UA-89169382-1 Crônicas de Juvenal: outubro 2011

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Dia das bruxas

No dia de hoje, 31 de outubro, saí à caça - não das Bruxas, mas de uma notícia sobre elas. Afinal, que dia melhor no ano para a ocorrência de eventos fantásticos, inexplicáveis e temperados de mistério?

Procurei em vão, claro! As bruxas andam discretas e não fazem mais alarde de suas artimanhas. O jeito foi lançar mão de um sofisticadíssimo método lógico-científico - calcado em inferências probabilísticas, adquirido e aprimorado após anos de treinamentos nos melhores centros de pesquisa em ciências sociais do Brasil e alhures - para elucidar por meio da análise das entrelinhas um evento que pudesse ser digno delas.

Primeiro, cheguei a pensar que a localização do sétimo bilionésimo bebê do Planeta Terra lá nas Filipinas teria sido obra de uma delas (http://oglobo.globo.com/ciencia/mat/2011/10/31/nasce-bebe-numero-7-bilhoes-925702838.asp). Afinal, ficou muito pouco claro o método de aferição utilizado pelas Nações Unidas para localizar a pequenina Manila Mae Camacho em uma maternidade lá em Manila.

Que há divergências entre os autos, isto é fato: "Na Rússia, autoridades reivindicam o título para o pequeno Piotr, que veio ao mundo poucos minutos depois da meia-noite em Kaliningrado, cidade à beira do Mar Báltico". E a menos que tenham sido instaladas câmeras do Big Brother em locais estratégicos como a Amazônia, o Saara e a Patagônia, fica difícil acreditar em um método de apuração que tenha prescindido do passe de mágica. Mas como o dia é das bruxas e não dos mágicos, resolvi deixar essa discussão para lá.

Um pouco mais adiante, eu me deparei com esta estranha notícia publicada na Folha online e que fala de uma simples falha em uma mangueira de chopp de um restaurante, localizado dentro de shopping lá em Ribeirão Preto, interior de São Paulo (http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/999806-defeito-em-chopeira-causa-tumulto-em-shopping-de-sp.shtml).

Ficou muito difícil entender como um fato assim tão corriqueiro poderia ter causado "pânico nos frequentadores" - a ponto, por exemplo, de levar a direção do tal shopping a justificar que os "clientes que procuraram o ambulatório do shopping em decorrência do tumulto foram atendidos". Feitiçaria? Não! É tecnologia! E das mais fajutas, já que "a soltura foi causada pelo vazamento do gás CO2, por conta de uma falha na conexão da mangueira". Mistério desfeito, o jeito foi continuar a busca.

Finalmente, consegui localizar uma notícia que narrasse um feito digno delas, as bruxas, e que foi publicada no Hoje em Dia online: "Uma aeronave da companhia Azul, que fazia o trecho entre Fortaleza e Teresina do voo 9136, pousou ontem no aeroporto errado. Em aproximação para o Aeroporto Senador Petrônio Portella, no Piauí, acabou pousando no aeroporto privado Timon/Domingos Rego, no Maranhão" (http://www.hojeemdia.com.br/noticias/2.349/avi-o-pousa-em-aeroporto-errado-no-nordeste-1.363045). O vôo seguida de Fortaleza para Teresina. A notícia cita ainda comunicado divulgado pela empresa, segundo o qual "os possíveis fatores que contribuíram para esse evento estão sendo apurados pela Azul".

Para ser sincera, nem precisava! Meu sofisticadíssimo método lógico-científico já desvendou o mistério: é que, no Maranhão, as bruxas e a Família Sarney andam sempre soltas. Sempre! Façam o que fizerem.

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Bendita árvore!

A lua nova chegou cheia de sensações imprevistas, emoções inéditas e suspiros de esperança!

Não vou esconder minha estupefação diante deste fato ocorrido ontem na cidade de Florianópolis: faxineira de 25 anos e grávida de dois meses cai de um prédio de 10 andares em terreno situado ao lado do prédio, terreno este onde moram 4 cães da raça Rottweiler (http://www.hojeemdia.com.br/noticias/gravida-despenca-do-10-andar-e-e-salva-por-cair-sobre-arvore-1.361583).

Desfecho da história: ela não foi atacada por nenhum deles, não sofreu nenhuma fratura e não perdeu o bebê. Apesar de estar sob observação e de ainda haver risco de aborto, a moça teve apenas escoriações porque sua queda foi amortecida por uma árvore.

Isso é o que eu chamo de tornar a expressão "árvore da vida" a sua mais concreta realidade.

Bom fim de semana para quem fica e para quem pôde, como eu pude esta noite, chorar copiosa e emocionadamente sobre o drama de Mimi:

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Melancolia não!

Boa notícia para os alarmistas de plantão, daqueles que arrepiaram a coluna vertebral com o filme "Melancholia" do Lars Von Trier: é que um asteróide de verdade, denominado 2005 YU55, passará a uma distância inferior a que liga a Terra à lua. "A data será 8 de novembro, às 20h28 (horário de Brasília), pelos cálculos da Nasa (agência espacial americana)", afirma notícia publicada no O Globo online (http://www1.folha.uol.com.br/ciencia/997656-asteroide-passara-a-uma-distancia-menor-que-a-da-terra-a-lua.shtml).

Tá, mas e daí? Uai, daí nada. É que o 2005 YU55 é notícia velha e ultrapassada e não faz medo em ninguém mais. Quando muito, ele andou levantando suspeita há uns sete anos atrás, quando "foi considerado como sendo um 'potencialmente perigoso' --ou seja, haveria uma possibilidade de ele atingir a Terra, caso sofresse uma mudança na sua rota por alguma influência externa". Mas como o risco desta vez é mínimo, é melhor irmos logo procurando outra razão para ficarmos melancólicos.

Nem com medo, nem melancólica: acabei foi gostando de saber que o asteróide tem uma dimensão equivalente a quatro campos de futebol. Daria para colocar os times mineiros - América, Atlético e Cruzeiro - jogando cada qual em um campo e ainda alugar o quarto para o Ceará.

Mas, por favor, não riam do Ceará! A distância que nos separa da zona de rebaixamento no Campeonato Brasileiro 2011 é bem menor que a distância que separa o 2005 YU55 do planeta Terra.

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Inveja da polvice alheia...

O comentário vai ser rápido porque esta que vos escreve chegou ao final do dia de hoje totalmente em frangalhos (físicos e psíquicos).

