lesão por Esforço Repetitivo (LER)? 3) Por que não se disfarçou de Papai Noel e tentou logo entrar pela lareira ao invés de ligar incessantemente? 4) Por que não foi se tratar, dormir 8h de sono todas as noites, tomar banho todos os dias, comer adequadamente, fazer exercícios físicos e arrumar outro namorado? 5) Por que a vítima aguentou tanto até que procurar a polícia?

Ah, mas se o mundo fosse simples assim, os jornais teriam tiragens mais murchinhas. E eu, com esse meu apetite voraz pelo estranhamento, teria muito menos o que falar...

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Na boca do jacaré!

Alegria, alegria! A Lagoa da Pampulha, aquele pocinho artificial que aparece em vários cartões postais aqui da Roça Grande, figura mais uma vez nas manchetes do jornal Hoje em Dia online.

Desta vez, o foco da matéria não tem nada a ver com a Copa de 2014 (que eu e a metade dos brasileiros já entregamos pra Cristo), mas vem relacionada com outro evento de âmbito local: a comprovação da reprodução da espécie jacaré-de-papo-amarelo in loco por analistas ambientais do Ibama (http://www.hojeemdia.com.br/minas/jacare-ilustre-da-lagoa-da-pampulha-ja-e-pai-de-familia-1.337568).

Que um mergulho lado a lado com um jacaré-de-papo-amarelo, cujo comprimento médio é de 2m, intimidaria qualquer nadador olímpico, isto é fato consumado. Fazemos frequentemente uma ideia bastante ameaçadora do comportamento deste animal, e dos riscos que acreditamos que ele imponha aos seres humanos. O que nos levaria a crer que o bicho é uma ameaça aos transeuntes e pescadores de piabinha intoxicada da Lagoa da Pampulha.

Mas as aparências enganam! De acordo com o analista ambiental Daniel Vilela, responsável pelo Centro de Triagem de Animais Silvestres (Cetas) do Ibama, "o perigo (...) é exatamente o contrário. Como vive em uma área povoada, os animais residentes na Pampulha correm risco constante de morrerem intoxicados ou de serem atropelados. Isso porque, à noite, a tendência é que eles procurem o asfalto, para aquecerem o corpo". Ou seja, tem muito jacaré-de-papo-amarelo morrendo atropelado no seu banho de lua noturno. E mais: "o Ibama não tem nenhum registro de ataques do animal a humanos em toda a história do órgão".

A inversão do ônus da ameaça, totalmente desmistificada pelos analistas ambientais, me fez pensar em outra situação que em nada remete ao habitat do jacaré-de-papo-amarelo. Trata-se, na verdade, de uma notícia relacionada à denúncia de agressões e de abandono de incapaz, feita à polícia militar, por uma garoto de 12 anos contra a sua própria mãe.

Exatamente como no idílio do jacaré-do-papo-amarelo, o caso em questão dá um nó no entendimento corrente de muitas pessoas. Há dois dias atrás - e como não poderia deixar de ser - a notícia veiculada na Folha online confere bastante crédito à versão da criança: "O garoto relatou que estava trancado com os irmãos - um de 2 anos e outro de cinco meses - e que não havia comida. Ele afirmou que era comum ficar trancado em casa, e disse ter sofrido maus-tratos da mãe, inclusive queimaduras por água quente" (http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/970513-menino-liga-para-policia-apos-ser-deixado-em-casa-com-irmaos-ouca.shtml).

No entanto, em matéria veiculada hoje, o mesmo periódico traz à baila uma nova perspectiva dos fatos inicialmente apresentada, confrontando a versão do garoto com o relatório encaminhado ontem à tarde pelo Conselho Tutelar de Itapecerica da Serra (Grande SP) ao fórum da cidade. "No documento - que serve como auxílio ao juiz para decidir o tempo das crianças no abrigo -, os conselheiros disseram que as crianças não têm marcas de agressões e são bem cuidadas. Afirmaram, ainda, que a casa, de cinco cômodos, no Jardim das Oliveiras, é arrumada - eles a visitaram" (http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/971637-conselho-tutelar-defende-mae-acusada-por-filho-em-sp.shtml).

