UA-89169382-1 Crônicas de Juvenal: dezembro 2015

quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

Meu ombro direito

Vou direto ao ponto: quem atravessou 2015 entendeu o que é viver um ano de altíssima periculosidade!

Mas não se iluda: não vim aqui hoje para me queixar deste ano que deixou muitos (senão todos) de queixo caído. Nem tampouco vou propor qualquer retrospectiva que seja - já tem tantas por aí e a minha não haveria de ser mais a interessante, nem mais a acurada ou muito menos a mais representativa das peripécias vividas neste ano ímpar.

Há, contudo, algo de divinamente surpreendente neste ano que está em vias de terminar. 2015 foi, sem dúvida, um ano predestinado a nos tirar o fôlego, as certezas e, muitas vezes, o próprio chão debaixo dos pés. E como este foi um ano que nos pregou muitas peças - para o bem e para o mal - assim tem sido até os 45 minutos do 2o tempo do jogo.

Pois vejam só a minha sina neste finalzinho de ano. Na noite de antes de ontem para ontem, eu me preparava para fechar o ano fazendo as atividades rotineiras que mais gosto: natação e yoga. Cidade vazia, trânsito tranquilo, condições ideais para deslocamento a pé ou em transporte coletivo. Isso sem falar daquela necessidade interna de passar tudo a limpo, de expurgar o corpo suando as impurezas, de alongar a alma e expandir o fôlego.

Pois bem: 2a feira à noite, texto publicado no blog, cama arrumada, corpo cansado, sono chegando. O que poderia dar errado? Na 3a feira de manhã, acordei no horário habitual, abri os olhos e olhei as horas no celular, antes mesmo do despertador tocar. Até aqui, tudo certo. Tempo nublado, Centro Esportivo Universitário vazio, aqui vamos nós. Repito: o que poderia dar errado?

Nada, a não ser o fato de eu ter dormido a noite inteira sobre o meu ombro direito. Passados esses primeiros minutos, dores lancinantes me avisaram que algo não ia bem. Talvez em função do cansaço na noite anterior e do sono demasiadamente pesado. Pronto: não consigo mexer o braço sem ver estrelinhas de dor. Então tentei, com muito jeitinho, fazer a rotação do ombro para frente e para trás. Acabei desistindo. Joguei a toalha. Não vou nadar hoje. Vou deixar para fazer yoga no final do dia.

Troquei mensagens com uma amiga fisioterapeuta: há pouco ou nada a fazer, senão colocar bolsa de água quente e esperar a gravidade fazer seu trabalho, recolocando tudo no lugar. A previsão era a de que os movimentos se normalizassem ao longo do dia, o que, de fato, não aconteceu. À noite, bolsas de água quente melhoraram a situação, mas não o suficiente para permitir a retomada das atividades físicas. Desisti da yoga ontem, desisti da yoga hoje. E nadar, nem pensar.

Tudo isso para dizer que, quando menos se espera, o ano de 2015 ainda consegue deixar sequelas na memória. Ele avisa aos passantes que nada é garantido, que tudo pode acontecer (até mesmo quando se está apenas dormindo) e que tudo (absolutamente tudo) passa.

Inclusive, essa minha inesperada dor no ombro direito. Que assim seja. Assim será. E se a gente não voltar a se falar neste ano de 2015, até 2016.



terça-feira, 29 de dezembro de 2015

A grande bola de cristal

Não sei se esta notícia publicada no hoje no jornal O Globo online faz o seu gênero, mas ela certamente vai agradar àquele sujeito que - estando de férias, desempregado ou trabalhando em ritmo de lentidão pós-natalina - ainda teima em sonhar de olhos abertos com a virada de ano na Times Square, em Nova Iorque.

A notícia em questão ensina que "a principal atração do Ano Novo em Nova Iorque já está recebendo os últimos retoques para sua entrada triunfal nos primeiros segundos de 2016". A atração, no caso, refere-se a uma bola de cristais Waterford (conhecida como a  mais refinada e a mais cara marca de cristais no mundo), que é vertida do alto do prédio One Times Square. Ela perfaz o percurso de 43 metros morro abaixo para, então, permanecer presa a uma altura de 145 metros do chão, "durante um minuto, nos primeiros instantes do ano que se inicia".

Para torná-la um autêntico "Gift of Wonder", segundo os termos do seu projeto original, são necessários nada mais nada menos do que 2.388 triângulos de cristal ajustados à bola. Fora isso, "os cristais customizados, que são criados por artesãos, suportam ventos fortes, chuva e variações de temperatura". 


