UA-89169382-1 Crônicas de Juvenal: 2016

quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

Retrospectiva 2016 - lado B

Como entender o ano de 2016?

Como o assunto é complexo, melindroso e altamente controverso, minha proposta é usar uma metáfora. Sim, caro leitor, é assim que a coisa funciona: quando a coisa aperta e gente não sabe como dar conta do recado, a regra é apelar para uma metáfora.

Pois bem, vamos a ela.

Notícia publicada hoje no jornal O Globo online (em parceria com agências internacionais) coloca o Centro Médico Universitário de Utrecht (UCM) sob a luz dos holofotes. Segundo a notícia, 26 mulheres que realizaram fertilização in vitro nesta instituição "podem ter tido seus óvulos fertilizados pelo esperma errado."

Ainda de acordo com a notícia, uma investigação foi aberta após a detecção de um "erro processual", a saber: "houve uma mistura dos espermatozóides de casais que realizaram o procedimento entre abril e novembro de 2016, dando margem para que as mulheres fossem fecundadas pelo esperma de outros homens que não os seus parceiros." Trocando em miúdos, "há uma chance de que os óvulos tenham sido fecundados por espermatozóides além daquele do pai pretendido."

Para coroar a história de glória, sabe-se que metade das mulheres submetidas ao tratamento de fertilidade já engravidou e que algumas delas já deram, inclusive, à luz. O erro processual vale também para os casais que possuem embriões congelados.

Diante do exposto, se tivéssemos que definir 2016 de maneira bastante breve, ele seria o ano gerado pelo esperma do pai errado, com o qual tivemos que conviver durante 12 meses.

Simples assim.

Com uma ressalva, claro: os pais das crianças nascidas desses erros processuais terão que conviver com o erro pelo resto da vida. Já nós...

sábado, 24 de dezembro de 2016

Retrospectiva 2016 - lado A

Alô, alô, você que sobreviveu até aqui: o que você e o Brasil podem esperar das retrospectivas de um ano como 2016?

A Folha de S. Paulo até fez um esforço - louvável, reconheço - de compilar acontecimentos positivos que ocorreram ao longo de 2016. Porém, algo de muito grave deve ter ocorrido em algum ponto entre a intenção e o resultado.

Em primeiro lugar, a lista é tão curta quanto o saldo bancário da maioria dos trabalhadores desse país, nela constando apenas oito itens sucintamente comentados. Em segundo lugar, desses oito tópicos, dois fazem alusão a países próximos - Chile (início da não cobrança de mensalidades no ensino superior) e Colômbia (selado acordo de paz entre governo e as FARC). E um terceiro fala do cenário internacional ao abordar a entrada em vigor do Tratado de Paris, que obriga os países signatários a adotarem medidas de medidas de combate à mudança climática.

Dentre os cinco acontecimentos positivos restantes, dois deles são de alcance regional, isto é, dizem respeito especificamente ao estado de São Paulo. Dentre estes últimos, figuram o fim a crise hídrica no sistema de abastecimento da Cantareira e a redução do número de acidentes fatais nas marginais Tietê e Pinheiros.

Das três notícias que nos sobraram, duas são bastante controversas. Por exemplo, a autorização da vacina da dengue foi vista com reservas por epidemiologistas, pois sua eficácia não foi considerada alta (cerca de 66% das pessoas imunizadas se tornaram, de fato, resistentes; vacinas consideradas eficazes costumam apresentar taxa superior a 90%). Além disso, seu preço elevado (R$133) seria um dificultador do acesso das camadas mais desfavorecidas da população brasileira ao medicamento. Já a  alegada "desaceleração da alta da inflação", considerada na compilação "a menor em meses de novembro desde 1998", comemora um tiro no pé: a inflação continua alta - acima de 6% ao mês - e ainda bastante acima do 4,5% fixados como meta pelo governo.

Sobrou, então, um último acontecimento de 2016 indiscutivelmente positivo: pela primeira vez na história desse país, um longa metragem de animação brasileiro concorreu ao Oscar. "A produção 'O Menino e o Mundo', do paulista Alê Abreu, tornou-se a primeira do país a disputar o Oscar na categoria melhor longa de animação", relata orgulhosamente a notícia. 

Mesmo tendo a perdido a disputa final, "O Menino e o Mundo" conseguiu o improvável: trazer alguma animação para a vida dos brasileiros. Sem trocadilhos, dessa vez...

Quanto a você, caro leitor, aqui vai um conselho gratuito de minha própria lavra: trate de elaborar você mesmo sua lista pessoal e intransferível de acontecimentos positivos que ocorreram neste ditoso ano de 2016. Porque, se depender das compilações, vamos preferir não passar o ano a limpo.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

O milagre

Os arautos da Armagedom devem estar tocando trombetas e a turma do "quanto-pior-melhor", dando pulinhos de alegria.

Fato é que o bafafá da vez teve sua gênese há alguns dias, em plena Igreja de Nápoles, na Itália, ainda que só agora o evento tenha vindo a público: um milagre com data marcada para acontecer acabou não chegando às vias de fato. 

Trata-se da tão esperada liquefação do sangre do mártir São Januário, evento que, ao menos em tese, vem se repetindo desde 1389: "Um milagre que, segundo a Igreja Católica, tradicionalmente acontece três vezes por ano na catedral de Nápoles, na Itália, não se realizou no último dia 16," relata notícia publicada hoje no jornal Folha de S. PauloMas passemos logo às consequências do suposto "não milagre": "O que seria o sangue de São Januário, um mártir que viveu por volta do ano 305, não se liquefez, acontecimento que, na tradição católica, seria um prenúncio de grandes tragédias."

Sinceramente? O surpreendente, a meu ver, não é propriamente a ausência do milagre, mas dois fatos subsidiários que ficaram em segundo plano na cobertura da imprensa. O primeiro diz respeito ao fato de que o tal do milagre tenha um cronograma bastante preciso para acontecer. Aliás, querendo, é só anotar: "o sangue, mantido em uma ampola de vidro, se liquefaz tradicionalmente nos dias 19 de setembro, no sábado antes do primeiro domingo de maio e em 16 de dezembro." 

O segundo fato digno de menção é a relação causal estabelecida entre a ausência do milagre e o acontecimento de algumas tragédias ocasionais. De acordo com os moradores de Nápoles, "o mesmo aconteceu em 1980, quando um terremoto atingiu o sul da Itália; em 1973, quando houve uma epidemia de cólera em Nápoles; em 1943, quando a Itália foi ocupada pelos nazistas; em 1940, quanto a Itália entrou na Segunda Guerra Mundial; e em 1939, quando a guerra começou." Em outros termos, e de maneira indireta, a presença ou a ausência do milagre acaba fazendo as vezes de oráculo: sem milagre, tragédia à vista; com milagre, vida que segue.  

