UA-89169382-1 Crônicas de Juvenal: fevereiro 2013

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Talentos cumulativos

Todos os dias, morrem pessoas no mundo. Mas nem todos os dias morrem gênios, porque estes são escassos e estão irregularmente distribuídos pela superfície terrestre.

Alguns dos gênios levam a vida tão alheios aos holofotes, que a maior parte das pessoas nem sequer toma conhecimento da sua passagem por este mundo. Mas outros, como o pianista Van Cliburn - que faleceu hoje, aos 78 anos, em função de um câncer nos ossos - conseguem arrancar aplausos de admiradores inusitados e em situações das mais esdrúxulas (http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/1238030-morre-pianista-americano-que-conquistou-sovieticos-durante-guerra-fria.shtml).

A bem da verdade, Van Cliburn ficou famoso porque colecionava diversos talentos. No que tange ao talento musical, "Cliburn alcançou a fama ao ganhar com 23 anos a primeira edição da Competição Internacional Tchaikovsky de Piano em Moscou em 1958, seis meses depois do lançamento do Sputnik - o primeiro satélite artificial - que acendeu o pavio da batalha pelo espaço."

Em decorrência de seu talento musical, Cliburn desenvolveu um talento místico que o habilitou a ser reverenciado, simultaneamente, por Deus e o pelo Diabo, e isso tudo mesmo estando bem longe da terra do sol. "Apesar da tensão entre União Soviética e Estados Unidos, Cliburn se tornou uma figura querida para os russos ao ponto de o então líder soviético, Nikita Khrushchev, dar seu sinal verde para entregar-lhe o prêmio." 

Seu terceiro talento é de ordem diplomática e se beneficia das conquistas amealhadas pelos dois talentos anteriores, como revela a seguinte passagem: "Em 2003 recebeu das mãos do presidente George W. Bush a Medalha Presidencial da Liberdade, a máxima honra do país para um civil, e um ano depois obteve a Ordem da Amizade da Federação Russa, outorgada por Vladimir Putin."

Seu quarto e último talento - pasmem! - é bélico: Cliburn era capaz de metralhar os dedos nas teclas do piano, sem jamais ferir mortalmente alguém. O vídeo com o Concerto nº1 de Tchaikovsky, filmado em Moscou, em 1962, está lá para não me deixar mentir.

Diante de tantas evidências de talento, concluo que a estética pode até conhecer ideologia, mas a sensibilidade musical, esta subversiva, trai as rivalidades políticas e desafio os homens e as mulheres a exercerem, cumulativamente, todos os talentos: um após o outro, como contas de um colar.

No mais, vou ficando por aqui, deixando uma pequena amostra do gênio talentoso que uniu Deus e o Diabo na Terra da Vodka:


  Fonte: http://youtu.be/-M7M4UoqBpA


quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Fios e lírios

Sua vida por um fio, sua vida por 86 fios!

Os xampus anti-queda prometem mundos e fundos, mas você, que chega a ter alucinações de medo de ficar careca, está disposto a tudo! Tudo, inclusive a deixarem contar quantos fios caíram da sua cabeça após o uso de um desses produtos anti-queda disponíveis no mercado.

A façanha, por sinal, vem narrada em seus pormenores na seção "Equilíbrio e Saúde" do jornal Folha de S. Paulo online de hoje: "Para saber o que o consumidor pode esperar desses produtos, a Folha testou o desempenho de oito xampus 'antiqueda', promessa repetida em destaque nas embalagens das principais marcas" (http://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/1236144-em-teste-xampu-antiqueda-salva-no-maximo-86-fios-por-mes.shtml).

Executada no Laboratório Kosmoscience, "Para avaliar o desempenho, foram contados os fios caídos de mechas de cabelo tratadas com cada um dos produtos 'antiqueda' e com xampu comum. A contagem dos fios foi feita após uma simulação que equivale a um mês de lavagens." Pois vamos logo ao que interessa: o ganhador do concurso de salva-vidas dos fios é o Pantene Pro-V, que "evitou que 86 fios caíssem em um mês --redução de 33,5%".

As estatísticas vêm ao seu axílio e provocam alívio imediato: segundo o médico Luciano Barsanti, presidente da Sociedade Brasileira de Tricologia, "todos os xampus avaliados apresentaram proteção estatisticamente significativa contra a queda", uma vez que uma redução de 5% já é considerada relevante neste contexto.

