UA-89169382-1 Crônicas de Juvenal: junho 2014

sábado, 28 de junho de 2014

Fósseis

Apagou-se, hoje, aos 70 anos de idade, Bobby Womack, uma estrela da soul music  (http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2014/06/1477778-cantor-de-soul-americano-bobby-womack-morre-aos-70-anos.shtml).

O currículo de hits de Womack é extenso o suficiente para me desanimar de qualquer resumo antes mesmo de começá-lo. Por desencargo de consciência, registre-se que  Womack "tocou guitarra em discos de Elvis Presley, Aretha Franklin, Marvin Gaye, Jimi Hendrix e Janis Joplin".

Ao saber de sua passagem para o outro lado, fui buscar na web um dos primeiros sucessos do cantor e guitarrista. Pensei na letra e no que ela diz. Hino da desesperança ou hiperrealismo trágico? Não sei. Talvez simplesmente uma história sobre superação e barreiras sociais.


Fonte: http://youtu.be/UOg_8hCC4u4

A morte de Womack acontece no dia em que se noticia amplamente a descoberta de um recife fossilizado na Namíbia,  por cientistas britânicos - o qual teria, supostamente, cerca de 548 milhões: "Se a datação e interpretação dos fósseis estiverem corretas, eles representam o recife mais antigo de que se tem registro na história da evolução da vida animal na Terra" (http://www.hojeemdia.com.br/noticias/cientistas-encontram-recife-de-meio-bilh-o-de-anos-1.250781).

Talvez daqui a 548 milhões de anos, pensemos assim de ícones como Bobby Womack: eles representarão, tal qual um registro na história da evolução musical, um passo certeiro da música na direção da alma.




terça-feira, 24 de junho de 2014

Vultuosos

Dificílimo falar de outro tema, por esses dias, que não seja a Copa do Mundo. Só que eu resolvi que meu espírito de contradição é mais forte e mais tenaz do que a monotematização dos assuntos do dia. Em resposta ao assunto do momento, hei de falar de coisas longínquas e nada mundanas: isto é, de coisas que nem sequer são deste mundo.

Para tanto, escolhi falar do último flagra da sonda Cassini, lançada pela NASA: "Cientistas investigam um vulto misterioso que apareceu e sumiu em um lago no Titã, a maior lua de Saturno" (http://oglobo.globo.com/sociedade/ciencia/vulto-misterioso-visto-em-lago-na-maior-lua-de-saturno-batizado-de-ilha-magica-12972927).

Tirada a mais de um bilhão de quilômetros da terra, a foto me pareceu um convite ao devaneio cósmico, já que "na fotografia capturada, o vulto é um pouco mais do que uma mancha branca em uma imagem granulada tirada do hemisfério norte de Titã". Mas como manchas pouco nítidas parecem ter pouca atratividade no mercado editorial, os "astrônomos nomearam a bolha de 'ilha mágica' até que se tenha uma ideia melhor do que se está olhando".

A saída poderia ter sido uma astuta jogada de marketing interplanetário. Ora, se o segredo é a alma do negócio, então a ambivalência deveria ser o seu esqueleto. De acordo com Jason Hofgartner, cientista da Universidade de Cornell, em Nova York, "nós não podemos ter certeza do que é ainda, porque nós só temos a imagem de um momento, mas não é algo que você normalmente vê em Titã."

"Não sei o que é, só sei que não se vê muito por aqui", parece ser a conclusão dos cientistas envolvidos na análise das imagens do lago Ligeia, um dos três maiores lagos "da maior lua de Saturno". O fato de ser este "o único lugar fora da Terra conhecido por ter líquidos estáveis ​​em sua superfície e a chuva caindo de seus céus" torna o evento ainda mais intrigante: "Com 12 milhas de comprimento e seis milhas de largura, o ponto brilhante aparece em uma imagem de 10 de julho de 2013, mas não aparece em fotos do mesmo local tiradas anteriormente e em 26 de julho do mesmo ano", explica a notícia.

Hipóteses pululam: "O local distorcido poderia ser um iceberg que se soltou da costa, um efeito de bolhas ou ondas rolando em toda a superfície do lago". Mas qualquer uma dessas hipóteses perde a graça diante da opção pela "Ilha mágica" que, diga-se de passagem, soa bem mais bacana aos ouvidos.