Não se sabe ao certo se a correlação estatística entre essas duas ordens de evento já foi confirmada, mas, de qualquer forma, a amostra de tragédias identificadas já demonstra um ligeiro viés napolitano: a cidade sede da relíquia de São Januário figura campeã entre os locais mais afetados pelas tragédias, seguida pelo resto da Itália. 

Pelo sim, pelo não, e em tempos de crise e de salários atrasados pelo nosso Brasil afora, cabe até perguntar: um 13º salário em dia também vale como milagre? Seja lá qual for a resposta, a Igreja Católica parece não estar querendo render muito o assunto: "não devemos pensar em tragédias e calamidades. Somos homens de fé e devemos continuar rezando," sugere o abade de Nápoles, Vincenzo de Gregorio. 

Eu, se fosse abadessa, iria um pouco além: em 2017, seja você mesmo o seu próprio milagre e não espere ele cair do céu. Mas como não sou, fico por aqui, ouvindo as trombetas ressoarem no horizonte. 

quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

Mini-ostentação

Olha, nem precisa ser pedagoga para avaliar como sofrível a lista dos presentes que as crianças ricas ganham de Natal. Compilada pelo jornal britânico Daily Telegraph e oferecida ao público brasileiro pelo O Globo online, a lista vem recheada de imagens sedutoras e seus respectivos preços, prometendo encher os olhos de quem lê - seja lá de admiração, consternação ou dó.

No entanto, uma análise sensata, levando-se em consideração a adequação ao usuário como primeiro critério, desclassificaria a maior parte da seis opções de presentes descritas na matéria. Por exemplo, a réplica em lego da espaçonave Millenium Falcon jamais chegará às mãos da criança se o pai ou a mãe for um aficcionado do filme Stars Wars (ou Guerra nas Estrelas, se preferirem). Agora, pasmem com o precinho do brinquedo, considerado "o kit de lego mais caro que existe": ele está avaliado, senhoras e senhores, em R$ 34.000. O mesmo raciocínio vale para a pista de carrinhos de 4 metros de extensão da marca Scalextric, avaliada em R$4.900: complexa demais para uma criança montar sozinha, é bem provável que o primeiro adulto por perto se aproprie dela - obviamente, sob o pretexto de monta-la para a criança.

Outro critério (des)classificatório de algumas das opções fornecidas pela lista é o seu gosto estético extremamente duvidoso. A tal casinha de árvore com dois andares e 16 janelas da marca Kyoto Maxi Playhouse lembra muito o foguetinho do programa Domingo no Parque, do Sílvio Santos. Ou seja, além de custar os olhos da cara - algo em torno de R$19.000 - é feia de doer, ou seja, muito menos apresentável que sua tradicional correlata em madeira. Já a girafa de pelúcia de 2,5 metros da marca Steiff, avaliada em R$13.000, promete ser um desafio para toda a família: quem consegui montar nela paga a conta!

Por fim, vem a questão da relação custo-benefício. A máquina de pinball do Pac Man, no valor de R$15.000, é só ostentação. Por um terço do preço anunciado, é possível adquirir um Pinball Digital em máquina de fliperama de verdade (preços disponíveis no Mercado Livre). E este último tem ainda a vantagem de ser alimentado por moedinhas - um pequeno luxo que deveria, ao menos em princípio, pacificar bastante a alma de quem gosta de ostentar.  

Sobrou apenas o mini-Bentley, um carrinho invocado, "inspirado em modelo da década de 1920", destinado a substituir o tradicional carrinho de rolimã. É bem bonitinho, é verdade, mas é também ordinário: por R$20.000, o usuário jamais experimentará as mesmas emoções aerodinâmicas vividas em cada curva fechada em declive, nem os dedos esfolados no asfalto e muito menos os capotamentos fantásticos que só um carrinho de rolimã original pode ocasionar.  

Por essas e por outras, minha suspeita é que os seis presentes bilionários devem responder mais às necessidades psíquicas dos pais - auto-afirmação, carência, culpa - do que propriamente ao usufruto pelos filhos.

Ou não... como diria Caetano Veloso.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

Exofuga

Os acontecimentos recentes no Brasil aumentaram exponencialmente meu interesse em saber mais sobre a possibilidade de vida humana no exoplaneta HAT-P-7b. Contudo, a alegria e a esperança de migrar para o "gigante gasoso," localizado a mais de mil anos luz de distância da Terra, durou pouco.

Segundo artigo publicado na revista Nature Astronomy, o HAT-P-7B, exoplaneta 16 vezes maior que a Terra, acaba de ter seus sistema climático desvendado com o auxílio de imagens captadas pelo telescópio Kepler ao longo de quatro anos. Mudanças perceptíveis na localização do ponto mais brilhante do planeta levaram os pesquisadores da equipe de David Armstrong, da Universidade de Warwick (Reino Unido), a concluírem que tais mudanças se devem à presença de ventos de velocidade variável ao redor do exoplaneta. 

"Os ventos mudam de velocidade dramaticamente, levando a formação de enormes nuvens, que se dissipam em seguida," que se movem do lado noturno para o lado diurno do planeta. Com isso, o exoplaneta se torna alvo de “tempestades catastróficas”, "com nuvens formadas por corindo, o mineral que forma rubis e safiras."

Portanto, insatisfeitos de plantão, que um dia sonharam protagonizar uma paródia da canção "Como nossos pais," eternizada pela voz de Elis Regina  - aquela do "cabelo ao vento, gente jovem reunida" - terão de abdicar do sonho. "Em parte pelo violento sistema climático, o HAT-P-7b nunca poderá ser habitado. Além disso, as temperaturas são insuportáveis para a vida como conhecemos. Uma face do planeta estão sempre virada para a estrela, como a Lua em relação à Terra. Neste lado sempre iluminado as temperaturas chegam a incríveis 2,6 mil graus Celsius". 

Por falta de condições materiais favoráveis para assegurar minha própria existência, decidi então prorrogar por mais algum tempo a minha busca pelo exoplaneta ideal. Rubis e safiras terão de esperar mais um pouco: afinal, não há crise institucional que valha o esforço de tomar 2,6 mil graus Celsius na moleira. 

