UA-89169382-1 Crônicas de Juvenal: fevereiro 2012

quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Impagável

Impagável é pode olhar o velho sob nova perspectiva. É ficar maravilhado com as surpresas que a vida ainda - e apesar de tudo - reserva para cada um de nós.

Impagável é rever amigos antigos, que você conhece há mais de vinte anos, e saber que eles estão mais felizes do que nunca. Impagável também é conhecer gente nova em ambientes absolutamente familiares. É romper a previsibilidade de nossa existência fazendo algo que sempre se fez - só que de um jeitinho e em circunstâncias totalmente diferentes.

Enfim, impagável é sair para comemorar uma boa notícia e acabar lembrando os velhos tempos. É também querer ser feliz em plena 3a feira à noite. Exatamente como um capricho de Paganinni: impagável!

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

A ética da pobreza

Os pobres estão a um passo da beatificação! Eis o que dá a entender a matéria publicada hoje no jornal Hoje em Dia online: "Pessoas mais ricas e de classes elevadas são mais propensas do que as de renda mais baixa a ter comportamentos antiéticos, revelou um estudo publicado nesta segunda-feira (27) nos Estados Unidos", reza a matéria (http://www.hojeemdia.com.br/noticias/ricos-s-o-mais-propensos-a-trapacear-do-que-pobres-1.412267).

Daí que a matéria só me deu motivos para manter meu voto de pobreza. Por exemplo, tive uma baita vontade de comprar um fusquinha. Tudo em nome da ética do bom condutor, claro! É que "motoristas de carros caros, por exemplo, se mostraram mais propensos a violar as leis em interseções e a interromper a travessia de pedestres do que os condutores de automóveis mais baratos".

O mesmo vale para o joguinho de dados: ao que parece, jogar sem trapaça tem correlação direta com o desapego material. "Em um outro teste que usou um jogo de dados, quando percebiam a chance de ganhar um prêmio, as pessoas que se autodenominaram como pertencentes a classes socioeconômicas altas se mostraram mais propensas do que o resto a mentir e a dizer que tiraram números maiores do que efetivamente fizeram".

Testes empíricos comprovam: a propensão à maracutaia dos mais abastados invade os domínios mais variados da vida em sociedade. Assim o é, por exemplo, nas relações de trabalho, já que "pessoas de classes mais altas também demonstraram ser menos propensas a dizer a verdade em uma negociação hipotética de emprego, na qual atuaram como empregadores tentando contratar alguém para um trabalho que sabiam que seria encerrado em breve".

A julgar pelos testes em laboratório, nem as crianças ricas foram poupadas da decrepitude: "E quando receberam um recipiente com doces, que os pesquisadores informaram ser para crianças que participavam de experiências em um laboratório vizinho, os mais ricos tiraram mais balas do que os demais, quando informados que poderiam pegar algumas".

Claro, uma sucessão de achados tão impactantes não teria a menor graça se não houvesse espaço para se especular as possíveis ações que levam a tanta devassidão. A pesquisa reunindo psicólogos da Universidade de Berkeley, na California, e da Universidade de Toronto, no Canadá, e publicada recentemente no periódico Proceedings of the National Academy of Sciences, associa o comportamento desviante das classes mais altas à busca obstinada pela realização dos auto-interesses: "A busca do interesse próprio é uma motivação mais fundamental na elite da sociedade e o desejo aumentado, associado a maior riqueza e status podem promover más atitudes".

Pronto! Era tudo o que eu precisava para calçar minhas sandálias franciscanas e levar adiante os ideais mais extremos de despojamento. Porque, para quem não sabe, pesquisa é assim: ela é capaz de descrever e prescrever comportamentos com habilidade ímpar. E o que é pior: com credibilidade científica.

O único perigo é deixar seu empregador saber disso da próxima vez que você for reivindicar um aumento - justo, por sinal - de salário: este certamente lhe será negado em nome dos padrões mais elevados de comportamento ético. E se você for argumentar que "saco vazio não para em pé", seu empregador certamente lhe dirá: "ora, vá encher o seu saco de virtudes e dê o fora daqui!"

Para ser sincera, adorei a pesquisa: leitura do relatório final em voz alta faria uma boiada adormecer em três tempos. Aliás, é exatamente isso o que eu vou fazer agora: dormir! Abraços para quem fica.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

O louco em mim

Fechando a semana com os temas mais candentes do momento: máscaras, autencidade, loucura.

