UA-89169382-1 Crônicas de Juvenal: maio 2013

sexta-feira, 31 de maio de 2013

Versão 'Chapeleiro Maluco' 8.1

Acabo de ler uma notícia digna dos diálogos do livro "Alice no País das Maravilhas", de Lewis Carroll. Empresa "X" vende, de outubro de 2012 até agora, 100 milhões de licenças de um determinado software e diz que seu "fracasso" de vendas se deve à ausência do botão "iniciar".

Bom, nem vale a pena fazer suspense: os mais afeitos às parafernálias tecnológicas sabem que a empresa, neste caso, é a Microsoft, e que o software em questão é o Windows 8. Os bem menos conectados com as inovações da área, como eu, ficam se perguntando se há realmente razão para tanto alarde: do suposto diagnóstico à solução encontrada, tudo me pareceu tão surreal quanto as conversas do Chapeleiro Maluco.

Em primeiro lugar, há que se ler o suposto diagnóstico: segundo notícia publicada no jornal O Globo online, "a ausência do botão no Windows 8, lançado no fim do ano passado, não agradou aos usuários e é tida como um dos motivos para as fracas vendas do software" (http://oglobo.globo.com/tecnologia/botao-iniciar-voltara-ao-windows-na-atualizacao-81-que-estara-disponivel-ate-fim-do-ano-8546707). Daí que o diagnóstico, além de revelar um suposto problema, acabando desestabilizando os parâmetros de normalidade vigentes ao propor uma escala de valores totalmente nova: que tipo de escala de sucesso é esta que faz com que 100 milhões de cópias vendidas sejam indicativo de "fracas vendas"?

Em segundo lugar, vem a solução para o (ainda suposto) problema: já que os usuários sentiram falta de um tal botão de iniciar, a solução é trazê-lo de volta... O problema é que ele não vai ser exatamente aquele ao qual os usuários estavam acostumados: "O Windows 8.1 — antes chamado Windows Blue — terá um botão no canto inferior esquerdo da tela, como o 'Iniciar' das versões anteriores do sistema. Mas não será o velho 'Iniciar' que os usuários conhecem: em vez de exibir uma janela pop-up com a lista de programas, ele servirá apenas de atalho para a tela Iniciar, espécie de hub de aplicativos que é a alma do software."

Muito bem! Parabéns para a Microsoft, que matou duas mentiras com uma única cajadada: só mesmo uma solução furada para resolver um problema que não existe (o Windows 8 vendeu, em apenas 7 meses, o equivalente ao Windows 7). Tão incoerente quanto aquela conversa do Chapeleiro Maluco com a Alice (do País das Maravilhas), quando ele a convida para um chá. 
E se quiser acreditar nessa balela, é fácil: basta apertar o botão "iniciar" no canto inferior esquerdo da sua tela e tomar um chá de lírio. 

quinta-feira, 30 de maio de 2013

A era do gelo

O tema já começa a ficar recorrente. Depois da notícia de ontem sobre as briófitas que mantiveram sua capacidade regenerativa intacta após algumas centenas de anos sob o gelo, os mamutes também se regozijam ao sol do Ártico, insinuando que há mais vida sob o gelo que julga a nossa vã filosofia.

De acordo com notícia publicada hoje no jornal O Globo online cientistas russos da Universidade Federal do Norte, em Yakutsk, estão em polvorosa com a mais nova descoberta em uma ilha ao norte da Sibéria (Rússia). Um mamute morto há cerca de 10 mil anos teve suas fibras musculares tão bem preservadas sob o gelo que parte do seu sangue foi conservado em estado líquido: "De acordo com chefe da expedição, o sangue em seu estado líquido escorreu da barriga do animal logo depois de quebrarem um pedaço de gelo grudado à carcaça", relata (http://oglobo.globo.com/ciencia/mamute-preservado-em-gelo-encontrado-com-sangue-em-estado-liquido-8540018).

Em tempos de grandes rumores sobre o aquecimento global, a redescoberta da vida sob o gelo faz reacender expectativas de clonagem de espécies extintas há milhares de anos."A descoberta de sangue no estado líquido pode reacender a discussão sobre clonar o mamífero gigante a partir do DNA preservado pelo congelamento."

O mais interessante é que esta notícia veio na sequência da notícia sobre a briófitas que se regeneraram no Canadá, após passarem 400 anos sob o gelo (http://cronicasdejuvenal.blogspot.com.br/2013/05/briofitas.html). De qualquer forma, "trata-se de um episódio intrigante, uma vez que o mamute estava a uma temperatura de dez graus negativos, o suficiente para congelar líquidos, inclusive o sangue."

Moral da história: impossível reconciliar os opostos! Enquanto metade do planeta se desespera, pensando no que vai ser do mundo e das marés com o aquecimento global, a outra metade se compraz na alegria de tentar descobrir o que tem debaixo do gelo.

quarta-feira, 29 de maio de 2013

Briófitas

E eis a boa notícia do dia: pesquisa publicada esta semana na revista Proceedings of National Academy of Sciences revela que, após passarem os últimos 400 anos sob o gelo do Círculo Ártico, 60 espécies de briófitas voltaram à vida e passam bem.

De acordo com notícia publicada hoje no jornal O Globo online, a vegetação redescoberta foi enviada para cultivo em laboratório e "voltou a crescer, como se o tempo não tivesse passado" (http://oglobo.globo.com/ciencia/plantas-congeladas-sob-geleira-ha-400-anos-voltam-brotar-8519027).

A ressurreição das briófitas está ocorrendo neste exato momento "numa área próxima à Ilha Ellesmere, onde as geleiras têm recuado de 3 a 4 metros por ano desde 2007", prossegue a notícia.
É interessante notar que o fenômeno acontece em função da reversão de um processo de esfriamento ocorrido há quatrocentos anos atrás e que acabou resultando na redução de 5ºC da temperatura média do Círculo Ártico.

No entanto, o saldo do aquecimento global atual tem-se mostrado mais potente que o resfriamento de séculos atrás: "A região da Ilha Ellesmere, na periferia do Ártico, é uma das regiões do planeta onde o aumento das temperaturas é mais flagrante. O monitoramento do gelo desta localidade mostra que, nos últimos 30 anos, ela aqueceu cerca de 6 graus Celsius." Com isso, "são pelo menos 60 espécies de briófitas com a mesma aparência de 400 anos atrás. O caule, a folha, tudo estava conservado, só que descolorido."