Fora isso, é chegado o tempo de reivindicar melhores condições de vida em planetas distantes, fora do nosso sistema solar e do alcance dos efeitos nefastos da PEC 55. É para lá que eu hei de partir em breve.


segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

Suspensos

Esse informe publicitário travestido de notícia conseguiu me lubibriar. Por um breve instante, troquei meu sonho de nadar numa piscina de 50m pela metade do sonho: uma piscina inaugurada este ano em resort na Itália, com vista para as montanhas Dolomitas. "A estrutura de 25 metros de comprimento se projeta para fora do terraço do hotel, que tem 20 metros de altura", diz a notícia. 

Mas isto não é tudo: "No fundo da piscina, há uma janela de vidro, pela qual o hóspede pode enxergar o que se passa embaixo dele enquanto mergulha. À frente, é possível desfrutar de uma vista deslumbrante: as Dolomitas, uma cadeia de montanha considerada Patrimônio Mundial pela Unesco."

O delírio, contudo, foi realmente breve - tempo de ler o preço nada amigável das diárias, que varia entre € 127 (R$ 468) e € 225 (R$ 830). 

A piscina suspensa terá, portanto, e tão somente aos meus olhos, o mesmo efeito dos Jardins Suspensos da Babilônia: uma das Sete Maravilhas do Mundo alçada à condição de mito, por falta de evidências concretas na sua existência. 

Porque numa hora dessas, meus amigos, é a experiência direta que tem que contar: porque metade de mim quer nadar naquela piscina suspensa... e a outra metade também.

P.S.= Rest In Peace, Ferreira Gullar. Você não merecia este trocadilho infame.

segunda-feira, 28 de novembro de 2016

Retratos: quem quer?

Tcham, tcham, tcham!

Após longa e vigorosa primavera, resolvi dar uma breve passada por aqui para fazer uma postagem pouco usual.

Seguinte: o mundo gira, a vida anda, mas o que tem de ser, acaba sendo. 

Muitos de vocês sabem (e quem não sabe, ficará sabendo agora) que: além de contar muita potoca aqui nesse blog sobre matérias publicadas diariamente nos jornais, principalmente matérias de ciência; além de pesquisar e ter o desvio de caráter de escrever artigos sobre tendências da comunicação científica; além de possuir uma formação em ilustração científica; além de nadar e praticar ioga regularmente... eu também faço retratos sob encomenda! 

Deixo aqui dois pequenos exemplos do meu trabalho (tendo a publicação de ambos sido devidamente autorizada por seus respectivos demandantes).





Enfim, quem se interessar em oferecer um presente muito especial como este, basta deixar um comentário ou enviar uma mensagem privada por aqui mesmo.

Ah, agradeço desde já a divulgação.

Abraços para quem fica!

sábado, 19 de novembro de 2016

Amizade artificial

Não era para acontecer, mas aconteceu. 

Guia turístico na cidade de Churchill, província de Manitoba (Canadá), David Des Meulles leva dois visitantes para conhecer uma propriedade bastante frequentada por ursos polares. E foi exatamente isto o que eles encontraram: ursos polares.

No entanto, a cena, que foi devidamente registrada em vídeo, superou as expectativas: o que lá se viu foi "um imenso urso polar acariciando um pequeno cachorro preso a uma corrente, que facilmente poderia ter se tornado o almoço".

O dono da propriedade em questão, Brian Ladoon, bastante habituado a encontros "nem tão amigáveis" entre ursos e cães, deve ter ficado com a pulga atrás da orelha. "Não por acaso, a agência para o desenvolvimento sustentável de Manitoba removeu três ursos polares da propriedade de Ladoon na semana passada por causa de encontros nada amigáveis com os cães". Um deles, inclusive, resultou na morte de um dos seus cães.

Ladoon, por sua vez, também foi alvo de críticas pelo especialista em vida selvagem no Ártico e professor na Universidade de Alberta, Ian Stirling. Segundo este, Ladoon não deveria manter seus cães presos na corrente, pois eles ficam totalmente vulneráveis aos ursos. "A relação de aparente amizade entre o urso e o cão é artificial, e nunca aconteceria na natureza", afirma.

Resumo da ópera: enquanto procuramos culpados e analisamos cenários prováveis, urso e cachorro mandam às favas as convenções e viram "brothers" de longa data.

É o amor irrompendo nos rincões mais improváveis deste planeta. Será?

quinta-feira, 10 de novembro de 2016

Chuva estatística

Arautos do pessimismo, jogai vossas armas no chão: eis que a quinta-feira chega trazendo notícias fresquinhas com elevada significância estatística!

Depois de a vitória de Donald Trump nos EUA solapar qualquer confiança que por ventura ainda  existisse nas chamadas pesquisas eleitorais, eis que o show da banda norte-americana Guns'n'Roses - marcado para acontecer em São Paulo nesta 6a feira, dia 12 de novembro - promete reverter o presente cenário de descrédito generalizado.

"Com 70% de chance de chuva, Guns leva 'November Rain' ao palco na 6a," conclama a chamada da Folha de S. Paulo para o evento. E para convencer os mais céticos e resistentes aos prognósticos de chuva (já que a probabilidade da banda tocar a canção acima é de 100%), o jornal recorrer a experiências pregressas: "A banda americana já protagonizou duas apresentações no Brasil debaixo de temporal. A primeira, no auge da popularidade do grupo, em 1992, no estacionamento do Anhembi em São Paulo. A segunda aconteceu no Rock in Rio 4, em 2011." 

Portanto, quem estiver em São Paulo, que abra a sombrinha e comemore. E se esta não foi, sem dúvida, uma grande jogada de marketing para restaurar a credibilidade dos estatísticos, então, pelo menos, será a chance de molhar o pé e relembrar os sucessos que o cantor-minhoca-rebolante embalava lá pelos idos dos anos 1980 e 1990. 


terça-feira, 8 de novembro de 2016

Sobre asas, rumores e temores

Ok, acidentes acontecem. Mas este envolvendo um brasileiro não identificado no Museu de Arte Antiga de Lisboa parece ser realmente um sinal dos tempos. Segundo notícia publicada hoje no jornal O Globo online, o turista em questão "quebrou uma estátua datada do século XVIII ao tirar uma selfie ao lado da obra."

Em nota, o Ministério da Cultura português descreve o acidente em termos até um tanto condescendentes: "o acidente ocorreu quando o visitante, estando a fotografar uma outra obra, recuou sem olhar, não parou apesar dos alertas do vigilante, e foi contra a peça que se encontrava em cima de um plinto" (sim, escreve-se com "l" mesmo).