Em se tratando da luta contra a calvície, tudo estaria lindo e maravilhoso se - e somente se - a  questão fosse simplesmente de evitar a queda dos fios." 'O importante não é o quanto cai, mas o quanto nasce. Um produto só terá efeito se estimular o nascimento de fios', diz a dermatologista Meire Gonzaga, do departamento de cosmiatria da Faculdade de Medicina do ABC".

O cerne da questão, portanto, não é somente impedir que os antigos caiam, mas também que os novos vinguem. Uma autêntica aula de jardinagem. Portanto, candidatos à calvície, mãos à obra - ou melhor, mãos aos cabelos! O primeiro passo é plantá-los e vê-los vicejar. O segundo é cativá-los para que eles fiquem mais tempo por lá.

Para obter mais detalhes sobre esta proeza, a receita é simples: olhai os lírios do campo!

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Consumismo primitivo

Que o mercado capitalista contemporâneo prime pela flexbilidade, disso ninguém duvida. Mas poucos produtos propõem opções tão paradoxais como aquela divulgada pelo norte-americano Mark Sisson, de 59 anos. Conhecido como "principal porta-voz do estilo de vida primitivo" - ou primal lyfestyle  - Sisson prega um estilo que combina dieta, dicas comportamentais e exercícios para atletas, tudo muito bem alinhavado por instigantes bens de consumo (http://www1.folha.uol.com.br/serafina/1234510-dieta-paleolitica-prega-habitos-primitivos-e-atrai-famosos-nos-eua.shtml)

Mas duro vai ser entender como a definição de "estilo de vida primitivo" consegue ser tão elástica, a ponto de abrigar, no seu cardápio, opções que vão desde uma "linha de suplementos",  até seus "sete livros sobre o tema e na conferência que organiza três vezes por ano chamada PrimalCon, [e] uma imersão de três dias com atividades 'primitivas' num resort de luxo."

E tem mais: "Os entusiastas do estilo primitivo - entre eles celebridades como Megan Fox, Channing Tatum e Jessica Biel - também contam com uma revista bimestral, cujo mantra é 'vida moderna primal', centenas de livros de autoajuda e receitas, sem contar os apetrechos que usam o homem selvagem como garoto-propaganda de uma vida mais próxima da natureza". Alguns são bem curiosos: "Entre as curiosidades estão sacolas de areia para corridas com peso e um apoio de privada para os pés que possibilita usá-la como nossos ancestrais, ou seja, agachado. Segundo Mark Sisson, a posição reduz o risco de doenças no cólon". 

Bem... Que o consumo seja formador de subjetividade e que ele aja performativamente sobre as identidades dos sujeitos, isto é uma tecla na qual antropólogos da cultura, como Marshal Sahlins, vêm batendo desde os anos 1970. E que a identidade social seja multifacetada, forjada a partir de nossos encontros e redes de pertencimento também já constitui ponto pacífico para muitos - quiça a maioria - salvo para alguns integristas mais radicais.

Mas algum cientista social aí topa me explicar que raio de subjetividade resultará de um experimento social que se diz inspirado na "biologia evolutiva" e prevê uma dieta cuja porcentagem de gordura chega a 50%? O resultado, que dispensa entedimento lógico, parece ser este aqui: "Fomos feitos para ter rápidos impulsos de força, como acontecia com nossos ancestrais quando aparecia alguma ameaça e eles precisavam reagir. O resultado é aumento de hormônios, músculos e muitos outros benefícios."

No final das contas, flexibilizar parece ser mesmo o termo-chave. Apesar de odiar macarrão - considerado por ele "uma comida ridícula" - Sisson diz que consegue conviver bem entre os seus: "Mark, que toma café com creme pela manhã e tem como prato favorito uma generosa salada de 20 ingredientes, não impõe o estilo de vida à família. Ele é casado há mais de 20 anos com a ex-vegetariana Carrie, 57 anos e barriga tanquinho, que hoje come peixe".

Nada mal. Sua esposa ex-vegetariana haverá de compreender se, um dia, ele, que também é ex-maratonista e ex-triatleta, deixar de comer carne e gordura para passar os últimos anos da sua vida comendo marcarrão na Tailândia. De qualquer forma, até lá, qualquer que seja a fórmula adotada, eles terão acumulado renda suficiente para desobstruir suas artérias com métodos bem menos primitivos.


sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Pizzas!

Hoje foi um daqueles dias em que nosso Judiciário nos brindou com duas decisões das mais indigestas.
 
