UA-89169382-1 Crônicas de Juvenal: Secas, inundações e o evento "Ômega"

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Secas, inundações e o evento "Ômega"

Estudo da Agência Espacial Norte-Americana (NASA) comentado hoje no O Globo online correlaciona dois eventos climatológicos importantes, ocorridos no ano passado - calor extremo e incêndios de um lado, e chuvas e ventos abundantes de outro - com uma causa comum, mesmo estando separados por 2.414 km.

O fenômeno na origem de ambas as catástrofes, conhecido como evento "Ômega", teria ocasionado "o calor extremo e persistentes incêndios florestais na Rússia, assim como ventos incomuns e mudança no regime de chuvas do Paquistão" (http://oglobo.globo.com/ciencia/mat/2011/08/31/enchentes-no-paquistao-onda-de-calor-na-russia-tiveram-mesma-causa-925264396.asp).

Sem entrar nos meandros mais descritivos que a matéria adotou, poder-se-ia resumir o evento da seguinte forma: uma crista de alta pressão vinda do oeste da Rússica criou um bloqueio - o evento Ômega - prejudicando a mobilidade normal das massas de ar que geralmente parte do oeste para o leste, até chegar a Europa. "Como resultado, uma grande região de alta pressão formou-se sobre a Rússia, prendendo uma massa de ar quente e seca", ao passo que no Paquistão, formaram-se "áreas de baixa pressão" em consequencia da "ida do ar frio e seco para baixas latitudes".

Pois bem, ao ler a descrição do fenômeno e seus efeitos nefastos, cheguei à conclusão de que uma espécie muito particular misoginia - uma espécie "de ódio ou desprezo ao sexo feminino" (http://pt.wikipedia.org/wiki/Misoginia) - parece estar afetando as mulheres qualificadas como "gordas": tal como o evento Ômega, ela pode ser a causa comum de catástrofes geograficamente distantes e com efeitos aparentemente desconexos, senão opostos.

Uma das "catástrofes" geradas pela misoginia foi a criação um evento intitulado "Rodeio das Gordas" durante o Interunesp, evento que reúne universitários da UNESP. O evento foi relembrado hoje na ocasião da assinatura de um Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta hoje por dois dos alunos implicados diretamente na criação e promoção do evento (http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/969127-alunos-envolvidos-no-rodeio-das-gordas-assinam-acordo.shtml).

Como se não bastasse o evento em si, ele ainda apresentou desdobramentos secundários tão ou mais aviltantes na cidade de Assis, onde está localizada uma das unidades da UNESP: foi criada "uma página no Orkut, intitulada 'Rodeio das Gordas', na qual eram estabelecidas regras para o 'torneio', bem como premiação para o que fosse considerado o melhor 'montador de gordas' ", relata a matéria.

Felizmente, a Promotoria entendeu que a conduta deles "expôs à situação humilhante e vexatória inúmeras alunas participantes do evento, exclusivamente porque não correspondiam aos padrões de peso considerados ideais". Este foi, digamos, um dos efeitos colaterais mais explícitos do ódio ou desprezo às mulheres que escapam ao modelo ideal de beleza feminina.

Mas a misoginia pode-se esconder detrás de outros distúrbios psicológicos mais dramáticos, que culmina no oposto ao ódio, isto é, em uma espécie de "amor" pelo excesso de peso. Este parece ter sido, aliás, o caso que motivou Donna Simpson, a britânica de 44 anos e 273 kg, a chegar aonde chegou. É que seu ex-marido era protador de um "fetiche em que homens dão comida às mulheres para torná-las tão gordas quanto possível" (http://www.hojeemdia.com.br/noticias/mulher-que-desejava-ser-a-mais-pesada-do-mundo-comeca-dieta-1.335014).

A Sra Simpson, que "alimentava" a esperança (só para ficar na mesma família semântica) de chegar a 700 kg e se tornar a mulher mais gorda do mundo, revelou que "ela conheceu seu ex-marido em um site de relacionado para pessoas obesas e ela disse que ele o encorajava a comer mais. Na época, ela pesava apenas 63 quilos".

Românticos de plantão que me desculpem, mas o reverso da medalha só confirma a unicidade da experiência do desprezo e do ódio às mulheres acima do peso. Afinal, quem estimula uma pessoa a passar de 63 kg para 273 kg não compartilha amor algum com ela, apenas morbidez. A meu ver, os dois casos encarnam exemplarmente uma espécie de evento "Ômega" que incide especialmente sobre mulheres acima do peso. A semelhança deste evento climático, que gerou falta e escassez de chuva, respectivamente, na Rússia e no Paquistão, o desprezo a esta categoria específica de mulheres manifestou-se ora no seu ódio explícito - o Rodeio das Gordas na cidade de Assis - ora numa falsa ideia de amor, que muito mais trouxe destruição e doença do que cuidado, instinto preservação e consideração à sua receptora, a Sra Simpson.

E se quisermos levar a metáfora climática mais adiante, cabe aqui mais uma consideração: de tão difundidos, o desprezo e a humilhação de mulheres consideradas "gordas" correm o risco de virar evento climático corriqueiro e sazonal. Se as secas e inundações geradas pelo evento "Ômega" ainda são raras e excepcionais, o ódio e desprezo às mulheres acima do peso acaba sendo, sem dúvida alguma, muito mais fatal do que as duas catástrofes anteriores.

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