UA-89169382-1 Crônicas de Juvenal: Sintomas

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Sintomas

Ia tentar não comentar a vexamosa decisão do Conselho Nacional de Auto-regulamentação Publicitária (CONAR) de arquivar por unanimidade o processo ético movido contra a publicidade em que a modelo Gisele Bündchen posa de calcinha e sutiã, enquanto fornece um receituário de práticas de manipulação conjugal (http://www.hojeemdia.com.br/noticias/campanha-com-gisele-bundchen-de-lingerie-podera-ficar-no-ar-1.354497), mas não consegui!

Não vou me estender nos comentários sobre a peça publicitária propriamente dita. Antes, quero apenas destacar um argumento avançado pelo relator do CONAR no parecer que ele emitiu. O argumento, citado na matéria do jornal Hoje em Dia online, seria o seguinte: "os estereótipos presentes na campanha são comuns à sociedade e facilmente identificados por ela, não desmerecendo a condição feminina".

Antes de entrar no mérito da questão, quero deixar claro que acredito a denúncia de discriminação de gênero contra a referida publicidade é passível de discussão e que existe, sim, margem para dúvidas. Afinal, que modelo de comportamento feminino se almeja ao criticar a atitude de Bündchen? Mas pelo menos que a tal denúncia seja passível de uma discussão aprofundada, pelo amor de Shiva!

Dizer que a campanha está carregada de "estereótipos", em primeiro lugar, é acatar o argumento avanaçado pela parte denunciante de que a publicidade é realmente discriminatória, já que estereótipo nenhum não se presta ao louvor e ao galanteio. Portanto, a denúncia está tendo, sim, seu mérito reconhecido.

Em segundo lugar, dizer que os estereótipos são comuns à sociedade brasileira é chover no molhado: todo estereótipo é um calque, uma repetição incessante e contra-factual de um dado traço, aspecto ou característica comumente atribuída a um grupo social. Se não fosse comum e repetitivo, não seria estereótipo: seria uma dentre tantas outras possibilidades de representação, ainda que não ela fosse exatamente meritória para a maioria das mulheres.

Finalmente, dizer que, a despeito desta mesma imagem estereotipada, a campanha não desmerece a condição feminina, é o mesmo que jurar de pé junto que pimenta nos olhos dos outros não arde! Claro que não arde, não são os seus olhos, são os olhos alheios!

Com um argumento a tal ponto frágil, uma discussão inteligente e bem informada sobre o conteúdo da publicidade fica simplesmente inviável. Aliás, de nada me admira que matéria do Hoje em Dia venha dizer que a denúncia tenha sido julgada por "cerca de 20 conselhereitos que acompanharam o voto do relator". Essa uma estratégia comumente empregada no CONAR e que é mais velha do que andar para frente: arquiva-se por unanimidade para impedir que o caso seja levado a uma instância superior do próprio CONAR. E o pano de fundo da querela, para quem não conhece o CONAR de perto, é a afirmação da velha autonomia de um tribunal privado diante da ameaça do poder público de limitar a liberdade de expressão comercial.

Mais uma vez, insisto: a decisão é um descalabro. E sabem por quê? Porque arquivou-se uma denúncia justamente porque ela foi considerada procedente. E sabem o que é isso? Sintoma de loucura! E do final dos tempos!!!

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