Apesar de os danos terem sido considerados "recuperáveis" pelo diretor-adjunto do museu, José Alberto Carvalho, a estátua em questão - que é de São Miguel arcanjo, tem quase dois metros de altura e é de autoria desconhecida - acabou saindo com as asas, uma parte do manto e um dos braços quebrados.

Sem asas, a estátua de São Miguel arcanjo passará por restauro, mas não sem antes levantar rumores e temores deste e daquele lado do Atlântico. 

O rumor diz respeito à possibilidade da estátua mudar de nome enquanto o restauro não sai e vir a se chamar provisoriamente Anjo da Laodiceia (em referência ao anjo de asas quebradas do Apocalipse). O temor envolve a probabilidade, ainda que remota, de que a banda sertaneja Brilha Som venha escolher o Museu de Arte Antiga de Lisboa para gravar um outro clipe  para a sua canção "Anjo sem Asa". 

Neste último caso, por mera precaução, aventa-se a proibição de selfies de qualquer espécie aos fãs da banda, de modo a evitar que o museu inteiro venha abaixo.  






quinta-feira, 27 de outubro de 2016

Papagaio-surpresa

O mundo está repleto de coisas surpreendentes, dessas de deixar o queixo cair e a coluna vertebral arrepiar. A grande questão é o quão frequentemente as pessoas se dão conta dessas coisas, estejam elas próximas ou distantes no espaço e no tempo.

Dentre os bilhões de mortais que povoam este planeta, existe um pequeno grupo que fica particularmente satisfeito em se deparar com coisas surpreendentes que estão distantes no tempo. Trata-se, obviamente, dos paleontólogos. No entanto, quando a "surpresa" envolve a descoberta de um objeto distante no tempo e no espaço, aí, então, meu caro leitor, é só alegria, alegria.

Este parece ser o caso da equipe coordenada por Nikita Zelenkov, pesquisador no Instituto Paleontológico Borissiak, da Academia de Ciências da Rússia. Ele foi responsável pela descoberta de um osso de papagaio em plena Sibéria: "Um único osso de papagaio foi descoberto na região de Baikal, ao sul, e data de, aproximadamente, entre 16 e 18 milhões de anos atrás". Por ser a primeira vez em que um fóssil de papagaio é encontrado no continente asiático, a descoberta pode "mudar o nosso entendimento sobre o quão cedo os papagaios se disseminaram pelo mundo e migraram para a América”.

A descoberta, contudo, teve de ser "garimpada" em meio a fósseis de diversos outros animais - tais como rinocerontes, hipopótamos, gatos e roedores. Mas bastou um único fragmento de um osso denominado de tarsometatarso do papagaio fossilizado, localizado na parte inferior da perna do animal, para que ele pudesse ser comparado com outros possíveis parentes: "O osso tem características similares às de outro fóssil recente na Alemanha, divulgado há seis anos, pertencente a uma espécie chamada Mogontiacopsitta miocaena," explica Zelenkov.

Mas o mais surpreendente de tudo é algo que talvez os próprios paleontólogos ainda não tenham se dado conta até o momento: trata-se, seguramente, do papagaio que está há mais tempo calado em todo o continente asiático. Possivelmente, um grande alívio para animais de grande porte e roedores que compartilharam com ele a sua exótica caminhada por este mundo.

segunda-feira, 24 de outubro de 2016

Crônica do orelhão vintage

















Era só um orelhão azul na esquina de uma tarde de domingo.

Hoje, totalmente relegado ao esquecimento pela era wifi"Provavelmente não funciona", disse uma amiga. "O pior que eu cheguei a comprar um cartão há mais ou menos um ano atrás. Tentei em uns 10 telefones no centro da cidade e não achei nenhum que funcionasse. Guardei o cartão de recordação...". Esse aí da foto, nem pude testar, pois não consegui achar meu último cartão.

Pelo menos, ao contrário das novas gerações, ainda sabemos para que ele serve.  Também, pudera! Somos remanescentes do tempo em que se usava a expressão "só agora caiu a ficha'  - prima-irmã da expressão "vê se vira esse disco". Também somos solidárias com o telefone de disco (sim, os números antes eram discados e não digitados), com o disquete flexível e com a capa plástica de proteção do computador de mesa. Hoje, quase ninguém entende o significado dessas expressões, da mesma forma que as novas gerações provavelmente nem sabem para que serve um orelhão. E, mesmo se soubessem, não saberiam nem onde conseguir o cartão para testar o funcionamento.

Quando muito, devem pensar que o orelhão é local de abrigo em dia de chuva. Imagine se, um dia, aquele vizinho de bairro que você sempre viu, mas nunca cumprimentou, resolve correr para debaixo do orelhão justamente no momento em que você chegava lá. 

Imagine a seguinte situação: nervoso, o tal vizinho chamava um Uber pelo celular.  Aliás, faz todo sentido a cena, muito mais verossímil do que o oposto: alguém de dentro do Uber ligando para um orelhão. Nisso, a chuva aperta. "Pode chegar mais para perto", disse o vizinho. "Perto? Que perto? Perto para quê? Meu pé já está ensopado", pensa você. A chuva não cede, mas você, você que vive com pressa, resolve ceder. 

E a gentileza acaba virando um abraço apertado e um beijo molhado. Logo vocês dois que, em plena era das mídias interconectadas, das comunicações interativas em tempo real, nunca tinham tido tempo para se conhecer. O tempo passa, os respectivos celulares tocam, mas o beijo continua - antes molhado, agora encharcado.

Nisso, o Uber passa, mas ninguém nota sua presença. O motorista, comovido, resolve não interromper. Chegou a pensar em descer do carro, entrar debaixo de um orelhão e ligar para o seu amor. Como os orelhões são escassos, liga dali mesmo, de dentro do carro, parado junto ao acostamento.

Nisso, uma velhinha nascida na década de 1920 - portanto, genuinamente vintage! - recém-saída da casa paroquial da Igreja de Santa Efigênia, chama um Uber pelo aplicativo do seu celular. "Uai, mas tem um aqui logo em frente da marquise!" Ela bate no vidro no exato momento em que o motorista do Uber desliga o seu celular. "Claro, minha senhora, pode entrar."

A senhora vintage, sentada no banco de trás, olha para o motorista e segreda: "Sabe, meu filho. Esse tal de smartphone é um orelhão que a gente carrega no bolso e que faz mil coisas que a gente nem imagina. Mas já teve um tempo em que namorar pelo orelhão era modernidade. Na minha juventude, a gente marcava encontro era por bilhetinho mesmo."

