UA-89169382-1 Crônicas de Juvenal: 2014

quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Brandura e lentidão

Ok, eu sei que este blog deveria mudar de nome e se chamar "Crônicas enferrujadas de Juvenal"; ou então: "Crônicas das teias de aranha que cresceram por mero abandono". Mas muito pior do que ficar tempos sem escrever no próprio blog é não escrever em blog nenhum, o que, aliás, não tem sido o caso.

Apesar de ocupada com blogs que não são do Juvenal, nunca deixei de sofrer com a falta que tem me feito passar por aqui para contar as lorotas de sempre. Mas esta vida anda tão corrida e minha conexão à Internet, tão pífia, que desanimo antes mesmo de começar. Shame on me! O exemplo tem de ser dado dentro de casa. Sei bem disso...

Para expurgar uma parte da minha culpa, vou deixar de lamentar a inexorável marcha do tempo e partir para a celebração das contra-tendências,  que é uma forma educativa de me autodisciplinar e evitar a vitimização. Sim, leitor amigo, você mesmo que resolveu passar por aqui, apesar dos pesares: nem tudo neste mundo é marcha corrida adiante. Ainda há quem avance em brandura e lentidão.

Para celebrar a contra-tendência acima citada, nada melhor do que a notícia publicada hoje no jornal O Globo online: graças a mutações genéticas ocorridas nos últimos vinte anos, "o vírus HIV está se tornando cada vez mais brando e demorando para causar a doença conhecida como Aids" (http://oglobo.globo.com/sociedade/saude/virus-hiv-esta-cada-vez-mais-brando-lento-para-causar-aids-14714562).

A contra-tendência, que foi identificada em estudo de pesquisadores da Universidade de Oxford e publicada na revista Proceedings of the National Academy of Sciences. A brandura e lentidão do vírus da AIDS é atribuída à ação do sistema imunológico eficiente de uma vítima infectada. Esta ação estaria limitando em parte a capacidade do vírus replicar, fazendo "com que o vírus fique menos infeccioso, e demorando cada vez mais para causar Aids". É válido ressaltar que "drogas produzidas para retardar ou administrar o início da doença também tiveram papel fundamental na mutação."

Então, para encerrar este breve comentário sobre a falsa desculpa de que o tempo está passando rápido demais e de que não me sobra mais tempo para escrever, lanço aqui o meu clamor aos quatro ventos: uma droga produzida para retardar ou administrar as desculpas esfarrapadas, com capacidade de redução de sua replicação, em todo tempo e local, sem exceções, mas, sobretudo, no âmbito deste blog.

Que assim seja! 

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Caridade dispensável

Acordou com vontade de fazer caridade?

Pois vá doar alguns reais para a campanha "#juiznãoédeus", que angaria fundos para pagar a multa recebida pela agente da Lei Seca, Luciana Silva Tamburini, por ter feito simplesmente aquilo que era do seu dever: parar um cidadão que dirigia uma land rover sem placa, sem documentos e sem carteira de habilitação (http://oglobo.globo.com/rio/internautas-arrecadam-mais-de-10-mil-para-ajudar-agente-da-lei-seca-pagar-multa-juiz-14470150).

Acontece que o transgressor era o juiz João Carlos de Souza Correa, que acabou lhe dando voz de prisão. Interpelada pelo magistrado, Tamburini teria dito a ele - não sem razão, diga-se de passagem - a frase que se tornou o mote da sua campanha de arrecadação: "juiz não é deus". Bem, não é mesmo, embora alguns se julguem como tal. Porém, como contrapartida para a sua lucidez, a agente acabou sendo levada à delegacia e, posteriormente, condenada a pagar a multa por "abuso de poder" no mais legítimo exercício das suas funções.

Bem, se você também acha que Deus é Deus, que juiz é juiz e que a agente da Lei Seca estava coberta de razão, então já pode ir abrindo a carteira e espantando o escorpião. Contudo, antes de doar qualquer centavo, é bom saber que Tamburini nem sequer precisa do seu dinheiro: é que ela já arrecadou mais do que o dobro do necessário para cobrir a multa e os honorários do advogado. Tudo graças à mobilização de internautas que se solidarizaram com a situação da agente.

Portanto, se for doar algum dinheiro, saiba que você ainda tem alguns poucos dias até o encerramento da campanha. E quando for fazê-lo, saiba que a doação será, antes de tudo, um prêmio de consolação para você mesmo, por saber que ainda existe gente assim no nundo. No final das contas, você terá contribuído com uma espécie de emulação para você mesmo seguir agindo com integridade e lucidez, mesmo diante do descalabro e da estupidez de terceiros.

No final das contas, é você quem sairá mais leve: com o bolso mais vazio, é certo, mas como coração pleno de satisfação por ter feito uma caridade totalmente desnecessária e, ainda assim, plena de sentido. Portanto, dê-se esse presente e reverencie a coragem alheia: você merece o exemplo.

terça-feira, 21 de outubro de 2014

Bebida fênix

Comentário leve e frívolo, só para relaxar a musculatura contraída com durante as disputas eleitorais, ok?

É que há mais distinções entre gauleses e romanos do que julga a sua vã filosofia! Estes últimos não comiam nem javalis assados, nem carne de coelho, nem mesmo uma mísera galinha ao molho pardo. Pelo menos, é o que aponta estudo publicado na Revista PLoS One sobre o estilo de vida dos gladiadores romanos (http://oglobo.globo.com/sociedade/historia/gladiadores-romanos-tinham-dieta-vegetariana-bebiam-cinzas-como-suplemento-de-calcio-14304968).

Fabian Kanz, professor do Departamento de Medicina Legal da Universidade Médica de Viena e responsável pelo estudo que "mostrou que os antigos gladiadores romanos também tinham uma dieta principalmente vegetariana", bate firme nesta tecla. Valendo-se de "espectroscopia e análises de isótopos estáveis de colágeno ósseo e minerais ósseos como ferramentas para investigação", o estudo apurou que a dieta era vegetariana, seguida de uma beberagem à base de... cinzas!

"A quantidade de estrôncio medido em seus ossos sugere que uma bebida de cinzas citada na literatura antiga pode ter feito parte da dieta dos gladiadores", relata notícia publicada no jornal O Globo. Ao que parece, a bebida servia de suplemento: de acordo com Kanz, "as cinzas de plantas foram evidentemente consumidas para fortalecer o corpo após o esforço físico e promover uma melhor cicatrização óssea".
 
Enfim... cada Asterix com sua poção mágica!

segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Por que gosto tanto de votar?

Com tanta vaia, frustração e surpresa nessas eleições de 2014, achei justo e oportuno registrar aqui porque gosto muito de votar.

Em primeiro lugar, porque nasci no meio da ditadura militar. Me lembro vagamente das propagandas eleitorais de TV em 1978 ou 1979, em plena vigência da Lei Falcão. Nesse tempo, a propaganda consistia basicamente em uma foto com narração em off.

Gosto de eleições porque vi acontecer aquelas para governador em 1982, em meio a muita papelada espalhada no chão. Os candidatos em Minas eram Eliseu Resende (PDS), Tancredo Neves (MDB) e Sandra Starling (PT). Eram as primeiras eleições diretas para governador após longo e tenebroso inverno.

Gosto de eleições porque eu estava sendo alfabetizada naquele ano de 1982. Fiz uma redação espontânea (na época, o termo usado era "composição"), em que começava todos os parágrafos com a mesma frase: "É tempo de eleições". Me lembro perfeitamente da primeira frase: "É tempo de eleições. Os candidatos estampam suas caras nos muros". Até hoje acho essa metáfora um tanto quanto rebuscada para quem tinha apenas sete anos e tinha começado o ano escrevendo sobre a cabritinha Lili. Minha professora ficou tão orgulhosa que arrancou o texto do meu caderno no intuito de enviá-lo ao finado Jornal de Casa. Se foi publicado, eu não sei. Só sei que tomei gosto pelas eleições.

