UA-89169382-1 Crônicas de Juvenal: Hermes científicos

terça-feira, 17 de junho de 2014

Hermes científicos

Não deixa de ser instigante a notícia que a Folha de S. Paulo veiculou hoje sobre sua 2ª turma do Programa de Treinamento em Jornalismo de Ciência e Saúde, que começou no início deste mês de junho.

Perguntados sobre a principal razão de seu interesse pela programa, as respostas dos 7 integrantes, provenientes de diversas áreas, variaram tanto quanto o perfil do grupo selecionado: "São quatro jornalistas e estudantes de jornalismo e três de outras áreas: uma engenheira química, um biólogo e um biomédico" (http://novoemfolha.blogfolha.uol.com.br/2014/06/16/trainees-de-ciencia-e-saude-contam-por-que-escolheram-o-programa/).

Apesar da diversidade e da  legitimidade de suas motivações, fiquei cá pensando com os meus botões no mercado de trabalho que eles encontrarão daqui a um ou dois anos. Bem, caminha a passos largos uma tal crise do jornalismo que, para mim, já deixou de ser novidade há muito tempo. O assunto era até moda há dez anos atrás, o que aumenta ainda mais o meu constrangimento ao perceber que as pessoas ainda se surpreendem quando tomam pé de semelhante situação.

Para ser mais precisa: fico admirada com o espanto alheio. Que a tal da crise no jornalismo é causada, entre outras coisas, pela convergência tecnológica e pelo enxugamento da mão-de-obra das redações, isto é fato. Evidências e cifras abundam em análises bem mais fundamentadas do que as minhas (http://apublica.org/2013/06/revoada-dos-passaralhos/). Mas, por enquanto, vamos manter o foco na profundidade da crise e não na profundidade da análise.

O pior é que os respingos da crise do jornalismo e da redução do corpo de cabeças pensantes e escreventes dentro dos veículos de comunicação deixa marcas indeléveis na qualidade da cobertura de ciência: 1) abundam as matérias por agência de notícias internacionais; 2) pior ainda, os famosinhos press releases grassam sem deixar marcas de autoria; 3) no final das contas, é a etapa da apuração vai para as cucuias e, com ela, as tentativas honestas de travar um contato direto e respeitoso com os sujeitos que fazem ciência aqui no Brasil, sejam eles brasileiros ou, -por que não dizer? - membros de equipes internacionais sediadas aqui.

Uma consequência nefasta deste quadro é que a pesquisa de ponta feita aqui e publicada lá acaba não sendo noticiada em canto algum. Lá em cima, no Hemisfério Norte, onde estão sediadas os períodos de maior peso e impacto, institutos de pesquisa, universidades e os próprios periódicos científicos são mais ágeis no corpo-a-corpo com a imprensa e acabam emplacando suas vedetes científicas. As agências internacionais fazem eco. E nós compramos o peixe importado. Quando muito, perguntamos aos daqui o que eles têm a dizer sobre o peixe importado. E perdemos a chance de aumentar o debate sobre a pesquisa que se faz aqui, não só no sentido de aplaudi-la como também de submetê-la ao crivo público. No final das contas, permanecemos todos desinformados, ébrios de admiração com a pesquisa feita no Primeiro Mundo.

Pois bem. Precisamos, contudo, cumprir uma etapa importante para que o debate sobre a crise no jornalismo ganhe corpo: precisamos traduzi-la em indicadores precisos e quantificáveis. Como minha equipe e eu alimentamos diariamente um banco de dados de matérias de ciência publicadas em três jornais online, material de análise não nos falta. Aceitamos, pois, o desafio.

Dentro em breve, apresentaremos um esboço das principais fontes que alimentam as matérias de ciência veiculadas no Brasil. Os resultados desta análise - estes sim! - irão surpreender muita gente, na esperança, claro, de que a surpresa de muitos mude algo neste cenário.

No mais, Gerais. A seguir, cenas do próximo capítulo de uma crise que já virou novela.



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