Por aqui, em plena Roça Grande, a decisão do juiz Maurício Ferreira pegou de surpresa uma parcela pensante dos cidadãos locais. Na verdade, nem deu muito tempo de comemorar a sentença emitida pelo juiz Manoel dos Reis Morais, que optou pela cassação do mandato do vereador Léo Burguês em (des)virtude dos gastos excessivos "com publicidade oficial em seus três últimos anos de mandato" (http://www.hojeemdia.com.br/noticias/politica/leo-burgues-e-quatro-vereadores-condenados-a-multa-de-r-26-6-mil-apos-denuncia-do-hd-1.93417).

O juiz Maurício Ferreira foi ágil em conceder "liminar garantindo efeito suspensivo à decisão que cassou, em primeira instância, o mandado do vereador".

Não muito longe daqui, mas já em pleno Rio de Janeiro, outra decisão difícil de engolir foi produzida pelo Judiciário local.  "De acordo com decisão da 5ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça, os desembargadores consideraram que o documento afirmando que o filho do empresário Eike Batista dirigia a 135km/h deveria ser desconsiderado, uma vez que não constava nos autos do processo desde o início." (http://oglobo.globo.com/rio/justica-decide-desconsiderar-laudo-que-atestava-alta-velocidade-de-thor-batista-7642333)

Como se não bastasse o milagre do desaparecimento das provas, "na mesma decisão, os desembargadores revogaram a medida cautelar que suspendia a carteira de habilitação de Thor".

Conclusão: acabou-sem pizza nossa indignação.

Pizzas, pizzas, pizzas! Melhor não tê-las! Mas se não as temos, como sabê-lo?

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

30 minutos

Espero, sinceramente, que seu ano de 2013 tenha começado tão animado quanto o meu. Porque se ele não tiver começado, prezado leitor, então em breve ele há de ficar: uma supertempestade solar, dessas que só sacode o sistema solar a cada 200 anos, está prestes a acontecer. E o mais legal de tudo: só saberemos com 30 minutos de antecedência (http://oglobo.globo.com/ciencia/cientistas-alertam-sobre-fragilidade-diante-de-supertempestade-solar-7547720).

Bom, "prestes a acontecer" é modo de falar. "Como a última causou transtornos ao nosso planeta em 1859, os cientistas já se preparam para o evento, que poderia paralisar as redes de comunicações, incluindo GPS e telefones celulares". Mas como pouco se sabe sobre a pontualidade das supertempestades, foi declarada aberta a temporada de histeria coletiva: "A Academia Real de Engenharia da Grã-Bretanha disse que a explosão de radiação maciça é inevitável e que o governo deve criar um conselho de clima espacial".


Há, contudo, indícios de que histeria não seria assim tão infundada, já que a última supertempestade deixou marcas profundas no céu terrestre: "Na ocasião do último evento extremo, no século XIX, a Terra foi atingida por uma onda de partículas energéticas após uma grande explosão solar. A radiação causou faíscas em postes telegráficos e incêndios. Em todo o mundo, o céu noturno foi iluminado por efeitos semelhantes aos da aurora boral". Para mim, que andei congelando meus pés no Canadá por quase 7 anos, sem nunca ter tido a mísera chance de ver ao vivo e a cores uma aurora boreal, até que a possibilidade não me parece tão má assim.

O único problema é que à época da última tempestade, "não havia satélites em órbita ou microchips sensíveis no caminho das partículas". Agora, os satélites da órbita terrestre são tão numerosos quanto vendedores ambulantes na praia de Copacabana em domingo de sol. E para piorar a situação, o satélite encarregado de nos avisar da próxima supertempestade solar - chamado Advanced Composition Explorer (ACE) - só consegue emitir seu alerta de Ejeção de Massa Coronal com 15 minutos de antecedência.

Conclusão: "Os cientistas estão preocupados com o que vai acontecer se o Ace falhar". E eu, junto com eles, pois se o ACE falhar, adeus blog, adeus crônicas, adeus memórias do meu anel Juvenal, o inspirador deste blog. É bom notar que "a substituição de Ace, chamado Discover, deve ser lançado pela agência espacial americana, a Nasa, apenas no ano que vem".

No final das contas, acho bom a NASA correr com o lançamento deste tal de Discover. Ou então serei obrigada a inventar eu mesma um método de blogagem por telepatia!



quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Esfarrapadas

Atrasar? Sim. Atrasar. Mas quem é que nunca se atrasou?