Se eu tivesse que ser alguma celebridade, eu com certeza seria este tal de Polvo Paul - esse mesmo que andou advinhando os resultados dos jogos da Copa do Mundo de 2010 e que " fazia suas previsões ao escolher em qual prato comeria naquele dia, sendo que cada um dos recipientes continha uma das bandeiras dos times que se enfrentariam na ocasião". (http://f5.folha.uol.com.br/bichos/996997-italiano-lanca-biografia-de-polvo-paul-um-ano-apos-sua-morte.shtml).

Pois bem: o bicho, que morreu há cerca de um ano, já é tema de respeitável bibliografia: 1) ele foi alvo do longa metragem chinês "Quem matou o polvo Paul?"; 2) está ganhando a biografia "Palavra de Paul, escrita pelo jornalista italiano Luciano Minerva; 3) e será objeto de um documentário norte-americano intitulado "A vida e os tempos de Paul, o polvo psíquico".

Fico aqui pensando que se Paul não morreu feliz, pelo menos ele foi desta para melhor célebre e de barriga cheia. Pena não vivido tempo o suficiente para a noite autógrafos...

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Pragmática do discurso em situações de venda

Ambiguidades, aí vamos nós de novo! Eis aqui um exemplo de ambiguidades em campanha publicitária que pode ser extremamente oneroso não só para o anunciante, como também - e principalmente - para os funcionários do anunciante.

Segundo relata notícia publicada hoje no O Globo online, foram as ambiguidades de uma certa campanha das Casas Bahia que levaram a funcionária Viviane Corrêa da Silva a obter uma indenização por danos morais da sua empregadora (http://oglobo.globo.com/economia/mat/2011/10/25/quer-pagar-quanto-faz-casas-bahia-ser-condenada-indenizar-funcionaria-925652529.asp).

O motivo? "De tanto ouvir piadas e comentários maldosos devido aos broches com os bordões 'Quer pagar quanto?' e 'Olhou, Levou', a funcionária da Casas Bahia Viviane Corrêa da Silva acabou recorrendo à Justiça e conseguiu que empresa fosse condenada a pagar uma indenização de R$ 5 mil por dano moral".

Do lado de cá, a vítima alegou ser "obrigada a usar o broche com os dizeres, partes de uma campanha publicitária da loja". Do lado de lá, "os advogados da Casas Bahia alegaram que os clientes sabiam que as frases ser referiam exclusivamente às promoções e que o broche só era usado quando havia promoções, além de ficarem restritos aos ambientes das lojas". No final das contas, os juízes de primeira e segunda instância entenderam que "as frases nos broches que os funcionários usavam 'dão margens a comentários desrespeitosos por parte de clientes e terceiros', violando o 'patrimônio imaterial do empregado' ".

Moral da história: 1) não existe sentido que seja impermeável ao contexto de interpretação; 2) tem contexto que só atrapalha; 3) acordai, publicitários desse meu Brasil!

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Trocas

Hoje é dia de celebrar as trocas, sejam elas simétricas ou assimétricas. Não interessa! Continuo achando que mais vale uma troca chinfrim do que um roubo explícito.

Celebremos, por exemplo, a decisão de Israel trocar presos com o Egito (http://www1.folha.uol.com.br/mundo/995752-israel-confirma-acordo-de-troca-de-presos-com-o-egito.shtml).

O interessante é perceber que a troca é válida mesmo sabendo que a vida dos israelenses anda inflacionada no mercado: "O governo israelense confirmou nesta segunda-feira ter chegado a um acordo para libertar 25 egípcios presos em Israel em troca do israelense-americano Ilan Grapel, detido no Cairo em junho sob acusação de espionagem".

Claro, alguém há de argumentar que a troca é assimétrica, isto é: ao menos em princípio, uma vida humana deveria ter o mesmo peso de outra vida humana. Só que, pelo visto, são os palestinos que valem ainda menos: é que na semana passada, "o grupo islâmico palestino Hamas que libertou o soldado Gilad Shalit em troca de mais de mil prisioneiros palestinos". Mas troca é troca, insisto, e ainda assim acho o intercâmbio é válido. Pensem bem: apenas dois israelenses farão a alegria de mães, esposas e amigos de centenas palestinos, conjuntamente com mães, esposas e amigos de pouco mais de duas dezenas de egípcios.

Se bem que trocas simétricas podem gerar também muita felicidade, mesmo que a um número mais restrito de pessoas. Que o diga aquela cadela cega, a Lily, e seu cão-guia, o Maddison: "Centenas de pessoas na Grã-Bretanha se ofereceram para abrigar uma cadela dinamarquesa cega e seu cão guia após os animais terem sido entregues a um abrigo em julho" (http://f5.folha.uol.com.br/bichos/995676-centenas-oferecem-lar-para-cadela-cega-e-seu-cao-guia.shtml).

No entanto, e contrariamente ao caso anterior, em que a desproporção gerou satisfação para ambos os lados, o simpático casal Lily-Maddison não poderá fazer a alegria de centenas. Os felizardos serão eles próprios e o futuro dono, em detrimento de tantos outros preteridos. O valor aqui fica na intensidade da alegria da dupla Lily-Maddison, que trocaram o abrigo por uma casa nova: isso é que importa.

Mas trocar é bom não só porque podemos ganhar algo melhor no final das contas. Este aspecto da troca é fácil de entender. Mas, creio eu, deve-se trocar também o que é alegre, belo, novo e singelo. Afinal, nunca se sabe que matemática o destino há de empregar para fazer mais gente feliz. E mais gente intensamente feliz.

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

O início do fim

Ai, ai!... Era previsível, mas não custa nada ridicularizar: mais uma bola fora do apocalíptico Harold Camping - aquele que disse que o mundo ia acabar dia 21 de maio de 2011. Depois de reformular suas previsões logo após o primeiro fiasco, ele preferiu se expor a um segundo, reprogramando o seu "fim do mundo" para hoje, dia 21 de outubro do mesmo ano (http://cronicasdejuvenal.blogspot.com/2011/05/por-que-parou-parou-por-que.html).

Moral da história: levou um tuitaço de proporcões hecatômbicas (http://www1.folha.uol.com.br/paineldoleitor/ultimasdasredessociais/994457-fim-do-mundo-nao-acontece-nesta-sexta-acreditam-tuiteiros.shtml). Mas não subestimem a tenacidade do mensageiro do Armagedon: ele já pocurou uma estratégia para se esquivar de mais este melindre, argumentando que hoje será apenas "o início do fim".

