UA-89169382-1 Crônicas de Juvenal: Cosmeticamente contestados

terça-feira, 1 de dezembro de 2015

Cosmeticamente contestados

Não me canso de repetir que este mundo em que vivemos é um mundo de paradoxos. Não raro, esses paradoxos vêm travestidos de ironia, como demonstram os exemplos a seguir.

Notícia publicada hoje na Folha de S. Paulo explica como a empresa californiana Imperfect Produce acaba de descobrir um novo filão de mercado: ela vende alimentos "cosmeticamente contestados", isto é, espécimes de legumes e verduras consideradas "feias" ou "contorcidas o suficiente para perder um hipotético concurso de beleza contra similares mais redondas ou mais simétricas."

A ideia por trás do novo filão é que esses legumes e verduras, justamente por não alcançarem um determinado padrão estético (sim, ele existe), são mais facilmente descartados pelas grandes redes de supermercado. A saída, portanto, é tornar o seu aspecto peculiar economicamente atrativo. Um dos supermercados que comprava alimentos feios da Imperfect Produce, por exemplo, chegava a vender esses exemplares por um preço 40% inferior aos de aparência perfeita.

Aparentemente, a estratégia visa também a reduzir o desperdício de comida, o que em si justifica toda a tietagem em cima de um pepino torto ou de cenouras grudadas umas às outras. Difícil é engolir (literalmente) variações em torno do mesmo tempo do combate ao desperdício, como o supermercado  Daily Table, sediado na cidade de Boston, que vende "alimentos embalados com a data de vencimento passada, mas que ainda são seguros (e saborosos) o suficiente para consumo."

Enquanto o alimento feio ou com data de validade vencida é revalorizado na América do Norte, cá embaixo, no País das Mil e Uma Plásticas, a beleza e o luxo associados ao prazer da leitura perdem espaço comercial com o fechamento da Editora Cosac Naify. Conhecida por produzir livros de arte de luxo e com "produção gráfica sofisticada", privilegiando, muitas vezes, livros de difícil consumo.

Moral da história: legumes feios e livros bonitos são privilégios para poucos em um país de contrastes como o nosso, cuja parte expressiva da população considera as cirurgias plásticas como verdadeiras prioridades parceláveis a perder de vista ou financiadas por consórcio.

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