Diante de tão otimista constatação, meu voto é pela briofitagem geral da nossa existência: isto é, que consigamos sobreviver às intempéries da vida, conservando inalterados o mesmo frescor e a mesma capacidade de regeneração - mesmo se às custas de algum desbotamento nas camadas mais superficiais.

Mas, com ou sem briofitagem geral da existência humana, tenho certeza de que, graças ao seu estado de conservação, as briófitas serão, muito em breve, as plantinhas mais populares aqui no nosso País das Mil e Uma Plásticas: é que, ao tomarem conhecimento dessas espécies, uma geração de celebridades lobotomizadas pedirão de joelhos para voltar como briófitas na próxima encarnação.

Anotem aí!

segunda-feira, 27 de maio de 2013

Narrativas da diferença

Blog é vício. Eu, por exemplo, escrevo por simples compulsão, na maior parte das vezes propondo reflexões que interessam a meia dúzia de desavisados - tudo gente como eu, que fica agarrada à tela do computador até tarde da noite, ao invés de ir para a cama contar carneirinhos.

É bem certo que esta compulsão pela escrita é uma faca de dois gumes. Ela disciplina a alma preguiçosa e acaba fazendo a gente tirar leite de pedra naqueles dias em que a inspiração é escassa e as notícias interessantes também. Mas, às vezes, eu me vejo às voltas com uma espécie de remorso criativo por não escrever coisas mais edificantes. Hoje foi um desses dias. Principalmente depois de me deparar com a história de Paulo Henrique Machado, residente em uma UTI do Hospital das Clínicas, em São Paulo (http://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2013/05/1285372-internado-ha-mais-de-40-anos-paciente-cria-serie-de-animacao-dentro-do-hospital.shtml).

A história de Paulo Henrique, hoje com 45 anos, é narrada por ele mesmo na seção "Minha História" do caderno "Equilíbrio e Saúde" do jornal Folha de S. Paulo online. Do total de anos vividos por ele, 43 foram passados naquele hospital, em função de uma paralisia infantil, que afetou também o seu sistema respiratório, quando ele tinha apenas um ano e meio de idade. Foi também no Hospital das Clínicas que ele concluiu o ensino médio, fez diversos cursos de informática e até aprendeu a montar seu próprio PC.

A narrativa de Paulo Henrique no espaço "Minha História" é - juro! - uma das narrativas mais comoventes que eu já li. Comovente e desafiadora, porque ela não respeita os limites da imaginação das pessoas ditas "normais", a maior parte delas limitadas pelas normas que disciplinam o que elas devem achar do mundo e de si próprias. Ele conta coisas de si e de sua infância que certamente surpreenderiam o mais cético dos seres humanos: "Pensei que as minhas aventuras e dos meus amigos aqui dentro do hospital já dariam um bom roteiro para uma série animada. Ao colocar as histórias das nossas vidas, minha ideia é que as crianças possam assistir e aprender que o deficiente, numa cadeira de rodas, não é tão diferente assim."

Como eu, Paulo Henrique deve fazer parte deste seleto grupo de pessoas com compulsão pela escrita, mesmo se sua "escrita" é mediada por sonhos mais animados - literalmente animados, devo dizer. É que ele tem planos de contar sua história em uma série de filmes animados em 3D sobre a vida de crianças com paralisia infantil. Aliás, o projeto de animação dele recebe doações pelo site Catarse. Quem se interessar em saber mais e apoiá-lo, eis aqui o endereço: http://catarse.me/pt/leca.

Paulo Henrique está parcialmente certo: a infância de um deficiente numa cadeira de rodas pode até não ser "tão diferente assim". Mas diferente mesmo é a sua maneira de encarar a sua suposta "diferença", o que, no final das contas, termina por fazer dele uma pessoal realmente diferente das outras.

No mais, faço votos de que o montante almejado para a realização da série animada seja alcançada em breve!

sexta-feira, 24 de maio de 2013

Condições oceânicas e atmosféricas

Se você é daqueles que acha que 2013 já testou todos os seus limites a ponto de convocar novo Reveillon antes mesmo de chegar à metade do ano, então o aviso da Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (agência norte-americana cuja sigla original é NOAA) vai realmente frustrar todas as suas expectativas de um segundo semestre mais calmo.

Ao que tudo indica, a temporada de furacões e tempestades no Atlântico do ano de 2013, que dura em média seis meses e tem início no dia 1º de junho, "será particularmente ativa" este ano (http://www.hojeemdia.com.br/noticias/mundo/agencia-dos-eua-preve-temporada-ativa-de-furac-es-no-atlantico-em-2013-1.127102). O termo "ativo", no caso, refere-se à superação da marca média anual de até três furacões de grande potência, para um prognóstico mais sombrio: "três a seis podem ser furacões de grande potência, nas categorias 3, 4 e 5, com ventos mínimos de 178 km/h".

A razão para este aumento de quase 100% é um somatório de condições oceânicas e atmosféricas adversas: a persistência de ventos fortes provenientes do oeste do continente africano, o aumento da temperatura média nos mares Atlântico tropical e Caribe, assim como a ausência da corrente marítima quente El Niño, que impede a formação de furacões.

Bem, já que o tempo não anda ajudando, então pelo menos tente não entrar em sintonia profunda com as vybes destrutivas do hemisfério norte. Isto é: evite sincronizar a sua temporada pessoal de tormentas existenciais daqui com a temporada de furacões de lá,  e nem pense em sair comprando galochas, guarda-chuvas ou botes salva-vidas, porque eles pouco adiantarão no seu drama pessoal.

O melhor a fazer é correr até a loja de móveis mais próxima e parcelar um novo e confortável sofá, um estoque de lenços de papel e esperar pacientemente pelo fim do noticiário. Ou antecipar o Reveillon 2014 para 31 de maio.

Obviamente, como a agência é americana, o prognóstico vale preferencialmente para os Estados Unidos, mas acaba trazendo consequências inegáveis para o mundo inteiro. Aqui no Brasil, por exemplo, os noticiários podem se prolongar demasiadamente em função destas catástrofes e atrasar a sagrada novela das 20h.

quinta-feira, 23 de maio de 2013

Azul da cor do mar

Impossível não lembrar da canção de Tim: "E na vida a gente/ Tem que entender/Que um nasce prá sofrer/Enquanto o outro ri..."

