Alô, alô, você que sobreviveu até aqui: o que você e o Brasil podem esperar das retrospectivas de um ano como 2016?
A Folha de S. Paulo até fez um esforço - louvável, reconheço - de compilar acontecimentos positivos que ocorreram ao longo de 2016. Porém, algo de muito grave deve ter ocorrido em algum ponto entre a intenção e o resultado.
Em primeiro lugar, a lista é tão curta quanto o saldo bancário da maioria dos trabalhadores desse país, nela constando apenas oito itens sucintamente comentados. Em segundo lugar, desses oito tópicos, dois fazem alusão a países próximos - Chile (início da não cobrança de mensalidades no ensino superior) e Colômbia (selado acordo de paz entre governo e as FARC). E um terceiro fala do cenário internacional ao abordar a entrada em vigor do Tratado de Paris, que obriga os países signatários a adotarem medidas de medidas de combate à mudança climática.
Dentre os cinco acontecimentos positivos restantes, dois deles são de alcance regional, isto é, dizem respeito especificamente ao estado de São Paulo. Dentre estes últimos, figuram o fim a crise hídrica no sistema de abastecimento da Cantareira e a redução do número de acidentes fatais nas marginais Tietê e Pinheiros.
Das três notícias que nos sobraram, duas são bastante controversas. Por exemplo, a autorização da vacina da dengue foi vista com reservas por epidemiologistas, pois sua eficácia não foi considerada alta (cerca de 66% das pessoas imunizadas se tornaram, de fato, resistentes; vacinas consideradas eficazes costumam apresentar taxa superior a 90%). Além disso, seu preço elevado (R$133) seria um dificultador do acesso das camadas mais desfavorecidas da população brasileira ao medicamento. Já a alegada "desaceleração da alta da inflação", considerada na compilação "a menor em meses de novembro desde 1998", comemora um tiro no pé: a inflação continua alta - acima de 6% ao mês - e ainda bastante acima do 4,5% fixados como meta pelo governo.
Sobrou, então, um último acontecimento de 2016 indiscutivelmente positivo: pela primeira vez na história desse país, um longa metragem de animação brasileiro concorreu ao Oscar. "A produção 'O Menino e o Mundo', do paulista Alê Abreu, tornou-se a primeira do país a disputar o Oscar na categoria melhor longa de animação", relata orgulhosamente a notícia.
Mesmo tendo a perdido a disputa final, "O Menino e o Mundo" conseguiu o improvável: trazer alguma animação para a vida dos brasileiros. Sem trocadilhos, dessa vez...
Quanto a você, caro leitor, aqui vai um conselho gratuito de minha própria lavra: trate de elaborar você mesmo sua lista pessoal e intransferível de acontecimentos positivos que ocorreram neste ditoso ano de 2016. Porque, se depender das compilações, vamos preferir não passar o ano a limpo.
A autora criou esse blog para divagar sobre o que lê diariamente nos jornais, com foco principalmente (mas não exclusivamente) na cobertura diária de ciência. Suas principais armas são a ironia de inspiração machadiana e um computador bacaninha (ela tirou o escorpião do bolso e comprou um de verdade). Ao citar alguma passagem, por favor, dê créditos para a autora: até para as grandes bobagens o direito autoral é inalienável.
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