UA-89169382-1 Crônicas de Juvenal: Ratinhos ociosos

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Ratinhos ociosos

Estranho como notícias de grande relevância para o interesse público costumam ficar relegadas às periferias topológicas dos jornais online. Essa aqui mesmo, que estava escondidinha lá no rodapé da Folha online na manhã dessa 2a feira friorenta, comenta (de maneira bastante acrítica a meu ver) o relatório "Pharmeceutical R&D Factbook", encabeçado pela agência Thomson Reuteurs (http://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/977351-criacao-de-remedios-inovadores-diminuiu-mostra-levantamento.shtml).

Na verdade, a Folha inicia a notícia aparentemente replicando a conclusão apresentada pelo relatório com relação à produção das Novas Entidades Moleculares (NMEs em inglês) pela indústria farmacêutica. As MMEs são medicamentos considerados carros-chefe da indústria farmacêutica - isto é, "moléculas que nunca tinham sido sintetizadas antes em escala comercial nem aprovadas para uso médico" - e que por isso mesmo constituem o caráter mais inovador desse segmento industrial.

A conclusão é que "2010 viu o menor número de drogas inovadoras lançadas no mercado por grandes companhias nos últimos dez anos", isto é, somente 21, contra 26 do ano anterior. Um menor número de novas drogas implica também em menor número de drogas em fases de testes clínicos, utilizando cobaias humanas. Além de uma queda em 50% da produção de novos remédios, o relatório afirma que dobrou o número de medicamentos que fracassarram na fase 3 de testes clínicos.

Contudo, a principal consequência deste quadro de retração, do ponto de vista empresarial, é desvendada lá pelo quinto parágrafo da matéria: "Do ponto de vista dos negócios, também são as mais interessantes porque trazem patentes duradouras, e portanto exclusividade no mercado, para seus criadores". Aliás, esta frase é um bom indício de qual santo está sendo agraciado pela ladainha: a própria indústria farmacêutica.

Mais detalhes? Para comentar o dito relatório, a notícia dá voz a dois pesquisadadores, Richard Stack e Robert Harrington, da Universidade Duke, autores de um artigo de opinião publicado na revista especializada "Science Translational Medicine". A opinião dos pesquisadores é apresentada nos seguintes termos: "eles dizem que boa parte da culpa é da própria FDA, mais famosa agência regulatória de fármacos do mundo" e que " 'parâmetros inconsistentes' têm atrapalhado a chegada de medicamentos inovadores ao mercado. Eles também afirmam que o público tem a expectativa 'irreal' de que um bom remédio será 100% seguro".

De maneira velada (mas nem tanto), o editor de Ciência e Saúde da Folha, responsável pela notícia, dá um veredito sobre a razão supostamente levantada pelos pesquisadores com relação aos dados do relatório da Thomson Reuters: "A FDA não comentou". Como se a ausência de comentário da parte da FDA fosse um indício de culpa no cartório... Ora, vejam só!

Mas, muito pior do que isto - e a despeito de qualquer argumento que pudesse ter sido aventado pela agência americana Food and Drug Administration - o que a narrativa jornalística fez de forma exemplar foi decretar silêncio sobre qualquer forma legítima de regulação governamental sobre a matéria dos testes clínicos. Sem dúvida, uma excelente forma de encerrar uma discussão antes mesmo de ela acontecer. Esperteza de rato... mas não de rato de laboratório, claro, por esses aí andam muito sem serviço, a julgar pelas conclusões do relatório.

Diante dessas críticas, qual seria a alternativa? Bem, uma notícia mais crítica, por exemplo, começaria jogando um pouco mais de luz sobre as atividades da agência que produziu o relatório em questão, a Thomson Reuters, e o porquê da Comissão Europeia abrir um inquerito para investigar a infração do artigo 82 sobre normas anti-trust (http://en.wikipedia.org/wiki/Thomson_Reuters). É que a Thomson Reuteurs é famosa pela produção de informação estratégica para decisores dos setores os mais variados setores do mercado global, indo do financeiro ao jurídico, passando, claro, pelas corporações midiáticas. Com tanta sinergia com os grandes setores corporativos internacionais, fica difícil acreditar na pretensa isenção da agência em questão (http://thomsonreuters.com/about/trust_principles/).

Além disso, uma notícia mais crítica também não se fiaria em apenas um artigo de opinião - seja ele de quem for - para condenar a atuação da FDA. E, principalmente, uma notícia mais crítica não deixaria para a última linha a informação politicamente mais relevante do relatório: "Em um ponto, porém, todos concordam: doenças infecciosas que afetam populações pobres, como a malária e a leishmaniose, continuam órfãs, com baixos investimentos da para novos remédios" (sic!).

Finalmente, se nos fiarmos no tom alarmista do relatório no tocante à redução dos testes em seres humanos (fazendo abstração de qualquer discussão ética que pudesse ser levantada com relação a este tipo de teste), só me resta mesmo torcer pelos ratos de laboratório e pelas condições de trabalho destes últimos. Se a esperança é a última que morre, então que a esperança de que dias melhores iluminem a vida deste relegado proletariado laboratorial seja a penúltima.

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