"Foram muitos encontros marcados ali mesmo, pertinho da casa paroquial da Igreja de Santa Efigênia", lembra saudosa a senhora vintage. Exatamente ali onde o casal recém-formado ignorava a tecnologia de ponta para se conhecer melhor.

*********

Meus agradecimentos a Sandra Rodrigues e a Maira Botelho, com quem esta bela crônica foi colaborativamente redigida.

sexta-feira, 21 de outubro de 2016

Gritos de ordem

Eta que a escrita anda cansativa nesses últimos dias. É tanta notícia ruim na imprensa local e nacional, que tem me sobrado pouca motivação para falar das flores.

Mas para cada picada de cobra, há sempre um soro antiofídico nesse mundo. E o antídoto mais indicado nesse momento, caro leitor, se chama: mobilização. Concordo, contudo, que há mobilizações de todos os tipos. Algumas são formas bem estranhas, como aquela escolhida pela cantora Madonna para incentivar os eleitores norte-americanos a votar em Hillary Clinton: "Madonna prometeu, durante um show nesta terça-feira (18), em Nova York, fazer sexo oral em quem votar em Hillary Clinton na eleição presidencial dos EUA", relata notícia publicada hoje no jornal Hoje em Dia online.  

Segundo a referida notícia, Madonna teria se dirigido ao público nos seguintes termos: "Se você votar em Hillary Clinton, vou lhe fazer sexo oral (...) Ok? Eu sou boa nisso. Costumo olhar nos olhos e engulo". Não sei se ela conseguiria muitos novos eleitores, nem mesmo se teria disposição para cumprir a promessa, mas, de qualquer forma, estou certa de que Bill Clinton aprovaria o método.

Outra mobilização com slogan contundente aconteceu na cidade do México, onde palhaços de diversos países da América Latina protestam contra a nova tendência de pessoas saírem travestidas de palhaços assustadores para assustar a população local. Nascida nos EUA e disseminada por outros países, como Reino Unido, Austrália e Brasil, a prática é de gosto duvidoso e deixou um gosto amargo na boca daqueles que fazem desta arte seu ganha-pão.

"Parem com essa palhaçada", gritaram durante congresso anual naquela cidade. "Somos palhaços, não assassinos," reivindicam eles. Preocupados com o impacto negativo desta tendência no seu modesto meio de vida, os palhaços de verdade mandam um recado para suas plateias: morrer, só se for de rir. De susto, jamais!

Por fim, alunos da área de Ciências Biológicas e da Saúde da Universidade Federal de Minas Gerais resolveram ocupar o Centro de Atividades Acadêmicas 1 (CAD1) para protestar contra a proposta da PEC 241 - aquela emenda constitucional que congela os investimentos em saúde e educação por vinte anos. A proposta, que foi lançada após o anúncio da redução do orçamentos das instituições de ensino federais em 45% para o ano que vem, tem por objetivo fazer o drama do sucateamento da universidade pública, gratuita e de qualidade perdurar por mais duas décadas.

Parar com a palhaçada, eis o querem o quanto antes os estudantes. Do contrário, eles pensarão muito seriamente em convidar a Madonna a atuar em sua defesa lá no Congresso Nacional. Fila de adesões garantida.

quarta-feira, 12 de outubro de 2016

Crianceiras

Uma frestazinha de sol nesse mundo acinzentado?

Um pouco de poesia para refrescar suas manhãs (tardes e noites também)?

Pois a boa nova do dia - que é também o Dia das Crianças - é a seguinte: a poesia de Manoel de Barros agora está disponível em aplicativo para celular.

A ideia de musicar os poemas de Barros nasceu de um vizinho do poeta, Márcio de Camillo, quando este decidiu canta-los para a sua filha. A ideia progrediu e acabou virando o show Crianceiras, que circulou pelo país nos últimos cinco anos.

Agora, a brincadeira ganhou ares interativos: "O app reúne dez poemas musicados e animados - Bernardo, Linhas Tortas, Um Bem-Te-Vi e O Menino e o Rio são alguns deles - e quatro poesias interativas - as palavras se movimentam e viram desenhos ao serem tocadas". 

Com ilustrações de Martha Barros, filha do poeta, o aplicativo Crianceiras pode ser baixado em plataformas iOS e Androide e é totalmente gratuito. 






quinta-feira, 29 de setembro de 2016

A dança da vassoura

Notícia alvissareira: a rede Band de TV anuncia a não renovação do contrato do seu âncora Boris Casoy

Apresentador do Jornal da Noite há 9 anos, Casoy foi todo gratidão ao falar de sua passagem pelo referido canal: "Foi um período fértil na minha vida profissional. A Band, com seu apoio e sua confiança, me proporcionou condições de trabalho que permitiram realizar um bom projeto. Só tenho a agradecer", relata notícia publicada hoje no jornal Hoje em Dia Online.

Já bem mais econômico nas palavras, o diretor de jornalismo da Band, Fernando Mitre, definiu a parceria com Casoy como portadora de "ótimos resultados".

Há indícios, contudo, de que a saída de Casoy da Band foi acolhida com furor pelos garis de São Paulo. Para quem não sabe, Boris Casoy nunca morreu de amores pelos garis. Estes últimos, no entanto, teriam prometido que, do alto de suas vassouras, varreriam o apresentador para debaixo do tapete do esquecimento para toda a eternidade.

De acordo com suspeitas (não comprovadas) de fontes (não reveladas), os garis estariam organizando um churrascão na porta da Band para animar o bota-fora de Casoy. Juntos, prometeram ressuscitar,  em alto e bom som, "A Dança da Vassoura", grande sucesso do Grupo Molejo nos anos 1990.
Ao que parece, entre uma varrida e outra, o recado será este: "Diga aonde você vai/ Que eu vou varrendo."

terça-feira, 27 de setembro de 2016

Gobineau-zando a Ciência

A notícia tinha passado despercebida, apesar da sua importância. Mas ainda dá tempo de retoma-la ainda que ela caia no esquecimento.

É bem verdade que, de tempos em tempos, isso acontece mesmo: quando uma parte representativa da comunidade científica acredita que a discussão sobre a existência (ou não) de raças entre seres humanas havia chegado a um termo, eis que um pesquisador vem a público e, munido de novos dados de pesquisa, argumenta que a raça ainda possui relevância para a classificação genética da população humana.

