UA-89169382-1 Crônicas de Juvenal: janeiro 2017

terça-feira, 24 de janeiro de 2017

Córtex saradão

Em tempos conturbados como os nossos, em que tantos pilares existenciais estão ruindo da noite para o dia, existe pelo menos um cuja derrocada está sendo comemorada neste exato momento: a ideia de que o cérebro humano pouco ou quase nada mudava ao longo da vida adulta e de que nossos neurônios já vinham contados desde nosso nascimento e fadados à morte progressiva e irreversível.

Segundo matéria assinada por Cesar Baima e publicada ontem no jornal O Globo online, "não faz muito tempo, cientistas achavam que o cérebro humano pouco mudava desde o nascimento, se desenvolvendo até a adolescência e depois assumindo uma estrutura praticamente estável, com número de neurônios que diminuía com o tempo."

Contudo, para a nossa felicidade, essas crenças já estão caindo por terra: "Nos últimos anos, porém, estudos mostraram que certas regiões do cérebro continuam a produzir neurônios — a chamada neurogênese — mesmo na idade adulta, além de passar por alterações na sua estrutura e conectividade das células cerebrais em resposta a estímulos e traumas, num processo conhecido como plasticidade." Para exemplificar os avanços trazidos com a descoberta da neurogênese e da plasticidade cerebral, dois estudos foram citados e explicados na referida matéria do O Globo. Contudo, o primeiro deles me chamou particularmente a atenção pelo elevado grau de otimismo suscitado por suas conclusões.

Publicado no início deste mês de janeiro na revista Science, o estudo em questão foi desenvolvido em parceria por pesquisadores da Universidade Stanford (EUA) e do Instituto de Neurociência e Medicina do Centro de Pesquisas Jülich (Alemanha). É o primeiro autor do trabalho, Jesse Gomes, quem reforça esta minha percepção em depoimento à matéria do O Globo: "Muitas pessoas presumem uma visão pessimista do tecido cerebral de que ele vai se perdendo enquanto você fica mais velho. Mas o que observamos foi o oposto".

Isso mesmo, senhoras e senhores: existe uma parte do nosso córtex cerebral que cresce, se complexifica e que se comporta como vinho de boa qualidade: só tende a ficar melhor com o passar do tempo. Esta parte, ainda segundo o estudo, é aquela responsável pelo reconhecimento de rostos. Com o passar dos anos, seu tecido vai ganhando em volume e complexidade à medida que a nossa capacidade de reconhecer rostos aumenta.

Durante a aplicação de um questionário eletrônico contendo rostos de pessoas vistas a partir de ângulos diferentes, foram realizadas medições cerebrais em um grupo de voluntários pertencentes a duas faixas etárias: 25 adultos com idade entre 22 e 28 anos e 22 crianças entre 5 e 12 anos. As medições foram realizadas por meio de dois tipos de ressonância magnética capazes, respectivamente, de medir indiretamente atividade cerebral (a chamada ressonância magnética funcional ou fMRI) e de medir a proporção de água e tecido no cérebro (ressonância magnética quantitativa ou qMRI). 

Os resultados mostram que o tecido que compõe a região cortical responsável pelo reconhecimento dos rostos nos adultos era, em média, não apenas 12% mais volumoso nos adultos, como também mais diferenciado internamente, de forma a acompanhar esta especialização funcional. "Os cientistas acreditam que a pesquisa pode ser de grande ajuda a pessoas que sofrem com a chamada 'cegueira facial', distúrbio que afeta aproximadamente 2% da população e marcado por uma má capacidade de reconhecimento de faces."

Ok, já sabemos que os céticos e os pessimistas farão o possível para jogar farofa nesse ventilador. Os céticos dirão que os adultos do grupo de voluntários era jovens demais e que a amostra deveria ser mais diversificada em termos de faixa etária. Já os pessimistas alegarão não ver utilidade alguma em reconhecer determinados rostos, principalmente daquelas pessoas a quem se deve dinheiro, favores ou desculpas. 

Mas o que seria da ciência sem seus detratores?


quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

A partenogênese na Era de Aquário



Por mais que tomemos conhecimento do rol de coisas estranhas que andam assolando o mundo afora, ainda iremos nos surpreender bastante com notícias como esta, que foi publicada no jornal O Globo online de hoje: "Tubarão fêmea engravida a si mesma e impressiona cientistas", relata o título da notícia.

