UA-89169382-1 Crônicas de Juvenal: outubro 2015

quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Panspermia criacionista

Esqueçam a sopa primordial, aquela cheinha de aminoácidos que teriam dado origem à vida na Terra. 


O cometa Lovejoy resolveu mudar o cardápio e propor uma explicação diferente para o surgimento da vida na Terra: "Um estudo sobre a composição química do cometa Lovejoy forneceu aos cientistas informações que reforçam a teoria da panspermia, de que a vida teria surgido na Terra graças ao impacto de asteroides". Ou seja, a vida pode não ter sido gerada na própria Terra, mas provavelmente trazida pelo asteroides.

Mais interessante, contudo, é saber quem andou levando a melhor sobre a da sopa de aminoácidos na teoria do surgimento da vida no nosso planeta: "Por meio da análise espectral da atmosfera do corpo celeste, os pesquisadores descobriram 21 diferentes moléculas orgânicas, incluindo grande quantidade de álcool etílico (o mesmo encontrado em bebidas) e glicolaldeído, um tipo de açúcar".


Sabendo-se que os cometas são corpos congelados que remontam à formação do Sistema Solar, uma análise da composição química do cometa Lovejoy não poderia dar margem às dúvidas: o mundo pode ter sido gerado em meio a uma autêntica rave. "Nós descobrimos que o cometa Lovejoy estava liberando a quantidade equivalente de álcool em ao menos 500 garrafas de vinho por segundo durante o pico de atividade — disse Nicolas Biver, do Observatório de Paris, na França, e líder do estudo publicado na sexta-feira na revista 'Science Advances' ".


Na verdade, temos que elevar as mãos ao céu por termos tido a oportunidade de sermos povoados com vinho e bombom. Em situações adversas, cometas como o Lovejoy podem liberar líquidos bem menos nobres que o vinho: "Cometa Lovejoy é um dos mais brilhantes e ativos cometas desde o Hale-Bopp, em 1997. Ele teve a sua maior aproximação com o Sol no dia 30 de janeiro, quando liberou água a taxas de 20 toneladas por segundo".


Mas, em tempos de tanta desunião, o grande mérito do Lovejoy reside na sua capacidade de conciliar os defensores da panspermia com os criacionistas: afinal, se a vida veio de um sopro de Deus ou nas costas de um asteróide, isso não tem a menor importância. Importante mesmo é saber que o Lovejoy pode passar da água para o vinho, a sua conveniência.










quinta-feira, 22 de outubro de 2015

E o vento levou...

22 de outubro de 2015 há de entrar para a história. 

De acordo com notícia publicada no jornal Hoje em Dia online, o recorde histórico de 105 anos, computados desde que as medições meteorológicas começaram a serem feitas na capital mineira, foi novamente batido em pelo menos duas das estações de medição da cidade.

"De acordo com o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), às 16h os termômetros na estação Pampulha chegaram a 37,7ºC." Já na estação centro-sul, estação de referência por ser a mais antiga da cidade, registrou 37,6ºC. A umidade relativa do ar também não estava ajudando nada: ela estava situada na faixa dos 21%, ou seja, muito abaixo dos 60% recomendados pela Organização Mundial de Saúde (OMS). 

Pouco após o recorde ser batido, uma forte chuva sobreveio à capital mineira, fazendo com que a cidade fosse colocada em estado de atenção. Segundo Heriberto dos Anjos, meteorologista do Centro de Climatologia Tempo Clima/PUC Minas, "o temporal pode causar transtornos por causa dos ventos, que podem ser superiores a 50 km/h."

Às 23h42 do dia de hoje, enquanto escrevo este texto, ventos de índole "tufônica" assobiam do lado de fora do meu lar, levando placas, caixas e objetos deixados ao léu. No rastro da destruição, a minha toalha de banho foi dada como desaparecida. Suspeita-se que ela tenha sido capturada por ventos guerrilheiros fortemente armados e levada pela janela do banheiro. Até o momento, ninguém entrou em contato pedindo resgate, mas tenho fortes suspeitas de que eu nunca mais voltarei a vê-la. 


Se, realmente, a toalha que o vento levou não volta mais, o que então ele há de me trazer de novo?

