UA-89169382-1 Crônicas de Juvenal: outubro 2012

terça-feira, 30 de outubro de 2012

Terror e emagrecimento

Depois das "abelhas estetas", objeto do comentário de ontem, segue mais um capítulo da série "estudos irrelevantes, notícias descartáveis".

Cientistas da Universidade de Westminster tiveram a brilhante ideia de monitorar "os batimentos cardíacos, entrada de oxigênio e saída de dióxido de carbono de dez pessoas durante a exibição de clássicos do horror" (http://f5.folha.uol.com.br/humanos/1177741-assistir-a-filmes-de-terror-emagrece-diz-estudo.shtml).

A conclusão foi um "alento" para quem mora no País das Mil e uma Plásticas e anseia por emagracimento rápido, fácil, miraculoso e, de preferência, irreversível:"Na média, os participantes queimaram um terço a mais de calorias com o os filmes do que se estivessem encarando uma tela em branco", relata a notícia.

A razão para tanto é que "os filmes que mais ajudaram na hora de perder uns quilinhos foram aqueles que davam mais sustos, fazendo as batidas cardíacas aumentarem", explica. "Ou seja, eles queimaram por volta de 113 calorias em um filme de 90 minutos".

No entanto, a matéria adverte, para tristeza das malhadores de plantão: "o estudo não analisou se o efeito é potencializado caso o participante decida ver um filme de terror enquanto anda na esteira".

Por fim, para fechar com chave de ouro a lista de sandices, a notícia apresenta um pequeno ranking de calorias queimadas por filme. O ganhador? O Iluminado, com 184 calorias, seguido de Tubarão, com 161, e O Exorcista, com 158.

Objeções, meu caro Watson? Claro, óbvio! Vamos logo a elas:

1) Para início de conversa, ninguém vai nem ao cinema nem à academia para assistir a uma tela em branco; a coisa que mais se aproxima disso é a prática do zazen, meditação zen budista que consiste em se sentar diante de uma parede em branco para esvaziar a mente, mas não o corpo. Diante de tamanhas evidências, sou levada a crer que o grupo de controle que ficou diante da tela em branco só pode ter sido importado de outro planeta.

2) O estudo trabalha com uma amostragem "estatisticamente relevante" de 10 pessoas. Maravilha! Não me surpreenderia se os pesquisadores afirmassem, em uma coletiva de imprensa, que estudos clínicos randomizados, com amostragem aleatória e probabilística, devessem ser transformados em poeira cósmica.

3) Qual vantagem em queimar 113 calorias em 90 minutos de filme quando você leva menos de 10 segundos para ingerir a mesma quantidade com um copo de 200ml de suco de laranja?

4) Se um dia "relevância social" deixar de ser um critério válido para se avaliar a contribuição social das pesquisas, então eu sugiro que se introduza a informação calórica nas embalagens de DVDs e outras mídias de suporte audiovisual. Afinal, se não é relevante, para mim, para você ou para a sociedade, há de ser para alguém mais besta que nós todos juntos.

A obra

Se as abelhas podem, por que você não pode?

É o que dá a entender a notícia veiculada hoje no jornal Hoje em Dia online sobre pesquisa da Universidade de São Carlos em parceria com a australiana Universidade de Queensland que comprova a habilidade das abelhas de reconhecerem uma obra de arte (http://www.hojeemdia.com.br/noticias/bizarro/abelhas-conseguem-distinguir-obras-de-arte-aponta-pesquisa-1.50528).

Intitulada "Abelhas conseguem distinguir obra de arte, aponta pesquisa", a notícia tinha mais é que deixar de firula e propor logo algo como "A Obra de Arte na Era da Imbecilidade Técnica". Pois é assim que ela trata seu leitor potencial: "Um estudo realizado por cientistas do Brasil e da Austrália mostra que elas conseguem 'apreciar' obras diferentes, como o impressionismo de Monet ou uma pintura cubista do Picasso."

Claro que o termo "distinguir" aqui está sendo usado no seu sentido menos exigente: "No caso das abelhas, os pesquisadores isolaram um recipiente com açúcar atrás das pinturas, impedindo que os insetos sentissem o cheiro. Mesmo assim, eles conseguiram encontrar o alimento, por meio da associação às obras", relata a notícia.