O trecho que aqui reproduzo é do livro "O Louco" de Gibran Khalil Gibran (1920):

"O Louco

Perguntais-me como me tornei louco. Aconteceu assim:

Um dia, muito tempo antes de muitos deuses terem nascido, despertei de um sono profundo e notei que todas as minhas máscaras tinham sido roubadas – as sete máscaras que eu havia confeccionado e usado em sete vidas – e corri sem máscara pelas ruas cheias de gente gritando: “Ladrões, ladrões, malditos ladrões!”

Homens e mulheres riram de mim e alguns correram para casa, com medo de mim.

E quando cheguei à praça do mercado, um garoto trepado no telhado de uma casa gritou: “É um louco!” Olhei para cima, para vê-lo. O sol beijou pela primeira vez minha face nua.

Pela primeira vez, o sol beijava minha face nua, e minha alma inflamou-se de amor pelo sol, e não desejei mais minhas máscaras. E, como num transe, gritei: “Benditos, benditos os ladrões que roubaram minhas máscaras!”

Assim me tornei louco.

E encontrei tanto liberdade como segurança em minha loucura: a liberdade da solidão e a segurança de não ser compreendido, pois aquele que nos compreende escraviza alguma coisa em nós."

Bem, como não foram poucas as máscaras roubadas nesta semana - benditos ladrões! - aqui vai a minha segunda homenagem ao tema: pois louco é quem me diz e não é feliz.

Abraços para quem fica. Bom fim de semana para todos!



quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

O cético e o passado

Não é fácil sobreviver em um mundo tão incerto como o que vivemos, sem ao menos uma vaga noção de passado coletivo. É que quanto mais "elásticas" as nossas certezas e crenças, maior o sentimento de desamparo diante da vastidão de possibilidades de "vir a ser". Tal sentimento, claro, não diz respeito apenas ao que estar por vir, mas também ao que deixamos para trás.

Talvez seja por isso que museus e sítios arqueológicos ainda mobilizem o entusiasmo de tanta gente. Até aí, nada demais: eles também mobilizam o meu entusiasmo. Mas é estranho ver em que medida as condições socioeconômicas influenciam diretamente nas condições de recriação desse passado coletivo.

A discussão pede casos concretos. Por exemplo, Bastou a historiadora equatoriana Tamara Estupiñan, ligada ao Instituto Francês de Estudos Andinos (IPEA), anunciar a provável localização do túmulo de Atahualpa, o último imperador inca, para toda a comunidade científica internacional crescer o olho em cima da descoberta: "Último Tupac, ou imperador do império inca, domínio que se espalhou pela Colômbia atual até o Chile e a Argentina, Atahualpa foi executado pelos colonizadores espanhóis em 1533, mas sua múmia nunca foi encontrada" (http://www.hojeemdia.com.br/noticias/misterio-do-tumulo-do-ultimo-imperador-inca-a-um-passo-da-elucidac-o-1.410514).

Utilizando estudos linguísticos para localizar a provável tumba do Último Tupac, a pesquisadora equatoriana já ganhou o apoio político não só de autoridades locais - como a ministra equatoriana do Patrimônio, Maria Fernanda Espinosa - como também a simpatia de "pares" como a arqueóloga americana Tamara Brau, da Universidade Wayne State no Michigan, e também do Instituto nacional do Patrimônio Cultural do Equador, o qual já "se prepara para financiar novos estudos, a partir deste ano".

O único descrente nesta história é Francisco Moncayo, proprietário do local onde está localizada a suposta tumba de Atahualpa. Em pleno território Malqui, às margens do rio Machay, "o terreno, antes sagrado, pertence atualmente a um criador de galos de briga, uma tradição local". Enquanto a hipótese de descoberta é tomada como certa pela comunidade científica afora, ele é o único a se arriscar no papel cético: "Tamara [a arqueóloga equatoriana] também recorre à linguística, frisando que Malqui é a múmia do inca e que Machay é um local de repouso. E como a múmia de Atahualpa nunca apareceu, pode ser que ainda esteja lá ... ou não", pondera o próprietário.

Hesitação de alguém cioso de que o espaço ocupado pela sua criação está em vias de se tornar um dos mais visitados sítios arquelógicos do Equador ou simplesmente uma bela demonstração de ceticismo metodológico? Pouco importa. Na melhor das hipóteses, o terreno será desapropriado e seu proprietário, devidamente indenizado. O que não passa de elocubrações sem fundamento de minha autoria, já que nada é dito a respeito de indenização nas páginas do jornal Hoje em Dia online.