E foi realmente triste o fim da cobra cascável que resolveu atravessar, nesta manhã de 4a feira, justamente a Avenida Afonso Pena, na altura do bairro Funcionários, "uma das mais movimentadas da capital" (http://www.hojeemdia.com.br/minas/cobra-cascavel-e-encontrada-na-avenida-afonso-pena-1.126296). Verdadeira artéria do trânsito da Roça Grande, a avenida é movimentada o suficiente para motivar os passantes a matá-la, antes mesmo da chegada dos Bombeiros.

Depois de morta, seu corpo teve o mesmo fim que o de tantos outros indigentes: ela acabou sendo encaminhada à Fundação Ezequiel Dias para servir aos mais altos desígnios científicos. De modo que a cobra cascável talvez nunca tenha sabido do seu verdadeiro caráter de excepcionalidade: "Das 35 espécies que existem no mundo, apenas uma vive no Brasil, ela habita os cerrados, regiões áridas e semi-áridas do Nordeste brasileiro, bem como os campos abertos das regiões Sul, Sudeste e Norte."

Do outro lado da roda da fortuna, contrapondo-se ao triste fim que levou a cobra anônima - e que acabou morrendo de morte matada - surge  "Gavin", o peixe-papagaio que já virou celebridade nas redes sociais (http://www.hojeemdia.com.br/noticias/bizarro/peixe-sorridente-rouba-cena-em-fotos-de-mergulhadores-e-faz-sucesso-na-rede-1.126648).

A notícia publicada hoje no jornal Hoje em Dia conta que "o Seawalker, um parque de mergulhos na região de Green Island, na Austrália, ganhou esse habitante intrometido há mais ou menos um ano". Gavin é um daqueles casos flagrantes de seres que ganham as pessoas com um simples sorriso: é que, literalmente falando, "o peixe sempre dá um jeitinho de sorrir para as fotos dos turistas que visitam o local para mergulhar."

Enfim: a vida imita a arte ou a arte imita a vida?

Não sei exatamente quem imita quem, mas só sei que a vida de determinadas espécies de animais não deve ter sido muito fácil nos últimos 100 mil anos, depois que o Homo sapiens resolveu sair da África para desbravar o mundo... Mas se o Tim Maia tivesse que dar um conselho para a cobra, ele certamente diria: "Mas quem sofre/ Sempre tem que procurar/ Pelo menos vir achar/ Razão para viver..."

Mas agora é tarde, né, Tim Maia!

Fiquemos então com a canção, meditando sobre que classe de gente queremos ser: os que nascem para sofrer ou para sorrir.


Fonte: http://youtu.be/Htv6bEsEdHk


terça-feira, 21 de maio de 2013

Cassius

Cassius não é homem, não é alto, não é bonito, não fez plástica, não toma anabolizante nem malha em academia, não é ator global nem namorou alguém do meio mas, apesar de tudo isto, acabou virando a celebridade do dia.

Morador do Parque Marineland Melanesia, na Austrália, Cassius "é considerado o maior crocodilo de água salgada em cativeiro do mundo", o que garantiu a ele a entrada para o Guinness Book of Records: Cassius mede nada mais, nada menos do que 5,48 metros de comprimento (http://www.hojeemdia.com.br/noticias/bizarro/maior-crocodilo-do-mundo-completa-110-anos-e-ganha-bolo-de-aniversario-1.125967).

Pois se Cassius é grande, ele poderia ser pior! Ou melhor, Cassius poderia ser ainda maior, se não tivesse "perdido 20 centímetros de cauda, em uma briga, antes de ser levado para o parque". Por esta razão, Cassius também serve como metáfora para os problemas cotidianos: eles podem até ser grandes, mas certamente poderiam também ser ainda maiores. No lugar dos 20 cm de cauda perdidos, ganha-se um consolo: hora dessas, o encurtador da grandeza de Cassius já é virou fóssil no fundo do rio. Bingo!

Pois foi justamente para sublinhar sua grandeza e comemorar seus 110 anos de vida que Cassius ganhou um bolo de aniversário de 20 kg de carne de frango. Além de grande, Cassius prova, a meu ver, dois fatos doravante incontestáveis: 1) é desejável, mas não necessário passar por uma (ou mais) cirurgia(s) plástica(s) para se tornar uma celebridade nos moldes das que vemos na imprensa cotidiana; 2) os pinguins do comentário de ontem estão prestes a perder seu posto como modelos de longevidade (http://cronicasdejuvenal.blogspot.com.br/2013/05/maratonistas.html).

segunda-feira, 20 de maio de 2013

Maratonistas

É raro, mas acontece. De vez em quando, um dos nossos jornais de circulação nacional lembra que aqui no Brasil também se faz pesquisa de ponta. A prova é esta notícia publicada hoje no jornal O Globo online, que aborda estudo brasileiro sobre uma espécie de pinguins muito popular na Antártida, que pode elucidar funcionamento de proteína que ajuda a enfrentar variações térmicas extremas (http://oglobo.globo.com/ciencia/codigo-genetico-dos-pinguins-pode-beneficiar-maratonistas-8424744).

Para tanto, "pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) foram a Antártica coletar sangue de uma espécie da ave, a 'Pygoscellis antartica', a mais abundante na região próxima à base brasileira no continente. Agora, estudarão no Brasil a composição dos tecidos desses pinguins, assim como a análise de 13 genes do DNA mitocondrial contidos nas células", relata a notícia.

Uma parte do interesse no pinguim tem a ver com a sua longevidade: "Além desse grande tempo de vida, estas aves existem há pelo menos 60 milhões de anos - revela Schmidt. - Sua capacidade de sobrevivência, associada às grandes variações de temperatura que suporta ainda hoje, pode ser revelada pelo seu DNA mitocondrial".

Obviamente, para que tamanho milagre acontecesse - ver cientistas brasileiros de carne e osso virando notícia por aqui - foi necessário largar a mão (ao menos, temporariamente) de um vício imperioso no jornalismo contemporâneo e que vai muito além da cobertura de assuntos científicos: as agências de notícia.

Em primeiro lugar, é bom lembrar as grandes agências de notícias internacionais como a Reuteurs, Agence France-Presse (AFP) ou a British Broadcasting Company (BBC) são, como os respectivos nomes indicam, estrangeiras e sabem muito pouco do que se faz de ciência nos países do lado de baixo do Equador (talvez a Austrália seja uma excessão, mas enfim...). A menos, é claro, que os pesquisadores do "Hemisfério Sul" (só para não usar aquele jargão desgastado que qualifica os países de acordo com o estágio de "desenvolvimento") furem o bloqueio noticioso das agências e virem notícia digna de mérito, publicando na revistas cientificamente mais qualificadas do "Hemisfério Norte" (mas este é um assunto complexo que merece virar pauta para outro comentário futuro).

Em segundo lugar, temos que reconhecer que engolir a matéria mastigada, tal como as agências as fornecem às redações do mundo inteiro, elimina toda a etapa da apuração: é bem mais fácil burilar um texto pré-moldado por uma agência de notícias do que ir diretamente até as fontes, registrar entrevistas, fazer citações diretas daquilo que os pesquisadores disseram (se bem que a questão da fidedignidade também é outro assunto polêmico que eu prefiro deixar para outro dia) ou ler qualquer relatório ou  outro material impresso de divulgação que o pesquisador tenha fornecido. A bem da verdade, matéria de agência são que nem papinha indusrializada de bebê: fácil de servir, mas infinitamente piores do que qualquer alimento preparado na hora.

Felizmente, a referida matéria do O Globo online teve ao menos a boa vontade de ouvir os pesquisadores Beny Schmidt, chefe do Laboratório de Patologia Neuromuscular da Unifesp, e  Fernando Pacheco, Membro do Comitê Brasileiro de Registro Ornitólogos. Bem ou mal, suas falas estão lá, devidamente citadas. Somente quando isso acontece é que se pode passar à etapa posterior na escala de complexidade da cobertura noticiosa para discutir se, de fato, o relato foi criterioso ou não. Do contrário, ficaremos presos na infância do jornalismo, mastigando papinhas da BBC News, da AFP e da Reuters, achando uma maravilha o que está sendo feito alhures, quando, na verdade, tem coisa muito mais inovadora e interessante feita na universidade pública mais próxima.

Então é isso. Faço votos de que o estudo da Unifesp produza bons frutos e que o desvendamento do DNA mitocondrial do pinguim não produza uma geração de maratonistas pés-frios.

sexta-feira, 17 de maio de 2013

Popocatépetl

Sim, esta semana, exatamente como a anterior, também foi de rachar a chapoquinha.

Após duas semanas intensas, alvo de turbulências e imprevistos de toda sorte, andei reconsiderando algumas opiniões anteriormente sustentadas. Por exemplo, sempre achei que a "Teoria da Borboleta" - aquela que diz o simples bater de asas de uma borboleta poderia influenciar o curso dos acontecimentos e produzir um tufão do outro lado do planeta - tendia levemente ao exagero. Mas depois de tomar conhecimento das últimas atividades do vulcão Popocatépetl, no centro do México, estou começando seriamente a mudar de ideia.

Segundo notícia publicada no jornal Hoje em Dia online, o vulcão Popocatépetl, "em atividade constante há duas semanas, registrou duas fortes explosões nas últimas horas, que incluíram a expulsão de fragmentos incandescentes nas laterais da montanha" (http://www.hojeemdia.com.br/noticias/mundo/vulc-o-mexicano-popocatepetl-sofre-duas-fortes-explos-es-1.124728).

Entre a noite de 5a feira e a madrugada de 6a feira, o Popocatépetl, segundo maior vulcão do México com seus 5.254m de altitude, já foi logo arrasando Paris em chamas - ou quase! Após "31 exalações de intensidade baixa a moderada, que foram acompanhadas por emissões de vapor d'água, gases e em algumas ocasiões pequenas quantidades de cinzas", o Popocatépetl ainda se deu ao luxo de gerar "uma coluna de cinzas de 4 quilômetros de altura", o que andou a avacalhando com a visibilidade aérea na região do estado de Puebla, no México.

As atividades recentes do vulcão trouxeram duas consequências: de um lado, o confronto com o imprevisto e, por que não dizer, com o imprevisível também, já que diversos vôos foram cancelados; de outro, a apreensão diante do perigo: "Em caso de aumento da atividade do vulcão, a evacuação contemplada abrangeria 3.000 pessoas que moram nas regiões baixas dos povoados mais vulneráveis".

Então é isso, meu caro amigo leitor: se um simples bater de asas pode gerar um tufão em outra parte do Globo, o que não dizer de um vulcão em plena atividade há duas semanas?

Tatu

Uma das vantagens de viver no Brasil é que ele nunca cansa de me surpreender.

É claro que cabe muita discussão sobre o tipo de surpresa reservada, mas, geralmente, as surpresas quase sempre trazem à reboque algum tipo de controvérsia. Como esta ideia de jerico - dessas que nem o mais jerico dos jericos seria capaz de ter - que nasceu nos EUA e que acabou virando moda por aqui.

Para início de conversa, os pais da ideia são David Boltjes e Paul Inman, dois presidiários norte-americanos que realizaram uma intervenção cirúrgica nos olhos para mudar a cor da esclera, isto é, aquela parte branca do olho(http://www.hojeemdia.com.br/noticias/conheca-os-riscos-da-tatuagem-no-olho-a-moda-que-pegou-entre-presidiarios-e-celebridades-1.124091). Para tanto, eles utilizaram técnicas de tatuagem, colorindo o fundos dos olhos de de vermelho e azul, em 2010.

Por mais imbecil que a moda fosse, ela jamais passaria em brancas nuvens aqui neste estado-nação que eu chamo carinhosamente de "País das Mil e Uma Plásticas". Os oftalmologistas já disseram com todas as letras: " 'Às vezes não acontece nada, mas pode dar um problema irreversível. Você pode estar se mutilando', diz Leonardo Marculino, oftalmologista do Hospital CEMA".

A lista das desvantagens é longa. "Entre os riscos do procedimento estão inflamações, catarata, glaucoma e até cegueira". Além disso, a danada da cirurgia dói tanto no bolso - pois custa algo em torno de R$ 25 mil - como no corpo. Um dos seus primeiros adeptos, o presidiário David Boltjes, descreveu poeticamente a sensação da cirurgia: como "se alguém tivesse tocando picadores de gelo ou facas nos olhos".

Para encerrar a questão, o oftalmologista Leonardo Marculino bate o martelo: “É um procedimento que, por um motivo fútil, coloca em risco um órgão nobre do corpo”. E eu fico cá me perguntando: qual é, afinal, a vantagem de tanto sofrimento se, no final das contas, a cirurgia não vai te ajudar a ver a vida com outras cores?

quarta-feira, 15 de maio de 2013

Felinos

Quando eu digo que o mundo anda virado...

A designer americana Yumiko Landers, 39 anos,
consagrou seu precioso tempo na produção de um acessório no mínimo curioso: "A mulher teve uma ideia divertida para transformar a aparência dos bichinhos e ainda protegê-los do frio", isto é, "uma espécie de touca customizada que deixa o animal a cara do 'irmão' maior" (http://www.hojeemdia.com.br/noticias/bizarro/designer-dos-eua-cria-acessorio-para-transformar-gatos-em-le-es-1.123740). E o irmão maior, no caso, é um leão.

A touca leonina pode até ter lá o seu quinhão de utilidade aparente, mas ela não poderá inibir uma certa confusão ontológica no bicho que sairá disfarçado. E mesmo se ela agasalhar adequadamente os felinos menores, ela só o fará às custas de neles insuflar um sentimento de superioridade que não levará nenhum felino sensato a lugar nenhum. No máximo, esses gatos - um bando de pobres coitados - tentarão posar de modelos na próxima publicidade do imposto de renda. E só.

Pois o que eu mais queria, dona designer, é que alguém me desenhasse uma toquinha para disfarçar de gatos os leões-da-sobrevivência que tenho que matar a cada dia. Repaginados, meus leões-da-sobrevivência cultivariam um sentimento oposto ao dos seus gatos: um certo encanto e reverência diante do seu algoz. E eu então olharia nos olhos de cada leão e aprenderia, com eles, a reverenciar e respeitar os meus próprios adversários.

terça-feira, 14 de maio de 2013

Marte colonizado

Cansou do trânsito, perdeu o emprego, terminou o oitavo casamento, quebrou a unha, apelou com a vida e decidiu ir para bem longe daqui. Se você se encaixa em uma das situações descritas na frase anterior e optou pela saída "vou sumir de uma vez por todas", saiba que você está na mira de muita gente.

Na realidade, é preciso um pouco mais do que a vontade de sumir. É preciso de algum espírito de aventura para ser o alvo perfeito para uma série de programas de viagem tripuladas ao planeta Marte. Isso mesmo: Marte. E o administrador-chefe da Nasa, Charles Bolden, já mandou avisar: "Uma missão humana para Marte é hoje o destino final da Humanidade no nosso Sistema Solar e uma prioridade para a Nasa. Todo nosso programa de exploração está alinhado com este objetivo" (http://oglobo.globo.com/ciencia/destino-final-marte-8380148).

A bem da verdade, nem tão original assim é a notícia. Há tempos atrás, comentei sobre a iniciativa do empresário Dennis Tito de enviar um casal de astronautas para o planeta vermelho (http://cronicasdejuvenal.blogspot.com.br/2013/03/pacote-para-marte.html).

O que é novidade mesmo é saber que os projetos de levar gente desta terra para Marte estão vingando:  "Mais ou menos ousados, os projetos vão desde uma escalada gradativa que passaria antes por uma visita de astronautas a um asteroide, como o pretendido pela Nasa, a um reality show proposto por uma organização holandesa que acompanharia a vida dos primeiros colonos, que receberiam uma passagem só de ida a Marte, e já tem cerca de 80 mil interessados, entre eles 18 brasileiros".

Passagem só de ida para Marte, 80 mil interessados, dentros os quais 18 brasileiros. Viu só? Tem mais gente sonhando com o mesmo destino. E se todos esses 80 mil colonos potenciais tiverem as mesmas chances de lá chegar, é bem possível que você volte a enfrentar aquele trânsito do qual estava fugindo, quando decidiu isso aqui.

Aliás, se você for mesmo a para Marte, leve, por via das dúvidas, sua carteira de trabalho e uma cópia da CLT: do jeito que tem gente querendo sumir para Marte, é bem capaz de haver superpopulação, escassez de emprego e multiplicação de formas análogas ao trabalho escravo por lá também.

segunda-feira, 13 de maio de 2013

Grave

Minha conclusão, ao chegar ao final do dia de hoje, é a seguinte: está cada vez mais difícil ganhar dinheiro honestamente. E a situação está ficando cada vez mais grave.

Grave mesmo! Depois de provarem por "a + b" que profissionais com nomes curtos costumam ter melhores salários  nos EUA(http://cronicasdejuvenal.blogspot.com.br/2013/05/curtissima.html), mais um estudo vêm provar o porquê de eu ter nascido - e permanecido - consideravelmente pobre ao longo da minha não muito longa existência: "É científico", revela notícia publicada no jornal O Globo online, "os executivos de vozes mais graves têm salários mais altos e maior estabilidade no cargo, registra estudo recente da escola de negócios da Duke University" (http://oglobo.globo.com/emprego/executivo-com-voz-grave-ganha-melhores-salarios-diz-estudo-8366442).

Ao que parece, os resultados do estudo, que foram publicados na Revista Evolution and Human Behavior em abril deste ano, podem ser extrapolados para "profissionais de maneira geral", encontrando também respaldo em especialistas das áreas de  Neurolinguística e Oratória.

Bem, que a Neurolinguística e a Oratória já possuem uma certa intimidade com o ambiente empresarial, isto há muito já se sabia. O que não se sabia era que a Fonodiaulogia também estava passeando por esta seara: "O foco principal da pesquisa americana — que analisou o timbre de voz de 792 presidentes de empresas — foi o nível de tom de voz de cada executivo (medido em hertz) em relação ao tamanho da empresa, à remuneração anual e à estabilidade". E tem mais: não sei se é bem um consolo ou um motivo a mais para cortar os pulsos, mas os pesquisadores também consideraram "outras influências, como educação e idade".