Trocando em miúdos, graças a sua capacidade de processar informações visuais, as abelhas conseguiram chegar aonde queriam. Ótimo! Mas quem acreditou que as abelhas seriam capazes de fazer distinções estéticas elaboradas entre uma obra de arte "autêntica" e uma picaretagem estética qualquer, vai ficar a ver navios. Afinal, se a maior parte dos habitantes desta Roça Grande ainda não sabe distinguir nem "lá" de "cré", o que dirão as abelhas, que nunca foram credenciadas por nenhuma curadoria de arte.

Pois bem fazem elas ao se aterem à produção de mel: música açucarada anda dando muito mais Ibope do que música de câmara, por exemplo.

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

O mordomo

O que seria da ficção literária e cinematrográfica sem a mítica figura do mordomo?

Não sei. Mas certamente as noites de sono do Papa Bento XVI  teriam sido muito mais tranquilas se o seu então mordomo, Paolo Gabriele, 46 anos, não houvesse decidido distribuir alguns "materiais sensíveis" de Sua Santidade para a imprensa italiana.

"Gabriele furtou vários documentos do pontífice e os repassou a um jornalista italiano, Pierluigi Nuzzi, que publicou um livro revelando as relações entre a Igreja e vários governos, além dos esforços de Bento XVI para abafar escândalos sexuais na ordem Legionários de Cristo", relata notícia publicada hoje no jornal Hoje em Dia online (http://www.hojeemdia.com.br/noticias/ex-mordomo-do-papa-bento-xvi-comeca-a-cumprir-pena-1.49083).

Por essa "pequena indelicadeza", o ex-mordomo e candidato a penitenciário deverá começar a "cumprir nesta quinta-feira (25) sua sentença de 18 meses de prisão em uma cela dentro da Cidade do Vaticano".

Note-se bem que o Vaticano, um dos menores estados do mundo, tem todo o interesse em "acolher"  o ex-mordomo e, assim, mantê-lo bem pertinho da autoridade máxima da Igreja Católica Apostólica Romana: "A opção de Gabriele era ser enviado a uma penitenciária italiana, mas o Vaticano considerou isso arriscado, com medo que o ex-mordomo revelasse detalhes da intimidade papal ou segredos do Vaticano aos detentos", relata a notícia.

O adágio é preciso: "A culpa é sempre do mordomo". Mas ele não deixa de ser também parcial: alguém mais pode ser culpado nessa história. Pelo menos, desde o dia em que a omissão de socorro também passou a ser crime.

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Sofá do amigão

O coreano Seungji Mun projetou um sofá sui generis: o "Dog House Sofa". Feito de madeira resistente e estofado de tecido, o projeto inclui compartimento para cachorro (http://classificados.folha.uol.com.br/imoveis/1174015-coreano-faz-sofa-com-compartimento-especial-para-cachorros.shtml).

Vale dizer que  a proximidade proporcionada pelo sofá entre o cão e o seu dono permite avaliar se ele (ou ela) é realmente seu(sua) melhor amigo(a).

Por exemplo:

Se você dorme, seu cão deve se deitar também.
Se você estica as pernas, ele deve abanar o rabo.
Se você cochila, ele deve se espreguiçar.
Se você liga na novela, ele deve fingir de morto.
Se você insitir no programa seguinte, ele deve desligar a TV e te trazer um bom livro.

Do contrário, o seu cão não é cão, nem muito menos seu melhor amigo: ele é o amigo da onça!

E tenho dito!

terça-feira, 23 de outubro de 2012

A volta dos que não foram

Depois do funesto e ensandecedor local de pernoite descrito no comentário de ontem, é hora de comemorar a volta dos que não foram!

Dentre estes últimos está Gilberto Araújo Santos que apareceu - vivinho da Silva Araújo Santos - em seu próprio velório, diante do olhar estarrecido da sua família (http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/1173732-homem-dado-como-morto-aparece-em-seu-proprio-velorio-na-bahia.shtml).

A explicação é simples: "Gilberto foi confundido com um homem assassinado na noite de sábado (20)", explica a notícia publicada hoje no jornal Folha de S. Paulo online. O problema é que "uma série de coincidências contribuiu para que nem a mãe nem a filha dele percebessem a confusão", prossegue a notícia.