Que atire a primeira pedra quem nunca chegou no trabalho com a depois do horário convencionado, com a cara toda amarratoda ou com os cabelos molhados de um banho recente. Os milhares de carros novos que são despejados, todos os dias, nas ruas das grandes metrópoles do país são constantemente lembrados na hora de comprovar que o trânsito caótico anda caótico. Mas nem o trânsito é capaz de tudo justificar. É preciso, então, lançar mão da imaginação para justificar a cara amarrotada ou os cabelos molhados.

Pois esta notícia publicada no jornal O Globo online cita justamente as piores desculpas de atrasos no trabalho que foram compiladas em estudo do site norte-americano CareerBuilder (http://oglobo.globo.com/emprego/as-mais-estranhas-desculpas-para-justificar-atrasos-ao-trabalho-7614842).

O arsenal é variado e mereceria certamente ser relido na íntegra e no original. Mas, de todas as desculpas transcritas, a campeoníssima da cara-de-pau fez amplo uso da imaginação literária digna dos contos de fada: "Uma funcionária disse ter se atrasado porque precisou voltar para colocar uma capa de chuva no pato de cerâmica que enfeita o jardim, já que o serviço de meteorologia previa chuva para mais tarde".


Com ou sem influência literária, as desculpas flertam com a Teoria da Conspiração, bem ao gosto de Umberto Eco: "Funcionário tentou cortar seu próprio cabelo antes do trabalho, mas o aparelho parou de funcionar. Então, ele teve que esperar até que a barbearia abrisse para ajeitar o cabelo". E quando tudo parece conspirar contra sua pontualidade, até a natureza dá seu jeitinho de atrapalhar: é o que sugere o caso de deste outro funcionário, que alegou ter tido o carro atacado por um urso. Detalhe: ele "levou provas fotográficas para comprovar".


Mas nenhuma dessas desculpas, por mais imaginativas que elas sejam, servirá para acobertar, amanhã, a real causa do presumível atraso do Presidente da Câmara dos Vereadores da Roça Grande, Léo Burguês. É que Burguês teve seu mandato de vereador cassado nesta 3a feira, em razão de acusações formais de abuso de poder político e econômico no mandato anterior (http://www.hojeemdia.com.br/noticias/politica/juiz-eleitoral-cassa-mandato-do-presidente-da-camara-leo-burgues-1.92444).

Trocando em miúdos, o burguês (agora em minúscula) gastou com publicidade institucional em seis meses de mandato nada mais, nada menos do que R$ 2,78 milhões, isto é, "R$ 908 mil acima da média dos anos anteriores" (http://www1.folha.uol.com.br/poder/1233436-justica-eleitoral-cassa-mandato-do-presidente-da-camara-de-bh.shtml). Moral da história: decisão em primeira instância decide pela cassação do seu segundo mandato e inegibilidade por mais oito anos. E, certamente, algumas noites mal-dormidas até que ele possa tentar reverter a decisão em segundo instância.

É para o digníssimo vereador cassado e ex-presidente da Câmara dos Vereadores que sugiro a leitura da notícia citada no início de deste comentário. E que ela lhe sirva de inspiração para desculpas melhores do que as que têm sido dadas aos eleitores da capital mineira.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Idas e vindas

Vou ser sincera com vocês: não tenho lá muita paciência com blogs. Nem com o meu, para ser ainda mais honesta. Não fosse o ato de escrever uma necessidade que oscila entre a dependência química e o desvio de caráter, eu não teria nem tomado conhecimento da ferramenta. Que me perdoem, portanto, os amigos blogueiros, mas estou bem longe de ser uma ávida leitora de blogs.

Isto posto, foi com um  misto de simpatia e irritação que li a notícia publicada hoje na Folha de S. Paulo online sobre a visita da famosa (e controversa) blogueira cubana, Yoani Sánchez. Segundo a notícia, a "blogueira e ativista política cubana Yoani Sánchez foi recebida com protesto por um grupo de cerca de 20 pessoas no aeroporto internacional de Recife, na madrugada desta segunda-feira."

Meu quinhão de irritação surgiu quando tomei conhecimento da reação esboçada pelos manifestantes ao longo do percurso percorrido por ela entre o portão norte e o portão sul: ainda conforme a notícia, "no caminho, os manifestantes leram uma carta aberta na qual diziam que o blog dela é um meio de desinformação e que faz uma campanha anti-Cuba. Eles também jogaram dólares falsos na direção da blogueira".