Enquanto isso, nos EUA, investimentos de grande monta visam a reconstruir uma outra dimensão do passado. Desta vez, é a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood que comemora o retorno de um dos pares de sapatos vermelhos utilizados pela atriz Judy Garland no filme O Mágico de Oz: "A Academia de Artes e Ciências Cinematográficas disse na quarta-feira que havia adquirido, com a ajuda de Leonardo DiCaprio e Steven Spielberg, um dos quatro pares sobreviventes dos sapatos lendários feitos para o filme de 1939".

A matéria publicada hoje na Folha online de hoje relata que graças à liderança dos dois ícones da indústria cinematógráfica norte-americana, um grupo de "doadores anjos" conseguiu angariar os fundos necessários para a compra dos sapatos. E cá para nós, haja liderança: "os sapatos foram postos à venda pela casa de leilão de Los Angeles Profiles in History em dezembro, com um preço estimado em 2 a 3 milhões de dólares. Mas funcionários da casa de leilão disseram que eles não foram vendidos na época".

Comprados por um preço não-revelado ao grande público, a campanha de arrecadação corrobora a estima e consideração dos abastados para com a sua história e tradição. É o CEO da Academia, Dawn Hudson, que dá a dimensão do investimento: "É um presente maravilhoso para o projeto do museu da Academia, e uma mostra perfeita do trabalho que fazemos durante o ano todo para preservar e compartilhar nosso patrimônio cinematográfico", afirma.

Bem, cada qual com seu passado. E cada qual com sua prioridade... Mas que dois ou três doares desses aí fariam a alegria do Sr. Moncayo, ah, isso fariam!

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Irisdecente

Cientistas e demais mortais têm motivos de sobra para celebrar a vida nessa 4a feira de cinzas.

Os primeiros pulam de felicidade com a descoberta de uma nova espécie de lagarto colorido no Camboja: "Uma nova espécie de lagarto com a pele iridescente, uma longa cauda e patas muito curtas foi descoberta na floresta tropical do nordeste do Camboja, informaram nesta quarta-feira (22) os conservacionistas" (http://www.hojeemdia.com.br/noticias/cientistas-encontram-nova-especie-de-lagarto-iridescente-no-camboja-1.409963).

Dificilmente localizável por passar grande parte de sua vida sob a terra, o lagarto Lygosoma veunsaiensis (nome científico do bicho) atrai o olhar de curiosos pela sua singularidade: a "nova espécie é incomum porque tem membros muito curtos e uma cauda que é muito maior do que o seu corpo principal. Sua pele tem uma qualidade de refração para as escalas que cria um efeito de arco-íris na luz solar", explica a matéria publicada hoje no jornal Hoje em Dia.

Pois eu hoje eu entendi que nós, reles mortais, também temos muito a aprender e a celebrar com essa nova descoberta. Se aceitarmos o convite dessa 4a feira de cinzas e deixarmos nossas máscaras caírem - aquelas mesmas que usamos para esconder nossos sentimentos mais profundos como afeto, medos, angústias e vulnerabilidades - no mínimo seremos como os Lygosomas veunsaiensis: reconhecidos pela nossa singularidade e beleza, mesmo se teimamos em passar a maior parte das nossas vidas escondidos debaixo de espessas camadas de terra.

O problema é que essa terra toda que nos abriga da luz do sol, somos nós mesmo que cavamos. E se deixamos de ser apreciados pelo que somos, a culpa é em parte nossa. Quem mandou passar tanto tempo lá embaixo?

Saiamos, pois, deste falso dilema: nossa beleza intrínseca - esse arco-íris existencial que refrata todas as cores do espectro solar - só brilha à luz do sol! Triste de quem optar pelo baile de mácaras no fundo da terra: não verá o brilho do sol iluminar a própria face, e nem permitirá que sua própria beleza seja apreciada pelo mundo.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Máscara Negra

Os restos mortais de outros Carnavais que sobrevivem em mim são pura nostalgia. Da infância: nas matinês no clube, nas guerras de confete e da serpentina lançada e que nunca ultrapassava o raio de 2 metros de distância. Da adolescência: nas viagens em turma, nas batucadas com balde (surdo) e porta de congelador (reco-reco), dos banhos de cachoeira para curar a ressaca ou dos banhos de mar para piorar a desidratação.

Já na idade adulta, um documentário e um artigo sobre o Carnaval a Cavalo de Bonfim selaram o fim do acordo: eu e o Carnaval optamos por uma separação amigável e não nos vemos mais há pelo menos uns 11 anos. Desde então, foram anos de ostracismo em terras longíquas, algumas poucas imitações baratas por aqui mesmo ou então programas alternativos em diversas partes do estado. Mas nada que não possa ser resgatado, obviamente, em outros carnavais.