A lista de coincidências é farta: "Os dois homens são muito parecidos fisicamente, trabalhavam em locais próximos lavando carros, não portavam documentos, viviam na rua e eram usuários de crack, segundo a polícia". Além de portar características físicas muito semelhantes, o verdadeiro falecido estava sem documentos, sem camisa, mas com uma "bermuda com estampa parecida com a que Gilberto costumava usar".

Conclusão: o corpo errado acabou sendo velado por 16h, isto é, das 18h de domingo às 10h da manhã de 2a feira. Avisado por um amigo que o viu passando no centro da cidade, Santos correu para seu próprio velório, mas acabou "feliz" por constatar que sua família o amava e se preocupou com ele. O saldo parece ter sido bem positivo, pois "hoje, um grande almoço foi organizado na casa para festejar a volta de quem não foi".

Também no mesmo espírito de celebrar a volta dos que não foram está o achado dos biólogos do Instituto Biotrópicos, que trabalham em parceria com o Instituto Estadual de Florestas (IEF) (http://www.hojeemdia.com.br/minas/cachorro-vinagre-da-as-caras-em-minas-depois-de-170-anos-1.48009). É que no dia 29 de setembro deste ano, os biólogos conseguiram capturar imagens de uma raríssima espécie de cachorro-do-mato dentro da área do Parque Estadual Veredas do Peruaçu, em Januária, no norte de Minas Gerais.

Declaro em vias de extinção, o Speothos venaticus, que é denominado popularmente de cachorro-vinagre, teve seu último relato de aparição realizado pelo biólogo dinamarquês Peter Lund, em Sete Lagoas, no ano de 1872. Desde então, achava-se que o cachorro-vinagre tinha virado vinagre nas terras do nosso estado.

Agora, graças às imagens capturadas por "câmeras com sensor de movimento estão espalhadas por mais de 50 pontos dos 30 mil hectares do parque desde 2005", o simpático cachorro-vinagre esta virando celebridade. Não se sabe ao certo, mas parece que eles também foram vistos organizando uma grande festa... só que, neste caso específico, é para celebrar sua aparição na TV local.

Ah, se eles tivessem um dia sonhado que se tornariam tão populares um dia, certamente não teriam demorado 170 anos para voltar!

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

O amor e dois coelhos

Seu amor anda esfriando? Então espere pela inauguração do mais criativo motel temático dos últimos tempos!

"O empresário australiano Hayden Pearce irá transformar um necrotério em um motel 'exótico' ", explica notícia publicada no jornal Hoje em Dia online (http://www.hojeemdia.com.br/noticias/bizarro/australiano-quer-transformar-necroterio-em-motel-exotico-1.47603).  "A ideia é transformar as instalações para autópsia e refrigeradores em quartos 'temáticos' ", prossegue a notícia.

Quer cenário melhor para enterrar de vez um relacionamento falido, um namoro que se arrasta, um casamento que não funciona mais?

Agora, se você acha que ainda é capaz de levar seu amor à loucura, saiba que lá também é o lugar ideal: "O edifício desabitado foi por mais de 10 anos o necrotério do hospital local psiquiátrico".

O caso não poderia terminar senão em uma sequência de piadinhas mórbidas: o empresário australiano acabou matando dois coelhos com uma cajadada só. Em seguida, mandou cremar ambos no necrotério. Mas se eles tivessem sobrevivido, certamente estariam loucos de amor um pelo outro!

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Outras dimensões

Bem, esta 6a feira fechou uma semana de transformações, belas surpresas e muitos aprendizados.

Momento ímpar para agradecer pelo que tenho vivido e aprendido. Aho!

Bom fim de semana para quem fica.


Avós de Deméter

Vocês vão me desculpar, mas não consegui termo melhor para definir este senhor indiano que bateu duas vezes o record mundial de pai mais velho do mundo: porque se houver algum parentesco entre Deméter, a deusa grega da fertilidade, e Ramjit Raghav, de 96 anos, então este último seria o avô daquela (http://www.hojeemdia.com.br/noticias/bizarro/indiano-conquista-2-recorde-ao-ser-pai-aos-96-anos-1.46306).