Sem nunca ter lido uma única linha do blog da dita-cuja, declaro minha total simpatia pela blogueira. Obviamente, tal simpatia não decorre do fato de ela fazer (supostamente) propaganda anti-cubana e anti-comunista. Nem muito menos sou propensa defender a chamada "livre expressão" às custas de qualquer outra coisa, como, por exemplo, bom senso, caráter e dignidade.

Mas morro de preguiça de críticas como essa da "desinformação", independetemente do fato da opinião da blogueira ser acurada ou não. E acho o fim da picada alguém ser penalizado por estar "destruindo" expectativas alheias. Pois muito pior do que projetar a imagem que lhe apetece sobre seu obejto de desejo é alguém se indispor com quem quer que venha a contrariar um mísero aspecto desta projeção.

Meu quinhão de simpatia ficou, então, para a resposta da blogueira cubana, que brilhou pela elegância: "foi um banho de democracia e pluralidade, estou muito feliz e queria que em meu país pudéssemos expressar opiniões e propostas diferentes com esta liberdade." Um tapa de luvas de pelica na cara dos defensores do paraíso perdido.

Aliás, o próprio fato de estar ali, no saguão do aeroporto de Recife, já é em si uma grande conquista da ativista. Sua passagem pelo Brasil marca o ponto de partida de uma turnê mundial, na qual ela visitá a República Tcheca, Espanha, México, Estados Unidos, Holanda, Alemanha, Peru, entre outros países. Sem dúvida, um prêmio pela perseverança: "Nos últimos cinco anos, Yoani havia recebido mais de 20 recusas para poder viajar ao exterior", conclui a notícia.

Concluo também que, pelo sim, pelo não, o melhor é ir dormir, que amanhã o dia vai ser longo. Meu boa noite para quem fica!

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Dos ciclos

Fazer aniversário é abrir e fechar um ciclo da vida. Outros ciclos, obviamente, respeitam temporalidades distintas daquela que a Terra faz em torno do Sol. Estes ciclos não são abertos nem sequer fechados no dia do seu aniversário. Mas este fato não tira a áurea de importância desta ditosa data, tão propensa a festas, telefonemas, mensagens e agradinhos de toda sorte.

A bem da verdade, aniversário é tudo aquilo que a gente quer fazer dele. Se você quer continuar do jeitinho que está, ótimo. Se cansou do que era e quer mudar, também vale. Se gostou do que fez, mas acha que já deu, agora é o momento. E se deseja seguir adiante, louca de curiosidade para saber o que tem detrás da curva da vida, não há tempo melhor!

Aniversário é o melhor momento para celebrar esta insaciável leveza de não saber aonde a vida vai dar.






quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Descartável e reutilizável

Não há nada mais "dia seguinte" do que a tal da quarta-feira de Cinzas. Para quem bebeu muito e se excedeu em seus vícios, é hora de viver a ressaca. Para quem não bebeu nada e ficou vendo o desfile passar pela TV, é hora de esticar as pernas e voltar ao trabalho. Afinal, o ano só começa mesmo depois do Carnaval!

E se tem um animal que entende de "recomeços" é esta espécie de lesma-do-mar que acaba de ser descoberta por cientistas japoneses. Denominada cientificamente de Chromodoris reticulata e originária do Oceano Pacífico, a lesma-do-mar atraiu a curiosidade dos cientistas por seus hábitos sexuais ímpares: "Acredita-se que esta é a primeira criatura conhecida que pode se reproduzir repetidamente com o que foi descrito como um 'pênis descartável' ” (http://oglobo.globo.com/ciencia/lesma-do-mar-se-reproduz-depois-joga-penis-fora-7569400).

Considerada "hermafrodita simultânea", a lesma-do-mar precisa de um(a) parceiro(a) para usar, ao mesmo tempo, seus órgãos sexuais femininos e masculinos no ato do acasalamento: "O pênis de um entra no órgão feminino da outra criatura, e esta segunda introduz seu pênis na primeira. Ambas trocam sêmen ao mesmo tempo", explica Bernard Picton, curador do Museu Nacional da Irlanda do Norte.


Mas a grande lição das lesmas-do-mar vem depois dos finalmentes, quando cada lesma puxa "seu pênis de volta, deixando-os no fundo do tanque": acredita-se que, no dia seguinte, elas já tenham reconstruído seu pênis e estejam "aptas a se reproduzir novamente".