Mas nem só de passado vive meu Carnaval. Para os que vão e os que ficam por aqui nas montanhas das Gerais, belas notícias: 4 dias de Carnaval sem chuva, temperaturas variando entre 18oC e 30oC (http://www.hojeemdia.com.br/entretenimento/carnaval-2012/folia-sera-com-sol-e-calor-em-minas-gerais-e-no-litoral-1.407899). Condições ideiais de temperatura e pressão para qualquer opção de Carnaval. Alegrai-vos pois Deus é Pai, é Mãe e é muito legal com a gente!

Quanto a mim, claro, vou picar minha mula para outras terras mais ditosas do que a Roça Grande. Volto na 4a feira de cinzas, fantasiada de bruxa. Ah, perdão, esqueci: isso já deixou de ser fantasia há tempos. É traje passeio-completo de quem leva a vida mexendo caldeirão das suas próprias memórias.

Para quem vai ou quem fica, segue então minha homenagem carnavalesca: "Máscara Negra" na voz de Dalva de Oliveira.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Carruagens de fogo

Pois é... Eu ontem morri na praia com o meu comentário do dia. Na verdade, eu naufraguei foi no sono. Quanto dei por mim, já estava pescando diante da tela do computador, com as mãozinhas apoiadas em cima do teclado como se tocasse piano. Um completo fiasco! Não teve jeito mesmo. O que era para ser comentado ontem, ficou para hoje. E o que é de hoje, só Deus sabe. E assim vamos levando a vida em 2012: vivendo a vida como se tudo fosse para ontem.

Bem, mas vamos ao que interesssa. Tem uns que se preocupam com a propaganda enganosa: aquela que tenta vender o que não existe. Tem outros que se insurgem contra a propaganda milagrosa: aquela que tenta vender um milagre que ainda está por vir.

E existe também um tipo de associação bastante perniciosa entre as duas, coisa que o Conselho Federal de Medicina está tentando a todo custo coibir, com a entrada em vigor ontem, dia 15, de novas "normas para coibir a propaganda enganosa de serviços médicos no país" (http://www.hojeemdia.com.br/noticias/conselho-federal-de-medicina-fecha-cerco-a-propaganda-enganosa-1.406965).

As normas envolvem um pacote de restrições, que incluem, entre outras coisas, a propaganda médica nos veículos de comunicação tradicionais e na Internet, principalmente no que se refere às redes sociais.

Com isso, os médicos "não podem anunciar o uso de técnicas 'milagrosas' e nem participar de concursos como 'médico do ano' ou 'profissional de destaque' ". Também está vetado o uso de "imagens dos pacientes para apresentar resultados de tratamento, os conhecidos 'antes e depois', e angariar clientes por meio das redes sociais", revela notícia do Jornal Hoje em Dia.

O que mais me surpreende com a aprovação dessas normas é perceber que até então a propaganda das chamadas "técnicas milagrosas" nunca tinha sido desautorizada, circulando assim em total liberdade pelos rincões do País das Mil e Uma Plásticas. E também que as comparações de tipo "antes/depois" tenham grassado em tão completa impunidade em plena era do Photoshop. Mas mais triste ainda é saber que determinadas especialidades médicas passaram a ser referendadas por "concursos", chancelando um viés cada mais competitivo na profissão.

Só que santo que é santo de verdade não promete milagre: ele simplesmente faz. E se estética for o único critério para se avaliar o "antes/depois" de um caso, então a "obra" poderia ser facilmente resolvida por um designer gráfico, sem grandes danos para a saúde do paciente. Enfim... mais um pouquinho e as provas para residência médica seriam substituídas por maratonas olímpicas, onde somente uns poucos candidatos suficientemente "habilidosos" para chegar ao pódio teriam o resultado dos seus "esforços" reconhecido por pares. Se possível, ao som da canção "Carruagens de Fogo", para dar um ar mais "glorioso" ao reconhecimento público.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Pé na jaca

É hoje! É hoje! É hoje!

Dia de apagar as "velhinhas"
e deixar
uma nova Ju
tomar conta
do pedaço!

Eba!

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

A lista

Enfermeira habituada a cuidar de pacientes terminais escreve livro relatando os cinco arrependimentos mais frequentes de quem está prestes a morrer (http://f5.folha.uol.com.br/humanos/1046241-veja-os-cinco-maiores-arrependimentos-daqueles-que-estao-para-morrer.shtml).

Bronnie Ware é autora de "The Top Five Regrets of the Dying", livro no qual "ela conta que os pacientes ganharam uma clareza de pensamento incrível no fim de suas vidas e que podemos aprender muito desta sabedoria".