Bem, pode ser que eu esteja enganada e que não conheça suficientemente a cosmologia hindu para atribuir qualquer relação de consanguineidade (real ou metafórica) entre ambos, mas o fato é realmente digno de menção: "Ramajit Raghav, habitante de Kharkhoda, um povoado pertinho de Nova Delhi, teve o segundo filho logo depois de completar quinze anos de união estável com sua esposa Shakuntala Devi, de 52".

Ou seja, antes que alguém se levante e clame pelo teste de DNA de ambos os filhos, uma coisa é certa: dar à luz aos 52 e 54 anos, respectivamente, é algo igualmente estarrecedor.

Porém, a matéria publicada no jornal Hoje em Dia online omite o mérito da sua esposa (seu nome é sequer citado pela fonte, o jornal britânico Daily Mail) e dá ênfase à virilidade do esposo, como se a fertilidade de ambos, e não apenas de um dos dois, fosse necessária para que a fecundação acontecesse: "atribui sua virilidade a um estilo de vida bem austero e uma dieta equilibrada. Ele disse que levanta-se todos os dias às 5 da manhã e vai dormir com as galinhas antes das 8 da noite".

Obviamente, o senhor Raghav levanta uma série de especulações sobre as origens de sua "produtividade longeva". Elas envolvem, basicamente, sua dieta diária: "moradores da localidade acreditam que o verdadeiro segredo seria o fato dele, durante sua juventude, foi lutador e costumava consumir até meio quilo de amêndoas em um dia, outro meio quilo de manteiga e até três litro de leite".

Qualquer que seja o segredo do ancião, uma coisa é certa: como a noite começa cedo para ele, foi necessário desenvolver um método muito especial para se manter na cama por tanto tempo: "Conforme o Daily Mail, Raghav diz manter relações sexuais com sua mulher pelo menos três vezes por noite".

Enfim, em tempos em que se discute a longevidade com a emergência de centenários e supercentenários (pessoas que vivem mais de 100 e 110 anos, respectivamente), uma coisa é certa: fosse aqui no nosso país, ele já estaria na praça vendendo seu segredo dentro de uma garrafada à base de catoaba  e - quiças! - prestes de ganhar seu primeiro milhão de reais.



quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Gênesis da malandragem

Diz o livro do Gênesis que Deus, quando criou o mundo, trabalhou incessantemente durante seis dias e só descansou no sétimo. Uma vez terminada a criação do mundo, Ele avaliou o conjunto da obra, deu nota 10 para si mesmo e foi dormir, tranquilinho, o sono dos justos.

Côncios de que o Deus do Gênesis era único, nossos nobres deputados federais não dormem no ponto e fazem de tudo para não se parecerem com Ele. É que a Câmara dos Deputados, em um gesto de extrema humildade, aprovou na manhã de hoje, em Brasília, texto do regimento interno que reconhece que Deus é Deus e deputado é deputado.

Na verdade, o novo regimento da casa impede a realização de reuniões ordinárias às segundas e sextas-feiras: "As regras anteriores definiam que as reuniões ordinárias deveriam ser realizadas, em todos os dias úteis, de segunda a sexta-feira. O texto aprovado pelos deputados reduz a realização dessas sessões para as terças e quintas-feiras, iniciando-se a partir das 14h" (http://www1.folha.uol.com.br/poder/1170938-camara-altera-regimento-e-restringe-reunioes-ordinarias-para-tercas-e-quintas.shtml).

Para demarcar ainda mais as distinções entre o Criador e os deputados brasileiros, o presidente da Câmara, deputado Marco Maia, rebate a crítica do líder do PPS, Rubens Bueno, segundo a qual a nova regra institucionalizaria a "gazeta" dos deputados, com a seguinte pérola: "Se o deputado Rubens Bueno tivesse inteligência emocional, procuraria se informar sobre o funcionamento do Parlamento em outros países e descobriria que o Legislativo brasileiro é um dos poucos que funciona cinco dias por semana durante o ano todo".

Deputado brasileiro não é Deus, tá certo. Mas a estratégia dos deputados foi ainda mais sagaz do que pode parecer em princípio: não só a criação de leis ficará para sempre no atraso - visto que os dias efetivamente trabalhados serão insuficientes para dar conta do recado - como também o conjunto da obra jamais poderá ser avaliado.

Está decretado então: a Câmara dos Deputados é, a partir de hoje, uma casa que luta oficialmente contra a pirataria dos métodos de criação divinos.