Neste dia - que é o dia seguinte do Carnaval, mas também a véspera do meu aniversário - meu desejo mais profundo é que a lesma-do-mar seja então a nossa grande inspiração para a árdua tarefa de retorno à vida normal: que nossas melhores qualidades - aquelas que nos conectam ao nosso semelhante - estejam sempre lá, latentes, no fundo do nosso tanque existencial, esperando a hora e a vez de recomeçar uma nova e prazerosa jornada.

Aho!


quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

O "crássico" das tartarugas



Tudo pela liberdade poética, tudo pelo amor, tudo pelas tartarugas!

O pianista francês Richard Clayderman conseguiu alvejar vários clichês em um único e inusitado concerto do seu novo álbum, intitulado "Romantique". Digo "inusitado" nem tanto pelo estilo musical em si, mas pelo propósito maior do tal concerto: "O concerto, realizado nesta quinta-feira, era uma tentativa de deixar répteis com vontade de acasalar, mas acabou não dando resultado", revela notícia publicada no jornal Folha de S. Paulo online (http://f5.folha.uol.com.br/bichos/1227437-pianista-famoso-tentar-colocar-tartarugas-no-clima.shtml).

Os répteis gentilmente agraciados com a apresentação de Clayderman foram as tartarugas de Galápagos do zoológico de Londres, consideradas as maiores do mundo e com uma expectativa de vida de até 150 anos. Apesar de viverem muito, elas podem ter vida curta, já que estão ameçadas de extinção.

A ideia do concerto, pelo que entendi da matéria, era "inspirativa" e "mobilizatória", mas acabou falhando em ambos os aspectos: "mesmo uma versão empolgante de 'Chariots of Fire' fez pouco para levantar o ânimo dos bichos. Eles só pareceram se animar quando funcionários do zoológico trouxeram algumas cenoura".

Bem, não vou entrar no mérito da cenoura, este legume tão apreciado pelos quelônios, mas tentar entender onde foi que o pianista falhou. Para tanto, meus caros leitores, selecionei aqui uma canção do novo álbum de Richard Clayderman para vocês apreciarem com ou sem moderação, dependendo da sua necessidade de acasalamento neste Carnaval.

Particularmente, achei o hit meio acelerado para as tartarugas, que correm o risco de uma arritmia cardíaca se acompanharem o mesmo pancadão do Tio Clayderman. A canção é rapidinha e, enquanto tal, é um convite a uma "rapidinha", mas... Sinceramente? Não sei as tartarugas entenderam o apelo. Portanto, deixo-os à vontade par formular seu próprio julgamento a respeito da pouca libido das tartarugas de Galápagos.

Com vocês, Richard Clayderman!

Clap, clap, clap, clap...


Bom para os olhos

Estamos a poucos dias do Carnaval, mas a histeria já se instalou há meses: no seu mundinho próprio, as celebridades já não sabem mais o que fazer para se sobressair umas às outras. Também, pudera: aparecer em público com pouca ou nenhuma roupa durante o caranaval tornou-se algo tão banal, mas tão banal, que quem quer que ouse vestir-se de freira recatada conseguirá atrair para si muito mais olhares curiosos do que se estivesse fantasiada de Eva tomando banho.

Com ares de cultura dominante, o afã pelos trajes sumários (ou simplesmente ausentes) durante o Carnaval nos faz muitas vezes esquecer que não há, em termos de vestimenta e de nudez, valor ou referência que passe no teste da universalidade.

Pois é esta lição dada pelos nossos antípodas que habitam o vilarejo de Okuizumo, na prefeitura de Shimane (oeste do Japão). Lá, os moradores " querem cobrir as partes íntimas de uma réplica da escultura de David de Michelangelo instalada em um parque público, alegando não ser conveniente para as crianças", revela notícia publicada hoje no jornal Hoje em Dia online (http://www.hojeemdia.com.br/noticias/bizarro/vilarejo-japones-quer-cobrir-partes-intimas-da-replica-de-david-1.87714).

Juntamente com a estátua da Vênu, a estátua de Davi foi doada por um empresário japonês. A alegação, materializada no depoimento de um funcionário da prefeitura daquela cidade, é a seguinte: "Estas estátuas representam pessoas nuas, um estilo artístico muito raro em nossa região. Algumas pessoas pensam que não é bom para nossos filhos", acrescentou.

Desta feita, a solução encontrada não deixa de nos fazer sorrir pelo grau de singeleza que ela comporta: segundo relato do jornal Yomiuri Shimbun, "alguns pais pediram que David seja coberto com um calção". 