Pois bem: a "Ilha mágica" é esse lugar inóspito para onde fogem todas as sensibilidades literárias que tentam escapar do monotema da Copa do Mundo. O que eu não contava encontrar, no meio do caminho, era essa chuva de meteoros ufanistas, ávidos pelos detalhes da última partida de futebol, atrapalhando a viagem da minha imaginação.

Bem, desisto! Quem não se sentiu um pouco mais brasileiro hoje e não torceu pelo nosso time que atire a primeira pedra, porque eu já morri soterrada pela chuva de meteoros desta tarde. Boa noite para quem fica. E Ilha mágica: um dia eu chego lá!


terça-feira, 17 de junho de 2014

Hermes científicos

Não deixa de ser instigante a notícia que a Folha de S. Paulo veiculou hoje sobre sua 2ª turma do Programa de Treinamento em Jornalismo de Ciência e Saúde, que começou no início deste mês de junho.

Perguntados sobre a principal razão de seu interesse pela programa, as respostas dos 7 integrantes, provenientes de diversas áreas, variaram tanto quanto o perfil do grupo selecionado: "São quatro jornalistas e estudantes de jornalismo e três de outras áreas: uma engenheira química, um biólogo e um biomédico" (http://novoemfolha.blogfolha.uol.com.br/2014/06/16/trainees-de-ciencia-e-saude-contam-por-que-escolheram-o-programa/).

Apesar da diversidade e da  legitimidade de suas motivações, fiquei cá pensando com os meus botões no mercado de trabalho que eles encontrarão daqui a um ou dois anos. Bem, caminha a passos largos uma tal crise do jornalismo que, para mim, já deixou de ser novidade há muito tempo. O assunto era até moda há dez anos atrás, o que aumenta ainda mais o meu constrangimento ao perceber que as pessoas ainda se surpreendem quando tomam pé de semelhante situação.

Para ser mais precisa: fico admirada com o espanto alheio. Que a tal da crise no jornalismo é causada, entre outras coisas, pela convergência tecnológica e pelo enxugamento da mão-de-obra das redações, isto é fato. Evidências e cifras abundam em análises bem mais fundamentadas do que as minhas (http://apublica.org/2013/06/revoada-dos-passaralhos/). Mas, por enquanto, vamos manter o foco na profundidade da crise e não na profundidade da análise.

O pior é que os respingos da crise do jornalismo e da redução do corpo de cabeças pensantes e escreventes dentro dos veículos de comunicação deixa marcas indeléveis na qualidade da cobertura de ciência: 1) abundam as matérias por agência de notícias internacionais; 2) pior ainda, os famosinhos press releases grassam sem deixar marcas de autoria; 3) no final das contas, é a etapa da apuração vai para as cucuias e, com ela, as tentativas honestas de travar um contato direto e respeitoso com os sujeitos que fazem ciência aqui no Brasil, sejam eles brasileiros ou, -por que não dizer? - membros de equipes internacionais sediadas aqui.

Uma consequência nefasta deste quadro é que a pesquisa de ponta feita aqui e publicada lá acaba não sendo noticiada em canto algum. Lá em cima, no Hemisfério Norte, onde estão sediadas os períodos de maior peso e impacto, institutos de pesquisa, universidades e os próprios periódicos científicos são mais ágeis no corpo-a-corpo com a imprensa e acabam emplacando suas vedetes científicas. As agências internacionais fazem eco. E nós compramos o peixe importado. Quando muito, perguntamos aos daqui o que eles têm a dizer sobre o peixe importado. E perdemos a chance de aumentar o debate sobre a pesquisa que se faz aqui, não só no sentido de aplaudi-la como também de submetê-la ao crivo público. No final das contas, permanecemos todos desinformados, ébrios de admiração com a pesquisa feita no Primeiro Mundo.

Pois bem. Precisamos, contudo, cumprir uma etapa importante para que o debate sobre a crise no jornalismo ganhe corpo: precisamos traduzi-la em indicadores precisos e quantificáveis. Como minha equipe e eu alimentamos diariamente um banco de dados de matérias de ciência publicadas em três jornais online, material de análise não nos falta. Aceitamos, pois, o desafio.