O gosto foi tanto que nem as passeatas para tirar Fernando Collor de Melo da presidência do país não arrefeceram minha vontade de votar, pela primeira vez, naquele ano de 1992. Eu tinha dezessete anos e estava feliz da vida por gozar da prerrogativa de votar, voluntariamente, antes de completar 18 anos. Tampouco me arrependo de ter ido às ruas, mesmo sabendo que ele foi reeleito para senador este ano. O meu papel, pelo menos, eu cumpri. 

Mais tarde, gostei ainda mais de votar quando fui conviver com várias pessoas de várias outras nacionalidades que jamais tiveram a oportunidade de exercer o voto livre e secreto no seu país de origem. Isso me fez e ainda me faz lembrar que o voto aqui neste país foi um direito conquistado com luta e resistência. E se hoje completo 22 anos de comparecimento às urnas, é porque teve quem zelasse por isso há alguns anos atrás.

Em suma, foi por essas razões que hoje fui feliz e sorridente de Santa Efigênia até Santa Tereza para exercer meu direito em uma zona eleitoral cheia de velhinhos que, de bengala na mão, ainda fazem questão de votar. Fiquei me lembrando da minha avó paterna, que ia votar mesmo depois dos 80 anos de idade, toda alinhada, porque votar era (e ainda é) um grande acontecimento.

Portanto, o meu recado para essa garotada apática, que não viveu nesses tempos e que não liga a mínima para as urnas: saibam dar valor a esta conquista que é o voto livre e secreto. Pois se hoje cada um de vocês conta o seu voto para Deus e todo mundo, vocês o fazem de livre e espontânea vontade, e não com um fuzil na cabeça. E isto, meus caros, é a condição mínima para viver em uma democracia.

Recado dado, hora de dormir. Boa noite para quem fica.  






terça-feira, 23 de setembro de 2014

Alascando

Findas as narrativas de viagem em terras estrangeiras, cá estamos nós de volta aos factoides do dia. Durante esse tempo que eu andei ausente do país e do blog (mais do segundo do que do primeiro), muita coisa andou acontecendo.

Por exemplo, lá no Alasca a coisa andou pegando fogo, depois que repórter pró-legalização da maconha se demitiu ao vivo (e a cores) no canal KTVA (http://f5.folha.uol.com.br/televisao/2014/09/1520328-pela-maconha-reporter-se-demite-ao-vivo-no-alasca-assista.shtml). De acordo com notícia publicada no jornal Folha de S. Paulo online, a incendiária Charlo Greene pediu demissão logo após tascar, em plena rede alascana, que era "a verdadeira proprietária do Alasca Cannabis Club".

Sem entrar no mérito da causa abraçada e da verdadeira motivação da repórter de fazê-lo ao vivo na TV local, a atitude de Charlo só me fez pensar naqueles rompantes que levam as pessoas a tomar atitudes extremas e não premeditadas. Teria sido tal atitude resultado de uma súbita descarga hormonal de proporções monumentais na circulação sanguínea da jornalista ou de oscilações cósmico-energéticas advindas das recentes ejeções de massa coronal do nosso astro rei (http://g1.globo.com/ciencia-e-saude/noticia/2014/09/explosao-dupla-de-tempestade-solar-ruma-para-terra-e-traz-preocupacoes.html)?

Difícil conjecturar à distância razoável que nos separa do Alasca e da nobre dama. Talvez a atitude tenha sido motivada pelo simples fato de que o verão no Alasca é curto demais e que a colheita urge, o que levou a distinta repórter a redirecionar seu precioso tempo para atividades afins à Cannabis.

Pois bem, dizem os historiadores que um rompante pode mudar o curso dos fatos mais relevantes da história da Humanidade, seja para o Bem ou para o Mal. Rompantes de mau humor podem estragar relacionamentos e amizades. Rompantes de generosidade e gratidão tornam a vida mais doce e agradável.

A dúvida em saber para que lado correr, pense à maneira dos alasquianos: o verão é curto e a colheita urge. Mas lembre-se de que colhemos o que plantamos, inevitavelmente.

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Peruanas - Parte 2

Posso dizer que conheci dois lados do Peru: verso e avesso, tudo bem ao gosto da permanente dualidade inca. O que equivale a dizer qe conheci as mazelas das rotas turísticas oficiais e extra oficiais que ligam o Brasil até aquele país.

Isto posto, acho bestamente desnecessário bater na tecla de que o Machu Picchu foi o ápice da minha curta viagem ao Peru. Aquilo é o mais verdadeiro lugar-comum turístico do planeta, mas nem por maravilhosamente surpreendente: saí de lá com o queixo no chão. Como uma amiga bem definiu: "este lugar não tem explicação". Não, não tem mesmo.


O que não quer dizer que essa filial do paraíso na terra não tenha lá o seu preço tabelado. No início, lamentei um bocado pelos U$250-300 deixados na agência turística local para ter acesso ao kit van-trem-ônibus que me levou até aquele solo sagrado. No fim das contas, saí de lá querendo dar o meu reino e o meu cavalo por um retorno ao sítio arqueológico na época dos solstícios.


Dica boa para dias sem chuva: descer no km 104 e subir o resto a pé.

Muros de pedras em 4 estilos: pedra bruta, arrimo, construção popular e templo (este último é o da foto) .

Sítio arqueológico em névoas. Só mais tarde pude ver o entorno. E que entorno.

Muros inclinados: especialidade inca.

Casas e janelas.

Árvores: uma das poucas que restaram.
O conjunto da obra

Mas teve o outro lado também: a extra-oficialidade do turismo em terras latino-americanas. Explico: a companhia de ônibus que me levou de Rio Branco até Cusco oferece apenas duas saídas por semana e, consequentemente, apenas dois dias de retorno também. Fato é que não tive lá muita escolha: ou voltava de ônibus até o meio do caminho e baldeava o resto, ou perdia meu voo para a Roça Grande (também conhecida como Belo Horizonte). Baldeemos, pois!

A viagem de ônibus de Cusco até Puerto Maldonado, que começou às 21h, já foi um tanto conturbada. O cidadão que se sentou ao meu lado tinha mais de 1m90cm e pernas mais longas que as do Papaléguas, o que fez da travessia ao sabor das curvas tortuosas da estrada um verdadeiro suplício: a sensação foi de emparedamento. Como se não bastasse isso e o aquecimento do ar no talo, o ônibus ainda resolve quebrar no meio do caminho. Resultado: duas horas parados na estrada, rodeados por montanhas em neve. O que, obviamente, resultou em duas horas de atraso na chegada na rodoviária de Puerto Maldonado.

Chegada na rodoviária de Puerto Madonado foi às 8h30. Aqui começa a epopeia do transporte coletivo alternativo. Como chegar até Rio Branco? A receita já tinha me sido dada: pegue um táxi (nada mais que um triciclo com carroceria) até o chamado Guión Ica, de onde saem as vãs para Ñapari, fronteira com o Brasil.

Logo na porta da rodoviária de Puerto Maldonado, um leilão de preços para o táxi. Peguei o que gritou o preço mais baixo, com plena convicção de que ainda estava pagando muito acima do justo. Paciência.

Preço de táxi é no leilão! Quem dá mais, quem dá mais?

As carrocerias são uma atração à parte. Tem de todos os modelos e cores do arco-íris.
 
No Guión Ica, 50 minutos de espera até que a vã completasse todos os assentos. E um sol de rachar! Banheiro? Uma garagem que poderia ser oficina mecânica (ou não) me ofereceu um "urinário", que correspondia a um prosaico ralo no chão. Agradeci. Era aquilo ou nada.

Na van, a parte bacana da travessia: ventão no rosto, paisagem na janela. Abri minha mochila e peguei o saco de bananas desidratadas tipo chips que havia comprado para comer em Machu Picchu e dividi com minhas vizinhas de cadeira, uma jovem grávida e uma senhora idosa. A viagem ficou, digamos, mais crocante.