Vão se as toalhas, ficam as metáforas de vida.

segunda-feira, 19 de outubro de 2015

2015 TB145

Parece piada pronta, mas pode virar o roteiro do filme trash do ano. Fica ao gosto do freguês: notícia publicada hoje no jornal O Globo online anuncia passagem de um "asteroide de grandes proporções" às vésperas do Halloween. 

"Batizada 2015 TB145, a rocha espacial foi descoberta apenas no último dia 10 de outubro e tem diâmetro estimado em cerca de 470 metros". No entanto, prossegue a notícia, não há muito o que temer com sua aproximação: "De acordo com os cálculos da Nasa, o asteroide chegará a 499 mil quilômetros do planeta, ou cerca de 1,3 vez a distância média da Lua, no ponto de maior aproximação, previsto para a madrugada do dia 30 para 31 de outubro, e não há perigo de colisão com a Terra."

Com isso, quem pensava em arranjar uma boa desculpa para antecipar o feriado prolongado de Finados vai ter que inventar outra coisa. Claro, sempre restará um átimo de esperança enquanto estivermos vivos e em plena capacidade de amar. Afinal, até agora, "
o 2015 TB145 é a maior rocha espacial conhecida a se aproximar de nosso planeta até 2027." 

Mas ainda assim, o caso demanda prudência e o afastamento de ilusões de grande monta: o asteroide em questão tem pouco mais de um quilômetro de diâmetro, ou seja, dez vezes menos do que aquele outro, cuja colisão com a Terra colaborou para a extinção dos dinossauros há 65 milhões de anos.

Ou seja: com sorte, muita sorte mesmo, uma possível colisão daria para extinguir, quando muito, algumas lagartixas e outros invertebrados de pequeno porte, mas certamente não acabará com as baratas, aqueles seres asquerosos que, segundo as más línguas, vem sobrevivendo no Universo desde o Big Bang.

sábado, 17 de outubro de 2015

Progressividade

Desculpe a curiosidade, mas o que você estava fazendo entre 13h e 14h de hoje, dia 16 de outubro de 2015?

Eu, por exemplo, neste mesmo horário, reclamava com o dono de uma comida a quilo aqui perto que quase não estava conseguindo comer com este calor. E ele me respondeu: "Nem eu. De vez em quando eu vou ali, coloco uma coisinha ou outra no prato, mas dizer que eu tenho vontade, assim, de comer, eu não tenho".

Bem, se você não fez nada demais, não tem a menor importância. No entanto, você  certamente deve se lembrar de que hoje fez um calor medonho, desses que deixam a gente prostrada, pedindo água gelada em baldes. Mas saiba que,  se você viveu algo similar neste intervalo, seus lamentos não eram infundados: o recorde histórico de calor foi batido aqui hoje na Roça Grande. 


Foi esta notícia publicada agora à noite no jornal Hoje em Dia online que fez soar o alarme: "Belo Horizonte bateu recorde de temperatura entre as 13h e 14h desta sexta-feira (16) Segundo o Centro de Climatologia Tempo Clima/PUC Minas, os termômetros registraram 37,4ºC, na região da Pampulha, ultrapassando o recorde anterior de 37,1ºC, marcado no dia 30 de outubro de 2012". Mas isso não é tudo: "A umidade no local também é crítica, apenas 12%", avisa.


Além de fazer suar, obviamente, o novo recorde nos coloca em guarda contra a progressividade do desconforto. Até quando teremos novos recordes de calor? Quando virão as chuvas? Até quando quando Eduardo Cunha no poder?

Enquanto essas e outras perguntas desconfortáveis não são respondidas, deixo aqui meu registro do por-do-sol de um dia que entrou para a história.  A foto é minha. O desconforto é nosso.







quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Recidiva

"Recidiva" é o termo comumente empregado para descrever duas realidades distintas. Na área médica, ele é usado para nomear o reaparecimento de uma doença ou de um sintoma, após um período prolongado de ausência. No Direito Penal, ele sinaliza a recaída em algum crime ou falta que já tenha sido anteriormente cometido.