Bem, o início do meu fim começou quando eu nasci. Como cá estou, não vou deixar de viver pensando no fim do fim. Se bem que estou com ele, o Camping, numa única coisa: a preocupação com novos inícios, já que os fins... bem, até os fins devem acabar em algum momento.

Em homenagem a mais uma profecia não-realizada, vou terminar minha 6a feira cantando com a Clara Nunes este belo samba do grande Nelson Cavaquinho, na esperança que o meu "fim" seja bem mais neste estilo aqui (a canção "Juízo Final" propriamente dita começa só aos 2min42seg): quando o amor será eterno novamente.



Um bom fim de semana para todos. Porque este, sim, só está começando agora.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Uai, são?

Não é de hoje que estudar temas controversos levando-se em conta clivagens de gênero virou moda nas ciências sociais. Digo "moda" porque nem tudo o que se faz nesta seara é digno de crédito, traz contribuições relevantes ou produz qualquer conhecimento emancipatório. E de boas intenções o inferno tá cheinho, cheinho!

Pois aqui vai um exemplo digno de troféu abacaxi nos meandros dos estudos de gênero. Matéria publicada no Globo Ciência de hoje replica estudo da Divisão de Ciências Sociais da Universidade da Califórnia, também publicado na Revista Psychonomic Bulletin & Review (http://oglobo.globo.com/ciencia/mat/2011/10/20/homens-sao-mais-engracados-do-que-mulheres-principalmente-para-outros-homens-925619085.asp#ixzz1bMw2YJJU). Passemos, pois, ao que diz o referido estudo.

Sob o sugestivo título "Homens são mais engraçados do que mulheres, principalmente para outros homens", a matéria do Globo Ciência faz o seguinte percurso argumentativo: ela começa explicitando as conclusões do estudo em questão, segundo as quais "os homens são mais engraçados do que as mulheres, mas a diferença é pequena, percebida principalmente por outros homens". Em seguida, encerra-se o primeiro parágrafo dizendo que são essas as conclusões do dito estudo para, no parágrafo seguinte, explicitar dos métodos de coleta de dados. Os seis paragráfos restantes são dedicados à discussão de alguns dos dados apresentados, alguns dos quais chegam a relativizar as próprias diferenças apontadas no título: que "os homens superaram as mulheres em apenas 0.11 ponto, num máximo de 5".

Para atacar esse angu de caroço, é necessário ir por partes. Em primeiro lugar, este estudo é uma resposta empírica ao artigo "Why women aren't funny?", publicado por Christopher Hitchens na revista Vanity Fair em 2007 - por sinal, ganhador do National Magazine Award daquele ano. A explicação de Hitchens para esta suposta diferença seria a necessidade "evolucionária" dos homens parecerem engraçados para atrair as mulheres (http://www.vanityfair.com/culture/features/2007/01/hitchens200701). A pesquisa tenta, portanto, dar um resposta empírica à provocação de Hitchens feita com base nas contribuições de autores como "Fran Lebowitz, Nora Ephron", além de um estudo recentemente publicado naquela época pela Stanford University School of Medicine.

Se levarmos tudo isto em conta, há que se considerar que o estudo da Universidade da Califórnia não pode oferecer, sob nenhum prisma, uma resposta com pretensões de universalidade às suposta diferenças percebidas no senso de humor de homens e mulheres. No limite, chego até a arriscar o palpite de que ele nem sequer pretendia isso. O que se quis foi dar uma comprovação de ordem empírica a uma afirmação (statement) que, naquele contexto preciso, foi percebida por uns como um "estereótipo" e por outros como "fato cientificamente comprovado". A pesquisa é, portanto, uma intervenção pontual em um debate circunscrito - e que merece ser contextualizado, sob pena do leitor incauto ser levado a crer que o estudo é mais ambicioso do que realmente era.

Em segundo lugar, um olhar menos crédulo sobre o método de aferição levantaria perguntas mais substantivas sobre a demonstratibilidade do que se quis provar. Ora, a matéria do Globo Ciência descreve o método de coleta de dados da seguinte forma: "Os pesquisadores usaram quadrinhos da revista 'The New Yorker' e pediram para os participantes do trabalho fazerem legendas. Divididos em dois grupos, 16 homens e o mesmo número de mulheres foram convidados a escrever sozinhos, em uma sala silenciosa, 20 legendas de desenhos tentando ser o mais engraçado que podiam."

Para início de conversa, a escolha dos instrumentos de coleta já diz bastante do contexto de "humor" que se quis pesquisar. Para quem não conhece, a revista The New Yorker fala para um público específico, culto, literato, e está muito longe de ser um humor de botequim da região da rodoviária. Além disso, quem garante que escrever legendas para tirinhas pré-existentes é o melhor indício de humor? Lembremos ainda que foi solicitado aos voluntários que estes escrevessem suas tiradas; mas qualquer um que vem da terra do repente e do côco de embolada poderia argumentar que existem formas mais sutis, improvisadas e orais de humor que estão deixando de ser aferidos. Enfim, o máximo que se pode dizer é que os homens foram mais felizes em um determinado tipo de suporte técnico - legendas para tirinhas - quando avaliados por pares.

E já que mencionei "avaliação por pares", vale aqui uma ressalva sobre as conclusões tiradas. A matéria do Globo Ciência começa a discussão dos dados e conclusões de pesquisa da seguinte maneira: "A descoberta fortalece o estereótipo de que os homens são mais engraçados e faz lembrar o artigo de Christopher Hitchens publicado em 2007 na revista 'Vanity Fair': 'Por que as mulheres não são engraçadas?' ".

Só que um dado apresentado logo mais à frente parece contradizer a existência mesma do estereótipo: "O mais interessante, de acordo com os pesquisadores, é que a pontuação masculina era um pouco maior quando o avaliador era outro homem. As mulheres deram apenas 0,06 de vantagem para os homens, enquanto os homens avaliadores deram 0,16 a mais para as legendas feitas por pessoas do mesmo sexo".

