UA-89169382-1 Crônicas de Juvenal: abril 2016

quinta-feira, 21 de abril de 2016

Maggie, a cadela highlander

Essa daqui fala sobre a impermanência da vida.

Notícia publicada hoje no jornal O Globo fala da morte da cadela supostamente mais velha do mundo, aos 30 anos de idade. Maggie era uma cadela raça kelpie e vivia em uma fazenda no estado de Victoria, na Austrália.

Por falta da documentação necessária, a cadela se foi desta para melhor, sem antes entrar para o Guinness Book of Records como ícone de longevidade canina. Notem que o recorde anterior era de um cão chamado Bluey, que viveu até os 29 anos. Mas, mesmo sem ter entrado oficialmente para a posteridade, a morte de Maggie alcançou tamanho status que chegou a ser anunciada em escala planetária via agências internacionais de notícia, simplesmente por acenar para um suposto possível novo recorde.

Mas o grande beneficiado em termos de popularidade, sem dúvida, foi o proprietário de Maggie, Brian McLaren, que, em entrevista ao jornal Weekly Time, pôde dar seu testemunho sobre o quão repentina foi a morte de Maggie. "Ela estava bem na semana passada, caminhando do curral até a sede, rosnando para os gatos e todo esse tipo de coisa — contou McLaren. — Ela foi ladeira abaixo em dois dias."

Com ou sem recordes, a temporalidade do afeto aos animais domésticos não reconhece os limites tidos como "normais" para um cão: mesmo tendo levado 30 anos para morrer, na cabeça de seu dono, a cadela Maggie terá sempre partido rápido demais para o gosto dele.

A bem da verdade, a indústria da informação se interessa menos pela oficialidade dos recordes do que pela emotividade do relato. A impermanência da vida só nos ensina que nada, nada permanece, e que qualquer um está apto para descer "ladeira abaixo em dois dias". É aquela velha máxima: para morrer, basta estar vivo. 

terça-feira, 19 de abril de 2016

Mosaicos inspirados

No início era só uma reforminha no jardim do sítio para levar luz elétrica até o celeiro. Afinal, esse era o local onde os filhos do proprietário jogavam ping pong. Mas no meio do caminho não tinha uma pedra: tinham ruínas romanas de grandes proporções, reveladas durante as primeiras escavações para passar os cabos elétricos. 

De acordo com notícia publicada hoje no jornal O Globo online, as obras levaram à descoberta de "mosaicos perfeitamente conservados a cerca de meio metro de profundidade", na vila de Tisbury, em Wiltshire (Inglaterra). Os mosaicos, ao que parece, são indícios claros da presença de romanos abastados nesta região da Inglaterra: "Com o desenvolvimento dos trabalhos, eles encontraram uma mansão de cerca de 1.500 metros quadrados. Os pesquisadores acreditam que a edificação foi construída entre os anos 175 e 220, mas ficou intocada desde o seu colapso, há cerca de 1.500 anos".

Acionada, a Historic England, agência governamental encarregada do patrimônio histórico do país, realizou escavações no terreno durante um pouco mais de uma semana. Além dos mosaicos, foram encontrados vários outros artefatos no local: moedas, broches, um poço romano, conchas de ostras, ossos de animais e até um caixão de criança.

Infelizmente, nada se diz na notícia sobre o destino da fiação elétrica e, consequentemente, sobre o jogo de tênis de mesa dos filhos do dono da propriedade,  Luke IrwinDesigner de tapetes por profissão, este último soube tirar proveito da descoberta de maneira (literalmente) criativa: lançou uma linha de tapetes inspirados nos mosaicos romanos, destinada a dar uma ventilada contemporânea "nos antigos símbolos do luxo".

A consequência disso, claro, pode ser financeiramente proveitosa para seu idealizador. Afinal, poucos artesãos teriam, no quintal de casa, o local mais original e "talvez a maior [casa] de toda a Inglaterra"Estranho seria ter que explicar ao freguês desavisado o porquê do tapete estendido repetir exatamente o mesmo padrão do piso da casa.


sexta-feira, 15 de abril de 2016

Joguinho dos cinco erros

Está ficando repetitivo. Só em 2015, foram pelo menos três postagens aqui neste blog sobre o tema. E hoje também não foi diferente: os recordes de calor voltaram a ganhar destaque na cobertura jornalística diária.

Notícia publicada hoje no jornal O Globo online explica por que a obsessão temática não tem nada de acidental. De acordo com a notícia, o mundo vem acumulando, desde maio de 2015, "11 recordes mensais consecutivos de calor".

Aliás, o recorde de calor do nosso último mês de março foi unanimidade entre pelo menos três agências climáticas dispostas em distintas partes do planeta - a Agência de Meteorologia do Japão, o Instituto Goddard para Estudos Espaciais da Nasa e o Serviço de Mudanças Climáticas Copérnico

Contudo, uma leitura atenta da notícia permite entender que os acréscimos de temperatura indicados pelas agências variam de acordo o período de tempo tomado como base para a comparação. Para a Agência de Meteorologia do Japão, o aumento foi de 0,62oC, tomando como referência as médias para o mesmo mês registradas entre 1981 e 2010. Para o Instituto Goddard para Estudos Espaciais da Nasa, a variação foi um pouco mais alta do que anterior, cerca de 1,28oC grau mais quente, comparando-se as médias registradas entre 1951 e 1980. Por fim, o Serviço de Mudanças Climáticas Copérnico aponta um aumento de 0,80oC, já que ele toma como parâmetro as médias registradas desde o ano de 1979.