Van para Ñapari

Isso não quer dizer que eu tenha chegado facilmente em Ñapari. Nada disso! A van ia só até Iberia, no meio do caminho. Lá chegando, consegui pegar outro carro que estava de saída para Ñapari. Não soubesse o país onde estava, diria que minhas novas vizinhas de cadeira eram muçulmanas. Mas vai que eram mesmo...
Mulheres de véu, mas sem grinalda.
 Em Ñapari, a alfândega para sair do Peru e o posto da Polícia Federal para entrar no Brasil. A do Peru, consegui passar por volta das 13h, antes que a funcionária saísse para almoçar. Adiantou alguma coisa? Não. Só tinha euzinha para pegar o táxi que me levaria a Brasilândia, próximo ponto de baldeação. Solução: esperar no sol rachando por mais companheiros de viagem.

Uns 40 minutos depois, chegam aquelas que seriam as minhas companheiras de jornada dali para frente: três jovens profissionais do sexo que voltavam da labuta em terras estrangeiras. Contrariamente a mim, que voltava muitos dólares e reais mais pobre, as jovens profissionais voltavam com a carteira cheia. As indumentária também era contrastante: de um lado, euzinha de camiseta Hering de manga, calça e tênis de trekking; de outro, micro-shortinhos, mini-blusa e sandalinhas. Ponto para elas, pois o calor era de uns 50ºC à sombra.

Alfândega do Peru

 Posto da Polícia Federal

O problema é que as meninas não estavam com pressa alguma, contrariamente a esta que vos escreve. Além de eu e o motorista do táxi termos que esperar pela reabertura da alfândega do Peru, cuja funcionária havia saído para almoçar, as jovens damas ainda resolveram bater um prato-feito em Assis Brasil, primeira cidade do nosso lado da fronteira, antes de pegar estrada. Alternativas? Não havia. Nenhuma outra alma viva para dividir o táxi na fronteira. O jeito foi esperar.

Saída de Assis Brasil às 15h para chegar em Brasilândia às 17h30. No caminho, entre um cochilo e outro, ouvi todas as peripécias possíveis e imagináveis do mundo do baixo meretrício. Em que período do ano rodar a bolsinha em Salvador? Sabia que aquela moça cobra das própria colegas de profissão para dar carona até o cabaré? Como é que aquela moça feia e cabeçuda consegue tantos gringos? E quando aquela outra colocou silicone? Essas são perguntas que eu jamais conseguiria responder se não tivesse feito este trecho da estrada em companhias dessas três jovens profissionais do sexo.

Lá em Brasilândia, houve mais uma troca de táxi. Desta vez, o motorista gostava de música sertaneja e ar condicionado no talo, o que me fez agradecer aos céus por estar de tênis e calça de trekking naquela hora. Por pouco, não neva do lado de dentro.

Tirando a temperatura polar, a trilha sonora e os pormenores do baixo meretrício que continuaram sendo citados incessantemente, a coisa estava indo até bem. Até que o motorista resolve avisar: "tem barreira ali na frente, todo mundo de cinto de segurança". Foi aí que eu reparei que eu era a única de cinto até o momento. O motorista reduz e os outros quatro começam a catar seu respectivo cinto.

Passagem pela barreira da Polícia Rodoviária Federal com os vidros baixados, para os guardas verem lá dentro. Mas verem o quê? Ora, para ver que uma das meninas não tinha, de fato, conectado o cinto da fivela. "Para o carro, por favor", disse o guarda. O motorista obedeceu. O guarda olha, manda abrir o porta-malas. Começa a revista das bagagens delas (as minhas duaas mochilinhas estavam comigo, entre as minhas pernas, no banco da frente). "Quê que eu tô fazendo aqui?", perguntei aos meus botões. Fingi que não era comigo e por lá fiquei, enquanto as jovens profissionais tentavam engalobar o guarda com aquele charme típico da profissão. Mas parece que não funcionou. E lá se foram os quatro - o motorista e as três jovens - até um balcão para ouvir sermão do guarda. Enquanto o motorista era multado, fui lá pedir para usar o banheiro. Banheiro limpinho. Já estava até esquecendo o que é isso.

Colhida a multa e ouvido o sermão, pé na estrada. O motorista pisou no acelerador. Perguntei quanto tempo tinha ainda até Rio Branco e pedi para ele me deixar na rodoviária internacional da capital do Acre.  Na chegada, o danado ainda tentou me extorquir mais R$10 reais pelo traslado, alegando aumento na tarifa depois do dia 1º de setembro. Neguei, mostrando o carimbo do dia 03 no meu passaporte e dizendo que não tinha havido aumento algum. Não paguei. As meninas seguiram caminho com o motorista, sabe-se para onde. Talvez elas quisessem negociar uma proposta alternativa de pagamento, sei lá...

No fim das contas, levei 22h até chegar em Rio Branco, sã e salva, mas ávida por um banho. Narrei brevemente os fatos para a minha irmã, que foi me buscar na rodoviária. "Tirou fotos das meninas?", perguntou ela. Disse que não, pois queria proteger a integridade delas. "Que integridade?", tascou minha irmã. Sei lá. Integridade é a única coisa que ninguém pode tirar da gente.

Fim da epopeia. Banho tomado. Caso contato. Agora vou dormir.

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Peruanas - parte 1

E, de repente - não mais que de repente - Cusco. A cidade "umbigo do mundo" faz jus à sua vocação. De modo que seu ar de capital de império acabou sobrevivendo, ainda que aos trancos e barrancos, ao fim do domínio inca.

Cusco: Plaza de Armas


Em tempos de eleições presidenciais no Brasil e de debates acirrados sobre o papel da fé na política, visitar Cusco foi, no mínimo, intrigante. Só os mais simplórios ousam ignorar que a fé cristã violou as crenças ditas "pagãs" dos habitantes das Américas, principalmente os seus alicerces, o que fica evidente até do ponto de vista literal: os colonizadores espanhóis construíram suas edificações sobre construções incas, fazendo destas seu alicerce. Metaforicamente  falando, os alicerces também foram violados, visto que toda crença é um alicerce moral. Mas os incas também tinham lá suas veleidades: eles sequestravam os ídolos dos povos subordinados e os guardavam no Qorakancha, o templo do Deus Sol, para fins de chantagem teológica.

Qorakancha, o Templo do Deus Sol.

Igreja sobre construções incas

Os deuses dos povos dominados eram trazidos também para o Qorakancha

É por essas e por outras que nem mesmo a beleza da arquitetura incaica conseguiu me convencer a reivindicar o retorno do Estado teocrático. Por outro, essa mesma arquitetura me fez perceber a que ponto a expansão imperialista dos incas estava conectada com uma visão de mundo religiosa. A fé moveu mundos e fundos e interveio diretamente na arquitetura daquelas montanhas densamente povoadas, onde cidades e mais cidades foram habilmente esculpidas: estima-se que o império tenha reunido 11 milhões de súditos no seu apogeu. E a capital disso tudo, como já disse, era Cusco.

Mercado San Pedro, ao lado de igreja do mesmo nome.
 
Caminho para Saqsayhuamán, a cabeça da cidade-puma.
Para além de uma Cusco histórica, experimentei uma Cusco plena de paradoxos: comércio de luxo, população pobre, preços superfaturados, lucro terrivelmente mal distribuído. Mas nada, absolutamente nada me tirou a certeza de que este é, por assim dizer, um dos mais belos umbigos da mãe terra.

Em Cusco é assim: o que era uma simples obra de encanamento acaba virando um sítio arqueológico (Plaza de Armas).

O famoso show do Centro Qosqo de Arte Nativo

Moral da história (se é que há alguma): não há fé que justifique a impossibilidade de convivência entre o meu e o seu alicerce. Ou sobre alicerce algum, se eu entender que posso viver à deriva das crenças e alicerces.

O hipnotizando sítio arqueológico de Saqsayhuamán.

Lhamas cheias de si esnobam os turistas: bem feito para eles!

P.S. = Não, eu não me esqueci de Machu Picchu. Mas ela merece um capítulo à parte. Quem sabe amanhã?

segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Acreanas

Quando eu disse que vinha para o Acre, alguns desavisados me perguntaram: "o Acre existe mesmo?"