Ora, uma diferença de 0,06 em uma escala de 0 a 5 de vantagem para os homens (no caso das avaliadoras serem mulheres) é estatisticamente suficiente confirmar um "estereótipo"? O máximo que eu consigo apreender deste dado é que os homens se reconhecem mais no próprio estilo de humor do que as mulheres quando estas são avaliadas "por pares", nada mais. A prova disso é a opinião - por sinal, citada entre aspas - da principal autora do estudo: "Porém, a principal autora do estudo, Laura Mickes, afirmou que as diferenças entre homens e mulheres são tão pequenas que não podem reforçar esse estereótipo".

Levando este último dado e as demais ponderações em conta, não me resta a menor dúvida de que: 1) as conclusões do estudo devem ser lidas de acordo com seu contexto de interlocução, isto é, a presença do "estereótipo" sobre homens serem mais engraçados é uma posição culturalmente informada que vendo sustentada em um debate social específico; 2) o problema do "estereótipo" dos homens serem mais engraçados que as mulheres não parece, de forma alguma, ter sido plena e convincentemente demonstrado; 3) a matéria do Globo Ciência teria feito melhor se, ao invés de lançar bestamente a provocação do ar, tivesse trazido as duas questões anteriores para o debate.

Enfim... se estudos com clivagem de gênero viraram moda, este aqui é, realmente, o útimo grito da moda.

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Desassossego

É bem verdade que eu sou um tanto alérgica a ambiguidades e que vivo tripudiando delas, mas a literalidade absoluta pode ser mortal. Literalmente!

Quem nunca ouviu falar naquela expressão "soltar os bichos"? Pois é, só que um camarada do estado de Ohio (EUA) resolveu soltar os seus e se matar logo em seguida (http://oglobo.globo.com/mundo/mat/2011/10/19/dono-de-zoologico-particular-em-ohio-abre-jaulas-se-mata-policia-ainda-procura-tres-animais-selvagens-925612769.asp).

Terry Thompson era dono de um zoológico particular chamado "Muskingum County Animal Farm", do qual teve o "cuidado" de libertar 48 animais antes de se matar. Deste total, 30 já haviam sido abatidos pela polícia até a manhã de hoje. Na lista dos bichos de estimação soltos estão animais de porte considerável como "leões, tigres, ursos, guepardos e lobos".

A história deixa, contudo, uma lição: não se pode soltar seus bichos impunemente. O resultado prático da soltura foi uma espécie de toque de recolher na pequena localidade de Zanesville, já que "as escolas precisaram ser fechadas, e os moradores foram instruídos a deixar os filhos e os animais de estimação em casa".

Mas não só os moradores, como os próprios animais foram sacrificados - estes últimos, literalmente. A ordem da polícia era atirar nos animais para matar, pois as autoridades alegaram ser muito perigoso "usar dardos tranquilizantes contra animais selvagens durante a noite".

Ainda não se sabe pos meios utilizados pelo referido Sr. Terry Thompson para se suicidar, mas uma coisa é certa: com tanto desassossego no coração, os bichos mais ferozes, com certeza, não foram libertados, nem muito menos serão abatidos facilmente pela polícia. É que as piores feras, nós as conversamos dentro de nós mesmos.

terça-feira, 18 de outubro de 2011

No túnel do tempo da publicidade 15

Fonte: Revista Isto é, 11-04-1979, contracapa.
Falar da história (recente) da publicidade nem sempre é simples, pois as possibilidades são quase infinitas. Pode-se abordá-la pelo viés de um determinado segmento de produto e seus avanços tecnológicos; pode-se também privilegiar a representação de um determinado grupo social em produtos e serviços os mais diversos; e pode-se ainda analisar como determinado produto responde ao contexto macro-econômico do momento.

Vou tentar fazer um pouco de cada coisa ao falar da publicidade de companhias aéreas. Aliás, aviso logo que o tema não será esgotado neste comentário. Primeiro, vou falar da presença privilegiada do público feminino nas publicidades de companhias aéreas do final dos anos 1970 e no decorrer de toda a década de 1980.
Fonte: Revista Veja, 02-11-1983, p. 131.

Como as duas publicidades acima e ao lado sugerem, o lugar privilegiado da mulher nas publicidades deste segmento específico é o de prestadora de serviço - no caso, o serviço de bordo. A simpatia, o sorriso, a prestabilidade, a eficiência: todas essas características são atribuídas à mulher e emprestadas à companhia aérea. Algumas dessas publicidades, como a do topo, chegam a sugerir (não sem sutileza) que as "conexões" da Lufthansa são otimizadas pelo seu corpo de funcionárias (isso mesmo, no feminino). "Conexões" de outra ordem ficam por conta da imaginação do usuário, claro.

Fonte: Revista Veja, 03-09-1980, p.67.
Mas não é somente como funcionárias que as mulheres são lembradas nas publicidades de companhias aéreas deste período. Elas formam também um público consumidor específico que aparece relacionado com dois apelos de consumo distintos (mas não necessariamente excludentes): requinte e economia. Lembremos que nessa fase da aviação comercial no Brasil, os vôos internacionais ainda são poucos numerosos (no caso da TAP, são 6 vôos semanais a partir de quatro cidades distintas: São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador e Recife) e com custo bastante mais elevado do que o da atualidade. Portanto, não é de estranhar que um bordão frequente neste segmento de anúncio seja o "requinte" do serviço de bordo.


Fonte: Revista Veja, 09-05-1984, p. 46.
Ao mesmo tempo, as mulheres cumprem uma segunda função na publicidade de companhias aéreas do início dos anos 1980: elas simbolizam um público que quer qualidade, mas por um preço mais baixo. A mulher que vai ganhando cada vez mais espaço no mercado de trabalho dos anos 1980 acaba virando ícone do surgimento de uma nova classe nos vôos comerciais: a classe executiva - aquela que aspira à qualidade de serviço da classe A, mas com preços mais próximos da classe econômica.

Dura tarefa a das mulheres nessas publicidades: conciliar, de maneira convincente, a exigência da qualidade com a acessibilidade dos serviços - serviços estes que até então eram arcados majoritariamente pelos homens. A desvantagem econômica real, vivenciada no dia-a-dia do mercado de trabalho, pode ser uma razão na origem da "inserção privilegiada" da mulher neste segmento de serviços.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Curto demais!

Bizarro, bizarro, bizarro. Pode ser impressão minha, mas acho muito estranha uma certa lógica de conciliar conflitos que anda imperando por aí. Sob o pretexto de "cortar-se o mal pela raiz", acaba-se cortando só a raiz - e o que é pior, sem nenhuma prova de que o mal ali se alojava. O problema maior disso tudo, claro, é que esses cortes são de uma eficácia totalmente contestável.