Eis aqui, portanto, a lista dos cinco principais arrependimentos:

1. "Eu gostaria de ter tido a coragem de viver a vida que eu quisesse, não a vida que os outros esperavam que eu vivesse". A autora avalia que as pessoas costumam chegar ao fim da sua vida sem realizar nem a metade dos seus sonhos. Mas fala também de uma espécie de clarividência desses sonhos, que só aparece quando perdem a saúde: "A saúde traz uma liberdade que poucos conseguem perceber, até que eles não a têm mais".

2. "Eu gostaria de não ter trabalhado tanto". Drama vivido principalmente por homens que gastaram a maior parte de suas vidas no interior de uma corporação: "Eles sentiam falta de ter vivido mais a juventude dos filhos e a companhia de seus parceiros", relata.

3. "Eu queria ter tido a coragem de expressar meus sentimentos". O drama da não-expressão de sentimentos, por sua vez, não encontra barreira nem preferência de gênero: "Muitas pessoas suprimiram seus sentimentos para ficar em paz com os outros. Como resultado, eles se acomodaram em uma existência medíocre e nunca se tornaram quem eles realmente eram capazes de ser".

4. "Eu gostaria de ter ficado em contato com os meus amigos". A hora da morte é também a hora de maior solidão, em que se percebe a ausência daqueles que foram ficando para trás com o passar dos anos. "Frequentemente eles não percebiam as vantagens de ter velhos amigos até eles chegarem em suas últimas semanas de vida e não era sempre possível rastrear essas pessoas".

5. "Eu gostaria de ter me permitido ser mais feliz". Uma das principais conclusões às quais se chega ao fim da vida é a de que felicidade é uma opção de vida: "Esse é um arrependimento surpreendentemente comum. Muitos só percebem isso no fim da vida que a felicidade é uma escolha. As pessoas ficam presas em antigos hábitos e padrões. O famoso 'conforto' com as coisas que são familiares O medo da mudança fez com que ele fingissem para os outros e para si mesmos que eles estavam contentes quando, no fundo, eles ansiavam por rir de verdade e aproveitar as coisas bobas em suas vidas de novo".

Estranhamente dramático e iluminador ler isto a 15 minutos de completar 37 anos de idade. Para o meu consolo, nesta altura da vida ainda me sinto isenta de pelo menos dois arrependimentos (vivo a vida que eu quero e não trabalho além do que julgo necessário - talvez um pouco mais aquém, mas não além, rsrs...). O que não significa que eu não venha um dia a sofrer das demais modalidades. Só o tempo e a constância dirão, por exemplo, se serei capaz de preservar as amizades antigas e novas que trago comigo até o presente. E só o tempo dirá se terei um dia coragem de olhar nos olhos daquele lobo e dizer o quanto ele foi importante para mim. Mas tudo isso ainda precisa passar pelo crivo dos anos vividos.

Veredito final adiado por mais alguns anos. Quantos? Ninguém sabe. Mas fica claro, a meu ver, que o principal mérito de se ter acesso a uma lista semelhante desde a mais tenra idade é a consciência de que a felicidade é um processo. Neste sentido, cabe aqui uma última ponderação: a felicidade NÃO é UMA escolha, mas o resultado permanentemente atualizado de várias delas.

Um brinde, pois, a esse upgrade anual a que chamamos de aniversário!

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Já pra casa!

Existe uma coisa muito bonita em teoria da linguagem que se chama "contradição performativa". O nome pomposo esconde volteios de linguagem que estão presentes no dia-a-dia de qualquer um. Por exemplo, de onde já se viu morador de rua ser condenado à prisão domiciliar?

Eis aí, portanto, uma autêntica contradição performativa: a presença de duas proposições incompatíveis (um morador de rua preso em casa) não poderia gerar outra coisa senão um problema insolúvel em termos lógicos e linguíticos. Mas tem juiz lá em São Paulo que não está nem aí para elas, as famosas contradições performativas.

Pois um único caso narrado nessa curta matéria publicada hoje no jornal Hoje em Dia online revela que a vida anda mesmo recheada de contradições dessa ordem. Tudo começou porque "Nelson Renato da Luz foi preso em flagrante por furto, em outubro do ano passado, quando tentava furtar placas de alumínio em estações do Metrô" (http://www.hojeemdia.com.br/noticias/2.349/justica-de-sp-condena-morador-de-rua-a-pris-o-domiciliar-1.405069). O flagrante, por sinal, foi convertido em prisão preventiva dois dias mais tarde.

O problema é que o Sr. da Luz é portador de transtorno mental e, portanto, não poderia ser preso. E nem seu delito seria grave o bastante para determinar internação em hospital psiquiátrico: "Nelson não poderia ter sido preso devido ao transtorno mental e nem pode ser internado pois o delito cometido por ele não envolve violência ou grave ameaça".