Quanto a mim, cujo grau de sofisticação é comparável ao de um socozinho na Lagoa da Pampulha, corro e esconjuro esta afronta à verdadeira vocação das bolas de cristal. Em tempos turbulentos como os nossos, bolas de cristal não deveriam voar do alto de edifícios, nem muito menos servir à apreciação coletiva em praça pública. 


Ao contrário dessa mise en scène toda, bolas de cristal são destinadas ao confinamento em uma única mão, de preferência treinada para o ofício da premonição. E mesmo sendo instrumento divinatório dos mais manjados, elas assim deveriam permanecer até o final dos tempos. Do contrário, ocasionarão o desemprego de ciganas avulsas, dessas que atendem em casa, com indumentária própria, sem carteira assinada ou qualquer representação sindical, pela módica quantia que um assalariado mínimo conseguiria, mesmo que por puro capricho, pagar.


Por essas e outras, o meu voto hoje vai pela redução do risco de acidentes em eventos público, pela preservação das profissões em vias de extinção e, consequentemente, pela reserva de mercado às ciganas de profissão.


Sem mais para o dia de hoje, fico por aqui torcendo para que a transição do ano de 2015 se faça com toda a doçura e (tudo correndo bem) para algo novo e muito melhor do que o que se viu até agora.



terça-feira, 15 de dezembro de 2015

Milagre biônico

O olho biônico implantado recentemente em uma cidadã norte-americana no Hospital do Olho da Universidade do Colorado é tão surpreendente que chega a ser difícil de acreditar.

Foram grandes os desafios vencidos para que Jamie Carlye superasse os efeitos deletérios de doença chamada retinite pigmentosa, responsável por prejudicar a visão dos seus dois olhos, além da visão periférica e noturna, até leva-la à cegueira total aos vinte anos de idade. 

Um deles foi implantar  um microchip conectado a 60 eletrodos implantados na retina do seu olho direito. Após uma cirurgia de 5 horas, os médicos conseguiram fazer com que os eletrodos fossem conectados a óculos especial, capaz de transmitir "o que é captado por uma pequena câmera até o seu cérebro". Após a cirurgia, Carlye recuperou a capacidade de ver formas e contraste e pôde experimentar, pela primeira vez, a oportunidade de ver seu filho de 15 anos.

Mas - reza a lenda! - o maior desafio vencido mesmo foi a quitação da fatura de US$150 mil (mais ou menos o equivalente a R$565 mil) cobrada pelo hospital pela cirurgia da paciente. Só que desta vez, não foi ela, a paciente, que teve que tirar o escorpião do bolso. Mas "a equipe médica que operou Jamie, no entanto, afirma que o valor deve ser coberto pelo plano de saúde da americana".

Em terra de cego, quem tem olho biônico ou é rei ou é acionista majoritário de plano de saúde.







quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

Insinceridade geracional

Que as gerações vivam lá os seus conflitos de tempos em tempos, isso já é de praxe. Mas bastou mais um daqueles estudos comportamentais de teor duvidoso para colocar em evidência o fosso que divide as gerações da era do impresso das gerações da era digital.

A notícia (para variar) chegou de segunda mão por aqui, devidamente mediada (como sempre) pelos jornais do centro do mundo (no caso, o Washington Post). Publicada no jornal Folha de S. Paulo, ela fala de um estudo da Universidade de Binghamton, conduzido com um grupo de 126 universitários. O intuito da pesquisa era testar "como as mensagens eram recebidas, com e sem ponto final."

A conclusão é estarrecedora: "Quando as pessoas recebiam mensagens de texto encerradas por um ponto, os receptores atribuíam uma maior falta de sinceridade ao texto." E por que cargas d'água um ponto final mudaria toda credibilidade de um texto - e para pior? A explicação da pesquisadora Celia Klin é bastante verossímil, ainda que ela não explique em nada a implicância com o coitado do ponto final.

Para não dizer que a implicância agora é minha, vejam como o percurso do raciocínio é tortuoso. Segundo ela, "mensagens de texto não transmitem a maior parte dos indicadores de sociabilidade usados em conversas presenciais." Ok, fácil concordar. Depois ela prossegue, dizendo que "quando as pessoas falam, elas comunicam informações sociais e emocionais com os olhos, expressões faciais, tom de voz, pausas e tudo o mais". Ok também (e aqui passamos do fácil para o óbvio).