Se meu clamor ainda parece muito vago ou abstrato para o respeitável leitor que se dignou a ler este comentário, aqui vai um exemplo mais concreto desta que considero uma forma enviezada de associar causa e efeito. Depois de um atraso em um vôo que ia do aeroporto de Congonhas para Vitória ter provocado a morte de um cão da raça "pug", a Companhia Aérea Gol resolve tomar uma "medida profilática" um tanto insana: proibir o transporte de cães e gatos de focinho curto em seus vôos (http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/991773-apos-morte-de-pug-gol-proibe-cao-de-focinho-curto-em-voos.shtml).

A justificativa seria o fato de que cães e gatos de focinho "não possuem grande capacidade respiratória, o que prejudica a regulação de temperatura corporal", cita matéria da Folha online de fonte não especificada (muito provavelmente um comunicado da empresa aérea em questão). A notícia informa ainda que "entre os recém-barrados estão gato persa, burmês, exótico e himalaio e cachorros boston terrier, boxer, pug chinês e holandês, chow chow, lhasa apso e shih tzu", além do já barrado buldogue.

Ou seja, nada de aprovisionar os animais em lugares mais seguros ou mesmo de tentar coibir ao máximo atrasos quando a carga ainda está viva (o que seria melhor para todo mundo, diga-se passagem). A questão é ir cortando logo o mal "pela raiz". Como se já não bastasse o "corte anatômico" no focinho resultante de um processo evolutivo de centenas de milhares de anos. Discriminados duplamente - pela natureza e pela companhia aérea Gol - cães e gatos detentores dessa especificidade anamôtica deveriam conceber um plano B: ir, por exemplo, criando asas... nem que isto leve algumas centenas de milhares de anos adicionais.

Uma medida a tal ponto absurda, merece uma resposta à altura: quem sabe um protesto inusitado com um coro de cães das raças boston terrier, boxer, pug chinês e holandês, chow chow, lhasa apso e shih tzu, lado a lado com gatos persas, burmês, exóticos e himalaios, todos juntos, cantando a seguinte canção diante do balcão da Gol:

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Piquenique-se já!

Oba, hoje já é 6a feira!!! Mas... que preguiça! Principalmente depois de uma semana entrecortada por um feriado bem no meio do caminho. Num ato totalmente impensado, já ia colocar o pé em cima da mesa e acender o velho incenso, até me dar conta de que já tinha feito isto esta semana. Pulemos então esta parte.

Então... Estava olhando aqui o vai rolar de bom no fim de semana daqui da Roça Grande, mas não me deparei com nada de substancialmente agradável e barato (muito, muito importante para uma candidata a carmelita descalça) em escala local.

O melhor evento que encontrei está sendo organizado pelo Instituto Akatu, sediado em São Paulo, em comemoração ao Dia do Consumo Consciente, comemorado todo dia 15 de outubro (http://www1.folha.uol.com.br/empreendedorsocial/990704-instituto-akatu-convida-para-piquenique-sustentavel.shtml).

Para celebrar a data, o Instituto Akatu promoverá no domingo (dia 16) o "Piquenique-se", um piquenique sustentável que prevê a adoção de algumas práticas de consumo interessantes: aproveitamento integral dos produtos, ou seja, não comprar nem mais, nem menos do que o necessário; preferir alimentos orgânicos e de produção local; substituir copos de plásticos por canecas retornáveis; e optar por meios de locomoção mais "verdes", como a bicicleta, são alguns dos conselhos dados aos piqueniqueiros de plantão.

Quem quiser participar da comemoração, não precisa estar necessariamente em São Paulo. Basta correr até o parque mais próximo no domingo, de preferência com uma cópia impressa em papel reciclado do "Guia para um Piquenique Sustentável" debaixo braço, gentilmente disponibilizado pelo Instituto Akatu no seguinte endereço: http://www.akatu.org.br/Content/Akatu/Arquivos/file/akatu-na-midia/Guia_ok2.pdf. O resto, é só alegria e diversão consciente.

Bem... e se chover? - o que parecer ser o caso pelos próximo 15 dias, diga-se passagem... Ora, piquenique-se na sua sala! Se a chuva for muita, o máximo que vai acontecer é você ficar "verde" de mofo e parecer um pouco mais consciente.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Sintomas

Ia tentar não comentar a vexamosa decisão do Conselho Nacional de Auto-regulamentação Publicitária (CONAR) de arquivar por unanimidade o processo ético movido contra a publicidade em que a modelo Gisele Bündchen posa de calcinha e sutiã, enquanto fornece um receituário de práticas de manipulação conjugal (http://www.hojeemdia.com.br/noticias/campanha-com-gisele-bundchen-de-lingerie-podera-ficar-no-ar-1.354497), mas não consegui!

Não vou me estender nos comentários sobre a peça publicitária propriamente dita. Antes, quero apenas destacar um argumento avançado pelo relator do CONAR no parecer que ele emitiu. O argumento, citado na matéria do jornal Hoje em Dia online, seria o seguinte: "os estereótipos presentes na campanha são comuns à sociedade e facilmente identificados por ela, não desmerecendo a condição feminina".

Antes de entrar no mérito da questão, quero deixar claro que acredito a denúncia de discriminação de gênero contra a referida publicidade é passível de discussão e que existe, sim, margem para dúvidas. Afinal, que modelo de comportamento feminino se almeja ao criticar a atitude de Bündchen? Mas pelo menos que a tal denúncia seja passível de uma discussão aprofundada, pelo amor de Shiva!

Dizer que a campanha está carregada de "estereótipos", em primeiro lugar, é acatar o argumento avanaçado pela parte denunciante de que a publicidade é realmente discriminatória, já que estereótipo nenhum não se presta ao louvor e ao galanteio. Portanto, a denúncia está tendo, sim, seu mérito reconhecido.

Em segundo lugar, dizer que os estereótipos são comuns à sociedade brasileira é chover no molhado: todo estereótipo é um calque, uma repetição incessante e contra-factual de um dado traço, aspecto ou característica comumente atribuída a um grupo social. Se não fosse comum e repetitivo, não seria estereótipo: seria uma dentre tantas outras possibilidades de representação, ainda que não ela fosse exatamente meritória para a maioria das mulheres.