Dentro em breve, apresentaremos um esboço das principais fontes que alimentam as matérias de ciência veiculadas no Brasil. Os resultados desta análise - estes sim! - irão surpreender muita gente, na esperança, claro, de que a surpresa de muitos mude algo neste cenário.

No mais, Gerais. A seguir, cenas do próximo capítulo de uma crise que já virou novela.



quinta-feira, 12 de junho de 2014

Árvore da vida

Breve comentário sobre esses grandes milagres que passam quase desapercebidos, principalmente em meio ao burburinho.

Homem de 52 anos é resgatado após ficar dois dias preso em árvore para escapar de enchente, relata notícia publicada no jornal Folha de S. Paulo (http://brasil.blogfolha.uol.com.br/2014/06/11/fiquei-com-medo-e-senti-frio-diz-homem-resgatado-de-arvore-no-pr/).

Morador de uma ilha do rio Piquiri, em Francisco Alves, a 485 km de Curitiba, Josias Camilo da Graça perdeu a cabana, o bote e todos os seus pertences, mas conservou intactas a sua vida e a fé (que, se não moveu montanhas, pelo menos manteve as águas abaixo do seu pescoço): "Fiquei com medo de cochilar e cair, peguei uma corda e me amarrei. Na madrugada, a água batia nos meus pés, e eu tive que me agarrar na árvore. Fui salvo pelas mãos de Nossa Senhora Aparecida", disse o sobrevivente. Para não cochilar e cair da árvore, ele próprio se amarrou a ela até ser resgatado na 3ª feira, dia 10 de junho.

Louco para voltar ao seu racho e plantar, o seu Josias conclusão do dia foi: "Se existe uma riqueza boa é a terra, a água é perigosa". Pé firme, fincado na terra úmida: igualzinho à sua árvore da vida!

terça-feira, 10 de junho de 2014

Sobrenatural

Pode alguém viver mais de 100 anos?

Sim. Hoje, graças  às conquistas do finado Estado de Bem-estar Social (se é que alguém ainda ousa a falar dele...) e aos avanços da medicina, é possível ultrapassar a marca de um século de vida.
 
Mas nem todos podem ultrapassar os 110 e  morrer com a glória do químico, parapsicólogo Alexander Imich que, de acordo com notícia publicada no jornal Hoje em Dia online, era "considerado o homem mais velho do mundo"  (http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2014/06/1467348-homem-mais-velho-do-mundo-morre-aos-111-anos-em-nova-york.shtml).

Imich morreu aos 111 anos de idade de morte "morrida" (o que já é um privilégio!), após ter superado em gênero, número e grau a marca de longevidade atribuída ao italiano Roberto Licata, que, por sua vez, morreu "em abril dos  111 anos e 357 dias, segundo o Grupo de Pesquisa Gerontológica de Torrance", na Califórnia.

Imich, um imigrante polonês que terminou seus dias radicado em Nova Iorque, realizou seu gesto mais ousado ao morrer de morte "sobrenatural". Imich morreu com  mais de 110 anos, apesar da clara indicação de que são as mulheres as grandes detentoras do recorde de longevidade: "pelo menos 66 mulheres têm mais idade que Imich, a mais idosa delas 116 anos".

Mas tá tudo bem morrer assim também: em terra de cego, quem tem olho é rei! E Imich morreu com pompa e circunstância, fazendo o que muitos parapsicólogos sonham em fazer, mas jamais se permitem: adiar a própria morte.

Abraços para quem fica.

terça-feira, 3 de junho de 2014

O gênero dos furacões

Tem teoria tão furada, mas tão furada, que ela já nasce natimorta, antes mesmo de suportar qualquer teste empírico.

Pois esta publicada hoje no jornal Folha de S. Paulo, no meu humilde entender, já nasceu agonizando: "Os furacões com nomes femininos podem matar três vezes mais porque as pessoas os percebem como menos ameaçadores do que as tempestades com nomes masculinos, afirmam cientistas" (http://www1.folha.uol.com.br/ciencia/2014/06/1464549-machismo-torna-furacoes-com-nome-de-mulher-mais-letais-diz-estudo.shtml).

