UA-89169382-1 Crônicas de Juvenal: Fundamentalismo evolucionista

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Fundamentalismo evolucionista

A teoria do Evolucionismo deve ou não ser ensinada a crianças a partir de 5 anos de idade?

Para responder a essa pergunta, cientistas defensores do Evolucionismo darwinista e de formas mais recentes de Criacionismo estão se engalfinhando lá no Reino Unido, conforme relata matéria publicada hoje no O Globo online (http://oglobo.globo.com/ciencia/mat/2011/09/19/um-manifesto-contra-criacionismo-925397792.asp).

Bem, a querela demanda um pequeno parêntesis explicativo. O debate, que é pra lá de antigo, ganhou ainda mais força desde que a crença de que a vida na terra é uma expressão da vontade de Deus começou a adquirir versões mais sofisticadas, como a Teoria do Design Inteligente. Os defensores desta última acreditam que as modificações ocorridas no universo e nos seres vivos são tão complexas e harmônicas que somente uma causa inteligente (leia-se a vontade Deus) seria capaz de motivá-las. Ou seja, os defensores vêem nessas modificações, sinais de planejamento, funcionalidade e propósito divino. Já os Darwinistas acreditam que a seleção natural, processo de mutação genática aleatória e desprovida de intencionalidade, é a melhor explicação para as transformações operadas nos seres vivos ao longo do tempo. O Evolucionismo aposta na ideia de que é o embate pela sobrevivência que mobiliza as funções adaptativas das espécies ao meio no qual se inserem.

Se, por um lado, o debate é antigo, por outro, a disputa não deixa de ser menos acirrada. Principalmente depois que "um grupo de 30 dos mais proeminentes cientistas, entre eles Richard Dawkins e David Attenborough, assinou uma petição defendendo a ideia de que a Teoria da Evolução, de Charles Darwin, deve ser ensinada às crianças a partir dos cinco anos". Mas muito mais do que o ensino de uma determinada teoria a partir da mais tenra idade, o que os defensores do Evolucionismo querem mesmo é "o combate as aulas de criacionismo nas escolas".

Qualquer que seja a resposta que será dada pelas autoridades do Reino Unido - já que "proposta de colocar a Evolução no currículo nacional foi aceita pelo governo anterior, mas derrubada no ano passado e, atualmente, está sendo revista pelo Ministério da Educação" - o caso merece um exame mais atento do que aquele que está sendo oferecido ao leitor do jornal em questão.

O argumento-chave das reivindicações apresentadas na petição - a saber, o banimento do Criacionismo das escolas e ensino do Evolucionismo para crianças - está assentado no pressuposto da ausência de cientificidade do primeiro enquanto teoria explicativa da evolução humana. A matéria do O Globo é clara a este respeito: "A petição do governo britânico sustenta que embora o criacionismo e o design inteligente não sejam teorias científicas, eles são apresentados como se o fossem por 'fundamentalistas religiosos' que tentam promover suas visões de mundo em escolas financiadas com verbas públicas".

O problema, a meu ver, é a noção de ciência que embasa as reivindicações dos Evolucionistas. O banimento do Criacionismo por ausência de cientificidade expõe um paradoxo neste argumento quando se tem crianças como público-alvo. O argumento parte de um pressuposto implícito, segundo o qual as crianças não teriam crivo suficiente para se defenderem racionalmente (isto é, sopesando com argumentos pró e contra ambos os lados da questão) das crenças religiosas que informam a teoria criacionista. Até aí, tudo bem. Mas daí a querer enfrentar o problema desta suposta ausência de julgamento crítico com pregação evolucionista desde a pré-escola é combater o diabo com a ponta do ancinho. Pior ainda, é antecipar para pré-escola uma explicação com medo dos efeitos que o debate possa trazer posteriormente.

A citação da fala do cientista Richard Dawkins à Revista Times não deixa dúvidas quanto ao tipo de desconforto suscitado pelo Criacionismo: "A Evolução é uma explicação para a existência verdadeiramente satisfatória e completa; eu suspeito que isso seja algo que uma criança pode apreciar desde muito nova". Pois bem: se ela é mesmo satisfatória e completa, por que não esperar pela idade certa para ensiná-la? Por que começar tão cedo? E que tipo de "estrago" a dúvida sobre a base explicativa do Evolucionismo pode acarretar para a formação do caráter de uma criança em seus primeiros anos de escolaridade?

A resposta a todas essas indagações é sugerida, também sob a forma de citação, nas últimas linhas da matéria publicada no O Globo: "Ele [Richard Dawkins] escreveu ainda que a Evolução poderia ser ensinada de forma 'mais simples de ser entendida do que os mitos'. Isso porque, acrescentou, 'mitos deixam várias perguntas sem resposta ou acabam por levantar mais questões do que as explicam' ".

Impossível ler essas conclusões sem desdenhar da noção de ciência que se quis defender logo acima. Em primeiro lugar, Dawkins descrendencia o mito por este não fornecer sistemas explicativos fechados, o que, por sua vez, nos faz questionar até que ponto um sistema teórico consegue ser realmente "fechado" e "conclusivo" com relação a um dado fenômeno ou evento. Claro, para acreditar nessa noção é preciso insistir na ideia de que que a ciência seja um acúmulo linear de verdades que vão se sobrepondo umas às outras. Só que esta crença é totalmente incompatível com o fato de que teorias totalmente divergentes possam eventualmente estar igualmente informadas por critérios de cientificidade validados pela comunidade científica.

Há de se argumentar também que não é este o caso do Criacionismo e que este modelo explicativo está totalmente desprovido de base científica. Mas duas ressalvas devem ser feitas a este respeito. De um lado, os critérios de cientificidade não são estáticos, nem inquestionáveis, estando eles mesmos abertos (de tempos em tempos, pelo menos) à dissensão.

De outro lado, eliminar o mito pelo potencial crítico e mobilizador que ele trás é jogar a criança fora, junto com água do banho. A ciência está povoada de questões sem resposta, mas nem por isso as questões deixam de ter lá a sua pertinência. O que não se pode, em hipótese alguma, é deixar de levantar determinadas questões, sob o temor de que elas não sejam satisfatoriamente respondidas pelos modelos explicativos à disposição em um determinado momento.

Deste último ponto de vista, até a Teoria do Design Inteligente poderia ter lá sua contribuição: ela força os partidários do Evolucionismo a sofisticarem suas respostas sobre questões tangenciando, por exemplo, a complexidade das mutações operadas nos seres vivos; ou, então, a providenciarem respostas mais convincentes sobre as mutações percebidas ao longo do tempo. Em última instância, ela pode até mesmo ajudar os Evolucionistas a reverem lacunas do seu modelo explicativo, principalmente naqueles casos considerados "limites", em que seres "pouco adaptados" acabam sobrevivendo à seleção natural.

Bola fora, colega! Sinto muito mas essa noção de ciência ficou lá no Séc. XIX ou, pelo menos, deveria ter ficado. Na melhor das hipóteses, a noção de cientificidade entendida como acúmulo de verdades é uma verdadeira chatice. Debates científicos tendem tender a ser empolgantes porque tomados enquanto tal, isto é, em seu caráter agonístico e em permanente tensão com formas concorrentes de entender e explicar os fatos. E se o caso é velar pela preservação do capacidade crítica das crianças, que elas sejam então protegidas de ambas as formas de fundamentalismo: científico e religioso.

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