A solução pouco brilhante encontrada pelos magistrados de São Paulo para o Sr. da Luz foi a famigerada prisão domiciliar: "O desembargador Figueiredo Gonçalves considerou que em caso de liberdade o réu poderia voltar a cometer delitos". Ótimo! Agora só falta a justiça determinar também a locação de uma casa com água, luz e ventilação para que o réu possa cumprir sua pena em paz.

Evidentemente, como as contradições performativas costumam gerar problemas lógicos dos mais gritantes, logo, logo apareceu alguém para defender a corte: "Em nota, o Tribunal de Justiça disse que a notícia de que o acusado é morador de rua não foi informada nos autos". E o suposto endereço dele, também constava nos autos? Difícil acreditar. Contradição performativa: 3; justiça brasileira: 0.

Moral da história: agora, "o advogado de defesa pretende entrar com recurso para que seja concedido um benefício compatível com a situação de Nelson". Assim espero. Meu temor é que, com uma magistratura dessas, uma pena justa seja o supra-sumo das contradições performativas.

Off

Estou freneticamente ocupada. Volto amanhã!

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Regeneração

Não tem turbulência na vida que dure para sempre. E nada se compara à famosa "sensação de continente" como meio de superação das dificuldades.

Em homenagem a esta deliciosa sensação restauradora é que comento a seguinte notícia: estudo publicado esta semana na revista Nature e replicado pelo O Globo online revela que daqui a um período variando entre 50 milhões e 200 milhões de anos, "o movimento das placas tectônicas deverá unir as Américas com a Ásia, fazendo surgir a 'Amásia' " (http://oglobo.globo.com/ciencia/amasia-futuro-supercontinente-da-terra-unira-americas-asia-3916742#ixzz1lqXtabUE).

Os prognósticos dos cientistas são dos mais interessantes: "De acordo com o modelo calculado por Ross Mitchell e sua equipe da Universidade de Yale, nos EUA, a América do Norte gradualmente se fundirá com a do Sul, fechando o Mar do Caribe. Depois, o conjunto flutuará em direção ao Norte da Ásia, acabando com o Oceano Ártico e dando origem à Amásia".

Obviamente, o que vou dizer agora não consta na matéria, mas já posso antever ao menos duas consequências geopolíticas de grande porte se sucederão à grande união continental. Por um lado, de nada adiantarão os esforços dos EUA para a construção de muros ou barreiras de proteção contra imigrantes clandestinos. O lado positivo desta aproximação tectônica é que ela tornará inútil a ação dos coiotes, aqueles atravessadores de imigrantes clandestinos, que exploram o desespero alheio para entrar na Terra do Tio Sam... se tivermos paciência de esperar pelos menos 50 milhões de anos, claro.

Por outro lado, daqui a uns tempos - longos tempos, diga-se de passagem, teremos um encontro caloroso com - quiças! - trilhões de chineses. Uma coisa, contudo, é dada como certa neste grande evento geológico: haverá um superaquecimento da economia dos chineses com a proximidade crescente das regiões tropicais da América do Sul.

Eu sei, eu sei: nem precisava ser geólogo para fazer este prognóstico. Tudo bem! Eu também nem preciso esperar pelo surgimento da Amásia para ter minha sensação de supercontinente! Para mim, me bastam uma roda, olhares repletos de carinho e esta linda canção da Loreena McKennitt.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Turbulências

Uns diriam que é culpa da lua cheia. Outros diriam que é porque estamos no ano do dragão. Mas ninguém duvida que os dias têm sido de turbulência - principalmente para os passageiros e tripulantes do vôo 5343 da TRIP que ia de Porto Velho para a Roça Grande: "Cinco passageiros e uma comissária de bordo ficaram feridos na tarde deste domingo (5) durante uma turbulência em um voo que fazia a rota Porto Velho (RO) a Belo Horizonte (MG)" (http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/1044668-seis-ficam-feridos-durante-turbulencia-em-voo-da-trip.shtml).

O motivo? Um fenômeno denominado "turbulência em céu claro", uma forma de turbulência não detectável por radar. Com isso cinco passageiros e uma comissária de bordo que tinham os cintos desafivelados acabaram tendo ferimentos leves.