Mas quem, afinal, inventou essa história de dar nomes aos bois, ou melhor, aos furacões? Ainda segundo notícia, a prática nasceu nos anos 1970, justamente para tentar evitar o viés de gênero: "Os furacões são nomeados segundo uma ordem pré-determinada e alternada que não tem nada a ver com a força da tempestade. Os cientistas desenvolveram este sistema nos anos 1970 para evitar uma percepção influenciada por gênero".

No entanto, segundo o estudo em questão, se a medida foi pensada para evitar o viés de gênero, o tiro parece ter saído pela culatra. Publicado no periódico Proceedings of the National Academy of Sciences, ele oferece um fundamento estatístico ao viés de gênero: "Comparativamente, estima-se que um furacão com nome masculino cause 15,15 mortes, enquanto se calcula que um furacão com nome feminino cause 41,84 mortes", destacou o estudo.

A questão, porém, é como interpretar esses dados. A explicação oferecida à letalidade dos furacões de nome feminino remete, em princípio - de maneira um tanto quanto contraditória - a uma subestimação do poder de destruição do furacão em função do nome feminino: de acordo com o professor de marketing, Sharon Shavitt, "ao julgar a intensidade de uma tempestade, as pessoas parecem aplicar suas crenças sobre o comportamento masculino e feminino", o que faz com que
"um furacão com nome de mulher, especialmente um com um nome muito feminino, como Belle ou Cindy, parece mais suave ou menos violento".

 Interessante, a meu ver, é associar a letalidade de um furacão à percepção das próprias vítimas e não ao viés da própria classificação científica. Vou ser mais específica; o fato de alternar ciclicamente os nomes masculinos e femininos pode ser um viés dos próprios cientistas (e não das vítimas), favorecendo a associação de nomes femininos justamente aos momentos mais propensos aos furacões de maior magnitude.

Apesar de divergentes quanto à fonte da percepção enviesada, o que subsiste de comum entre elas é a existência do viés de gênero e o entendimento de que este viés mobiliza as pessoas de uma ou outra forma. Resta imaginar qual delas prevaleceria como a melhor interpretação, caso fossem submetidas a um teste empírico.

Como considero que a teoria rival à minha já chegou ao mundo natimorta, sugiro enterrá-la de vez com um teste simples e prosaico: que o próximo furacão seja nomeado com o nome de transgêneros famosos como a Madame Satã ou o Cintura Fina, só para ver o que acontece quando se bagunça a linha que separa uma distinção inequívoca dos gêneros "feminino" e "masculino". Estou curiosa para saber que potencial de destruição se atribuiria a um furacão de tipo "coluna do meio". 
 

50 tons de cores

Quer saber? A arte cansou de imitar a vida e agora ela se contenta em imitar a Arte.

Prova disso é o ensaio fotográfico produzido com o ator que estrelou o filme "50 tons de cinza", inspirado em livro homônimo que acabou se tornando um best-seller da literatura de sala de espera (para alguns, de muita espera). O ensaio, publicado no jornal O Globo online, exala licença poética: o jovem ator traiu o título das obras e aparece em cores, deixando os aclamados 50 tons de cinza para uma única foto (http://ela.oglobo.globo.com/vida/ator-de-cinquenta-tons-de-cinza-exibe-sensualidade-em-ensaio-fotografico-12689356).

 Mas exemplo emblemático mesmo de arte pela arte está aqui: "Um homem foi preso na Coreia do Sul e impedido de voltar para a China depois que o seu filho de apenas 4 anos ‘desenhou’ na página de identificação do seu passaporte, rasurando o documento" (http://www.hojeemdia.com.br/noticias/bizarro/chines-e-impedido-de-sair-da-coreia-do-sul-depois-que-filho-rabiscou-seu-passaporte-1.245371).

O desfecho, contudo, foi um pouco mais trágico do que o simples rompimento da barreira das cores: "Devido à ‘arte’ no documento, as autoridades locais não puderam liberar o homem, que não conseguiu voltar com o resto da família para a China", explica a notícia também publicada hoje no jornal Hoje em Dia online.

Apesar de ter usado uma única caneta preta para expressar seu dom artístico, o pequeno artista está fadado a receber críticas severas da parte de seus progenitores. Considerado delito estético, nem os famosos 50 tons de cinza serviriam como atuante. Sinal claro de que a arte pela arte também tem lá o seu preço...