E para concluir o quê? O que muitos supuseram ao ler logo as primeiras linhas deste comentário: "Segundo o professor Bill Mayew, um dos autores da pesquisa, os CEOs de vozes grossas administravam grandes empresas e, assim, tinham os melhores salários", além de permanecerem mais tempo nos cargos.

Estupefata com a pouca perspectiva de mudança da minha situação salarial - a menos, é claro, que eu tome hormônios masculinos, o que não é nem de longe o caso - dou a questão por encerrada, mas não sem antes protestar com duas perguntinhas incômodas: 1) O estudo se aplica a transexuais? 2) Que destino aguarda cantoras sopranos da estirpe da Maria Callas: a indigência na sargeta?

Sem mais para o momento, despeço-me - sob protestos e só!

sexta-feira, 10 de maio de 2013

Ponto de viragem 2

E lá se vai mais uma semana de lascar a chapoquinha... Quanta coisa aconteceu! Entre terremotos e furacões, foi também a semana em que limites foram transpostos e recordes foram superados.

Lembram do ponto crítico de emissão de CO2 que, uma vez atingido, tornaria inevitável uma elevação de 2ºC a 3ºC na temperatura média do planeta? (http://cronicasdejuvenal.blogspot.com.br/2013/04/ponto-de-viragem.html). Pois é... Agora é tarde! O ponto crítico foi atingido. E uma vez atingido, não há como se voltar atrás.

A constatação de que atingimos, de fato, a marca símbolo de 400 partes por um milhão (ppm) de dióxido de carbono na atmosfera - atingindo o chamado "ponto de viragem irreversível" - não é exatamente inédita do ponto de vista científico. "Embora tal nível já tenha sido atingido no ano passado durante o verão no Ártico, desta vez a medição vem de uma estação de monitoramento no topo da montanha Mauna Loa, no Havaí, que funciona desde 1958" (http://oglobo.globo.com/ciencia/nivel-de-co2-na-atmosfera-atinge-marca-simbolo-8354703).
Palco para o anúncio da superação de uma marca que já havia sido profeticamente anunciada, a montanha de Mauna Loa não deixa por menos: daqui por diante, ela será lembrada como um lugar mítico, tal qual o Monte Sinai, de onde as revelações são feitas. Mas quem pensou que o alcance da marca aconteceu em caráter de excepcionalidade, errou feio! A superação do ponto de viragem irreversível é a simples comprovação de uma lógica que vai muito além do problema do aquecimento global para se aplicar a tantos outros processos vivenciados pela vida afora: uma vez ultrapassado um determinado ponto, não há como se voltar atrás.

Pois desta vez, então, é para valer. Aliás, como tudo na vida. Mas ainda resta espaço para algum paradoxo: mesmo se no quesito "superação de limites", a semana me brindou com um recorde de permanência em um engarrafamento aqui na Roça Grande (quase 3h!), esta foi também a semana em que vi o pôr-do-sol mais bonito deste ano - pelo menos até agora.

Dos próximos pores-do-sol, contudo, nada sei. Só sei que eles serão, muito provavelmente, cada vez mais quentes.

Truco!

Um interesse redobrado em pessoas longevas surge à medida que o número de idosos centenários e supercentenários (isto é, com mais de 110 anos) cresce na população mundial como um todo (http://cronicasdejuvenal.blogspot.com.br/2011/05/controversias-sobre-longevidade-e-suas.html).

Aliás, basta alguém ultrapassar a marca dos 100 anos para que emerja toda sorte de indagações sobre o estilo de vida do(a) felizardo(a), principalmente aqueles hábitos mais corriqueiros que, supostamente, garantiriam a manutenção da saúde ao longo dos anos. Dentre esses hábitos, o quesito "alimentação" assume uma posição de destaque (http://cronicasdejuvenal.blogspot.com.br/2012/08/de-volta-ao-comeco.html).

Pois é justamente o caráter contra-intuivo do exemplo que narrarei a seguir que faz dele um caso sumamente apreciado pelos seus compatriotas: "Para a centenária Pearl Cantrell, moradora do Texas, EUA, o segredo da longevidade é comer bacon!", relata notícia publicada hoje no jornal Hoje em Dia online (http://www.hojeemdia.com.br/noticias/bizarro/mulher-de-105-anos-diz-que-segredo-da-longevidade-e-comer-bacon-1.121515).

Prestes a se tornar um ícone do "fast food" americano, a Sra Cantrell contraria os anais médicos para ganhar a simpatia do cidadão médio daquele país: "Em entrevista a rede de TV americana, NBC, ela disse que se alimenta com bacon todos os dias e que se sente muito bem com isso. A senhora ainda destacou que nem se sente tão velha assim." A prova disso? Ao completar seus 105 anos de idade, ela "fez uma grande festa para mais de 200 convidados", com direito a "três dias de comemorações, regados de comidas e bebidas, especialmente bacon".

Para a pseudo-vegetariana cética que sou (já que eu como peixe), a história do bacon anda muito mal contada. Sugiro abrir uma sindicância para verificar a isenção do relato, pois se a festa de aniversário foi financiada pela McDonalds ou pelo Burger King, algum distanciamento crítico será necessário. Além disso, é altamente recomendável submetê-la a um scanner cerebral, um exame de audiometria e uma avaliação psiquiátrica. Vai que ela disse "bacon" pensando em  "salmon"...

quinta-feira, 9 de maio de 2013

Palavras

Palavras: novas, velhas, inventadas ou simplesmente usadas. Palavras têm sentido e sonoridade. Mudam, morrem, renascem em outra língua. Ou simplesmente permanecem, independentemente da língua.

Esta é a teoria que uma equipe de britânicos - ora descritos na notícia como linguistas, ora como especialistas em biologia evolutiva - defendem em publicação na  Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS): "nossos ancestrais que viveram há 15 mil anos podem ter usado algumas palavras reconhecíveis hoje em várias línguas modernas" (http://www.hojeemdia.com.br/noticias/ci%C3%AAncia-e-tecnologia/ancestrais-pre-historicos-usavam-palavras-similares-as-de-hoje-1.121115).

"Utilizando um modelo informático", o estudo tenta corrigir distorções produzidas em estudos anteriores, que tomam palavras com sonoridade próxima, mas com sentido distinto, para "identificar aquelas que, provavelmente, derivam de ancestrais comuns".