Descobre aqui, cobre lá do outro lado do mundo! Mas antes que você, caro leitor, ria dos nossos antípodas, é de bom tom resgatar alguns fatos corriqueiros que nos garantam algum distanciamento crítico de nós mesmos.

Vale lembrar, por exemplo, que no ano de 1982 a banda Blitz teve a última faixa do seu disco de vinil, intitulado "De manhã", arranhada propositalmente pela censura instituída pelo regime militar daquela época. E nela, Evandro Mesquita não fazia mais do que cantarolar tão singelamente:

"Estava um dia lindo
E eu botei meu calção e fui nadar
Mas por que não, mas por que não, sem calção
Eu vou"

Pensando bem, o calção do Davi de Michelangelo é menos aberrante do que algumas cirurugias plásticas mal-sucedidas que teimam se expor aqui no Brasil, ao longo de todo o ano. 

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

TV e fertilidade

É do tempo do onça o comentário: "meus avós tiveram muitos filhos porque não tinham TV em casa". O que não se sabia até então é que a relação entre a ausência de TV/fertilidade poderia ter algum fundamento científico.

Pois é o que dá a entender, à primeira vista, este estudo publicado na revista online British Journal of Sports Medicine, segundo o qual "homens saudáveis que assistem a mais de 20 horas de TV por semana têm quase metade da contagem de espermas em comparação com homens que assistem poucas horas de programação" (http://oglobo.globo.com/saude/espermas-diminuem-50-em-jovens-saudaveis-que-assistem-20-horas-de-tv-por-semana-7490941).

O estudo analisou "a qualidade do sêmen de 189 homens entre 18 e 22 anos entre 2009 e 2010, todos de Rochestes, no estado de Nova York, EUA", revela notícia publicada hoje no Jornal O Globo online. No entanto, apesar do número de horas de exposição à TV ter sido um dos indicadores utilizados, o que se quis medir ao certo foi a influência do sedentarismo na produção de esperma e, possivelmente, na sua qualidade também, o que pode acarretar sérias consequências para a fertilidade masculina. 

Descobriu-se, entre outras coisas, que um maior número de horas dedicadas ao esporte aumenta o volume de esperma. "Homens mais fisicamente ativos (que faziam mais de 15 horas de exercícios físicos por semana) tinham mais tendência a uma dieta mais saudável que os que assistiam a muitas horas de TV e tiveram uma contagem de espermas 73% maior que os mais sedentários". Em contrapartida, "a TV teve resultado oposto: aqueles que assistiam a mais de 20 horas por semana tiveram a contagem de espermas 44% mais baixa que quem assistia por menos tempo."



No final das contas, a correlação entre sedentarismo e fertilidade acabou não sendo evidenciada, já que "os autores alertaram que a redução na contagem de espermas não necessariamente diminui a fertilidade masculina". Do ponto de vista qualitativo, também não se mensurou grandes variações no "mobilidade, formato ou volume das amostras" em função do maior ou menor número de horas ocupadas com exercício físico. O que se conseguiu medir, na verdade, foi que "as descobertas sugerem que um estilo de vida mais ativo pode aumentar a qualidade do sêmen".


Mas perigoso mesmo vai ser se a TV - e não os exercícios físicos - se transformarem no foco de atenção das políticas públicas de saúde. Em um mundo em que a população mundial cresce assustadoramente, usar a TV como método contraceptivo pode ser um "barato" que sai "caro". Afinal de contas, pode até ser que a TV diminua a quantidade de espermatozóides em homens sedentários que comem em frente à TV, mas, infelizmente, ela nada poderá fazer para elevar a "qualidade" do sêmen produzido pelos mais aficcionados. Se assim fosse, as novas gerações jamais continuariam a ver as mesma programação de baixa qualidade nas TV comercial que seus pais tanto prezaram. E seus avós rechaçaram... para o próprio bem da Humanidade.  

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Rei morto

Alvoroço total em Leicester, na Inglaterra!

Arqueólogos da Universidade de Leicester confirmaram que "um esqueleto encontrado no ano passado, durante as escavações de um convento medieval sob um estacionamento da cidade, era de fato o de Ricardo" (http://oglobo.globo.com/ciencia/arqueologos-encontram-esqueleto-do-rei-ricardo-iii-da-inglaterra-desaparecido-ha-527-anos-7486055).