Finalmente, dizer que, a despeito desta mesma imagem estereotipada, a campanha não desmerece a condição feminina, é o mesmo que jurar de pé junto que pimenta nos olhos dos outros não arde! Claro que não arde, não são os seus olhos, são os olhos alheios!

Com um argumento a tal ponto frágil, uma discussão inteligente e bem informada sobre o conteúdo da publicidade fica simplesmente inviável. Aliás, de nada me admira que matéria do Hoje em Dia venha dizer que a denúncia tenha sido julgada por "cerca de 20 conselhereitos que acompanharam o voto do relator". Essa uma estratégia comumente empregada no CONAR e que é mais velha do que andar para frente: arquiva-se por unanimidade para impedir que o caso seja levado a uma instância superior do próprio CONAR. E o pano de fundo da querela, para quem não conhece o CONAR de perto, é a afirmação da velha autonomia de um tribunal privado diante da ameaça do poder público de limitar a liberdade de expressão comercial.

Mais uma vez, insisto: a decisão é um descalabro. E sabem por quê? Porque arquivou-se uma denúncia justamente porque ela foi considerada procedente. E sabem o que é isso? Sintoma de loucura! E do final dos tempos!!!

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Mais um, mais um...

Mais um comentário para a série "Títulos Ambíguos, Comentários Inúteis". Euzinha aqui, que vivo sofrendo diante títulos ambíguos - aliás, com ambigüidades de toda sorte! - quase embarquei numa canoa hermenêutica furada.

Título de matéria publicada na Folha online anuncia: "Ministério do Meio Ambiente lança campanha de coleta de lixo eletrônico" (http://www1.folha.uol.com.br/empreendedorsocial/989596-ministerio-do-meio-ambiente-lanca-campanha-de-coleta-de-lixo-eletronico.shtml).

Se você pensou como eu que um camarada fosse passar na sua casa (nem que seja virtualmente) para limpar sua caixa de entrada de emails inúteis e propagandas enganosas, sinto muito, mas você lida com ambigüidades tão mal quanto eu.

Nada disso! A coleta em questão, que funcionará entre os dias 12 e 26 deste mês de outubro nas cidades de Brasília, Belo Horizonte, São Paulo e Rio de Janeiro, "faz parte da estratégia de consumo sustentável desenvolvida pelo MMA (Ministério do Meio Ambiente)". O objetivo da coleta é "descartar de forma correta o lixo eletrônico, como celulares e computadores obsoletos e estragados".

Estragado ando, portanto, anda meu entendimento das coisas do mundo. Ou então foi minha capacidade de abstração que entrou em curto circuito. Ou ambos!

Melhor ir dormir. Ou vou acabar sonhando com pontes hermenêuticas ruindo sobre um lago de desentendimentos... E, ambigüidades, façam-me o favor: corram para bem longe de mim!

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Resposta ao Tempo

Véspera de feriado e eu aqui, pernas esticadas em cima de mesa, incenso aceso, esperando a Inspiração chegar. Toc, toc, toc! "É você, Inspiração?". "Não, senhora, é o Tempo".

"Ó céus!", pensei. "O que é que eu vou conversar com o tempo?". Na falta de assunto, bebo um pouquinho de chá de camomila para ter argumento. E respondo, meio sem-graça: "Achei que fosse a Inspiração. Estava esperando ela chegar".

Bem, já que Inspiração não chega, vou ter que arrumar alguma coisa para passar o Tempo. "Vai entrando, seu Tempo. Aceita um chazinho de camomila? Granola? Pão integral?". "Ô se aceito!" E o tempo devora tudo o que ofereço. "Que apetite voraz, héin?", comento com um risinho amarelo. Chega a ser mal-educado, penso cá com os meus botões. Ao invés de vê-lo passar, vou acabar matando-o. E de congestão!

Logo vi que conversar com o Tempo sem ter a Inspiração por perto é realmente um páreo duro! Melhor mesmo vai ser privar os leitores dos detalhes desta conversa embaraçosa, que promete ser longa. Neste ínterim, mais vale ouvir alguém que soube dar uma resposta mais inteligente que a minha: Nana Caymmi!

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Com sorte no consórcio

"A que ponto chegamos?", eis a minha conclusão ao dar uma olhada hoje de manhã na Folha online (http://www1.folha.uol.com.br/mercado/988118-consorcios-crescem-e-atraem-ate-igrejas.shtml).

Juro que tive arrepios na coluna vertebral, destes de entortar a cervical e tirar a lombar do eixo. Meus amigos, agora eles estão fazendo consórcio de tudo, tudo MESMO! "De fazendas a igrejas, de próteses dentárias a silicone, quase tudo pode ser encaixado em um consórcio", anuncia a matéria. Querem dados empíricos do crescimento deste segmento de negócios? Então lá vai: "A venda de consórcios no país, que cresceu à taxa de 37% em volume liberado negociado no acumulado do ano até agosto, não deixa nada de fora. Ou pouca coisa".

A explicação para o surto de consumo a prazo (e sabe-se lá que prazo!) está estreitamente ligada ao público-alvo visado: "A menor burocracia estimula a formação de grupos focados em públicos específicos, com menos acesso a linhas de crédito".

Surfando na crista desta onda, estão as igrejas evangélicas - sem dúvida, as mais inventivas na segmentação dos serviços oferecidos. Empresas de consórcios como a FBJ Representações estão apostando neste segmento em eventos de grande porte como a Expocristã 2011, que oferece produtos e serviços voltados para o público cristão. Aliás, a FBJ faz mais do que isto: segundo a matéria da Folha, ela "vai até as igrejas para explicar aos fiéis como funciona o consórcio": "A ideia é que o pastor ou a igreja que está alugando um templo possa ter recursos para construir sua própria sede", explica a matéria, citando depoimento do proprietário da empresa, o Sr. Delmar Borges. Claro, a entrada deste segmento religioso específico no mercado é importante, mas não explica tudo.

Uma possível explicação para a adesão aos consórcios - não só de produtos, como também de serviços tais como cirurgias plásticas, festas de casamento ou viagens - pode ter a ver com o perfil de consumo da nova classe C do país. Segundo aponta esta matéria publicada ontem no jornal Hoje em Dia online, "a nova classe média já gasta mais com serviços do que com bens de consumo, revela estudo do instituto Data Popular. De cada R$ 100 desembolsados hoje, R$ 65,20 são com serviços e R$ 34,80 com produtos. Há nove anos, as proporções entre gastos com serviços e bens de consumo estavam equilibradas. Eram de 49,5% e 50,5%, respectivamente".