Há, contudo, duas novidades nesta notícia publicada no jornal Folha de S. Paulo online do dia 22 de setembro de 2016, em relação às precedentes. A primeira novidade é que, desta vez, a retomada do tema racial não acontece propriamente pela voz de um cientista, mas pela de um jornalista científico. Em entrevista telefônica ao também jornalista de ciência Reinaldo José Lopes, da Folha de S. Paulo, o jornalista britânico Nicholas Wade, 74 anos, explica a razão pela qual ele decidiu dedicar todo um livro, intitulado Uma Herança Incômoda, ao tema: "Senti que era meu dever contar ao público o que estava sendo descoberto sobre a natureza das raças humanas – os fatos estavam todos lá, na literatura científica, mas colocados de uma forma oblíqua, por meio de uma série de eufemismos."

Detrator da obliquidade e dos eufemismos, Wade descreve sua obra nos seguintes termos: "O livro tem duas partes. A primeira, sobre as diferenças genéticas mais gerais entre as raças humanas, não me parece algo controverso. A segunda parte do livro, de fato, é uma conjectura, um palpite bem informado" sobre o fato de que "parece haver uma diferença sutil no comportamento social nas várias regiões do mundo, em especial no que se refere ao nível de confiança entre os indivíduos". "Ao longo da história," explica o autor, "isso levou ao desenvolvimento de civilizações com características distintas", o que seria supostamente explicado pela variância genética entre populações".

Bem, até aqui, nada de aparentemente muito novo em relação ao racismo científico do Séc. XIX, quando as variações culturais entre as populações humanas costumavam ser explicadas em função do fenótipo (aparência) do indivíduo (sim, já existiu uma época em que a ciência sustentava este tipo de teoria). A segunda novidade que vejo na abordagem do jornalista Wade reside no entendimento que ele tem dos cientistas sociais - ou, mais propriamente, do impacto que ele acredita que sua obra terá junto a estes últimos: "Não acho que mais evidências farão com que os que não aceitam a ideia de raça mudem de opinião. É a mesma coisa com os criacionistas que defendem a verdade literal da Bíblia – as evidências da evolução estão aí aos montes, mas nem por isso eles mudam de ideia. Os cientistas sociais são muito parecidos com os criacionistas nesse aspecto."

A opinião de Wade sobre a posição dos cientistas sociais merece, porém, uma ressalva importante: se, por um lado, o estudo sobre as raças parecia ter perdido relativa capacidade explicativa para a Genética até a publicação deste livro, por outro, a questão racial continua tendo muita relevância no campo das Ciências Sociais. E a razão para isto é simples: a despeito da (in)existência de qualquer base genética concreta naquilo que se entende por "raça", os cientistas sociais se interessam em compreender porque as pessoas ainda continuam, nos dias de hoje, a emitir julgamentos e fazer opções em função da percepção de características fenotípicas das pessoas.

Portanto, ao contrário do que o Sr. Wade anuncia, não é de todo exato dizer que os cientistas sociais não se interessam pela raça, já que a crença na sua existência continua mobilizando o comportamento de muitos e está relacionada a fenômenos sociais tais como o preconceito de raça, de cor, de gênero e de origem.

Aliás, livros como Uma Herança Incômoda apenas confirmam a intuição dos cientistas sociais de que o melhor caminho para se compreender a permanência do termo "raça" na pauta das discussões científicas, em pleno Séc. XXI, tenha muito pouco a ver a questão genética propriamente dita - como pretende Nicholas Wade - e muito mais com o próprio fenômeno do racismo.

P.S.= O título da postagem é uma referência ao francês Arthur de Gobineau, um dos grandes teóricos do racismo científico do Séc. XIX. Amigo próximo de D. Pedro II, Gobineau escreveu Essai sur l'inégalité des races humaines ("Ensaio sobre a Desigualdade das Raças Humanas") depois ter morado no Brasil.

sábado, 24 de setembro de 2016

Conselho de amigo: não abra!

Pois é: bombou e eu abri.

Tudo começou com a leitura de uma manchete de jornal que me pareceu desproporcionalmente honesta, se comparadas com as demais. Aliás, trata-se simplesmente da melhor manchete lida no decorrer de toda essa semana. E ela está lá, disponível na edição de hoje jornal Hoje em Dia online.

 "O que bombou na semana e não mudou a sua vida" é, paradoxalmente, o título mais honesto da notícia mais inútil de todos os tempos do jornalismo brasileiro. Ele é retrato fidedigno daquilo que anuncia e resume muito bem o conteúdo da notícia: uma lista infindável de baboseiras que deram o que falar nesta última semana, mas não fizeram de você uma pessoa melhor e nem te ajudam a pagar uma única conta no final do mês.

Sim, é verdade: caí na armadilha da manchete atrativa e li cretinices que não pretendo descrever aqui. Sim, sucumbi à tentação para ver do que se tratava a notícia e apenas constatei o esperado. Não, ainda não fiz lobotomia. Pelo menos, não que eu saiba.

Mas o mais interessante - e talvez, o único aprendizado útil que tiro de toda essa perda de tempo - foi perceber o que título mais honesto do jornal apenas anunciou algo cuja maior parte dos títulos busca disfarçar: a inutilidade de uma boa parte do conteúdo que nos é oferecido diariamente.

A bem da verdade, os demais títulos fazem algo que este, pelo menos, não fez: dar relevância a fatos triviais de pessoas sem nenhum impacto concreto na vida da maior parte das pessoas - exceto pelo tempo que você dispensou (perdeu, desperdiçou e nunca mais irá recuperar), lendo futilidades da vida pessoal dessas mesmas pessoas.

Há um ditado - bastante cínico, por sinal - que diz que "ladrão que rouba ladrão tem 100 anos de perdão". E quem tece longos comentários inúteis sobre notícia fútil: merece quantos anos de cadeia?

Depois dessa, vou dormir. Bons sonhos. E, por favor, não abram aquela notícia!

quinta-feira, 22 de setembro de 2016

Amigo de todos

Ok, vou falar de mais uma notícia sobre descobertas arqueológicas. Mas que culpa tenho eu se o presente anda meio sombrio e o futuro a Deus, Buda e Maomé pertence? Dá mais onda falar do passado. Ou melhor: falar do presente tentando explicar o passado, pois é disso que a Arqueologia gosta.

Na verdade, a notícia publicada hoje no jornal Folha de S. Paulo online é mais uma promessa do qualquer outra coisa. Para ser justa, vou explicar melhor: ela aborda uma descoberta que pode ajudar a entender um artefato que até então era considerado um enigma.