Mais conhecido como Ricardo III, o rei em questão, outrora "representado por William Shakespeare como um tirano monstruoso que assassinou dois príncipes no palácio real da Torre de Londres, foi morto lutando contra seu eventual sucessor, Henrique Tudor, na Batalha de Bosworth Field, travada na região central da Inglaterra, em 1485".

Obviamente, o foco do deslumbramento midiático esteve concentrado na descoberta e celebração dos despojos reais. Mas uma questão não me passou despercebida: a pessoa-chave que, afinal de contas, permitiu a identificação, via teste de DNA, de um esqueleto que esteve mais de 500 anos desaparecido.

Nada de pânico, leitores, porque resposta já nos foi antecipada pela notícia publicada hoje no jornal O Globo online: "Especialistas disseram que o DNA retirado do corpo combinava com o de Michael Ibsen, um carpinteiro de origem canadense, morador de Londres, que genealogistas disseram ser o descendente direto da irmã de Ricardo, Anne de York".

Assim, ficou fácil, fácil imaginar o enredo do filme: será que o jardineiro já sabia de sua ascedência? Como e quando isto se deu? O que o teria levado do Canadá a Londres? E o que teria levado seus ascendentes de Londres até o Canadá?
 
Pelo visto, passados mais de 500 anos de sua morte, Ricardo III contiuará inspirando autores pelos tempos afora - senão alguém da estirpe do poeta e dramaturgo Shakeaspeare ou do ator e diretor irlandês Kenneth Branagh - pelo menos algum diretor hollywoodiano da vez.

Mas difícil mesmo vai ser arrumar um ator com o mesmo grau de escoliose do original: "O esqueleto também revela uma severa escoliose, que acredita-se ter ocorrido no início da puberdade. Embora tivesse 1,70m de altura, a curvatura na coluna levaria o rei a ficar significativamente menor e com o ombro direito mais alto do que o esquerdo". Tudo isso piorado, claro, pelos anos em que ficou guardado debaixo de um estacionamento.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Brisa leve

Depois de anos sendo chamada pelo apelido familiar, uma amiga tomou, há poucos dias, a decisão de assumir seu primeiro nome, isto é, aquele com o qual ela foi registrada no cartório. O principal desdobramento deste ato deliberado não foi judicial, mas identitário: ele teve o objetivo de trazê-la de volta para ela mesma. E o ônus - se há algum - é dos familiares, que ainda estão dando nó em pingo d'água para se acostumarem à mudança.

O caso da islandesa Blaer Bjarkardottir tem semelhanças e diferenças em relação ao anterior.  Diferentemente da minha amiga, Blaer obteve, por vias legais, o direito de utilizar seu primeiro nome, que significa "Brisa Leve". "Antes da decisão, ela era identificada apenas como “Stulka” (menina) em todos os documentos, o que causou anos de frustração e problemas na hora de lidar com instituições como bancos e a própria burocracia do país" (http://oglobo.globo.com/mundo/apos-batalha-na-justica-islandesa-ganha-direito-de-usar-proprio-nome-7454695#ixzz2Jbmd1cQR ).

Considerado masculino demais para uma menina, o nome  foi alvo de controvéria judicial:
"Assim como na Alemanha e na Dinamarca, o país possui leis rígidas sobre como crianças devem ser nomeadas. Os nomes devem estar de acordo com regras gramaticais e de pronúncia, o que protegeria as pessoas de serem motivo de piada".

A regulamentação, que seria certamente considerada excessiva para nossos padrões mais permissivos, possui provavelmente uma vocação anti-bullying. Mas a linha que separa a proteção do controle é tênue que só vendo. "A lista da Comissão de Nomes da Islândia contém 1.853 nomes que podem ser usados para mulheres". São, portanto, 1.853 possibilidades existenciais femininas definidas pelas autoridades. Nem mais, nem menos. "Nomes como Carolina e Christa, por exemplo, não são permitidos por que a letra 'c' não faz parte do alfabeto do país", assim como "também não são permitidos nomes que podem ser usados por ambos os sexos".

A mãe de Blaer tentou reverter a situação, alegando "que não sabia que o nome de sua filha não estava na lista de nomes femininos permitidos no país". Alegar desconhecimento, em situações de tamanho controle social, é quase como alegar amnésia alcoólica sem ter bebido: difícil de acreditar! Sorte delas que o argumento colou. E feliz da minha amiga que, até onde eu sei, não precisou lutar na Justiça, nem se defender de bullying. E que mora em um país tão anárquico que nele o apelido é que ganha status de nome próprio!