E se levarmos em conta que a Classe C representa, hoje, 54% da população do país, então podemos ter uma ideia clara da potência do novo perfil que se delineia: uma classe emergente que começa a deixar de se interessar estritamente com produtos para se aproximar do padrão de consumo das classes mais altas, cujo principal foco são os serviços.

Enfim, qualquer que seja a real motivação dos consumidores deste novo filão, uma coisa é certa: a oferta tende a se diversificar cada vez mais. É ainda a matéria da Folha, citada no início deste comentário, que fornece dados adicionais sobre a versatilidade crescente da oferta do setor. Citando o presidente da Associação Brasileira de Administradoras de Consórcio (ABAC), o Sr. Paulo Rossi, a matéria explica, por exemplo, que " 'você pode comprar um consórcio para o casamento para, por exemplo, arcar com os custos do vestido da noiva' ".

Bom, até aqui, tudo bem. Mas a grande lição de "flexibilização" do setor aparece em seguida, ainda em depoimento atribuído ao próprio Rossi: " 'Se, por algum motivo, o casamento não der certo, o dinheiro pode ser usado para viajar e esquecer da tragédia amorosa' ".

Maravilha! Então tem constrangimento algum! É satisfação garantida ou seu dinheiro de volta, nem que seja sob a forma de outro serviço. E dá-lhe consórcio, prestação e espera.

Quem sabe, com sorte, você não arruma um consorte no consórcio?

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Grilos campestres

Depois de uma semana cheia de grilos - de tamanhos, cores e formas os variados - vou fechar esta lúgubre semana com uma tiradinha de humor: vou falar de grilos - de grilos campestres, mais especificamente.

O papo é o seguinte: os entomologistas, além de estudar insetos, escondem outros talentos inconfessáveis. Detrás do relato comportamental dos animais por meio de dados imagéticos empiricamente observáveis, subsiste uma queda pelo reality show animal e pela psicologia comportamental desses hexápodes de corpo segmentado. Pior, seus estudos pretensamente científicos revelam, no fundo, no fundo um pendor pelo mundo ficcional em que o narrador diz exatamente aquilo que todos querem ouvir.

Querem um exemplo? Pois leiam a matéria que aborda estudo sobre a gentileza dos grilos campestres da Espanha publicada na Folha online de hoje (http://www1.folha.uol.com.br/ciencia/987180-grilo-e-gentil-com-femea-para-se-dar-bem-na-reproducao.shtml). No aspecto "reality show", os pesquisadores responsáveis são imbatíveis: "Os pesquisadores, da Universidade de Exeter, analisaram mais de 200 mil horas de imagens gravadas durante duas temporadas de acasalamento do grilo campestre espanhol (Gryllus campestri)". Desculpem, mas nem o "Big Brother Brasil", nem "A Fazenda" duraram tanto tempo! Mas prossigamos...

Mas é na análise do viés "comportamental" dos insetos que eles realmente se superam: tal análise permite tamanho paralelismo com o comportamento humano que fica impossível não sorrir diante dos matizes culturais particulares que estão sendo colocados como "norma padrão" do comportamento humano. É que o pesquisador "dialoga" com um auditório idealizado, um auditório com o qual ele acredita compartilhar algumas premissas básicas sobre um comportamento humano tido como "padrão".

A passagem a seguir - uma verdadeira pérola! - deveria entrar para os anais da psicologia comportamental, senão da própria sociologia: " 'Muita gente pensa que a gentileza é um comportamento exclusivamente humano (...) de alguma forma relacionado à educação, à inteligência ou ao afeto', observou Rolando Rodríguez Muñoz, da Universidade de Exeter, um dos autores do estudo. (...) Mas demonstramos que até pequenos insetos machos, que não podem ser descritos como inteligentes e carinhosos, são gentis e protetores com sua fêmea." Ou seja, contrariam pressupostos normativos da conduta humana, insetos sem escolaridade avançada, sem cartão de crédito (este ítem é extrapolação minha) e sem nenhum refinamento à mesa andam por aí distribuindo gentilezas às suas fêmeas. Interessante!

Claro, nem tudo é perfeito. A conclusão do estudo é, com que tanta gentileza e proteção, os machos só estão agindo em interesse próprio. Muito mais do que escondê-las de possíveis concorrentes (proteção por ciúme ou possessividade), "o novo estudo conclui que seu comportamento, muito além de ser violento, é na verdade de proteção, e os grilhos machos são recompensados porque passam mais tempo com as fêmeas, o que lhes permite procriar mais e ampliar sua linhagem". Ou seja, mais comida, sexo e roupa lavada em casa.

Ao que parece, os grilos campestres são adeptos do ditame "hay que endurecer, pero sin perder la ternura". Só se esqueceram de perguntas às grilas o que elas pensam disso tudo... É que além de ter sido dirigido e produzido por machos, o reality show em questão parece ter sido assistido por este mesmo público-alvo... Alguém aí discorda?

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Sem sentido

O dia nos presenteou com duas notícias difíceis de entender.

A primeira, muito triste por sinal, diz respeito à morte por atropelamento da triatleta mineira Beatriz de Hollanda (http://www.hojeemdia.com.br/minas/triatleta-beatriz-de-hollanda-morre-atropelada-1.351430).

Ela teria caído ao tentar atravessar a rodovia BR-040 e sido atropelada por um caminhão que seguia no mesmo sentido. Tudo isto a poucos quilômetros de onde morava, na cidade de Lima Duarte, na Zona da Mata. A matéria do jornal Hoje em Dia lembra oportunamente que "durante sua carreira como atleta, Beatriz Hollanda teve várias conquistas, entre elas, pela Seleção Brasileira os títulos de Campeã Sul-Americana, Campeã Panamericana e Campeã Brasileira".

Faz sentido para uma triatleta morrer bestamente em consequência da queda de uma bicicleta? Nenhum, a meu ver.

A outra notícia, não menos estarrecedora, diz respeito à alcalinidade verificada no lote de Toddynho apreendido no Rio Grande do Sul depois de 32 pessoas passarem mal com a ingestão do produto (http://oglobo.globo.com/cidades/mat/2011/10/06/toddynho-apreendido-no-rio-grande-do-sul-tinha-ph-de-agua-sanitaria-925526908.asp#ixzz1a3peJvl4).