Para ser menos enigmática e explicar melhor ainda, o enigma em questão nada mais é do que uma descoberta anterior, realizada em 1900, nas imediações da ilha grega de Symi, conhecida como mecanismo de Anticitera. Descoberto há 2000 anos atrás, o mecanismo é supostamente " o 'primeiro computador criado pela raça humana', tal como descreveram seus descobridores", e tinha, ao que tudo indica, finalidade astronômica, "como rastrear complexos movimentos da Lua e dos planetas".

E a tal da nova descoberta - que emplacou um artigo publicado na revista Nature desta semana - envolve a recuperação de "restos de um esqueleto humano localizado em um barco naufragado" na mesmíssima ilha. Os ossos, que estavam em excelente estado de conservação, permitiram aos pesquisadores envolvidos decifrarem alguns elementos do seu informante - doravante nomeado "Pamphilos, que, em grego, significa 'amigos de todos' ": trata-se de um homem que faleceu ainda jovem, com idade em torno de 20 anos.

De resto mesmo, a notícia só faz promessas. "Segundo os pesquisadores, futuros exames de DNA poderiam ajudar a desvendar alguns dos mistérios que envolvem o mecanismo de Anticitera, como a origem geográfica dos ancestrais de Pamphilos e, portanto, do artefato". Acharam pouco? A notícia também alega que "também seria possível saber detalhes físicos do jovem (cor de pele e olhos, por exemplo) e até que tipo de atividades ele realizava ou quais condições de vida tinha devido ao estado de seus ossos".

A descoberta de Pamphilos trouxe, portanto, muitas expectativas para um futuro não muito longínquo. Agora, se Pamphilos conhecia, de fato, o tal mecanismo de Anticitera, isso já é outra história. Talvez ela ainda valha outro artigo na Nature e a luz nos holofotes das agências de notícias internacionais (a propósito, esta notícia é da BBC Brasil).

Na piorzíssima das hipóteses, Pamphilos já "nasceu" nosso amigo e nem a nossa descrença no presente poderia abalar essa convicção. Pior seria se já nascêssemos descrentes no passado, pois, quanto a isso, nem a Arqueologia conseguiria fazer muita coisa.

terça-feira, 20 de setembro de 2016

Sushi moderno

Pode parecer conversa de pescador - e talvez até seja - mas o fato já foi até anunciado hoje no jornal O Globo online: "Arqueólogos encontraram na Ilha de Okinawa, no Japão, o par de anzóis de pesca mais antigos do mundo, com aproximadamente 23 mil anos". Os anzóis foram encontrados na caverna de Sakitari, juntamente com outras ferramentas feitas de conchas.

A descoberta, que já valeu um artigo descritivo na famosa revista Proceedings of the National Academy of Science" (PNAS) desta semana, desbanca artefatos concorrentes encontrados no Timor Leste, com idade aproximada entre16 e 23 mil anos, e na Papua Nova Guiné, com cerca de 18 a 20 anos.

Boa parte do alvoroço dos pesquisadores se deve ao fato de que os tais anzóis constituem as primeiras evidências claras de que a ocupação naquela ilha começou entre 30 mil e 35 mil anos atrás, ou seja, muito antes da marca de 10 mil anos que vinha sendo considerada pelo arqueólogos até então. Outro mérito da pesquisa é superar um problema metodológico muito comum aos sítios arqueológicos do sudeste da Ásia: "a falta de evidências que indiquem comportamentos modernos como ornamentos pessoais e tecnologia lírica".

Ao fornecer evidências seguras da ocupação humana nesta região da Ásia, o achado acaba ocasionando mudanças na forma como se deu especificamente a ocupação humana naquela ilha: "Para os autores da publicação, a ocupação da ilha aconteceu após sucessivas travessias pelo oceano, cuja distância sem sinais visíveis pôde chegar a 200 quilômetros em meio a fortes correntes marítimas", relata a notícia.

Fora da cobertura da imprensa diária, contudo, os boatos são outros. A versão extraoficial que circula nos salões de beleza de toda a Ásia é a de que os arqueólogos estejam interessados em encontrar evidências definitivas do comportamento humano moderno na ilha, incluindo, entre outras possibilidades, a localização do sushi fossilizado mais antigo do mundo.

Quem viver, verá!

quinta-feira, 15 de setembro de 2016

Diego, o psicodélico

A vida é feita de escolhas, garotada!

Não é por um acaso que Diego, uma tartaruga da espécie Chelonoidis hoodensis, chegou aonde chegou: a "tartaruga gigante macho de Galápagos com mais de cem anos de idade está sendo considerada a grande responsável por recuperar a população desses animais em sua ilha nativa, Española, e, assim, salvar a espécie da extinção."

Diego optou pela vida ao conseguir reverter um quadro dramático para a sobrevivência de sua espécie: "Há 50 anos, havia apenas 2 machos e 12 fêmeas da espécie de Diego em Española –e os animais estavam espalhados demais pela ilha para que fosse possível reproduzir".

Foi necessário uma campanha internacional para buscar sobreviventes dessa espécie até que Diego fosse trazido do zoológico de San Diego, nos EUA, em meados da década de 1970. Desde então, Diego vive em um centro de reprodução na Ilha de Santa Cruz, em Galápagos, onde se tornando pai de cerca de 800 filhotes, isto é, aproximadamente "40% dos filhotes liberados na natureza pelo projeto."

A escolha de Diego, contudo, foi muito diferente da de George, o Solitário, "último sobrevivente conhecido" de outra espécie de tartaruga gigante de Galápagos, a Chelonoidis abingdoni. Também centenário, George "faleceu em 2012 após se recusar por muitos anos a reproduzir em cativeiro."

Neste mundo de disputas e ilusões vãs, Diego, o reprodutor-messias que veio para salvar a sua espécie, deixa para as gerações futuras a lição aprendida nos seus anos de convívio psicodélico no Zoo de San Diego: "make love, not war."

quinta-feira, 8 de setembro de 2016

A um passo da meta

Essa vida é mesmo plena de contradições.

A dois passos do Brasil se tornar uma nova Pequim, eis que dou de cara com duas notícias, que misturam lindamente histórias de superação com o mais que merecido reconhecimento.

A primeira delas é o desempenho alcançado pela Escola Municipal Friedenreich no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) do estado do Rio de Janeiro. A escola em questão obteve nota 8,3, considerada a maior entre "as escolas públicas da cidade nos anos iniciais do ensino fundamental (4º e 5º ano)", de acordo com dados do Ministério da Educação (MEC).