Ainda que o aquecimento seja, de fato, global, algumas regiões do globo estão sendo mais afetadas do que outras: "Como nos meses anteriores, as maiores anomalias de temperatura foram registradas na Região do Ártico. Lugares como a Groenlândia, o Alasca, a Sibéria e o Norte do Canadá vêm registrando temperaturas cerca de 6 graus acima da média para esses locais".

Qualquer que seja a marca escolhida, uma coisa é certa: "recorde" foi a palavra-chave do dia. Mas não apenas de calor, como sugere a notícia. O jornalista responsável pela notícia em questão também emplacou seu recorde e incorreu em pelo cinco erro grosseiros de ortografia, conjugação e acuidade da informação. 

Para não me acusarem de levantar falso, seguem registros visuais que servem de comprovação para o delito contra a Flor do Lácio:










Mas alguém há de dizer: erro de digitação todo mundo comente! Certo, errar é humano. Mas assim como a variação de calor é mais sentida na região do Ártico, alguns tipos de erro gramaticais e ortográficos grassam mais na prática jornalística online do que em qualquer outra. Daqui a pouco, um texto impecável e bem escrito será a mesma coisa que animal ameaçado de extinção: vai virar raridade!


terça-feira, 12 de abril de 2016

O abismo do tigre

Notícia publicada hoje no jornal O Globo online divulga aos quatros cantos uma conquista dos ambientalistas e defensores dos tigres: "O número de tigres em estado selvagem no mundo aumentou pela primeira vez em cem anos graças aos esforços de preservação, informam vários grupos de defesa da natureza". 

De acordo com dados fornecidos pelo Fundo Mundial para a Natureza (WWF) e pelo Fórum Global do Tigre, o mundo ganhou 690 novos espécimes nos últimos 5 anos, passando do total de 3.200, em 2010, para 3.890, em 2015. Para se ter uma ideia do quão surpreendente (e comemorado) tem sido esse aumento, basta dizer que este é o primeiro registrado no mundo desde 1900. De lá para cá, "o número só havia caído ou se mantido estável".

Famosos pela sua vitalidade, força e capacidade de saltar grandes distâncias, os tigres certamente jamais imaginaram que dos idos de 1900 até o presente, seu principal salto era rumo ao fundo do abismo da extinção. A estimativa do número de espécimes por volta de 1900 é de 100.000 exemplares, um número pelo menos 25 vezes superior à tão comemorada marca atual. Ainda de acordo com a notícia, pelo menos três razões têm fragilizado a existência dos maiores felinos do planeta: são elas o desmatamento, a destruição do seu hábitat natural e a caça ilegal. 

A preocupação com a redução e, em alguns casos, com a extinção dos tigres, levou 13 países (Bangladesh, Butão, China, Camboja, Índia, Indonésia, Laos, Mianmar, Nepal, Rússia, Tailândia e Vietnã) a elaborarem, em 2010, um plano para a duplicação de sua população até 2022. De qualquer forma, o celebrado aumento já é um primeiro resultado desta iniciativa - e uma tentativa do tigre sair do abismo.



sábado, 9 de abril de 2016

Diálogo revelador

Estatísticas podem ser bastante interessantes, principalmente quando revelam uma dimensão até então oculta da realidade.

Bem, na realidade, nem tão oculta assim, pois já se suspeitava que a desigualdade de gênero rondava as produções de Hollywood. Mas depois que Matt Daniels e Hanah Anderson, do site Polygraph.com, resolveram investigar "quantidade de diálogos atribuídos a atores e atrizes" em mais de dois mil roteiros, a diferença atribuído aos gêneros ganhou uma nova proporção.

"Ao todo, 1195 filmes têm entre 60% e 90% dos diálogos pronunciados por homens". Já o número de filmes com maior presença de mulheres nesta mesma faixa é de apenas 166. "Acima da faixa de 90%, a disparidade fica ainda mais dramática — são 306 filmes em que a maioria das falas é dita por atores, contra apenas oito títulos em que as atrizes se destacam". Em termos mais concretos, é como se nos déssemos conta, por exemplo, de que "mais da metade dos diálogos de 'Frozen: Uma aventura congelante' (2013) é dublada por homens", mesmo  sabendo "que a produção se concentra em duas princesas".

Claro, os critérios de seleção e análise definem e limitam o corpus: em primeiro lugar, levou-se em conta a presença de diálogos escritos nos textos; em segundo lugar, "os personagens, independentemente do sexo, deveriam pronunciar pelo menos 100 palavras". Além disso, o fato de os homens ocuparem a maior parte dos diálogos não significa que a temática seja eminentemente masculina: "A maioria dos diálogos de "Mulan" (1998), por exemplo, é dublada por homens — o que não significa que a trama não gire em torno de uma personagem feminina". 

