UA-89169382-1 Crônicas de Juvenal: O milagre

quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

O milagre

Os arautos da Armagedom devem estar tocando trombetas e a turma do "quanto-pior-melhor", dando pulinhos de alegria.

Fato é que o bafafá da vez teve sua gênese há alguns dias, em plena Igreja de Nápoles, na Itália, ainda que só agora o evento tenha vindo a público: um milagre com data marcada para acontecer acabou não chegando às vias de fato. 

Trata-se da tão esperada liquefação do sangre do mártir São Januário, evento que, ao menos em tese, vem se repetindo desde 1389: "Um milagre que, segundo a Igreja Católica, tradicionalmente acontece três vezes por ano na catedral de Nápoles, na Itália, não se realizou no último dia 16," relata notícia publicada hoje no jornal Folha de S. PauloMas passemos logo às consequências do suposto "não milagre": "O que seria o sangue de São Januário, um mártir que viveu por volta do ano 305, não se liquefez, acontecimento que, na tradição católica, seria um prenúncio de grandes tragédias."

Sinceramente? O surpreendente, a meu ver, não é propriamente a ausência do milagre, mas dois fatos subsidiários que ficaram em segundo plano na cobertura da imprensa. O primeiro diz respeito ao fato de que o tal do milagre tenha um cronograma bastante preciso para acontecer. Aliás, querendo, é só anotar: "o sangue, mantido em uma ampola de vidro, se liquefaz tradicionalmente nos dias 19 de setembro, no sábado antes do primeiro domingo de maio e em 16 de dezembro." 

O segundo fato digno de menção é a relação causal estabelecida entre a ausência do milagre e o acontecimento de algumas tragédias ocasionais. De acordo com os moradores de Nápoles, "o mesmo aconteceu em 1980, quando um terremoto atingiu o sul da Itália; em 1973, quando houve uma epidemia de cólera em Nápoles; em 1943, quando a Itália foi ocupada pelos nazistas; em 1940, quanto a Itália entrou na Segunda Guerra Mundial; e em 1939, quando a guerra começou." Em outros termos, e de maneira indireta, a presença ou a ausência do milagre acaba fazendo as vezes de oráculo: sem milagre, tragédia à vista; com milagre, vida que segue.  

Não se sabe ao certo se a correlação estatística entre essas duas ordens de evento já foi confirmada, mas, de qualquer forma, a amostra de tragédias identificadas já demonstra um ligeiro viés napolitano: a cidade sede da relíquia de São Januário figura campeã entre os locais mais afetados pelas tragédias, seguida pelo resto da Itália. 

Pelo sim, pelo não, e em tempos de crise e de salários atrasados pelo nosso Brasil afora, cabe até perguntar: um 13º salário em dia também vale como milagre? Seja lá qual for a resposta, a Igreja Católica parece não estar querendo render muito o assunto: "não devemos pensar em tragédias e calamidades. Somos homens de fé e devemos continuar rezando," sugere o abade de Nápoles, Vincenzo de Gregorio. 

Eu, se fosse abadessa, iria um pouco além: em 2017, seja você mesmo o seu próprio milagre e não espere ele cair do céu. Mas como não sou, fico por aqui, ouvindo as trombetas ressoarem no horizonte. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário