UA-89169382-1 Crônicas de Juvenal: O sono eterno da poetisa

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

O sono eterno da poetisa

Morreu hoje, aos 88 anos de idade, a poetisa polonesa Wislawa Szymborska, vítima de um câncer de pulmão (http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/1042718-morre-poeta-wislawa-szymborska-nobel-de-literatura-em-1996.shtml).

Testemunhas disseram que Wislawa "morreu em casa, tranqüila, enquanto dormia". De um sono profundo, ela passou para o sono eterno, o sono dos desacordados, o sono que todo poeta vive antes mesmo de vir para este mundo.

Coincidentemente, já havia reverenciado Wislawa Szymborska aqui neste blog, em outra ocasião (http://cronicasdejuvenal.blogspot.com/2011/11/jornando-no-asteroide.html). E quis também o acaso que a coletânea da poetisa, que me foi emprestada há alguns meses por um amigo, estivesse marcada nas páginas onde se lê a poesia intitulada "Sob uma estrela pequenina".

Diz a poetisa:

"Me desculpe o acaso por chamá-lo necessidade.
Me desculpe a necessidade se ainda assim me engano.
Que a felicidade não se ofenda por tomá-la como minha.
Que os mortos me perdoem por luzirem fracamente na memória.
Me desculpe o tempo pelo tanto de mundo ignorado por segundo.
Me desculpe o amor antigo por sentir o novo como primeiro.
Me perdoem, guerras distantes, por trazer flores para casa.
Me perdoem, feridas abertas, por espetar o dedo.
Me desculpem os que clamam das profundezas pelo disco de minuetos.
Me desculpe a gente nas estações pelo sono das cinco da manhã.
Sinto muito, esperança açulada, se às vezes me rio.
Sinto muito, desertos, se não lhes devo uma colher de água.
E você, falcão, há anos o mesmo, na mesma gaiola,
fitando sem movimento sempre o mesmo ponto,
me absolva, mesmo se você for um pássaro empalhado.
Me desculpe a árvore cortada pelos quatros pés da mesa.
Me desculpem as grandes perguntas pelas respostas pequenas.
Verdade, não me dê excessiva atenção.
Seriedade, me mostre magnanimidade.
Ature, segredo do ser, se eu puxo os fios das suas vestes.
Não me acuse, alma, por tê-la raramente.
Me desculpe tudo, por não poder estar em toda parte.
Me desculpem todos, por não saber ser cada um e cada uma.
Sei que, enquanto viver, nada me justifica
já que barro o caminho para mim mesma.
Não me julgue má, fala, por tomar emprestado palavras patéticas,
e depois me esforçar para fazê-las parecer leves."

(Wyslawa Szymborska, Poemas. São Paulo, Companhia das Letras, 2011: 50-51).

Poeta talentosa e singular: pois hoje somos nós que estamos, pequeninos, admirando aqui da Terra sua estrela bem alto, lá no céu.

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