Só que as estatísticas também sabem ser irônicas quando querem. Explico: o que ninguém parece ter notado é que essas mesmas estatísticas acabaram provando algo totalmente inesperado: elas mostram, na prática, que as mulheres falam menos, mesmo quando são maioria nos filmes.

Isso, sim, é revelar uma dimensão oculta daquilo que supúnhamos ser nossa realidade absoluta.

quarta-feira, 6 de abril de 2016

Elasmotherium cunhacum

Depois de muita pesquisa e algumas conjecturas, pesquisadores da Universidade Estadual de Tomsk (Rússia) chegaram à conclusão de que os homens modernos conviveram com o unicórnio

Após análise "de um fóssil de 29 mil anos de Elasmotherium sibiricum na região de Pavlodar, no Casaquistão", acredita-se que o espécime real não tenha tido nem metade da elegância dos "belos equinos da literatura fantástica", conforme revela notícia publicada hoje no jornal O Globo online.

Com cerca de 5m de comprimento e 2m de altura, a versão siberiana do unicórnio, que "era mais parecida com um rinoceronte do que com um cavalo", foi descrita em artigo recente, publicado na American Journal of Applied Science.

Apesar de ter vivido em uma região da Sibéria que fica um pouco mais ao norte do ponto onde foi encontrado o fóssil, acredita-se que a região ao sul da Sibéria lhe tenha servido de refúgio, fazendo com que este espécime perseverasse "por mais tempo do que os outros da sua espécie."

Fico pensando no inconveniente que será causado daqui a algumas centenas de milhares de anos, quando encontrarem fósseis do deputado Eduardo Cunha, atual presidente da Câmara dos Deputados. Constrangidos, pesquisadores terão de explicar como aquele espécime sobreviveu a tantas listas sujas, perseverando "por mais tempo do que os outros da sua espécie."

Devem ser os verdejantes pastos daqui do hemisfério sul, provavelmente!

sábado, 2 de abril de 2016

As toupeiras e o infra-vermelho

Qual a diferença entre a toupeira e um arqueólogo?

O método!

Pelo menos é o que nos ensina essa notícia publicada hoje no jornal O Globo online e que fala do rastreamento de um provável novo acampamento viking nas Américas.

Bem, que os Vikings já haviam estado nas Américas na era pré-colombiana, isso é de amplo conhecimento. Vestígios de acampamentos vikings, erguidos entre 1.000 e 1.500 d.C., já haviam sido comprovados na região da Terra Nova, no Canadá, desde a década de 1960.

A novidade, contudo, é método que foi utilizado para localizar o acampamento viking: "Sarah H. Parcak, uma especialista em uso de imagens de satélite na arqueologia, examinou imagens infravermelhas entre a Groenlândia e Massachusetts, no nordeste dos EUA. Encontrou centenas de locais possíveis, até que reduziu a lista para um alvo muito provável".  Este alvo se Point Rosee, um "penhasco gramado acima de uma praia rochosa na Terra Nova, quase 500 quilômetros ao sul de L'Anse aux Meados", que é o acampamento encontrado na década de 1960. 

Além de testes de carbono feitos nos materiais coletados no local, permitindo sua datação e posterior correlação com a presença dos Vikings, outras evidências foram coletadas no local: "As imagens do local mostravam altas quantidades de depósitos de ferro no solo, assim como trincheiras no solo que, quando escavadas, mostraram ser paredes de casas com marcas de cinzas, ferro pré-processado antes de ser usado por ferreiros, e uma grande rocha rachada usando fogo - todos sinais de metalurgia, desconhecida pelos nativos da região".

O rastreamento por imagens de satélite permitiu, no final das contas, a detecção de uma tecnologia totalmente incompatível com o modo de vida dos povos locais. É certo que as escavações (método arqueológico clássico) continuarão a ser efetuadas no próximo verão, mas elas dificilmente teriam sido feitas naquele local - isto é, a 500 quilômetros do sítio original - se já não tivessem sido identificadas pelas imagens em infra-vermelho.

Portanto, aquela velha máxima de que "o que os olhos não vêem o que coração não sente" continua valendo. A novidade aqui foi uma outra forma de "enxergar" as evidências, que passaram a ser rastreadas a partir de uma perspectiva superior, capaz de enxergar "através" das coisas. 

Vistas assim à distância, as imagens de satélite em infra-vermelho parecem um método muito mais eficiente do que simplesmente tocar a vida como toupeirinhas obstinadas, incansáveis, cavando a esmo o próprio destino. Olhar para a vida de cima, com olhos infra-vermelhos, talvez tornasse nossas escolhas mais acertadas. Em princípio, cavaríamos apenas em locais com fortes indícios de vida anterior e, por isso mesmo, com maior potencial de renascimento. 

Mas a verdade é que a vida de toupeira também tem lá o seu charme: ela cava o seu próprio caminho. E não tem arqueólogo nesse mundo que tenha tamanha prerrogativa.