UA-89169382-1 Crônicas de Juvenal: fevereiro 2016

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Assassinato no Borboletário

Estava aqui, encerrando meu sobrevoo diário sobre as notícias do dia, quando dei de cara com esta notícia sobre a reabertura do Borboletário da Fundação Zoo-Botânica de Belo Horizonte (FZB-BH). O problema não foi o Borboletário em si, ou sua reabertura, mas uma frase que me arrepiou a cacunda e me deixou de olhos esbugalhados.

Para fazer contraponto à informação de que o Borboletário proporcionava a recepção anual de cerca de 20 mil pessoas até antes de sua reforma, iniciada em 2014, o(a) escrevente da notícia acabou assassinando a sangue frio a nossa querida língua pátria. Em referência à ampliação da capacidade do Borboletário, disse: 


Já a língua portuguesa, coitadinha, tão maltratada nas ladeiras da vida, não teve nem chance de se despedir: morreu vítima da inflexão do verbo "dever" que, a despeito de todos os clamores, não concordou com o seu sujeito "os visitantes".

Triste com uma morte tão prematura por simples discordância entre sujeito e verbo, fiquei pensando no sábio Quintana, que entendia tudo de borboletas: "O segredo é não correr atrás das borboletas. É cuidar do jardim para que elas venham até você". 

Para mim, a máxima deveria valer também para os jornais: "o segredo não é correr atrás dos leitores. É plantar um bom texto para que eles venham até você". 

Sem mais para o momento, despeço-me, já caindo pelas tabelas de sono... Bom final de semana para quem fica.



quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

Grandes predadores

Nem sempre a ciência não é uma atividade solitária e competitiva, praticada no alto de uma torre de marfim. Muitas pesquisas se inspiram e se influenciam mutuamente, como parece ser o caso desta experiência com a reintrodução de estímulos sonoros de lobos nas ilhas da Colúmbia Britânica (Canadá), como forma de limitar o crescimento desordenado da população de guaxinins. Na ausência de seus grandes predadores, os lobos, os guaxinins já estavam ameaçando a existência de outras espécies, como "aves canoras, caranguejos e algumas espécies de peixes".

O experimento canadense, no entanto, se inspirou de outro similar, desenvolvido no Parque de Yellowstone (EUA), em meados dos anos 1990, quando espécimes de lobo foram reintroduzidos no parque para conter o crescimento desordenado dos alces, que acabava comprometendo a regeneração da floresta e de outras espécies que dela dependiam.

A cadeia de regeneração provocada pela reintrodução dos lobos no parque é tão ampla e maravilhosa que mais vale a pena dar logo uma olhada neste célebre vídeo que relata a experiência de Yellowstone, intitulado How the Wolves Change Rivers.



Muito resumidamente, ambas as experiências apostam no controle populacional de espécies intermediárias na cadeia alimentar, proporcionado pelos grandes predadores, conforme explica Justin Suraci, um dos co-autores do estudo desenvolvido nas ilhas da Colúmbia Britânica: "Observamos surtos populacionais de herbívoros como veados e alces e predadores menores, como coiotes e guaxinins. Estas espécies diminuem significativamente a diversidade e abundância das plantas e animais que consomem, porque não existe mais aquela criatura maior que os mantinha sob controle".

No caso dos guaxinins, a estratégia foi espalhar "pelas ilhas alto-falantes com o som dos antigos predadores — alguns comuns, outros raivosos". Por mais bizarra que possa parecer a simulação da presença do lobo no local, a tentativa parece ter dado seus resultados. "Foi o suficiente para que os 'soberanos' locais [os guaxinins] diminuíssem significativamente o seu tempo de caça e passeio a céu aberto. O medo repercutiu no ecossistema. As populações de peixes, agora menos perseguidas, voltaram a crescer".

O compartilhamento de experiências e inspirações entre cientistas, contudo, será de muito pouca serventia caso, algum dia, algum daqueles guaxinins descobrir que o lobo, de fato, jamais voltou ao local, desde que foi extinto há cerca de 40 anos. As consequências do fim da farsa com a voz do lobo são inestimáveis, mas uma coisa é certa:  cabeças irão rolar e alto-falantes também! 

terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

Zicamóvel

Algumas empresas são hábeis em traçar novas artimanhas para aumentar seus negócios, promover seus produtos, fidelizar seus clientes. Mas outras só conseguem chegar a esses mesmos resultados por via tortuosas.

Este parece ser o caso da montadora de carros indiana, a Tata Motors. Previsto para ser lançado no início de 2016, seu novo lançamento - um carro de porte pequeno que havia recebido o prosaico nome de "Zica". A coincidência com o lançamento do carro com a expansão da epidemia do vírus da zika não poderia ter sido mais infeliz, o que fez com que o novo modelo tivesse que ser rebatizado para ganhar o mercado mundial.

Some-se a isso um segundo elemento de infelicidade suprema: o garoto propaganda da campanha era nada mais, nada menos do que o craque argentino Lionel Messi, originário de um país que há pouco menos de um mês acabava de confirmar seu primeiro caso de zika.