A matéria do jornal O Globo online revela que "testes realizados pelo Centro Estadual da Vigilância em Saúde (CEVS) do Rio Grande do Sul e pelo Laboratório Central do Estado (Lacen/RS) demonstram que um lote de Toddynho registrou um grau de alcalinidade maior que o da água sanitária".

Faz sentido uma bebida voltada para o público jovem e infantil ter um teor de alcalinidade superior ao da água sanitária? Não, não faz.

Errar, todo mundo erra. Mas existem erros mais fatais do que outros. Alguns deles podem custar inclusive a própria vida. No fim das contas, fiquei com a sensação de que errar, na vida, só faz sentido quando o erro pode ser reparado. Do contrário, "erra-se sem sentido".

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Sobre mortes e lutos

E lá se vai o Steve Jobs aos 56 anos de idade, vítima de um câncer no pâncreas (http://oglobo.globo.com/tecnologia/mat/2011/10/05/apple-anuncia-morte-de-steve-jobs-criador-dos-computadores-mac-do-iphone-do-ipad-925522782.asp).

Impossível ignorar uma morte tão comentada pela própria eminência da figura: fundador da Apple, empresa cujo faturamento de vendas em 2010 chegou a US$65,2 bilhões, Jobs foi pai e mãe intelectual de um sem número de engenhocas teconológicas que marcaram época. Entre elas, está o próprio conceito de computador doméstico com interface "amigável" (termos da matéria acima, claro), lançado em 1977.

Assim sendo, em memória ao distinto e visionário empreendedor, fica aqui meu pequeno gesto de luto. Aproveito o ensejo, inclusive, para chorar outras pequenas mortes que me assolam no momento. Visto o luto resoluta, porque tem uma foto do Jobs, ali, na outra janela, que me lembra contundentemente que não há nada mais certo nesta vida do que a certeza da morte. Quanto á mim, fica um luto e uma luta pela vida.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Velho Chico nas mãos de Derrida

No âmbito das frequentes reflexões que desenvolvo sobre o jornalismo cotidiano neste blog, o tema "títulos infelizes" bem que merecia uma sessão semanal especial! Material para reflexão é o que não falta: não passo um dia sequer sem ligar meu computador (isto é, quando ele resolve colaborar comigo) e coletar material suficiente para três teses de doutorado.

O problema é que, não raro, o título infeliz costuma vir acompanhado de imprecisões no texto, o que termina por desnortear o leitor incauto. Que pena! Nem todo mundo nasceu vacinado contra eventuais escorregadelas textuais ou tem imaginação bastante para advinhar o que o redator queria ter dito, mas não disse de jeito nenhum. Neste aspecto, o título da matéria do Hoje em Dia online publicada hoje sobre o Rio São Francisco me deu até uma fisgada na base da coluna: "Aos 510 anos, Rio São Francisco busca novo título" (http://www.hojeemdia.com.br/minas/aos-510-anos-rio-s-o-francisco-busca-novo-titulo-1.350151).

Logo mais adiante, no lead, vem a explicação para o estranho marco cronológico atribuído ao Velho Chico: "Quinhentos e dez anos depois de ser descrito pela primeira vez pelo português Américo Vespúcio, o Rio São Francisco não é mais o mesmo. Menos água, mais poluição, fruto de muito mais gente morando às suas margens".

Eis aqui uma verdadeira sucessão de frases infelizes! Para início de conversa, sugerir que o Velho Chico, um dos principais cursos d'água do hemisfério sul, esteja atualmente nos seus 510 anos, é mais do que simplório: é dar à narrativa de Américo Vespúcio o dom da criação divina. Mas é claro que não foi a narrativa que criou o rio: aliás, ele pôde passar milhares de anos sem ela, tranquilo e pacífico, saindo das Gerais até desembocar lá em cima, entre Sergipe e Alagoas. Pior, ao dizer que o "Rio São Francisco busca novo título", o narrador cria, no leitor, a falsa expectativa de que este título será em algum momento explicitado no corpo da matéria. Mas como ele não é, a gente tem que usar a imaginação: "será que o Velho Chico está querendo deixar de ter 510 anos?" Desculpe, mas a omissão da informação dá margem para todo tipo de prospecção idiota e esta é apenas uma delas.

Tem um texto muito engraçadinho do Jacques Derrida ("Declarations of Independence", disponível nos melhores arquivos pdf da Internet) em que ele desdenha da tarefa que lhe foi imputada: falar da assinatura da Declaração de Independência na ocasião do seu bicentenário nos Estados Unidos. Derrida tripudia da tarefa, dizendo: "But as I'd rather not simply remain silent about what I should have spoken about to you, I will say a word about it in the form of an excuse. I will speak to you, then, a little about what I won't speak about and about what I should have wanted - because I ought - to have spoken about" (traduzindo, seria mais ou menos assim: "Como eu não poderia ficar em silêncio sobre o que eu deveria ter dito a vocês, falarei sobre isto sob a forma de uma desculpa. Falarei então um pouco mais sobre o que eu não falarei, mas deveria ter querido falar - porque é meu dever").

Tanta firula porque pediram para que ele, Derrida, fizesse uma análise textual da própria Declaração de Independência dos EUA. É claro que ele não fez. O que ele fez, em contrapartida, foi questionar quem é o verdadeiro signatário deste ato declarativo que acabou fundando uma instituição, isto é, aquele estado-nação particular. No fundo, o célebre autor aproveita a deixa para tripudiar da ideia de que os 56 signatários da Declaração sejam representantes legítimos do "povo americano" ou da "vontade de Deus" : afinal, quem lhes deu "autoridade" para assinar em nome do povo ou de Deus, se o país ainda nem sequer existia juridicamente?

Guardadas as devidas proporções, a matéria sobre o Velho Chico vai além do ato fundatório analisado por Derrida para colocar Américo Vespúcio numa cilada narrativa: ter "criado" um rio em 1.501 só porque conseguiu navegar até a sua foz. Sinceramente, não sei como Derrida resolveria este embroglio. Mas suspeito que já que a Declaração de Independência dos EUA contou com o apoio da vontade de Deus, é bem provável que São Francisco de Assis lhe dê uma mãozinha aqui.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Brincadeira de roda

Minha singela homenagem ao meu irmão, Haroldo Botelho, que há nove anos partiu deste plano para um outro, em que ele, quiças, ainda brinca de roda.