A conclusão foi que "certas palavras mudaram muito lentamente ao longo do tempo" e "estas palavras indicam a existência de uma grande família linguística que unifica sete grupos de línguas na Eurásia."

Embarcar na defesa de uma matriz linguística comum não é difícil. Complicado mesmo é embarcar no entusiasmo dos pesquisdores e comprar a ideia de que haveria uma pretensa universalidade subjacente às diversidade linguística predominante na contemporaneidade: "A forma como usamos determinadas palavras na linguagem cotidiana é comum a todas as línguas da humanidade".

Mas não se enganem: a maior parte das explicações universalistas acabam esbarrando na limitação dos exemplos empíricos. No frigir dos ovos, o que foi publicado na notícia do jornal Hoje em Dia online a favor de uma suposta universalidade linguística termina mais por validar como universal - sem necessariamente o ser - uma referência linguística em detrimento das demais: "As palavras comuns como eu, você, nós, mãe e casca (respectivamente I, you, we, mother, man e bark em inglês) têm, em algumas línguas, o mesmo sentido e quase o mesmo som que tinham antes, determinaram os linguistas."

Preguiça total! Infelizmente, perdemos de vista aqueles argumentos e provas da suposta universalidade linguística que devem ter sido fornecidas satisfatoriamente no artigo científico. Pobres de nós que não tivemos acesso a ele! Ficaremos à mercê de um universalismo etnocêntrico e mal-comprovado, acreditando na uniformidade das línguas do mundo quando, na verdade, quem uniformiza a abordagem aos fatos científicos são os releases das agências de notícia, publicados quase na íntegra por jornais acomodados.

terça-feira, 7 de maio de 2013

Curtíssima

Ha! Essa foi de lascar!

Pesquisa feita por uma empresa de recrutamento norte-americana chamada TheLadders conclui algo, no mínimo, surreal: há uma correlação inversamente proporcional entre a extensão do nome próprio de uma pessoa e seu salário (http://classificados.folha.uol.com.br/empregos/2013/05/1274602-pessoas-com-nomes-menores-ganham-salarios-mais-altos-diz-estudo.shtml).

Nos termos da notícia publicada hoje na Folha de S. Paulo online, "ter um nome mais curto pode fazer com que você tenha um salário maior" . A conclusão foi tirada cruzando "variáveis como ramo, salário e localização em uma amostra de quase 6 milhões de profissionais cadastrados no serviço, que estão principalmente nos Estados Unidos e no Canadá".

Mas a melhor de todas mesmo foi perceber que, na mesma pesquisa, a dita correlação entre nome e salário foi levada às últimas consequências: "De acordo com o levantamento, cada letra a mais no nome corresponde a uma queda de US$ 3.600 (R$ 7.200) no salário anual".

Diante de constatações dessa natureza, só me resta lamentar as sete letras do meu primeiro nome e entrar na fila do cartório para mudar o registro e me chamar "."

 

segunda-feira, 6 de maio de 2013

Oceânicas

Notícias oceânicas alvissareiras vieram brindar nossos jornalinhos aqui na Terra das Mil e Uma Plásticas, também chamada de Brasil.

A mais alvissareira delas é capaz de animar gregos e troianos - ainda que por motivos distintos, claro. A notícia em questão veio à reboque do submarino Shinkai 6500, "operado a partir do navio oceanográfico japonês Yokosuka", cuja função é "observar e recolher amostras de afloramentos de rochas e sedimentos no topo da elevação, a aproximadamente 2 mil metros abaixo da superfície do mar" (http://oglobo.globo.com/ciencia/encontrada-no-fundo-do-oceano-atlantida-brasileira-8311057).
Ok, mas qual o motivo de tanto alvoroço? Tudo indica que "cientistas brasileiros encontraram as primeiras evidências claras de que a chamada Elevação do Rio Grande, um gigantesco 'planalto' que se ergue no fundo do mar no Oceano Atlântico, seja na verdade parte de um continente submerso", prossegue a notícia.

A novidade ficou por conta da composição das rochas e sedimentos analisados e que trouxe evidências consistentes de que o tal continente submerso seria nada mais, nada menos do que  a Atlântida brasileira: "Essas amostras, no entanto, reforçam a hipótese de que ela é um continente que afundou há 100 milhões de anos, quando a América do Sul se separou da África. Isso pode revolucionar nossa compreensão sobre a formação e evolução da crosta terrestre", relata Roberto Ventura, diretor de Geologia e Recursos Minerais do Serviço Geológico do Brasil, ao jornal O Globo online.

Bom, e onde andariam, metaforicamente falando, "gregos" e "troianos" nesta história? Gregos "locais" se confraternizam com o achado e a possível comprovação de um mito. Troianos dos arredores também se regozijam com o fato de que "caso a hipótese seja verdadeira, o Brasil poderia reivindicar a ampliação da sua plataforma continental e, consequentemente, de sua chamada Zona Econômica Exclusiva (ZEE), a área do oceano onde o país pode explorar recursos".

Obviamente, motivações mais complexas levaram nossos antípodas a descerem a 2 mil metros de profundidade. Lá embaixo, foram encontrados os "chamados hidratos de metano, gás natural combustível que emana do leito do Atlântico Sul." E - olha só que coincidência - o Japão é o único país do mundo que "tem o conhecimento técnico da exploração comercial de hidratos". Ou seja: enquanto gregos e troianos caem na esbórnia, cada qual comemorando a seu modo e conveniência, os japoneses crescem os olhos (também metaforicamente falando) em cima das reservas de hidrato de metano.

Moral da notícia alvissareira do dia: esta noite, quando gregos, troianos e japoneses estiverem dançando em roda, uns pensando em cifras, outros tecendo hipóteses e conjecturas sobre os habitantes daquele continente, alguns leitores mais desesperançosos com a política nacional hão de perguntar: será que algum dia o Planalto Central não levará também o mesmo fim? 

sábado, 4 de maio de 2013

Metrificação

Quem mora aqui na Roça Grande sabe que o problema do trânsito intenso que afeta globalmente o mundo é vivido localmente em ritmo de apocalipse: o trânsito estando cada dia mais caótico, já não há dia e horário específico que mais ou menos propenso a engarrafamentos. Qualquer hora é hora. Qualquer dia é dia.