Sim, meus caros, o Acre existe! Mas ele existe também na sua condição de ficção política e, por esta razão, não menos ficcional do que qualquer outro estado, como Minas Gerais ou São Paulo. O Acre é uma especie de ficção política nascida de uma negociação de Estado com Bolívia e consumada em uma prática de nacionalização de fronteiras territoriais. E onde quer que você vá, lá está a bandeira do Acre para lembrar ao passante que o território virou estado ainda na década de 1960. Vai-se o território, ficam as práticas de demarcação do território.


Rio Branco, capital do império, mostra que nem só de bandeiras hasteadas vive o Acre. Seu rio é seu grande patrimônio. Com ele, aprendemos as regras da fluência da vida e da permanência da mudança. Aprendemos, inclusive, sobre a possibilidade de mudanças sem crise. O rio é um velho que sabe das coisas!




O rio nos levou e nos trouxe de volta da mata, outro patrimônio sem preço. Depois de pularmos um abobral - cuidado com as ramas! - e saudarmos bananeiras e tangerineiras ribeirinhas, descobrimos que a mata nativa estava logo ali, a dois ou três passos da margem. 






O tempo e a distância que nos levaram até esta magnifica Samaúma, contudo, estão alem de qualquer medida. Não se tem notícia, no mundo dos homens, de quanto tempo se leva para chegar até ela. Diz-se que a Samaúma começa com as raízes neste mundo e só vai terminar em outra dimensão, lá onde as galhas se espalham e os olhos não alcançam mais. Segundo as crenças dos nativos desta terra, a Samaúma é morada dos Espíritos. Fomos lá ver. Ao que tudo indica, estavam todos dormindo quando chegamos.







O rio, a mata, a samaúma... e as amizades. O Acre nos presenteou com seus quatro patrimônios. E nos deixou de olhos vidrados no céu, plenos de gratidão. Quanta beleza nessa terra!




terça-feira, 26 de agosto de 2014

Bate-volta

Dado como morto, mas devolvido do Além.

Assim parecer ter sido com o Sr. Walter Lúcio de Oliveira Gonçalves, cuja morte havia sido constatada ontem à noite, no Hospital Menandro de Farias, município de Lauro de Freitas, região metropolitana de Salvador (http://www.hojeemdia.com.br/noticias/apos-ser-dado-como-morto-homem-e-achado-vivo-em-necroterio-da-bahia-1.263728). Duas horas depois, contudo, o paciente acabou sendo declarado 'ressuscitado' por vias ainda pouco exploradas pela literatura médica.

De acordo com notícia publicada no jornal Hoje em Dia online, "Gonçalves, portador de câncer, chegou à unidade com dificuldades respiratórias e, poucas horas depois, sofreu três paradas cardíacas. De acordo com a unidade, o paciente não respondeu às tentativas de reanimação, foi declarado morto às 23 horas e levado, dentro de um saco plástico, para o necrotério." O engano foi descoberto pelo irmão da vítima, no momento em que este fazia o reconhecimento do corpo no necrotério.

Enquanto a sindicância aberta pela  não emite laudo conclusivo, vítima e seus familiares recusam a tese de negligência humana para apostar na tese de um milagre: "A família do paciente, que acompanhou o atendimento, defende a equipe médica do hospital e atribui a 'ressuscitação' de Gonçalves a um milagre de Irmã Dulce."

Não sei se a irmã Dulce estava preparada para tanta unanimidade, mas, de qualquer forma, a tese de "ressuscitação" parece ter agradado a gregos e troianos. Menos mal! Se eu fosse a Secretaria de Saúde da Bahia, tentava urgente um convênio com a nobre Irmã.


sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Sem dilemas

Ia tentar dormir sem dar ao menos dois pitarcos na polêmica levantada recentemente pelo biólogo Richard Dawkins, mas não consegui. A bobagem propalada pelo distinto professor da Universidade de Oxford foi tão monstruosa que, mesmo com muito sono, não conseguiria dormir.

Pois vamos ao pitarco nº 1: se o senhor Dawkins teve algum "mérito" no dia de hoje, este foi acordar o fantasma da Eugenia e mostrar ao mundo que ele continua vivinho da Silva. É que ao ser informado sobre um suposto dilema ético que seria vivido  uma usuária do Twitter, caso ela constatasse que seu filho nasceria com síndrome de Down, o senhor professor foi categórico: "Aborte e tente de novo", teria dito o biólogo. "É imoral trazer 'isso' ao mundo se você tiver escolha." (http://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2014/08/1504047-richard-dawkins-diz-ser-imoral-dar-a-luz-a-bebes-com-sindrome-de-down.shtml).

Pois bem: "aborte e tente de novo" é a resposta que ele considerou como sendo a opção moralmente correta e pretensamente "lógica", porque destituída de emoções. A meu ver, o máximo que ele conseguiu provar foi um diagnóstico provável de alexitimia, sem nenhum rasgo lógico. E não vou nem entrar aqui em uma discussão consistente sobre o quão limitada e politicamente conservadora e equivocada é a visão de "normalidade" na qual ele se apoia.

Por esta razão, passo diretamente ao pitarco nº 2. O problema de uma polêmica dessa natureza é que uma parcela das vozes que se insurgem contra o argumento de Dawkins tendem a resvalar para o extremo oposto: abortar um bebê é imoral, quando não criminoso, e não cabe à mãe da criança decidir o futuro de sua gestação.

No meu entendimento, este extremo é tão perigoso e politicamente conservador quanto o argumento da Eugenia. Aborto obrigatório e aborto proibido, no final das contas, acabam desaguando no mesmo rio: a mulher não pode decidir sobre seu corpo e, consequentemente, sobre a vida que ela porta em si.

Enfim, agora que dei os meus dois pitarcos, já posso ir dormir sossegada. Isto, claro, se o fantasma da Eugenia ressuscitado por Richard Dawkins não vier puxar o dedão do meu pé hoje à noite.



quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Desafiador

A vida é cheia de ironias, a gente bem sabe. Mas a morte também pode ser.

A notícia publicada hoje no jornal Hoje em Dia online é sintomática de que a ironia não mora só nesse blog, nem única e exclusivamente na obra de Machado de Assis. De acordo com a notícia, "Corey Griffin, um dos criadores do desafio do balde de gelo, 'ALS Ice Bucket Challenge' em inglês, morreu aos 27 anos em um acidente de mergulho nos Estados Unidos" (http://www.hojeemdia.com.br/noticias/mundo/morre-afogado-criador-do-desafio-do-balde-de-gelo-1.262696).

Para os desavisados - como eu - que nunca tinham ouvido falar do tal desafio, aqui vai uma explicação: após descobrir que um amigo havia sido diagnosticado com esclerose lateral amiotrófica, Griffin decidiu lançar um desafio para arrecadar fundos para o tratamento do amigo: "A campanha tem como objetivo desafiar alguém a jogar um balde de água gelada contra a cabeça ou fazer uma doação de US$ 100 a ALS Association. Caso queira, o desafiado também pode fazer os dois. Quem participa do desafio pode desafiar outros a fazer o mesmo no prazo de 24 horas".

Graças ao prazo de execução e ao suporte técnico onde foi disseminado - o Facebook - o desafio do balde de gelo rapidamente ganhou ares de viral e conquistou 28 milhões de usuários no Facebook. Mas, agora, usuários, reles mortais como eu e como você, devem ter lido esta postagem e se perguntado: qual a graça em morrer afogado depois de se ter conseguido colocar 28 milhões de cabeças dentro de um balde?

Francamente, eu não sei. Mas, por via das dúvidas, eu teria comprado uma pimenteira e deixado ao lado do computador.

quarta-feira, 20 de agosto de 2014

Astúcia

Sim, cá estou eu espanando a poeira - mais uma vez - e pensando na sorte do Juvenal, patrono deste blog. Hora dessas, ele deve estar no paraíso dos anéis perdidos, perguntando a seus botões (não, ele não tinha botões): o que ele fez para ser patrono de um blog que perdeu a regularidade?