Golpe de mestre, nobres deputados!

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

O Gambá

O comentário de hoje foi redigido entre uma "pescada" e outra em cima do teclado, o que explica sua concisão...

Pois bem: em meio a toda a turbulência da CPI do Cachoeira, o Senado brasileiro ainda consegue alavancar uma visita especial: "Um gambá invadiu, na tarde desta terça-feira, o prédio do anexo I do Senado, onde ficam os gabinetes mais disputados pelos senadores, por serem maiores e com acesso mais reservado" (http://oglobo.globo.com/pais/gamba-invade-senado-e-capturado-pelos-brigadistas-6416422).

Pelo visto, o Senado prima por visitas ilustres aos seus gabinestes: "No início do ano, o Senado passou por uma desratização nas dependências da Secretaria Geral porque uma funcionária da Casa foi mordida por um rato. Na época, o departamento de zoonoses de Brasília foi acionado para uma varredura no local".

A presença do gambá é um convite a várias reflexões: 1) ela me faz pensar no quão afins podem ser as relações entre animais e seres humanos; 2) ela evoca a necessidade de novas varreduras, de forma a evitar o retorno do gambá; 3) ela nos convida a pensar sobre o próprio sentido da palavra "varredura".

Afinal de contas: o que é e para que serve uma varredura? Para localizar perigos, isolar áreas de risco, impedir que algum evento índesejável volte a ocorrer são algumas das respostas que nos vêm logo à mente. Mas por que varrer do mapa um animal que não faz mais do que seguir seu próprio instinto?

Assim sendo, minha sugestão é simples: paguemos uma soma indenizatória aos gambás pelo forte odor exalado nos corredores do Senado! E tenho dito...

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Regularidades e paradoxos

Nada de novo sob o sol nesta 2a feira. Ok, nada de novo é exagero. Muita coisa bonita e horripilante deve ter acontecido nas últimas 24h, muito embora os jornais do dia tenham preferido reverenciar a cíclica repetição dos eventos disruptivos.

Sim, foi isto mesmo que eu disse: repetição do incomum. Pode parecer paradoxal, mas não é. A grande imprensa precisa de eventos extraordinários para sobreviver no mercado. Mas os eventos noticiosos acabam se repetindo numa expiral ascendente da falta de assunto.

Querem um exemplo? Pois aí vai um. Lembram que eu falei, na 5a feira passada, de uma senhora idosa que tinha falecido por ter tido sopa injetada por engano na veia? Pois este último domingo, foi a vez uma aposentada de 80 anos falecer após receber café com leite na veia.

"Familiares da paciente registraram o caso na delegacia de polícia local. Eles disseram aos investigadores que dona Palmerina sofreu convulsões após receber a injeção e morreu quatro horas depois", relata matéria publicada no jornal Hoje em Dia online (http://www.hojeemdia.com.br/noticias/aposentada-morre-apos-ter-cafe-com-leite-injetado-na-veia-1.45149).

Mas alguém com bom senso há de protestar, dizendo que a repetição não é obra dos jornais, mas da falência do sistema público de saúde: é ele quem rouba a cena, repetindo o mesmo erro fatal duas vezes. Ou três. Ou quatro. Ou quantas vezes forem necessárias para comprovar que o sistema anda mesmo falido, ora bolas.

Sim, é tudo verdade: o sistema faliu, o jornal se repete, e eu fico na rabeira do dois. Nada de novo sob este sol enganador. Que pena! O jeito vai ser dormir o sono dos justos, até que a próxima seita apocalíptica volte atrás e reconheça que o mundo ainda não acabou. Ha! Mais um paradoxo: as seitas apocalípticas fazem de tudo para não reconhecer que o mundo acaba um pouquinho todos os dias quando se trata do nosso sistema único de saúde.

Mas constatações desta ordem não vendem nada: nem lote no paraíso, nem jornal na 2a feira. Vale, quando muito, um comentário em algum blog periférico.

Que venha, então, a 3a feira - e com ela, alguma novidade que o valha.

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

No sangue

Já dizia Jorge Benjor que "canja de galinha não faz mal a ninguém. Mas até na veia?