Aparentemente, a fêmea resolveu inovar ao adotar um método reprodutivo inédito na vida dos tubarões: a partenogênese (reprodução assexuada que dispensa troca de material genético proveniente de células masculinas e femininas). Segundo a notícia, "um tubarão fêmea chamado Leoni (sic), localizado em um aquário em Townsville, na Austrália, foi o primeiro de sua espécie, o tubarão-zebra (Stegostoma fasciatum), a mudar de uma reproduçao sexuada para assexuada"

Obviamente, a mudança causou furor no meio científico. Tema de artigo científico assinado pela pesquisadora Chistine (sic) Dudgeon (Universidade de Queensland) e colaboradores e publicado na revista Scientific Reports desta semana, o acontecimento foi narrado da seguinte maneira na imprensa nacional: "Leoni (sic) deu luz a (sic) filhotinhos em 2013, depois de ter cruzado com um tubarão macho. Ela foi então separada dele, mas três anos depois, em abril de 2016, colocou três ovos, apesar de não ter tido contato com um animal do sexo oposto."

Surpresos com a gravidez inesperada, os pesquisadores logo quiseram saber quem foi o responsável: "Pensamos que ela poderia ter estocado esperma, mas quando testamos o DNA dos filhotes em busca de seus possíveis pais, descobrimos que eles só tinham células da Leonie."

Para os autores do estudo, a mudança é considerada uma resposta adaptativa desta espécie de tubarões que, por sinal, figura entre as espécies ameaçadas de extinção que aparecem nLista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (IUCN). Falta ainda saber se os filhotes de Leonie também serão capazes de se reproduzir pela partenogênese, o que acarretaria consequências para a própria espécie, já que a reprodução assexuada provoca "a redução da diversidade genética ao longo das gerações." Contudo, no meu humilde entender, o "caso Leonie" é mais intrigante do que supõe a nossa vã filosofia. 

Uma das razões da minha suspeita é que ele deixa em aberto muito mais perguntas do que parecem sugerir, a princípio, os autos científicos. Um rápido levantamento imaginário junto a alguns internautas desocupados das minhas relações pessoais revelou que os questionamentos dos leigos seriam bastante diversos daqueles trazidos por conservacionistas, ictiólogos ou geneticistas. 

As dúvidas dos internautas hipotéticos abrangem uma gama maior de áreas de conhecimento, que vão desde a Teologia até o Direito Administrativo, passando pela Nutrição: 
a) o que Leonie andou comendo nos últimos tempos? 
b) ela recebeu a visita de algum anjo no aquário de Townsville? 
c) em caso positivo, ele se chamava Gabriel?
d) O nome do tubarão-macho com que vivia em 2013 era José?
d) Leonie alterou seu status no Facebook para "em reprodução assexuada consigo mesma"?
e) Constará nome de algum progenitor na certidão de nascimento dos filhotes de Leonie? 
f) Filhotes de partenogênese têm direito a pensão alimentícia?

Há, por fim, quem não atribua as mudanças na reprodução dos tubarões-zebra à sua capacidade adaptativa, mas, sim, às turbulências e instabilidades típicas da Era de Aquário. Seja lá como for, a conclusão prática aqui é irrefutável sob todos os pontos de vista científicos: a Era de Aquário já parece ter começado em Townsville.

P.S.1 = Algumas correções se fazem necessárias na notícia do jornal O Globo: a autora principal do artigo se chama Christine Dudgeon e não Chistine Dudgeon, conforme citado no artigo.
P.S.2 = A fêmea de tubarão em questão se chama Leonie e não Leoni.
P.S.3 = A expressão correta é "dar à luz filhotinhos"; "dar luz a filhotinhos" seria o mesmo que entregar uma lanterna aos tubarões-bebês.

quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

Tão perto, tão longe



Já que o nosso noticiário de ciência - e não só ele, mas a ciência brasileira como um todo - anda depauperado e sobrevivendo praticamente das matérias enviadas pelas agências de notícias internacionais, só nos resta "degustar" o menu do dia: as matérias de ciência de segunda ou terceira mão que são publicadas diariamente pelos principais jornais de circulação nacional.

Duas dessas notícias me chamaram particularmente a atenção - não apenas por anunciarem feitos inéditos ou extraordinários - mas principalmente porque elas servem de mote para refletir sobre a nossa natureza humana.

A primeira notícia, publicada no jornal O Globo online e assinada por Cesar Baima, fala de uma série de melhorias que serão empreendidas em um dos telescópios do Observatório Europeu do Sul (ESO), localizado no Chile. Essas melhorias serão feitas em colaboração com as Iniciativas Breakthrough, instituição fundada em 2015 pelo milionário russo Yuri Milner, com o objetivo de desenvolver projetos de pesquisa e de engenharia espacial.