Pois bem: desta vez, a estiagem literária foi brava e eu bem sei. Não estou feliz nem orgulhosa da minha prolongada ausência deste espaço. Mas ainda não há lei que obrigue um bom blogueiro a estar em dia consigo mesmo e com seu blog. E, mesmo se houvesse, seriam tantas as transgressões que a regulamentação seria inócua.

Tão inócua, talvez, quando a legislação eleitoral na Era Digital. O exemplo que narro a seguir é flagrante com relação ao desuso e às brechas abertas pelo sistema digital de TV no Brasil. E não sou eu, mas o jornal Folha de S. Paulo online que alertou hoje: a emissora SBT "resolveu dar uma alternativa aos seus telespectadores durante o horário político na televisão: disponibilizou em seu site episódios do seriado 'Chapolin' ".

A reprise do seriado "Chapolin" não é em si o pior dos pecados. O problema está no descumprimento de legislação eleitoral, que regula a veiculação de imagens em período de eleições: "Segundo a assessoria do SBT, o projeto é para o período político e usa uma brecha na publicação digital, que não exige a transmissão obrigatória" (http://f5.folha.uol.com.br/televisao/2014/08/1502669-sbt-presenteia-internautas-com-chapolin-durante-horario-politico.shtml).

Para quem não contava com a astúcia do SBT, só lamento. A estação já está anos-luz à frente das leis eleitorais deste país. Tão distante que se o Chapolin resolver, de uma hora para a outra, concorrer ao posto de presidente da República, muitos eleitores sabidamente hão de jurar tê-lo visto em algum Horário Gratuito de Propaganda eleitoral. Só que não!

sábado, 2 de agosto de 2014

A ida dos que não voltaram

Depois de tanto tempo sem escrever aqui neste blog, sinto meus dedos enrijecidos e as ideias, frouxas. Escrever é realmente uma danada de uma pulsão que, quando não satisfeita, acaba atrofiando tudo: da inteligência que habita sob o couro cabeludo (ou não) até a pontinha mais sensível dos dedos.

Este post poderia se intitular "A volta dos que não foram", se eu tivesse voltando de algum lugar. Mas não é o caso. Ando tão desprendida dos meus velhos hábitos saudáveis - escrever é um deles, nadar é outro - que nem me reconheço mais. Portanto, não há volta, mas quase um desencontro. Por esta razão, nada de voltas nas voltas que a vida dá.

Por outro lado, é vero que estou de ida para algum lugar. Parto amanhã para fazer um treinamento de uma semana numa ilha. E isso não é piada. Faço até algumas de vez em quando, mas este não é o caso. E estando eu de ida marcada, agora é que não dá mesmo para celebrar a volta de nada.

Ficamos, portanto, com a ida dos que não voltaram, de tão fora de si que têm andado. Não vou nem procurar por mim mesma naquela ilha, porque, horas dessas, devo mesmo é estar vagando em alguma outra dimensão sideral. Quando eu voltar, vou contratar uma banda para me receber.

Findo o prolongado ínterim, resta-me avisar que  postagem é tão simplesmente para matar a saudade da escrita. Sim, ela me faz falta. Sem ela, não há volta nas tantas voltas que a vida dá.

Abraços para quem fica. Vou dormir porque já é tarde e amanhã eu começo meu caminho de ida. Até a volta.


segunda-feira, 21 de julho de 2014

Margens da existência

Muito estranho à primeira vista, mas pode fazer todo o sentido!

Sociedade Zoológica de Londres faz campanha pelos "mais esquisitos" ao promover a iniciativa "EDGE of Existence". Traduzindo para o português, trata-se de salvar os animais "evolutivamente distintos e globalmente ameaçados" (expressão que resulta no acrônimo EDGE), os quais, de acordo com a instituição, estão ainda mais à margem da existência do que as demais espécies.

Em termos mais concretos, a ideia é chamar a atenção para a necessidade de preservação das espécies "evolutivamente distintas", já que "criaturas muito esquisitas costumam representar um padrão evolutivo único" (http://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2014/07/21/a-sobrevivencia-do-mais-esquisito/).

O libelo pela esquisitice animal é vaticinado pelas sagradas escrituras evolucionistas: "Além de morfologia e fisiologia especializadas, muitas vezes essas criaturas são os últimos sobreviventes de seu gênero, ou mesmo de sua família. Isso significa que, se elas forem extintas, a gente perde não apenas uma espécie única (o que já seria trágico o suficiente), mas uma trajetória evolutiva inteira", explica notícia publicada hoje no jornal Folha de S. Paulo.

Os esquisitos são tanto mais ameaçados à medida que o mundo se globaliza: "A trajetória evolutiva única e a ameaça global acabam caminhando juntas, na verdade, porque animais com trajetória evolutiva e adaptações únicas frequentemente são especialistas com distribuição geográfica restrita." De onde se conclui que o fim da espécies esquisitas é uma forma simplificada de fim do mundo: "Basta um leve empurrãozinho para que toda essa história se perca", alerta a notícia.

Nesse mundão globalizado sem porteira, alguns esquisitos cavam sua chance, enquanto outros simplesmente cavam sua cova. Questão de evolução. Ou não, diria Caetano Veloso.




quinta-feira, 10 de julho de 2014

Ressaquinha

Nem só de tragédias vivem os brasileiros e brasileiras. A bem da verdade, não há nada como um dia após o outro. Claro, acordei com a mesma ressaca existencial vivida pela maior parte dos 200 milhões de habitantes deste país. Mas preferir optar por notícias refrescantes vieram mudar o foco da minha atenção.

Notícias refrescantes como esta publicada no caderno de Turismo do jornal Folha de S. Paulo: ela traz lista, fartamente consubstanciada por material iconográfico de primeira linha, com os maiores toboáguas do mundo (http://www1.folha.uol.com.br/turismo/2014/07/1482813-saiba-quais-sao-os-maiores-toboaguas-do-mundo-veja-fotos.shtml?cmpid=%22facefolha%22). Simplesmente imperdível para quem está vendo o Império do Futebol rolar morro abaixo.

Então ficamos assim: não percamos nunca a piada, nem deixemos de viver o tempo presente. Ou então, façamos como o meu pai, sábio homem que resolveu colocar tudo na conta de uma tal "mudança cósmica de amplas proporções que anda afetando todo o Universo".

"Mudanças radicais e profundas à vista", disse esse ex-vaqueiro, ex-verdureiro. Se elas vierem mesmo, me pegaram de bom humor - apesar de todos os pesares. 


terça-feira, 8 de julho de 2014

Náufragos

Lamentável saber que o drama vivido em campo nesta na tarde de hoje se alastrou pela noite adentro.

Além de terem visto o Brasil perder vergonhosamente em campo hoje, os habitantes das Gerais souberam entrar no ritmo e despachar um exemplo de incivilidade para o resto do país: o dia termina com 13 ocorrências policiais dentro do Mineirão e 13 apreensões pela PM (http://www.hojeemdia.com.br/minas/dia-de-jogo-decisivo-no-mineir-o-termina-com-13-presos-em-bh-1.253337).

Sim, entramos para a história. Sim, cravamos um recorde. Infelizmente, não é nada do que possamos nos orgulhar. E é por esses dois motivos que, ao término deste dia histórico, não deixarei de registrar algumas breves impressões aqui:

1) Nada é ruim o suficiente que não possa piorar. Por isso mesmo, devemos estar atentos à vida e aos revezes da vida. Cruzar os braços diante da adversidade é colaborar com o próprio fracasso.

2) É na adversidade que somos realmente testados. Mas, mesmo assim, quando tudo parece ruir, existe uma única coisa que deve permanecer de pé, intacta: essa coisa se chama dignidade.

3) A dignidade, essa palavra poucas vezes lembrada ao longo do dia, está diretamente relacionada com outras duas: o instinto de preservação e a certeza de estar oferecendo o melhor de si. Só quem não perde a dignidade diante das adversidades é capaz de se preservar do pior e reagir. E só quem dá o melhor de si, em qualquer situação, consegue manter-se digno.