Diante da iminência de fracasso das vendas na América Latina e no resto do mundo, a montadora decidiu, no início de fevereiro de 2016, mudar o nome do carro, "em solidariedade com o sofrimento provocado pela recente epidemia do vírus da zika". Para tanto, a montadora realizou uma campanha mundial na Internet, com direito a votação online, para encontrar um novo nome para o carro.

A estratégia da mudança de nome surtiu lá os seus efeitos. Foram 37 mil nomes sugeridos por meio de mensagens associadas à hashtag #FantasticoNameHunt. Dentre os três finalistas - Tiago, Civet e Adore - Tiago foi o que saiu ganhador do concurso.

Bem, ganhador em parte.  Quem ganhou mesmo foi a Tata Motors, essa ilustre desconhecida (pelo menos para mim), cujo nome remete mais a uma fábrica de brinquedos do que a uma montadora de carros. Se a empresa descobrisse o significado de "boi tatá" aqui no Brasil, certamente tentaria sua segunda chance com mais uma campanha de nomes na hashtag #FantasticoNameHunt.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

Ultravioleta extremo

Se você já presenciou a comemoração de aniversário de muita coisa - gente, cachorro, cidade, organização - mas nunca tinha cantado parabéns no aniversário de uma nave espacial, eis aqui a sua chance.

Agência Espacial Americana (NASA) resolveu celebrar a longevidade do seu “Solar Dynamics Observatory” (Observatório de Dinâmica Solar ou SDO, na sigla em inglês) em grande estilo. Projetado para "monitorar o sol, a fim de compreender melhor seu sistema eletromagnético e fenômenos solares como explosões e ejeções de massa coronal" pelo período de cinco anos, o SDO acaba de completar seis anos de atividade "24 horas por dia, sete dias por semana", conforme ressalta notícia publicada hoje no jornal O Globo.

Para sublinhar a façanha, a NASA divulgou um vídeo com os melhores momentos registrados ao longo do sexto ano de vida da espaçonave. O vídeo foi feito em timelapse no famoso 4K UltraHD, formato de altíssima resolução que contém o equivalente a 3840 x 2160 pixels ou 29,97 frames por segundo. Para compor o timelapse, "as fotos foram tiradas na faixa do ultravioleta extremo, permitindo visualizar claramente a dança e ondulações da coroa solar ao longo do vídeo."

Ultravioleta extremo, para quem não sabe (e eu não sabia), é uma faixa espectral usada na captura de imagens solares. Aliás, nada mais sugestivo do que o resultado contido no vídeo. Nele se vê cenas de rara beleza em que o plasma do sol parece "dançar" em ondas oscilantes.

Quem ficou curioso e quiser conferir a dança do plasma na faixa do ultravioleta extremo, pode clicar abaixo:


Aos demais aniversariantes do mês, dentre os quais se incluem o SDO e eu, vida longa e sucesso em todas as áreas da vida, inclusive na faixa do ultravioleta extremo.

sábado, 13 de fevereiro de 2016

Mercado paralelo

A histeria coletiva causada pelo avanço da dengue e do zica começa a alcançar o fundo no bolso dos latino-americanos. No país do tango, por exemplo, "o governo argentino promoveu a remarcação dos preços de repelentes em até 36%, mas os produtos são vendidos por até o triplo do valor usual".

Em resposta à alta de preços dos repelentes, um novo e promissor mercado começa a ser explorado. A notícia de que sites da Internet da Argentina estão vendendo rãs e sapos a 100 pesos a unidade (algo em torno de R$27) foi inicialmente disparada pelo jornal La Nación, mas já corre a boca miúda na imprensa brasileira. Neste novo contexto epidemiológico, a compra de anfíbios tem oferecido uma solução possível à inflação dos "repelentes e inseticidas, que estão em falta e cujo valor pode chegar a R$ 40".

Para piorar a situação, o crescimento do novo mercado vem à reboque das declarações do ministro da Saúde de lá, Jorge Lemus, que admitiu "que o mosquito Aedes aegypti sobrevive às pulverizações que estão sendo feitas em áreas que podem ser afetadas pelo zica." E com a eficácia dos repelentes e inseticidas sendo cada vez mais questionada, é chegada a vez de rãs e sapos serem reabilitados perante a opinião pública

O potencial transformador deste mercado para as relações historicamente estabelecidas entre o homem moderno e aquelas que já foram um dia consideradas "pragas" é vastíssimo. A notícia de que os predadores clássicos do Aedes aegypti podem voltar, triunfantes, à cena urbana dos países afetados pela dengue e pelo zica tem animado bastante aranhas e lagartixas, que já estão se mobilizando para pegar carona no novo filão. 

De qualquer forma, uma coisa é certa: com a possível ascensão das antigas pragas ao status de "animais domésticos", seu petshop preferido vai ficar mais parecendo uma casa de bruxa dos contos de fadas.