A questão, desta vez, é bem menos simples de ser resolvida do que o da sobrevivência do jacaré em área urbana. No primeiro caso, a versão de um especialista na matéria bastou para dar um novo viés à ideia que se faz popularmente da presença de répteis deste porte. Já no segundo caso, existe um conflito entre autoridades envolvidas: conselho tutelar, polícia militar e juiz da Vara da Infância se revezam para jogar luz, cada qual a sua maneira, sobre a atitude da criança em questão.

Mas as diferenças não param por aí. Os personagens centrais de ambas as tramas tem possibilidades de intervenção bastante diversas na narrativa jornalística que é construída sobre eles: um jacaré não fala, mas a criança sim. E sua versão pode ser tanto enquadrada como uma denúncia legítima de abuso e maus-tratos, como pode também levantar um falso testemunho com impacto imediato nas relações familiares mais próximas. A visão do analista ambiental encerra uma discussão que nem sequer existiu. A confrontação do parecer do juiz, que determinou o recolhimento das crianças em um abrigo, pelo Conselho Tutelar local, abre a porta para mais perspectivas sobre o fato narrado.

Nesse pequeno jogo de aparências que vai sendo urdido no noticiário online - jogo a partir do qual emitimos nosso próprios julgamentos - a "verdade" sobre os fatos narrados é tão turva quanto a água da Lagoa da Pampulha. A despeito dessa qualidade, ela, a "verdade", vai sendo (re)construída pelas narrativas dos jornais, incessantemente, à luz de novos fatos e perspectivas. Já a água da Lagoa da Pampulha... bem, se depender da boa vontade dass nossas autoridades, ela deve ainda continuar turva de poluição pelos próximos anos.

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Nossos gladiadores no futuro

Tá lá na Folha online: arqueólogos anunciam descoberta de escola de treinamento de gladiadores na Áustria. A escola em questão pertencia à cidade romana de Carnutum, "onde viveram 50 mil pessoas, [há] cerca de 1.700 anos atrás" (http://www1.folha.uol.com.br/ciencia/970536-ruinas-de-escola-de-gladiadores-sao-encontradas-na-austria.shtml).

Segundo a instituição responsável pelas escavações - a Roemisch-Germanisches Zentralmuseum - uma escola de gladiadores "era uma mistura de quartel e prisão onde prisioneiros de guerra", em que escravos e criminosos de guerra dividiam espaço. "A escola contém cerca de 40 celas estreitas, que eram usadas como dormitório pelos lutadores; uma área de banho; um local de treino e prédios administrativos".

A escola de gladiadores, que se encontra a apenas 45km de Viena, foi localizada com o auxílio de radares e apresenta bom estado de conservação. No entanto, apesar de sua escavação da cidade ter começado em 1870, apenas 1% do sítio é conhecido pelos arqueólogos.

Daí que o grande barato da arqueologia é a capacidade de reconstruir situações invisíveis a "olho nu", isto é, de conferir um elo interpretativo a artefatos que, na ausência deste elo, não passariam de um amontoados de cacos espalhados pelo chão. Trocando em miúdos, o achado da escola de gladiadores prova que a arqueologia é uma ciência capaz de responder a questões sobre a vida nos mais diferentes ambientes, desde que não existam "testemunhas oculares" de fatos e eventos daquele determinado contexto histórico. Eis, portanto, seu aspecto mais inusitado dela: é preciso que não tenha sobrado ninguém vivo para que ela prospere!