Os foliões pré-carnalescos do Rio que foram detidos pela polícia por urinarem em via pública devem ter sentido um efeito semelhante à turbulência de céu claro: foram pegos em flagrante depois de anos praticando o crime em "totalmente impunidade". "Os blocos pré-carnavalescos do Rio tiveram 96 detidos por fazer xixi na rua durante o fim de semana. De acordo com a Seop (Secretaria Especial da Ordem Pública), as abordagens aconteceram na zona sul da cidade e 13 mulheres estavam entre os autuados" (http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/1044712-blocos-do-rio-tem-96-folioes-detidos-por-fazer-xixi-na-rua.shtml).

Turbulência em céu claro: é quando o problema está na sua cara, mas seu radar não funciona. Bom seria se inventasse um santo padroeiro do desconfiômetro. Desses que você reza e ele protege contra aqueles inconvenientes da vida que só te pegam no aperto (da bexiga, inclusive). Mas aí, uns dirão que é culpa da lua cheia. Outros diriam que é porque estamos no ano do dragão. E a crônica volta à estaca zero!

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Míster Magoo

Isolados, mas nem tanto.

Assim vivem os Mashco-Piro, uma das 100 tribos isoladas que tentam resistir bravamente para continuarem possuindo aquilo que as distingue do resto do mundo: o isolamento. Mas nem tudo são flores, nem selva virgem para essas tribos: tem sempre um turista e um jornal dispoto a acabar com a graça deles.

De acordo com matéria publicada no jornal Hoje em Dia online, foi isso mesmo que aconteceu com os Mashco-Piro, habitantes do Parque Nacional de Manú, no sul do Peru (http://www.hojeemdia.com.br/turista-captura-imagens-de-tribo-isolada-da-humanidade-1.401744). No cardápio do "descobrimento", um turista inglês chamado Zara MacAlister que estava em visita ao parque, um jornal inglês - o Daily Mail - e diversas conjecturas sobre o comportamento dos indígenas.

No jornal brasileiro, tudo o que se vê é uma foto com três membros da triba
Mashco-Piro na beira de um rio, foto esta que teria sido tirada em novembro do ano passado. A bem dizer, a foto não tem nada demais: são três indígenas do sexo masculino na beira do rio, pés descalços, corpos nus, cabelos longos. Todos olham para o rumo da câmera, provavelmente tirada de um barco; dois deles estão de pé nas extremidades da foto, ao passo que o do meio está sentado. Um deles, de pé no lado direito da foto, tem os braços estendidos diante de si, como se levasse alguma coisa nas mãos, mas nada que fosse plenamente discernível com a distância com que a foto foi tirada.

Mas não faltam na matéria interpretações e hipóteses que tudo explicam, mas nada mostram. O lead da matéria incita a nossa curiosidade: "Entre as fotos, um dos habitantes segura um macaco morto e olha de forma estranha para os forasteiros que 'invadiam sua área' ". Impossível saber. Primeiro, porque não dá clicar na foto e ver seu tamanho aumentado. A resolução da foto publicada no jornal local também não é lá grandes coisas, de modo que tanto faz se ele traz um macaco morto ou um peixe recém-pescado: a foto não dá indícios para nenhuma conclusão segura.

Em seguida, outra descrição que em nada remete à foto em questão: "Na foto um menino pôde ser visto olhando timidamente dos arbustos para os estrangeiros, que passavam de barcos pelo local". Só que nenhum dos três está próximo de um arbusto sequer. Pelo contrário, todos têm os pés firmemente plantados na terra arenosa da beira do rio. Fica a estranha sensação de estar vendo uma foto com legenda trocada.

Mas o golpe de misericórdia mesmo é dado na última frase da matéria: "
Pela imagem de Zara, é perceptível o uso de ferramentas de tribos a partir de madeiras e outros materiais, incluindo os dentes de animais". Ha! Deu vontade de pedir truco e subir na mesa. Talvez um telescópio da NASA pudesse captar tamanha sutileza, mas nunca a foto publicada nessa matéria.

Dizem que para bom entendedor, meia palavra basta. Quiseram levar o ditado a ferro e fogo: para bom hemeneuta, um foto sem resolução
basta. Mas se você nada viu, paciência. A falta de evidências visuais confiáveis para dar suporte às interpretações é um mero detalhe de menor importância, pois a matéria te conta o que você não viu e muito mais. Quanto a nós, reles mortais, ficamos perdidos entre a miopia e o engodo: iguaizinhos ao Mr Magoo!


quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

O mar e a rainha

Dia 02 de fevereiro é dia de Iemanjá, a rainha do mar.

Para quem ouviu falar de Iemanjá o dia todo e está a pelo menos uns 600km da praia mais próxima, o jeito foi reviver minha carência de mar com algumas mostras de animismo: lembrar de Iemanjá é uma forma de reverenciar essa imensidão chamada de "mar". E junto com o mar, geralmente costuma vir (principalmente para quem mora longe dele e só o visita em férias e feriados) todo um pacote semântico intrinsecamente associado ao prazer: sol, vento, linha reta do horizonte. E calor, de preferência.