Diante dessas três ponderações, fica aqui a minha conclusão: a pior coisa que se pode perder nesta vida é a dignidade. E como eu já disse hoje para um primo que celebrava a derrota do Brasil: com ou sem vitória, amanhã eu continuo acordando no mesmo horário de sempre.

 Abraços de fé e boa noite para quem fica. 

sexta-feira, 4 de julho de 2014

Aparência e conceito

As aparências enganam, os conceitos idem. E os preconceitos, então, nem se fala...

Notícia publicada hoje em diversos jornais nacionais falam de um caso curioso, em que a mórbida obsessão nazista pela pureza racial acabou virando motivo de troça: "O bebê 'ariano ideal', cuja fotografia foi escolhida pelos nazistas e selecionada pelo próprio Joseph Goebbels para aparecer na capa de uma revista de propaganda, era, na verdade, judeu", relata a notícia publicada no jornal O Globo (http://oglobo.globo.com/mundo/bebe-ariano-ideal-estampado-em-capa-de-revista-nazista-era-judeu-13116678).

A revelação foi feita pela protagonista da foto, ou seja: pelo próprio "bebê ideal", Hessy Taft, hoje com 80 anos. Professora de química na Universidade de de St. John's, mãe de dois filhos e avó de quatro netos, Hessy foi escolhida "a melhor entre cem fotos clicadas pelos melhores fotógrafos alemães" e acabou se tornando capa da revista nazista 'Sonnie ins Hous'.

A foto foi submetida ao concurso, em 1935, pelo próprio fotógrafo, Hans Ballin, "um renomado fotógrafo em Berlim" que quis fazer os nazistas passarem pelo ridículo. Ironia da história: "a foto da menina também foi redistribuída em cartões postais em todo o país e até na Lituânia".

No entanto, apesar de a capa ter sido motivo de deboche na família da própria Hessy, foi justamente a "parecência" com o ideal que a manteve viva: "Eu posso rir disso agora. Mas se os nazistas soubessem quem eu realmente era, eu não estaria viva hoje", reconhece a modelo-mirim.

Se há um grande aprendizado a ser retido com esta história é a de que o "bebê ariano ideal" era (e continua a ser) um grande embuste. Os julgamentos morais calcados sobre a aparência de X ou Y também são. Contudo, nem todos, como a própria Hessy, seriam passíveis de serem julgados como modelo ideal. É que a desigualdade está em toda a parte, até na discriminação.





sábado, 28 de junho de 2014

Fósseis

Apagou-se, hoje, aos 70 anos de idade, Bobby Womack, uma estrela da soul music  (http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2014/06/1477778-cantor-de-soul-americano-bobby-womack-morre-aos-70-anos.shtml).

O currículo de hits de Womack é extenso o suficiente para me desanimar de qualquer resumo antes mesmo de começá-lo. Por desencargo de consciência, registre-se que  Womack "tocou guitarra em discos de Elvis Presley, Aretha Franklin, Marvin Gaye, Jimi Hendrix e Janis Joplin".

Ao saber de sua passagem para o outro lado, fui buscar na web um dos primeiros sucessos do cantor e guitarrista. Pensei na letra e no que ela diz. Hino da desesperança ou hiperrealismo trágico? Não sei. Talvez simplesmente uma história sobre superação e barreiras sociais.


Fonte: http://youtu.be/UOg_8hCC4u4

A morte de Womack acontece no dia em que se noticia amplamente a descoberta de um recife fossilizado na Namíbia,  por cientistas britânicos - o qual teria, supostamente, cerca de 548 milhões: "Se a datação e interpretação dos fósseis estiverem corretas, eles representam o recife mais antigo de que se tem registro na história da evolução da vida animal na Terra" (http://www.hojeemdia.com.br/noticias/cientistas-encontram-recife-de-meio-bilh-o-de-anos-1.250781).

Talvez daqui a 548 milhões de anos, pensemos assim de ícones como Bobby Womack: eles representarão, tal qual um registro na história da evolução musical, um passo certeiro da música na direção da alma.




terça-feira, 24 de junho de 2014

Vultuosos

Dificílimo falar de outro tema, por esses dias, que não seja a Copa do Mundo. Só que eu resolvi que meu espírito de contradição é mais forte e mais tenaz do que a monotematização dos assuntos do dia. Em resposta ao assunto do momento, hei de falar de coisas longínquas e nada mundanas: isto é, de coisas que nem sequer são deste mundo.

Para tanto, escolhi falar do último flagra da sonda Cassini, lançada pela NASA: "Cientistas investigam um vulto misterioso que apareceu e sumiu em um lago no Titã, a maior lua de Saturno" (http://oglobo.globo.com/sociedade/ciencia/vulto-misterioso-visto-em-lago-na-maior-lua-de-saturno-batizado-de-ilha-magica-12972927).

Tirada a mais de um bilhão de quilômetros da terra, a foto me pareceu um convite ao devaneio cósmico, já que "na fotografia capturada, o vulto é um pouco mais do que uma mancha branca em uma imagem granulada tirada do hemisfério norte de Titã". Mas como manchas pouco nítidas parecem ter pouca atratividade no mercado editorial, os "astrônomos nomearam a bolha de 'ilha mágica' até que se tenha uma ideia melhor do que se está olhando".

A saída poderia ter sido uma astuta jogada de marketing interplanetário. Ora, se o segredo é a alma do negócio, então a ambivalência deveria ser o seu esqueleto. De acordo com Jason Hofgartner, cientista da Universidade de Cornell, em Nova York, "nós não podemos ter certeza do que é ainda, porque nós só temos a imagem de um momento, mas não é algo que você normalmente vê em Titã."

"Não sei o que é, só sei que não se vê muito por aqui", parece ser a conclusão dos cientistas envolvidos na análise das imagens do lago Ligeia, um dos três maiores lagos "da maior lua de Saturno". O fato de ser este "o único lugar fora da Terra conhecido por ter líquidos estáveis ​​em sua superfície e a chuva caindo de seus céus" torna o evento ainda mais intrigante: "Com 12 milhas de comprimento e seis milhas de largura, o ponto brilhante aparece em uma imagem de 10 de julho de 2013, mas não aparece em fotos do mesmo local tiradas anteriormente e em 26 de julho do mesmo ano", explica a notícia.

Hipóteses pululam: "O local distorcido poderia ser um iceberg que se soltou da costa, um efeito de bolhas ou ondas rolando em toda a superfície do lago". Mas qualquer uma dessas hipóteses perde a graça diante da opção pela "Ilha mágica" que, diga-se de passagem, soa bem mais bacana aos ouvidos.

Pois bem: a "Ilha mágica" é esse lugar inóspito para onde fogem todas as sensibilidades literárias que tentam escapar do monotema da Copa do Mundo. O que eu não contava encontrar, no meio do caminho, era essa chuva de meteoros ufanistas, ávidos pelos detalhes da última partida de futebol, atrapalhando a viagem da minha imaginação.

Bem, desisto! Quem não se sentiu um pouco mais brasileiro hoje e não torceu pelo nosso time que atire a primeira pedra, porque eu já morri soterrada pela chuva de meteoros desta tarde. Boa noite para quem fica. E Ilha mágica: um dia eu chego lá!


terça-feira, 17 de junho de 2014

Hermes científicos

Não deixa de ser instigante a notícia que a Folha de S. Paulo veiculou hoje sobre sua 2ª turma do Programa de Treinamento em Jornalismo de Ciência e Saúde, que começou no início deste mês de junho.

Perguntados sobre a principal razão de seu interesse pela programa, as respostas dos 7 integrantes, provenientes de diversas áreas, variaram tanto quanto o perfil do grupo selecionado: "São quatro jornalistas e estudantes de jornalismo e três de outras áreas: uma engenheira química, um biólogo e um biomédico" (http://novoemfolha.blogfolha.uol.com.br/2014/06/16/trainees-de-ciencia-e-saude-contam-por-que-escolheram-o-programa/).

