UA-89169382-1 Crônicas de Juvenal: Míster Magoo

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Míster Magoo

Isolados, mas nem tanto.

Assim vivem os Mashco-Piro, uma das 100 tribos isoladas que tentam resistir bravamente para continuarem possuindo aquilo que as distingue do resto do mundo: o isolamento. Mas nem tudo são flores, nem selva virgem para essas tribos: tem sempre um turista e um jornal dispoto a acabar com a graça deles.

De acordo com matéria publicada no jornal Hoje em Dia online, foi isso mesmo que aconteceu com os Mashco-Piro, habitantes do Parque Nacional de Manú, no sul do Peru (http://www.hojeemdia.com.br/turista-captura-imagens-de-tribo-isolada-da-humanidade-1.401744). No cardápio do "descobrimento", um turista inglês chamado Zara MacAlister que estava em visita ao parque, um jornal inglês - o Daily Mail - e diversas conjecturas sobre o comportamento dos indígenas.

No jornal brasileiro, tudo o que se vê é uma foto com três membros da triba
Mashco-Piro na beira de um rio, foto esta que teria sido tirada em novembro do ano passado. A bem dizer, a foto não tem nada demais: são três indígenas do sexo masculino na beira do rio, pés descalços, corpos nus, cabelos longos. Todos olham para o rumo da câmera, provavelmente tirada de um barco; dois deles estão de pé nas extremidades da foto, ao passo que o do meio está sentado. Um deles, de pé no lado direito da foto, tem os braços estendidos diante de si, como se levasse alguma coisa nas mãos, mas nada que fosse plenamente discernível com a distância com que a foto foi tirada.

Mas não faltam na matéria interpretações e hipóteses que tudo explicam, mas nada mostram. O lead da matéria incita a nossa curiosidade: "Entre as fotos, um dos habitantes segura um macaco morto e olha de forma estranha para os forasteiros que 'invadiam sua área' ". Impossível saber. Primeiro, porque não dá clicar na foto e ver seu tamanho aumentado. A resolução da foto publicada no jornal local também não é lá grandes coisas, de modo que tanto faz se ele traz um macaco morto ou um peixe recém-pescado: a foto não dá indícios para nenhuma conclusão segura.

Em seguida, outra descrição que em nada remete à foto em questão: "Na foto um menino pôde ser visto olhando timidamente dos arbustos para os estrangeiros, que passavam de barcos pelo local". Só que nenhum dos três está próximo de um arbusto sequer. Pelo contrário, todos têm os pés firmemente plantados na terra arenosa da beira do rio. Fica a estranha sensação de estar vendo uma foto com legenda trocada.

Mas o golpe de misericórdia mesmo é dado na última frase da matéria: "
Pela imagem de Zara, é perceptível o uso de ferramentas de tribos a partir de madeiras e outros materiais, incluindo os dentes de animais". Ha! Deu vontade de pedir truco e subir na mesa. Talvez um telescópio da NASA pudesse captar tamanha sutileza, mas nunca a foto publicada nessa matéria.

Dizem que para bom entendedor, meia palavra basta. Quiseram levar o ditado a ferro e fogo: para bom hemeneuta, um foto sem resolução
basta. Mas se você nada viu, paciência. A falta de evidências visuais confiáveis para dar suporte às interpretações é um mero detalhe de menor importância, pois a matéria te conta o que você não viu e muito mais. Quanto a nós, reles mortais, ficamos perdidos entre a miopia e o engodo: iguaizinhos ao Mr Magoo!


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