A tese é controversa, pois alguns entendem que não. Este é o caso desta senhora de 89 anos que "morreu após ter sopa injetada na veia por uma funcionária da Santa Casa de Barra Mansa, no interior do Rio de Janeiro" (http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/1167136-aposentada-morre-apos-ter-sopa-injetada-na-veia-em-hospital-do-rj.shtml).

O mais formidável é o ceticismo do hospital diante da "forçosa" correlação feita pela família da vítima entre sua morte e a injeção de sopa: "A direção da Santa Casa reconheceu o erro da funcionária em entrevista à TV Globo, mas disse não acreditar que ele tenha relação com a convulsão, nem com a morte da paciente".

Quanto ao Conselho Regional de Enfermagem (Coren-RJ), este resolveu apimentar a discussão, dizendo "que a unidade hospitalar já havia passado por uma fiscalização no dia 3 de agosto de 2012 junto com uma equipe Ministério Público, onde foram afastadas 36 pessoas que estavam no exercício ilegal da profissão". Maravilha! Este país é realmente o paraíso do improviso: na falta de enfermeiro qualificado, vai a cozinheira mesmo.

Euzinha aqui, que já cansei de ouvir a expressão "injeção de ânimo", fiquei ressabiada com o nível de literalidade da funcionária do hospital. Mas há sopas e Sopas. E se for para morrer intoxicada com uma, que pelo menos seja uma sopa de letrinhas: questão de facilitar a impressão do laudo do IML, caso a tinta ou o tonner da impressora tenham acabado.

Aliás, já que estamos falando de líquidos inoculados involuntariamente nas veias, talvez valesse a pena perguntar antes: o que você gostaria de ver correndo nas suas - além de sangue, claro. Bem, se eu pudesse escolher, escolheria manter meu sangue assim, bem latino. Nas veias abertas da América Latina, não seria certamente um sangue "nobre", mas um sangue que desdenha das respostas insanas como as deste hospital; um sangue que carregue em si o gene da indignação social de Eduardo Galeano - e que jorre de desprezo pelo abandono das instituições públicas de saúde. "E o que me importa é não estar vencido"...










quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Queda-livre

Lançar-se da estratosfera em queda-livre é um intento inédito e também recheadinho de paradoxos: afinal, nem tudo pode ser totalmente livre em uma queda-livre.

É o que dá a entender a matéria veiculada hoje no jornal Folha de S. Paulo online e que fala da ousadia "do austríaco Felix Baumgartner, 43, que tentou nesta terça-feira tornar-se o primeiro homem a quebrar a barreira do som sem a ajuda de um veículo motorizado" (http://www1.folha.uol.com.br/bbc/1166603-mau-tempo-impede-missao-de-austriaco-que-tenta-quebrar-velocidade-do-som.shtml).

A decisão de quebrar a barreira do som em um salto, sem qualquer auxílio de motor ou algo parecido, exige metodologia apropriada: Baumgartner "faria um salto de paraquedas a partir de uma cápsula localizada 36 mil metros acima do nível do mar, já na estratosfera". Só para dar uma ideia precisa da grandeza do intento, a notícia informa, por exemplo, que um avião transatlântico voa a um altura próxima de 14 mil metros de altitude, enquanto o pico do Everest tem lá seus 8.848 metros de altitude.

A cápsula em questão, que seria levada a "36.500 metros de altitude por meio de um balão de hélio com tamanho igual ao de um prédio de 55 andares", possibilitará a Baumgartner um feito estarrecedor: "técnicos estimam que ele atingirá a velocidade de até 1.110 km/h cerca de 40 segundos após o início da queda livre e que a abertura do paraquedas se dará a cerca de 1.500 metros do solo".

Mas a notícia adverte: nada de amadorismos! Testes preliminares já tinham sido feitos a uma altura de 21.80 m e 29.600 m, respectivamente. Obviamente, a NASA está olho na façanha do austríaco, já que há poucos relatos de pilotos que tenham sido ejetados de aviões supersônicos. Além disso, "há poucos detalhes sobre o que ocorre com o corpo humano quando atinge velocidade supersônica e, conforme desacelera, volta a velocidades abaixo do som".

Ou seja: tudo é novidade do outro lado da barreira do som. Porém, ao que tudo indica, as idas e vindas para ambos os lados da barreira supracitada terão de esperar mais um pouco. É que o lançamento da cápsula, que seria enviada a partir de uma base aérea localizada no estado do Novo México (EUA), teve de ser cancelada em função de condições metereológicas adversas.