Apesar da diversidade e da  legitimidade de suas motivações, fiquei cá pensando com os meus botões no mercado de trabalho que eles encontrarão daqui a um ou dois anos. Bem, caminha a passos largos uma tal crise do jornalismo que, para mim, já deixou de ser novidade há muito tempo. O assunto era até moda há dez anos atrás, o que aumenta ainda mais o meu constrangimento ao perceber que as pessoas ainda se surpreendem quando tomam pé de semelhante situação.

Para ser mais precisa: fico admirada com o espanto alheio. Que a tal da crise no jornalismo é causada, entre outras coisas, pela convergência tecnológica e pelo enxugamento da mão-de-obra das redações, isto é fato. Evidências e cifras abundam em análises bem mais fundamentadas do que as minhas (http://apublica.org/2013/06/revoada-dos-passaralhos/). Mas, por enquanto, vamos manter o foco na profundidade da crise e não na profundidade da análise.

O pior é que os respingos da crise do jornalismo e da redução do corpo de cabeças pensantes e escreventes dentro dos veículos de comunicação deixa marcas indeléveis na qualidade da cobertura de ciência: 1) abundam as matérias por agência de notícias internacionais; 2) pior ainda, os famosinhos press releases grassam sem deixar marcas de autoria; 3) no final das contas, é a etapa da apuração vai para as cucuias e, com ela, as tentativas honestas de travar um contato direto e respeitoso com os sujeitos que fazem ciência aqui no Brasil, sejam eles brasileiros ou, -por que não dizer? - membros de equipes internacionais sediadas aqui.

Uma consequência nefasta deste quadro é que a pesquisa de ponta feita aqui e publicada lá acaba não sendo noticiada em canto algum. Lá em cima, no Hemisfério Norte, onde estão sediadas os períodos de maior peso e impacto, institutos de pesquisa, universidades e os próprios periódicos científicos são mais ágeis no corpo-a-corpo com a imprensa e acabam emplacando suas vedetes científicas. As agências internacionais fazem eco. E nós compramos o peixe importado. Quando muito, perguntamos aos daqui o que eles têm a dizer sobre o peixe importado. E perdemos a chance de aumentar o debate sobre a pesquisa que se faz aqui, não só no sentido de aplaudi-la como também de submetê-la ao crivo público. No final das contas, permanecemos todos desinformados, ébrios de admiração com a pesquisa feita no Primeiro Mundo.

Pois bem. Precisamos, contudo, cumprir uma etapa importante para que o debate sobre a crise no jornalismo ganhe corpo: precisamos traduzi-la em indicadores precisos e quantificáveis. Como minha equipe e eu alimentamos diariamente um banco de dados de matérias de ciência publicadas em três jornais online, material de análise não nos falta. Aceitamos, pois, o desafio.

Dentro em breve, apresentaremos um esboço das principais fontes que alimentam as matérias de ciência veiculadas no Brasil. Os resultados desta análise - estes sim! - irão surpreender muita gente, na esperança, claro, de que a surpresa de muitos mude algo neste cenário.

No mais, Gerais. A seguir, cenas do próximo capítulo de uma crise que já virou novela.



quinta-feira, 12 de junho de 2014

Árvore da vida

Breve comentário sobre esses grandes milagres que passam quase desapercebidos, principalmente em meio ao burburinho.

Homem de 52 anos é resgatado após ficar dois dias preso em árvore para escapar de enchente, relata notícia publicada no jornal Folha de S. Paulo (http://brasil.blogfolha.uol.com.br/2014/06/11/fiquei-com-medo-e-senti-frio-diz-homem-resgatado-de-arvore-no-pr/).

Morador de uma ilha do rio Piquiri, em Francisco Alves, a 485 km de Curitiba, Josias Camilo da Graça perdeu a cabana, o bote e todos os seus pertences, mas conservou intactas a sua vida e a fé (que, se não moveu montanhas, pelo menos manteve as águas abaixo do seu pescoço): "Fiquei com medo de cochilar e cair, peguei uma corda e me amarrei. Na madrugada, a água batia nos meus pés, e eu tive que me agarrar na árvore. Fui salvo pelas mãos de Nossa Senhora Aparecida", disse o sobrevivente. Para não cochilar e cair da árvore, ele próprio se amarrou a ela até ser resgatado na 3ª feira, dia 10 de junho.

Louco para voltar ao seu racho e plantar, o seu Josias conclusão do dia foi: "Se existe uma riqueza boa é a terra, a água é perigosa". Pé firme, fincado na terra úmida: igualzinho à sua árvore da vida!

terça-feira, 10 de junho de 2014

Sobrenatural

Pode alguém viver mais de 100 anos?

Sim. Hoje, graças  às conquistas do finado Estado de Bem-estar Social (se é que alguém ainda ousa a falar dele...) e aos avanços da medicina, é possível ultrapassar a marca de um século de vida.
 
Mas nem todos podem ultrapassar os 110 e  morrer com a glória do químico, parapsicólogo Alexander Imich que, de acordo com notícia publicada no jornal Hoje em Dia online, era "considerado o homem mais velho do mundo"  (http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2014/06/1467348-homem-mais-velho-do-mundo-morre-aos-111-anos-em-nova-york.shtml).

Imich morreu aos 111 anos de idade de morte "morrida" (o que já é um privilégio!), após ter superado em gênero, número e grau a marca de longevidade atribuída ao italiano Roberto Licata, que, por sua vez, morreu "em abril dos  111 anos e 357 dias, segundo o Grupo de Pesquisa Gerontológica de Torrance", na Califórnia.

Imich, um imigrante polonês que terminou seus dias radicado em Nova Iorque, realizou seu gesto mais ousado ao morrer de morte "sobrenatural". Imich morreu com  mais de 110 anos, apesar da clara indicação de que são as mulheres as grandes detentoras do recorde de longevidade: "pelo menos 66 mulheres têm mais idade que Imich, a mais idosa delas 116 anos".

Mas tá tudo bem morrer assim também: em terra de cego, quem tem olho é rei! E Imich morreu com pompa e circunstância, fazendo o que muitos parapsicólogos sonham em fazer, mas jamais se permitem: adiar a própria morte.

Abraços para quem fica.

terça-feira, 3 de junho de 2014

O gênero dos furacões

Tem teoria tão furada, mas tão furada, que ela já nasce natimorta, antes mesmo de suportar qualquer teste empírico.

Pois esta publicada hoje no jornal Folha de S. Paulo, no meu humilde entender, já nasceu agonizando: "Os furacões com nomes femininos podem matar três vezes mais porque as pessoas os percebem como menos ameaçadores do que as tempestades com nomes masculinos, afirmam cientistas" (http://www1.folha.uol.com.br/ciencia/2014/06/1464549-machismo-torna-furacoes-com-nome-de-mulher-mais-letais-diz-estudo.shtml).

Mas quem, afinal, inventou essa história de dar nomes aos bois, ou melhor, aos furacões? Ainda segundo notícia, a prática nasceu nos anos 1970, justamente para tentar evitar o viés de gênero: "Os furacões são nomeados segundo uma ordem pré-determinada e alternada que não tem nada a ver com a força da tempestade. Os cientistas desenvolveram este sistema nos anos 1970 para evitar uma percepção influenciada por gênero".

No entanto, segundo o estudo em questão, se a medida foi pensada para evitar o viés de gênero, o tiro parece ter saído pela culatra. Publicado no periódico Proceedings of the National Academy of Sciences, ele oferece um fundamento estatístico ao viés de gênero: "Comparativamente, estima-se que um furacão com nome masculino cause 15,15 mortes, enquanto se calcula que um furacão com nome feminino cause 41,84 mortes", destacou o estudo.

A questão, porém, é como interpretar esses dados. A explicação oferecida à letalidade dos furacões de nome feminino remete, em princípio - de maneira um tanto quanto contraditória - a uma subestimação do poder de destruição do furacão em função do nome feminino: de acordo com o professor de marketing, Sharon Shavitt, "ao julgar a intensidade de uma tempestade, as pessoas parecem aplicar suas crenças sobre o comportamento masculino e feminino", o que faz com que
"um furacão com nome de mulher, especialmente um com um nome muito feminino, como Belle ou Cindy, parece mais suave ou menos violento".