Diante dessas reflexões da profundidade de um bidê, fica aqui a impressão de que os próximos jogos olímpicos no Brasil serão um verdadeiro desafio para a arqueologia do futuro. Primeiro porque, a julgar pelo crescimento de diplomas de engenheiro falsificados no mercado, não há de sobrar grandes coisas dos nossos estádios daqui a 1.700 anos.

Com o sugestivo título de "Falsificação de diplomas de engenharia cresce 100%", matéria do Hoje em Dia online relata que "certificados falsos são vendidos por até R$ 2 mil" e que "o Crea encaminhou 135 casos à Polícia Federal somente este ano" (http://www.hojeemdia.com.br/minas/falsificac-o-de-diplomas-de-engenharia-cresce-100-1.336526). O problema é que com tanto diploma falso no mercado vai faltar engenheiro de verdade. E se a coisa continuar nesse pé, daqui a uns tempos até crianças em idade de alfabetização serão recrutadas às pressas para realizar os cálculos estruturais das obras da Copa. Escutem só o que eu estou dizendo...

Bem, tudo isso porque ainda não toquei em outro problema nevrálgico. Quem achava que o futebol era o esporte mais praticado no país, enganou-se redondamente. É o "atraso" o esporte coletivo mais popular em Pindorama. Apesar disso, alguns prognósticos otimistas ainda teimam em sinalizar uma vantagem para os mineiros: "O Mineirão estará pronto em dezembro de 2012. O Itaquerão, na melhor das hipóteses, apenas um ano depois" (http://www.hojeemdia.com.br/esportes/mineir-o-ganha-presente-de-grego-nos-seus-46-anos-1.336423).

Se continuarmos batendo todos os records mundiais de atraso, nenhum dos dois estádios ficarão prontos antes em 2016 - quando muito para um outro evento qualquer do Padre Marcelo Rossi. Lamento muito, mas o risco de termos a abertura da Copa na várzea da Lagoa da Pampulha não é nada negligenciável. Torçamos então para que a humidade relativa do ar permaneça baixa até lá e dê para aterrar uns campinhos com areia na beira da lagoa. Ou nosso estádio Mineirão também não deixará grandes legados para os arqueólogos do futuro.

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Palhaços e circos

Opa! Já é 6a feira e nem vi a semana passar.

Como não quero ver os eventos passando por mim, se eu me dê contas, vou registrar aqui a passagem do "Menor Festival Mineira de Palhaços do Mundo em BH", que acontecerá este fim de semana.

Para entrar na onda do tema, aqui vai uma canção que lembra antes que eu me esqueça:



Bom fim de semana para todo mundo!


quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Secas, inundações e o evento "Ômega"

Estudo da Agência Espacial Norte-Americana (NASA) comentado hoje no O Globo online correlaciona dois eventos climatológicos importantes, ocorridos no ano passado - calor extremo e incêndios de um lado, e chuvas e ventos abundantes de outro - com uma causa comum, mesmo estando separados por 2.414 km.

O fenômeno na origem de ambas as catástrofes, conhecido como evento "Ômega", teria ocasionado "o calor extremo e persistentes incêndios florestais na Rússia, assim como ventos incomuns e mudança no regime de chuvas do Paquistão" (http://oglobo.globo.com/ciencia/mat/2011/08/31/enchentes-no-paquistao-onda-de-calor-na-russia-tiveram-mesma-causa-925264396.asp).

Sem entrar nos meandros mais descritivos que a matéria adotou, poder-se-ia resumir o evento da seguinte forma: uma crista de alta pressão vinda do oeste da Rússica criou um bloqueio - o evento Ômega - prejudicando a mobilidade normal das massas de ar que geralmente parte do oeste para o leste, até chegar a Europa. "Como resultado, uma grande região de alta pressão formou-se sobre a Rússia, prendendo uma massa de ar quente e seca", ao passo que no Paquistão, formaram-se "áreas de baixa pressão" em consequencia da "ida do ar frio e seco para baixas latitudes".