Contudo, a explicação a explicação final mais reforça a importância da pontuação do que explica propriamente a correlação entre pontuação e insinceridade. "As pessoas obviamente não conseguem usar esses mecanismos quando estão mandando mensagens de texto. Então faz sentido que quem receba as mensagens conte com os sinais disponíveis - emoticons, palavras escritas errado de propósito e, de acordo com nossos dados, pontuação."

No fim das contas, a questão que permanece acaba sendo outra: para que caçar confusão, alegando a falta de lógica de um raciocínio para um público que anda duvidando até da idoneidade dos pontos finais?

Vou dormir com essa, mas não prometo resposta matinal.

terça-feira, 8 de dezembro de 2015

COP das estrelas

A mensagem mais notável para os delegados de 195 países que estão reunidos agora, em Paris, para a Conferência das Partes da Convenção do Clima das Nações Unidas, a famosa COP-21, não veio do Leonardo di Caprio (muito embora este último tenha tentado mandar seu recado ao entrevistar a secretária-executiva da Convenção do Clima da ONU, Christiana Figueres). A grande sensação foi o astronauta americano Scott Kelly, que mandou seu recado ao vivo da Estação Espacial Internacional. 

Os argumentos de Kelly foram contundentes e encontraram respaldo na perspectiva privilegiada de quem compõe um seleto grupo de menos de 550 seres humanos que já tiveram o privilégio de ver a Terra de fora. O número dessas pessoas certamente pode até não ser grande, mas, segundo notícia publicada no jornal O Globo online, "foi o suficiente para registrar os danos causados pela indústria e outros agentes." 

No frigir dos ovos, a mensagem de Scott Kelly tornou-se um chamado à uma consciência ampliada dos efeitos partilhados das mudanças climáticas que o planeta vem passando. Ao se despedir do público com uma cambalhota em microgravidade, o astronauta conseguiu destoar do mar de separatividade e acusações mútuas que costumam permear as polêmicas em reuniões da ONU sobre mudanças climáticas. Segundo ele, "o que afeta a África, afeta a América Norte, que afeta a Ásia. Éo maior problema que o planeta tem que enfrentar."

Verdade, camarada! Vivemos todos em um único planeta e o que afeta o meu vizinho, afeta a mim também. Nem precisaríamos ir tão longe para chegar a esta conclusão, mas, já que você chegou, obrigada por compartilha-la os outsiders do seu seletíssimo grupo de 550 privilegiados.



terça-feira, 1 de dezembro de 2015

Cosmeticamente contestados

Não me canso de repetir que este mundo em que vivemos é um mundo de paradoxos. Não raro, esses paradoxos vêm travestidos de ironia, como demonstram os exemplos a seguir.

Notícia publicada hoje na Folha de S. Paulo explica como a empresa californiana Imperfect Produce acaba de descobrir um novo filão de mercado: ela vende alimentos "cosmeticamente contestados", isto é, espécimes de legumes e verduras consideradas "feias" ou "contorcidas o suficiente para perder um hipotético concurso de beleza contra similares mais redondas ou mais simétricas."

A ideia por trás do novo filão é que esses legumes e verduras, justamente por não alcançarem um determinado padrão estético (sim, ele existe), são mais facilmente descartados pelas grandes redes de supermercado. A saída, portanto, é tornar o seu aspecto peculiar economicamente atrativo. Um dos supermercados que comprava alimentos feios da Imperfect Produce, por exemplo, chegava a vender esses exemplares por um preço 40% inferior aos de aparência perfeita.

Aparentemente, a estratégia visa também a reduzir o desperdício de comida, o que em si justifica toda a tietagem em cima de um pepino torto ou de cenouras grudadas umas às outras. Difícil é engolir (literalmente) variações em torno do mesmo tempo do combate ao desperdício, como o supermercado  Daily Table, sediado na cidade de Boston, que vende "alimentos embalados com a data de vencimento passada, mas que ainda são seguros (e saborosos) o suficiente para consumo."

Enquanto o alimento feio ou com data de validade vencida é revalorizado na América do Norte, cá embaixo, no País das Mil e Uma Plásticas, a beleza e o luxo associados ao prazer da leitura perdem espaço comercial com o fechamento da Editora Cosac Naify. Conhecida por produzir livros de arte de luxo e com "produção gráfica sofisticada", privilegiando, muitas vezes, livros de difícil consumo.

Moral da história: legumes feios e livros bonitos são privilégios para poucos em um país de contrastes como o nosso, cuja parte expressiva da população considera as cirurgias plásticas como verdadeiras prioridades parceláveis a perder de vista ou financiadas por consórcio.