A julgar pelas medições do Instituto Goddard de Estudos Espaciais, vinculado a Agência Espacial Americana (Nasa), temos tido cada vez mais motivos para correr para o mar e dar mergulho: "2011 foi o nono mais quente desde que começaram os dados começaram a ser coletados, em 1880, com um aumento da temperatura média de 0,51 grau Celsius frente a uma base que considera a média geral da temperatura global entre 1951 e 1980" (http://oglobo.globo.com/ciencia/nasa-divulga-mapa-da-temperatura-global-em-2011-3855765#ixzz1lHXmiCkN).

Os prognósticos não são lá muito animadores e a perspectiva de refresco é pequena. James Hasen, diretor do Instituto Goddard, afirma que "continuamos a observar uma tendência rumo a temperaturas mais altas". Mesmo assim, apesar do "efeito resfriador de uma La Niña forte e uma menor atividade solar nos últimos anos, 2011 ficou entre os dez mais quentes já registrados".

Calor sem atenuantes, eis o que temos recebido nos últimos anos. Mas não acredito que estejamos ajudando. Afinal, sabe-se que "o planeta está absorvendo mais energia que emitindo".

Nenhuma. Pelo menos, não nessa suscinta matéria. Precisamos, sem dúvida, emitir mais e absorver menos. Mas até chegarmos lá, muita água vai passar debaixo da ponte.

Enfim, vou dormir que já é tarde. Embalada por Caymmi, vou deixando o meu pedido de clemência para Iemanjá em um barquinho imaginário - e junto dele, uma vela acesa num barquinho de madeira, ornado com flores coloridas.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

O sono eterno da poetisa

Morreu hoje, aos 88 anos de idade, a poetisa polonesa Wislawa Szymborska, vítima de um câncer de pulmão (http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/1042718-morre-poeta-wislawa-szymborska-nobel-de-literatura-em-1996.shtml).

Testemunhas disseram que Wislawa "morreu em casa, tranqüila, enquanto dormia". De um sono profundo, ela passou para o sono eterno, o sono dos desacordados, o sono que todo poeta vive antes mesmo de vir para este mundo.

Coincidentemente, já havia reverenciado Wislawa Szymborska aqui neste blog, em outra ocasião (http://cronicasdejuvenal.blogspot.com/2011/11/jornando-no-asteroide.html). E quis também o acaso que a coletânea da poetisa, que me foi emprestada há alguns meses por um amigo, estivesse marcada nas páginas onde se lê a poesia intitulada "Sob uma estrela pequenina".

Diz a poetisa:

"Me desculpe o acaso por chamá-lo necessidade.
Me desculpe a necessidade se ainda assim me engano.
Que a felicidade não se ofenda por tomá-la como minha.
Que os mortos me perdoem por luzirem fracamente na memória.
Me desculpe o tempo pelo tanto de mundo ignorado por segundo.
Me desculpe o amor antigo por sentir o novo como primeiro.
Me perdoem, guerras distantes, por trazer flores para casa.
Me perdoem, feridas abertas, por espetar o dedo.
Me desculpem os que clamam das profundezas pelo disco de minuetos.
Me desculpe a gente nas estações pelo sono das cinco da manhã.
Sinto muito, esperança açulada, se às vezes me rio.
Sinto muito, desertos, se não lhes devo uma colher de água.
E você, falcão, há anos o mesmo, na mesma gaiola,
fitando sem movimento sempre o mesmo ponto,
me absolva, mesmo se você for um pássaro empalhado.
Me desculpe a árvore cortada pelos quatros pés da mesa.
Me desculpem as grandes perguntas pelas respostas pequenas.
Verdade, não me dê excessiva atenção.
Seriedade, me mostre magnanimidade.
Ature, segredo do ser, se eu puxo os fios das suas vestes.
Não me acuse, alma, por tê-la raramente.
Me desculpe tudo, por não poder estar em toda parte.
Me desculpem todos, por não saber ser cada um e cada uma.
Sei que, enquanto viver, nada me justifica
já que barro o caminho para mim mesma.
Não me julgue má, fala, por tomar emprestado palavras patéticas,
e depois me esforçar para fazê-las parecer leves."

(Wyslawa Szymborska, Poemas. São Paulo, Companhia das Letras, 2011: 50-51).

Poeta talentosa e singular: pois hoje somos nós que estamos, pequeninos, admirando aqui da Terra sua estrela bem alto, lá no céu.