Pois bem, ao ler a descrição do fenômeno e seus efeitos nefastos, cheguei à conclusão de que uma espécie muito particular misoginia - uma espécie "de ódio ou desprezo ao sexo feminino" (http://pt.wikipedia.org/wiki/Misoginia) - parece estar afetando as mulheres qualificadas como "gordas": tal como o evento Ômega, ela pode ser a causa comum de catástrofes geograficamente distantes e com efeitos aparentemente desconexos, senão opostos.

Uma das "catástrofes" geradas pela misoginia foi a criação um evento intitulado "Rodeio das Gordas" durante o Interunesp, evento que reúne universitários da UNESP. O evento foi relembrado hoje na ocasião da assinatura de um Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta hoje por dois dos alunos implicados diretamente na criação e promoção do evento (http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/969127-alunos-envolvidos-no-rodeio-das-gordas-assinam-acordo.shtml).

Como se não bastasse o evento em si, ele ainda apresentou desdobramentos secundários tão ou mais aviltantes na cidade de Assis, onde está localizada uma das unidades da UNESP: foi criada "uma página no Orkut, intitulada 'Rodeio das Gordas', na qual eram estabelecidas regras para o 'torneio', bem como premiação para o que fosse considerado o melhor 'montador de gordas' ", relata a matéria.

Felizmente, a Promotoria entendeu que a conduta deles "expôs à situação humilhante e vexatória inúmeras alunas participantes do evento, exclusivamente porque não correspondiam aos padrões de peso considerados ideais". Este foi, digamos, um dos efeitos colaterais mais explícitos do ódio ou desprezo às mulheres que escapam ao modelo ideal de beleza feminina.

Mas a misoginia pode-se esconder detrás de outros distúrbios psicológicos mais dramáticos, que culmina no oposto ao ódio, isto é, em uma espécie de "amor" pelo excesso de peso. Este parece ter sido, aliás, o caso que motivou Donna Simpson, a britânica de 44 anos e 273 kg, a chegar aonde chegou. É que seu ex-marido era protador de um "fetiche em que homens dão comida às mulheres para torná-las tão gordas quanto possível" (http://www.hojeemdia.com.br/noticias/mulher-que-desejava-ser-a-mais-pesada-do-mundo-comeca-dieta-1.335014).

A Sra Simpson, que "alimentava" a esperança (só para ficar na mesma família semântica) de chegar a 700 kg e se tornar a mulher mais gorda do mundo, revelou que "ela conheceu seu ex-marido em um site de relacionado para pessoas obesas e ela disse que ele o encorajava a comer mais. Na época, ela pesava apenas 63 quilos".

Românticos de plantão que me desculpem, mas o reverso da medalha só confirma a unicidade da experiência do desprezo e do ódio às mulheres acima do peso. Afinal, quem estimula uma pessoa a passar de 63 kg para 273 kg não compartilha amor algum com ela, apenas morbidez. A meu ver, os dois casos encarnam exemplarmente uma espécie de evento "Ômega" que incide especialmente sobre mulheres acima do peso. A semelhança deste evento climático, que gerou falta e escassez de chuva, respectivamente, na Rússia e no Paquistão, o desprezo a esta categoria específica de mulheres manifestou-se ora no seu ódio explícito - o Rodeio das Gordas na cidade de Assis - ora numa falsa ideia de amor, que muito mais trouxe destruição e doença do que cuidado, instinto preservação e consideração à sua receptora, a Sra Simpson.

E se quisermos levar a metáfora climática mais adiante, cabe aqui mais uma consideração: de tão difundidos, o desprezo e a humilhação de mulheres consideradas "gordas" correm o risco de virar evento climático corriqueiro e sazonal. Se as secas e inundações geradas pelo evento "Ômega" ainda são raras e excepcionais, o ódio e desprezo às mulheres acima do peso acaba sendo, sem dúvida alguma, muito mais fatal do que as duas catástrofes anteriores.