Pois bem: Marlon James, o ganhador deste ano do Man Booker Prize - um dos mais prestigiosos prêmios literários em língua inglesa da atualidade - teria um grande problema em saber se sua obstinação pela literatura seria classificada como "doença" ou "crime". De qualquer forma, ela se enquadraria perfeitamente na definição de recidiva: afinal, quem sobreviveria sobriamente a 78 rejeições de publicação do seu primeiro livro?

Bom, Marlon James sobreviveu! Um trecho da sua entrevista concedida a Rádio BBC 4, que circulou amplamente no noticiário nacional de hoje, dá a dimensão da sua força vontade - e até da falta dela: "Eu tive de sentar um dia e contar [as rejeições] e não sabia que eram tantas. Houve uma época em que eu realmente achei que escrevia o tipo de história que as pessoas não queriam ler. Eu desisti. Destruí o manuscrito e até acessei o computador dos meus amigos para apagá-lo."

E onde entra recidiva? A cada uma das 77 tentativas frustradas ou no momento supremo em que ele conseguiu recuperar o manuscrito, que "sobreviveu na caixa de email de um velho computador iMac, de onde foi resgatado para ser publicado em 2005", sob o título de John Crow's Devil?

Difícil avaliar. Felizmente, recidivas acontecem. Aparentemente, James está sendo premiado este ano por A Brief History of Seven Killings, romance em que o autor narra o avanço da cocaína e da violência política na sua terra natal, a Jamaica. Mas, no fundo, o prêmio só repara uma aparente assimetria de opiniões: ao fim e ao cabo, James teve razão em tentar 78 vezes;  só não teve quando quis desistir.

Ficam aqui a minha reverência à grandeza do seu exemplo e os votos de uma longa e promissora carreira.

quinta-feira, 8 de outubro de 2015

Céu azul, água gelada

Uma brevíssima para descontrair e desopilar o fígado.

A sonda New Horizons, lançada pela agência espacial norte-americana NASA, trouxe a público  hoje novas informações sobre Plutão, o planeta-anão que é ponto final da linha do nosso sistema solar.



Segundo fotos enviadas pela sonda, Plutão tem céu azul e água gelada. Bom, até aí, nada demais. Cabo Frio também tem. Mas este pequeno território mineiro em terras fluminenses não tem a prerrogativa de estar situado no Cinturão de Kuiper, região longínqua do nosso sistema solar onde esta localizado o pequeno planeta vermelho. 

"Quem teria esperado um céu azul no Cinturão de Kuiper?", indagou Alan Stern, chefe da missão New Horizons.

Difícil imaginar. De qualquer forma, se a mineirada resolver baixar por lá nas próximas férias de janeiro, pode ter certeza de que vai nublar e/ou chover todos os dias, sem exceção.




Sobrevoo

Após breve "folheada digital" no noticiário online do dia, eis que eu dou de cara com a seguinte notícia publicada no jornal Hoje em Dia online: nosso índice de inflação oficial acusou um aumento em 12,98% no mês

Então, "tudo como dantes na Terra de Abrantes" - diriam os mais pessimistas. Bom, nem tudo. A novidade é que, desta vez, o vilão da alta da inflação não foi o tomate, mas o gás de cozinha: "Sozinho, o gás de botijão respondeu por um impacto de 0,14 ponto percentual da inflação no mês, ou por cerca de um quarto do índice no mês. O gás de botijão responde por 1,07% da cesta de consumo das famílias".


Olhando por outro ângulo, a notícia notícia só é ruim para quem não fez votos para se tornar faquir, isto é, para a esmagadora maioria da população brasileira. 

Continuando o sobrevoo pelas notícias do dia, encontro outra notícia, desta vez sobre fóssil de uma espécie de pássaro que viveu há 125 milhões de anos na Espanha. Segundo a notícia publicada no jornal O Globo online, "a correspondência aerodinâmica da rede de músculos preservada no fóssil e aquelas que caracterizam as asas dos pássaros indica fortemente que alguns dos primeiros pássaros eram capazes da proeza aerodinâmica como muitos pássaros atuais".

E mais: a notícia em questão revela que esses pássaros eram capazes de voos de maior envergadura, uma vez que "a análise deste fóssil comprova que alguns pássaros sobrevoavam os grandes dinossauros".