Frio na espinha. Adrenalina atingindo picos estratosféricos. Mais um paradoxo subsiste nesta empreitada: quando Baumgartner pular da altura de 36.500 m de altitude e soltar um derradeiro grito de pavor, seu corpo chegará ao solo antes que seu grito seja ouvido por quem quer que seja.

terça-feira, 9 de outubro de 2012

As coisas de volta

Sim, estou de volta. E sim: o céu continua sendo o limite. Ou, pelo menos, o meu limite. Porque do limite do Outro eu nada sei - conquanto que este Outro me avise claramente.

Claro, não estou me referindo aqui ao limite ético entre dois seres que toda relação honesta deve respeitar. Estou me referindo apenas aos limites que cada um escolhe para si, como objetivo de vida. Em outras palavras, essa espécie de horizonte no qual fixamos o olhar para dizer: é até lá que eu quero ir.

Mas não quero entrar em detalhes sobre os limites alheio, nem reclamar de quem nunca levantou os olhos do próprio umbigo para almejar coisa maior e melhor. Não! Vamos falar de coisas boas que queremos ver de volta... no horizonte das nossas expectativas.

Por exemplo, vejo com grande simpatia a decisão das autoridades turcas de reclamarem seus tesouros históricos de volta. Segundo noticiou hoje notícia publicada no jornal Folha de S. Paulo online, "autoridades turcas abriram um processo criminal nos tribunais pedindo uma investigação sobre a escavação, que eles afirmam ter sido ilegal, de 18 objetos que estão na coleção Norbert Schimmel do Museu Metropolitano de Arte de Nova York (conhecido como Met)" (http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/1164834-turquia-exige-volta-de-patrimonio.shtml).

A briga comprada pela Turquia promete incendiar o debate mundial sobre patrimônios culturais e históricos, já que "museus como o Met, o Getty, o Louvre e o Pergamon (de Berlim) dizem que sua missão de expor tesouros artísticos globais está sendo atacada pelas táticas empregadas pela Turquia". No âmbito transnacional, os museus do Primeiro Mundo se amparam em "práticas aceitas pela convenção da Unesco", as quais permitem "que museus adquiram objetos que estavam fora de seus países de origem antes de 1970".

Mas a Turquia não está só em projeto de repatriamento cultural: "O Egito e a Grécia fazem reivindicações semelhantes, e em 2006 a Itália persuadiu o Met a lhe devolver uma tigela antiga conhecida como a cratera de Eufrônio", prossegue a notícia.

Também no rol das coisas queridas que são exigidas  de volta - conquanto bem menos polêmica - está a mais que bem-vinda iniciativa da Universal Studios de reeditar a obra do visionário multi-instrumentista  Frank Zappa, falecido em 1993. De acordo com notícia publicada no jornal Hoje em Dia online, "a maior parte de seus vários discos (são dezenas, gravados entre 1966 e o ano de sua morte) será relançada, graças a uma parceria entre a Zappa Family Trust e a Universal Music" (http://www.hojeemdia.com.br/pop-hd/musica/universal-relanca-maior-parte-da-vasta-obra-de-frank-zappa-1.42684).

Excelente notícia! Porque se dependêssemos do repatriamento dos artefatos turcos para sermos felizes, estaríamos reduzindo drasticamente o horizonte das nossas expectativas - um mal do qual eu não desejo jamais ser acometida.

Sendo assim, nada mais me resta do que dar meu "boa noite" e deixar quem quer que tenha decidido passar por este blog hoje em companhia de uma das minhas preferidas do finado Zappa: com vocês, a mântrica "Camarillo Brillo", uma canção que não me sai da cabeça há pelo menos seis meses, muito provavelmente pelos seguintes dizeres:  "Well, I was born to have adventure/So I just followed up the steps".

Ha! Nada mal para quem tem o céu como limite!


Fonte: http://youtu.be/CdBRbDdk2mg

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Em obras

Comunico aos passantes a minha breve ausência por razões que serão oportunamente discutidas. Aproveito o ensejo para dizer que estou bem, em paz e em guarda!

Garotada: o céu é o limite!