Resta agora saber se esse novo recorde de passageiros nas linhas de metrô da capital mineira, alardeado pela imprensa local, é sinal de evolução da mentalidade local ou simplesmente um sintoma a mais da catástrofe que se aproxima com a Copa do Mundo.

O jornal Hoje em dia online foi um dos veículos que fez alarde do fato: "A Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU) registrou um novo recorde no número de passageiros transportados pelo metrô de Belo Horizonte. Na última terça-feira (30), 237.011 pessoas utilizaram o serviço, ou seja, cerca de 3,1 mil usuários a mais que o recorde anterior" (http://www.hojeemdia.com.br/minas/numero-de-passageiros-no-metro-de-bh-bate-novo-recorde-1.119521).

Mas este recorde deve ser visto como um alento ou sinal claro de desespero? Sabendo que o recorde de passageiros no metrô aconteceu em plena véspera do feriado de 1º de maio, quando a Roça Grande acumulou engarrafamentos de grandes proporções nas suas principais vias, a resposta não poderia ser mais óbvia: "A companhia acredita que o aumento da demanda é decorrente do trânsito e dos congestionamentos crescentes nas principais vias da cidade."

Que as modalidades de transporte público oferecidas na Roça Grande são insuficientes, isto é fato. Que as opções previstas a curto e média prazo não conseguem dar vazão à demanda, como o BRT, isto também é fato. O que está longe de ser óbvio é se a preferência pelo metrô com relação às demais opções de transporte será sustentada politicamente pelos governos municipais e estaduais.

Há, no entanto, alguns indícios de que tal preferência não será sustendada. Acreditar na expansão das linhas do metrô  é como acreditar em duendes: muitos acreditam, mas a maioria nunca viu.

Pessoalmente, acho os duendes mais simpáticos porque não precisamos deles todos os dias para chegar ao trabalho. Mas se a coisa continuar do jeito de que está, só mesmo com o poder de teletransporte dos duendes para podermos chegar a algum lugar desta cidade.

Enfim... abraços para quem fica, que eu preciso dormir.





sexta-feira, 3 de maio de 2013

Hipotalâmicos

Quando a questão é replicar localmente o que as renomadas revistas científicas andam publicando nos países do Hemisfério Norte, os jornais brasileiros são imbatíveis: acho que nem no filme Blade Runner se conseguiria produzir tantos replicantes como a imprensa nacional consegue fazer cotidianamente.

Por exemplo, o Jornal O Globo online replica publicação na revista Nature, que relata experimentos relacionando o hipotálamo com um centro de comando do processo de envelhecimento. "Em uma série de experimentos, os pesquisadores descobriram que poderiam aumentar a vida dor camundongos em 20%, sem que os animais sofressem de fraqueza muscular, perda óssea ou problemas de memória comuns na idade avançada" (http://oglobo.globo.com/ciencia/hipotalamo-tem-chave-do-envelhecimento-8260539).

Mas a matéria supracitada não se contentou em replicar o periódico britânico para descrever a série de experimentos que resultou na publicação. Ela foi atrás da repercussão da publicação da Nature em outros comentários e artigos da imprensa britânica. Este é o caso, por exemplo, da descrição entusiasmada que o pesquisador Dongsheng Cai dá ao jornal “Guardian”, no tocante ao processo de envelhecimento: "há um controle e pode ser manipulado", explica.

Eufóricos mesmo ficarão os demais seres humanos, quando a pesquisa deixar os camundongos de lado e passar para os testes em seres humanos: os estudos prometem - que sabe um dia - "a perspectiva tentadora de medicamentos que retardam o envelhecimento natural para prolongar a vida de seres humanos".

Não é preciso ter lido a publicação original da Nature nem o Guardian para saber que a longevidade em camundongos só alegra cientistas.O certo é que, muito antes de a indústria farmacêutica projetar uma solução comercial eficaz para retardar o envelhecimento humano, teremos provavelmente que conviver com toda uma geração de camundongos supercentenários.

Bom, mas isto é preocupação para quem pensa em viver muito. Vou encerrando a conversa porque amanhã ainda é dia de feira. E eu, infelizmente, não poderei enviar um replicante no meu lugar para mais um dia de trabalho.

Boa noite para quem fica, boa noite para quem vai.

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quarta-feira, 1 de maio de 2013

Despedaçado

Um furacão passou por sua vida neste mês de abril? Pois aqui vai aquele consolo besta que te faltava para poder pegar no sono tranquilamente nessa véspera de feriado nacional: a sonda espacial Cassini, que passeia pela órbita do planeta Saturno desde 2004, capturou imagens de um furacão que provam que as coisas podem ser, de fato, muito piores em outras partes do nosso sistema solar.

Foi justamente com base em imagens capturadas pela sonda Cassini que "cientistas da Nasa identificaram um superfuracão, no Polo Norte de Saturno, com tamanho 20 vezes maior que de um furacão terráqueo"  (http://oglobo.globo.com/ciencia/sonda-cassini-registra-superfuracao-em-saturno-8249824).

Ou seja, se a sua tristeza era simplesmente em decorrência da falta de consolo, então chegou o momento de ser feliz: com seus "2 mil quilômetros de diâmetro","a velocidade dos ventos do furacão de Saturno chegou a 530 quilômetros por hora, muito mais do que qualquer entre os piores furacões já registrados na Terra."

Agora, se o consolo besta ainda foi insuficiente para recuperar seu humor, então fica aqui a minha última tentativa de oferecer paralelos mais palpáveis: "O Furacão Katrina, que devastou Nova Orleans em 2005, e matou 1.700 pessoas, tinha ventos entre 177 e 207 quilômetros por hora", explica notícia publicada no jornal O Globo online.

Qualquer que tenha sido o seu potencial destrutivo, este "abril despedaçado" - só para usar uma expressão que a amiga de um amigo usou com muita propriedade ainda há pouco - ainda ficou no âmbito dos furacões de dimensões do Katrina. Aliás, o paralelo não me deu a menor vontade de colocar os meus pés em Saturno. Por enquanto, vou ficando por aqui mesmo, em pleno planeta Terra, torcendo para que o mês de maio nos dê criatividade suficiente para fazer um belo mosaico dos cacos que restaram do último mês.