Findo o dia e a leitura expressa, ficando apenas o desejo: será que dava para encomendar uma asa dessas e voar acima da inflação?



sexta-feira, 2 de outubro de 2015

A mente dos bichos

Conhecer a mente dos bichos pode nos ajudar a entender sua aptidão para uma vida social complexa. É o que sugere notícia publicada hoje no jornal Folha de S. Paulo online, que também noticiou o lançamento de novo livro do ecólogo norte-americano Carl Safina.

Aliás, desculpe: vida mental e emocional.

A tese central de Safina no livro Beyond words: what animals think and feel  é "mostrar que é só por preconceito que as pessoas ainda evitam dizer com todas as letras que os bichos também tem vidas mentais e emocionais, às vezes quase tão complexas que as nossas."

Para convencer os leitores do seu argumento, "Safina acompanhou o trabalho de campo de cientistas que estudam mamíferos de vida social complexa: elefantes-africanos, orcas do Canadá e, é claro, os lobos de Yellowstone". Ainda assim, ele não deixou de considerar também, em suas observações, outros animais, como primatas não-humanos, aves, peixes e invertebrados.

Apesar da diversidade de espécies, a conclusão privilegia para a realidade dos mamíferos: "talvez o elemento mais impressionante do comportamento seja a presença de personalidades bem-definidas e muito características entre os mamíferos sociais"

Ponto, portanto, para os mamíferos sociais: além de ter uma vida mental e emocional complexa, eles ainda conseguem ter personalidade definida. Ou seja: a alguns anos-luz de muitos humanos que eu conheço.

Assim sendo, se você gostou do argumento, corre lá e compra o livro, que acaba de sair pela Editora Henry Holt and Company. Se não gostou, mas queria ter uma vida social e mental ativa assim mesmo, talvez seja a hora de considerar uma mudança de ambiente para ir ver elefantes na África, orcas no Canadá ou passar uma temporada longa em companhia dos lobos do Parque Yellowstone. E se for, por favor, volte com mais personalidade do que quando partiu.

quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Paraíso digital e utopia

Prosaico esse mundinho digital! Ele é capaz de traçar para seu próprio ambiente prognósticos de um mercado de trabalho tão utópico que deixariam Thomas More totalmente basbaque.

O cenário - que, por sinal, não tem nada de modesto, foi delineado em um programa sobre digitalização exibido hoje na TV Folha. Segundo Luli Redfahrer, colunista da Folha de S. Paulo, "o empregado do futuro irá trabalhar 1 ou 2 dias por semana com muito mais eficiência do que a pessoa que sua sangue e 'se mata' no trabalho".

Neste novo mundo descrito como sendo de alta qualificação e menor número de empregos, parece não haver mais espaço para a exploração: "Você não vai mais sacrificar as pessoas. Trabalhar 6 dias por semana, 10 horas por dia. É muito tempo gasto no trânsito, sentado no escritório", afirma o especialista.

De fato, ninguém parece discordar de que passamos realmente muito tempo nesses dois ambientes. Mas qual seria a base de sustentação para um mundo do trabalho tão isento de sacrifícios? A resposta é dada por Renato Buselli, vice-presidente sênior da divisão Digital Factory da Siemens, em um discurso bastante alinhado com as proposições do colunista da Folha. Para ele, o "crescimento profissional de cada um vai depender ainda mais dos estudos e do aperfeiçoamento". E vaticina: "Educação vai ser mais nobre."

Ora, se o conhecimento há de pesar na balança desse fabuloso mundo do trabalho, você há de pensar que a educação se tornará, finalmente, uma prioridade nos investimentos empresariais e governamentais, certo? Errado! Ainda de acordo com Buselli, a chave do sucesso e da digitalização está assentada em outros "pilares sólidos" que são, a rigor, um "PIB industrial razoável e base automação e TI mais diversificada".

Resta ainda saber onde os profissionais do futuro (isto é, os poucos "eficientes" que não sucumbirem ao progresso da automação dos processos) buscarão os estudos e o aperfeiçoamento necessário para se manter nesse mercado sem sacrifícios.

Pelo visto, em meio a tantas utopias, a educação continua sendo a mais hardcore de todas!
O vaticínio veio do colo