As melhorias no telescópio seriam consideradas de menor importância por nós, reles mortais, se a notícia não nos revelasse a sua real motivação: "encontrar um planeta habitável na órbita de Alfa Centauri, um dos sistemas estelares mais próximos do nosso", situado a cerca de 4 anos luz da Terra.

Boa parte do interesse despertado pela possibilidade de assuntar o planeta do sistema solar vizinho nasce de pressupostos um tanto quanto narcisistas: acredita-se que um planeta recém-descoberto por lá, denominado Próxima B, tenha tamanho semelhante ao da Terra. Além disso, o planeta orbitaria um par de estrelas também bastante parecidas com o nosso Sol e que compõem o sistema binário de Alfa Centauri. 

Além da semelhança com o sistema solar vizinho, o empreendimento é favorecido pela curta distância que nos separa: se as Iniciativas Breakthrough conseguirem, de fato, desenvolver as tecnologias necessárias para elevar a velocidade de uma espaçonave a 20% da velocidade da luz, conforme previsto, então uma possível viagem a Alfa Centauri não levaria mais do que 20 anos na escala temporal da Terra.

Se, por um lado, já estamos de olho na grama do quintal do sistema solar vizinho, por aqui, no planeta Terra, a vida ainda insiste em nos mostrar que as surpresas ainda fazem parte do nosso cardápio cósmico diário. Uma segunda notícia, também publicada no jornal O Globo online, fala de um asteroide descoberto a apenas dois dias de sua aproximação máxima com a Terra, que aconteceu na manhã desta 2a feira, dia 09 de janeiro de 2017. Denominado 2017 AG13, o asteroide, que mede entre 11 e 34 metros de diâmetro e viaja a 16 km/s, "passou a cerca de 190 mil quilômetros do planeta, aproximadamente a metade da distância entre a Terra e a Lua". 

Apesar de ter passado de fininho no nosso planeta, os cientistas minimizaram as consequências de seu possível impacto na Terra, que consideraram de menor gravidade: "segundo simulações do 'Impact Earth', da Universidade de Purdue, em Indiana, caso um asteroide de rocha porosa atingisse o planeta a um ângulo de 45 graus, ele explodiria no ar, liberando energia de 700 quilotons de TNT, dezenas de vezes. A bomba de Hiroshima tinha potência de 13 quilotons".

É realmente difícil para nós, pobres leigos, avaliar a gravidade de uma explosão com potência 53 vezes superior à bomba de Hiroshima, ainda que muito distante dos nossos tetos. De qualquer forma, este não é o ponto crucial aqui. Enquanto metáfora do comportamento humano, a surpresinha pregada pelo 2017 AG13 já deu o seu recado: quem tem telhado de vidro não perde tempo vigiando o quintal do vizinho.

Fica aí a minha singela sugestão motivacional para este início de 2017...

quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

Bons augúrios para 2017


Ouviram o ressoar das trombetas? É 2017 trazendo novidades!

A primeira delas, senhoras e senhores, será na forma de apresentação dos meus textos. A maioria que me lê, sabe que eu sempre posto os links dos meus textos lá no meu perfil do Facebook (e também no no perfil @julianasbotelho do Twitter).

Pois bem: uma das novidades agora contempla justamente quem nunca teve paciência para me ler aqui neste blog - seja por falta de tempo, desinteresse ou simplesmente preguiça. A partir de agora, os mesmos textos que posto aqui serão também publicados na íntegra por lá, com a vantagem de não precisar deixar o universo facebookiano só para ler um único texto.

A segunda novidade - novíssima em folha - é que a partir de agora eu mesma ilustrarei meus textos. Tcham, tcham, tcham! A bem da verdade, já não dava mais para endossar o ditado "casa de ferreiro, espeto de pau". E já estava passando da hora de explorar essas outras habilidades expressivas que ficaram tantos anos adormecidas na gaveta, junto com os maracujás...

Portanto, daqui pela frente teremos um monte de textão e um grande teste-drive editorial - ou, seja, um textão e um testão. Os desafios não são poucos: a adaptação a uma nova rotina de produção será necessária. Torçam apenas para que a escritora não se desentenda com a ilustradora e que elas sigam felizes, de mãos dadas, cantarolando pelo ano afora.

Sei que nem todo mundo tem estômago para textão e que só os corajosos me lerão. Mas, vejamos pelo lado positivo: antes eles do que ninguém.

Um excelente 2017 para todo mundo e bola para frente!