 Interessante, a meu ver, é associar a letalidade de um furacão à percepção das próprias vítimas e não ao viés da própria classificação científica. Vou ser mais específica; o fato de alternar ciclicamente os nomes masculinos e femininos pode ser um viés dos próprios cientistas (e não das vítimas), favorecendo a associação de nomes femininos justamente aos momentos mais propensos aos furacões de maior magnitude.

Apesar de divergentes quanto à fonte da percepção enviesada, o que subsiste de comum entre elas é a existência do viés de gênero e o entendimento de que este viés mobiliza as pessoas de uma ou outra forma. Resta imaginar qual delas prevaleceria como a melhor interpretação, caso fossem submetidas a um teste empírico.

Como considero que a teoria rival à minha já chegou ao mundo natimorta, sugiro enterrá-la de vez com um teste simples e prosaico: que o próximo furacão seja nomeado com o nome de transgêneros famosos como a Madame Satã ou o Cintura Fina, só para ver o que acontece quando se bagunça a linha que separa uma distinção inequívoca dos gêneros "feminino" e "masculino". Estou curiosa para saber que potencial de destruição se atribuiria a um furacão de tipo "coluna do meio". 
 

50 tons de cores

Quer saber? A arte cansou de imitar a vida e agora ela se contenta em imitar a Arte.

Prova disso é o ensaio fotográfico produzido com o ator que estrelou o filme "50 tons de cinza", inspirado em livro homônimo que acabou se tornando um best-seller da literatura de sala de espera (para alguns, de muita espera). O ensaio, publicado no jornal O Globo online, exala licença poética: o jovem ator traiu o título das obras e aparece em cores, deixando os aclamados 50 tons de cinza para uma única foto (http://ela.oglobo.globo.com/vida/ator-de-cinquenta-tons-de-cinza-exibe-sensualidade-em-ensaio-fotografico-12689356).

 Mas exemplo emblemático mesmo de arte pela arte está aqui: "Um homem foi preso na Coreia do Sul e impedido de voltar para a China depois que o seu filho de apenas 4 anos ‘desenhou’ na página de identificação do seu passaporte, rasurando o documento" (http://www.hojeemdia.com.br/noticias/bizarro/chines-e-impedido-de-sair-da-coreia-do-sul-depois-que-filho-rabiscou-seu-passaporte-1.245371).

O desfecho, contudo, foi um pouco mais trágico do que o simples rompimento da barreira das cores: "Devido à ‘arte’ no documento, as autoridades locais não puderam liberar o homem, que não conseguiu voltar com o resto da família para a China", explica a notícia também publicada hoje no jornal Hoje em Dia online.

Apesar de ter usado uma única caneta preta para expressar seu dom artístico, o pequeno artista está fadado a receber críticas severas da parte de seus progenitores. Considerado delito estético, nem os famosos 50 tons de cinza serviriam como atuante. Sinal claro de que a arte pela arte também tem lá o seu preço...

quarta-feira, 28 de maio de 2014

Estrelados

Bastou a notícia citar o deserto do Atacama como uma das seis melhores destinações, no mundo, para se ver o céu estrelado para a nostalgia bater (http://www1.folha.uol.com.br/turismo/2014/05/1458428-conheca-os-melhores-lugares-do-mundo-para-a-observacao-do-ceu.shtml).





Todas as condições para um céu carregado de estrelas estão por lá e em mais cinco destinos: baixa nebulosidade, pouca poluição luminosa, locais a grandes altitudes. O suficiente para me fazer ir dormir em paz, fazendo planos para novos horizontes.


No mais, boa noite para quem é de boa noite!

terça-feira, 27 de maio de 2014

Gratuidade

Agora vamos falar sobre essa tal de "gratuidade" na era do capitalismo avançado!

Trabalho de cinco mil crianças ajuda a construir uma torre de 34,76 m de altura em Budapeste (Hungria). Tudo bem que a torre era de lego, mas nem por isso o trabalho foi remunerado (http://www.hojeemdia.com.br/noticias/bizarro/construida-com-a-ajuda-de-5-mil-criancas-torre-de-lego-entra-para-o-guinness-1.243811).

Fato é que as cinco mil crianças acabaram contribuindo gratuitamente para que o recorde norte-americano anterior fosse quebrado: "A torre, finalizada neste domingo (25), quebrou o recorde anterior, construída por estudantes norte-americanos da Dickinson da High School em Milltown, Delaware, com 34,43 metros, e entrou para o Guinness, livro dos recordes", explica notícia publicada hoje no jornal Hoje em Dia online.


Outra forma de gratuidade suspeita foi a concessão de sanduíches, pela Companhia Gol, em vôos da ponte aérea Rio-São Paulo. "A empresa aérea Gol voltou a distribuir nesta segunda-feira sanduíches, bolos, biscoitos e tortas salgadas de graça para os passageiros da ponte aérea Rio-São Paulo," conforme notícia publicada no jornal Folha de S. Paulo (http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/05/1460405-gol-volta-a-dar-sanduiche-de-graca-na-ponte-aerea-rio-sao-paulo.shtml). 

O engodo começa na extensão com a qual a "gratuidade" é oferecida: "Antes, só eram servidos porções de amendoim e água de forma gratuita. O restante era cobrado". Ou seja, se alguém ficou animadinho fora do eixo Rio-São Paulo, é melhor ir esperando menos da filantropia das companhias aéreas: "Nas demais rotas domésticas da empresa, a alimentação continuará sendo cobrada", o que inclui justamente a maior parte das rotas do país.

Pois saibam então que o engodo está feito, caros leitores: no caso dos lanches de avião, tudo é pago por nós, consumidores, ao adquirirmos a passagem aérea; no caso da torre de lego, nada é pago por nós, apreciadores do trabalho infantil. Prova de que gratuidade nem sempre é sinal de generosidade. Mundinho de contradições este nosso...

sexta-feira, 23 de maio de 2014

Top 10

Existem, seguramente, diferentes formas de se comunicar os achados da ciência. Algumas são mais convencionais - pôsteres, artigos, entrevistas na TV - outra mais inovadoras. Mas confesso que poucas se assemelharam tanto com uma coluna social do que esta lista preparada pela Faculdade de Ciências Ambientais (FSE) e pelo Instituto Internacional de Exploração de Espécie (IISE) (http://oglobo.globo.com/sociedade/ciencia/vespa-com-franja-arvore-de-20-metros-lagartixa-camuflada-as-novas-especies-da-ciencia-12566880).

"Um comitê internacional de taxonomistas e especialistas no assunto selecionou os principais exemplos entre cerca de 18 mil novas espécies nomeadas em 2013. A lista foi liberada nesta quinta-feira, véspera da data de nascimento de Carolus Linnaeus", relata notícia publicada hoje no jornal O Globo online.

Qualquer semelhança com a Revista Caras não é mera coincidência: "O ranking inclui um quarteto de pequenas espécies recém-chegada à Ciência: um minúsculo camarão esquelético da Ilha de Santa Catalina, na Califórnia; um protista unicelular semelhante à uma esponja; um micróbio que pode ser um perigo em viagens espaciais e uma vespa com franjas chamada Tinkerbell. Também na lista estão uma lagartixa que se camufla na região australiana onde se originou, e um fungo que brilha em cor laranja".

Daí, eu pergunto: neste mundo povoado de celebridades fugazes, o que há de errado em louvar as franjas da vespa ou as cores chamativas do fungo brilhante? A resposta é dada por quem entende de taxonomia: "Nosso top 10 é projetado para chamar a atenção para os pesquisadores heróis e desconhecidos que lutam contra a crise da biodiversidade, trabalhando para completar o inventário de plantas, animais e micróbios da Terra".

Celebridade por celebridade, pelos essas do TOP 10 da taxonomia mundial a gente sabe que não foram lapidadas na ponta do bisturi do cirurgião plástico... por enquanto!

Mas vai que a moda pega...