O bom resultado obtido pela escola, que conseguiu superar a meta de 7,2 que ela própria havia estabelecido para 2021, merece ser ainda mais comemorada quando se sabe que ela já esteve a um passo de ser demolida "para ser substituída por equipamentos de apoio aos megaeventos", em função de sua proximidade com o estádio do Maracanã. 

Felizmente, "em 2013, após intensa campanha de professores, pais e alunos e várias manifestações contra a derrubada da escola, o governo estadual, comandado na época por Sérgio Cabral, cedeu aos protestos e resolveu poupar a unidade, que seria demolida para construção de um estacionamento". Hoje, a escola desponta como exemplo de excelência em meio ao tão desacreditado ensino público no país.

O segundo caso de superação é a conquista da medalha de ouro na prova dos 200 m livre classe S5 hoje pelo nadador paraolímpico Daniel Dias. O nadador paulista, que já foi ouro nas edições anteriores de Pequim e Londres, acumula 16 medalhas em competições paraolímpicas, 11 das quais foram ouro.

O bom resultado obtido por Dias ganha ainda mais brilho quando se sabe que ele começou a nadar tardiamente, aos 16 anos, "depois de assistir aos Jogos Paraolímpicos de Atenas-2004 e se encantar com os feitos de Clodoaldo Silva, grande nome do país naquela edição". Quatro anos mais tarde, ele já colecionava sua primeira medalha de ouro nos jogos paraolímpicos. "Até hoje ele treina em uma piscina pequena em Bragança Paulista, a 83 km de São Paulo. Isso nunca foi um impeditivo para que sobressaísse em nível internacional."

Em meio a tantas outras metas lastimáveis, essas duas fizeram valer o meu dia. 

terça-feira, 6 de setembro de 2016

De estrelas e asteroides

Olás, boa noite, salve, salve.

Desculpem a prolongada ausência. Estava passando férias em Saturno, na esperança de melhorar o meu mau humor cósmico, depois de uma semana que me tirou toda a vontade de passear os dedos pelo teclado. 

Passada a indisposição inicial, eis que consigo trazer pelo menos uma notícia alvissareira lá dos confins do nosso sistema solar. Senhoras e senhores, de acordo com notícia publicada hoje no jornal Hoje em Dia onlineuma estrela do rock acaba de deixar de ser estrela para virar asteroide

Não, não se trata aqui de um transbordamento intergalático da nossa crise política. Trata-se simplesmente de uma homenagem póstuma a um grande ícone da ópera rock, dado que "um asteroide orbitando Júpiter foi batizado em homenagem a Freddie Mercury, que completaria 70 anos nesta segunda-feira (5)".

A homenagem foi promovida pelo Centro de Planetas Menores da União Astronômica Internacional, que rebatizou asteroide descoberto em 1991, ano da morte do cantor, de "Asteroide 17473 Freddiemercury". 

Antes que alguém reclame que rebatizar asteroide é perda de prestígio na escola de, seria de bom alvitre ao menos ouvir a opinião do guitarrista do Queen, Brian May, ele próprio detentor de um doutorado em Astrofísica pelo Imperial College (Reino Unido). May defende que um asteroide é "apenas um ponto de luz, mas é um ponto de luz muito especial", uma espécie de "cinza no espaço".

O que exatamente May quis dizer com isso permanece uma incógnita, visto que os asteroides não costumam ter luz própria. Mas, seja lá o que for, fica desde já um consolo para os fãs de Mercury (que, ironias à parte, já leva o nome do menor planeta do nosso sistema solar): quem já foi estrela, nunca perde a majestade. 



sábado, 27 de agosto de 2016

Ondas S

Senhoras e senhores: não é só na superfície política do nosso país, ou nas terras belicosas do Oriente Médio, que as coisas andam tumultuadas.

Cientistas japoneses acabam de registrar, pela primeira vez na história deste planeta, a ocorrência de um microssismo onda S, que é também conhecido como microssismo em onda secundária. 

Mas o que vem a ser isto?

Microssismos são tremores muito fracos. Os microssismos onda S, além de fracos, são lentos, com ocorrência em uma faixa de frequência entre 0.05 e 0.5 Hertz. Eles "se movem apenas através de rochas", contrastando, portanto, com os microssismos onda P,  que "se movem rápido" e podem ser detectados durante grandes furacões. Os onda P são aqueles que os animais conseguem reconhecer um pouco antes de um terremoto.

A novidade, segundo estudo publicado na Revista Science desta semana, é que um microssismo onda S, "um raro e profundo tremor de terra", teve localização rastreada em uma tempestade oceânica entre a Groenlândia e a Islândia. Denominada "bomba climática", a tempestade, apesar de potente, é de pequena amplitude, mas vai ganhando "força à medida que a pressão aumenta".

Rastreada com o auxílio de equipamentos sísmicos posicionados em terra e no fundo do mar, o estudo "detalha como os pesquisadores rastrearam a direção e a distância até a origem das ondas, e os caminhos que elas percorreram", aumentando nosso conhecimento sobre "a crosta mais profunda e a estrutura do manto superior".

E o que de bom, metaforicamente falando, podemos concluir disso tudo?

Que a potência de uma tempestade na superfície pode esconder outros abalos, tanto mais profundos e de velocidade ainda mais lenta, a ponto de permanecer praticamente imperceptíveis aos nossos olhos.

Um consolo (se é que há algum) é que os microssismos de onda S podem nos ajudar a conhecer melhor e mais profundamente as nossas camadas mais internas.

Sem mais para o momento, despeço-me sob protestos, protestos, protestos...

terça-feira, 23 de agosto de 2016

Lotes premiados

Findas as Olimpíadas Rio 2016, fica aqui aquela perguntinha: o que ficou realmente disso tudo foi ressaca ou emoção?

Um pouquinho de ambos, talvez. Principalmente depois de sabermos que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) suspendeu hoje, dia 22 de agosto, dois medicamentos de extrema importância para o públicos dos Jogos Olímpicos de 2016: "A decisão, publicada no Diário Oficial da União, veda a distribuição, comercialização e uso de alguns lotes específicos de remédios como o Rivotril e Lexotan, fabricados pela farmacêutica Roche". 

O motivo da intervenção tem a ver com a qualidade - e, consequentemente, a eficácia - dos medicamentos dos lotes RJ0792 e RJ0899 do Rivotril (Clonazepam, 5 mg) e o lote RJ0613 do medicamento Lexotan (Bromazepan, 6 mg): "Segundo a Anvisa, foram detectados índices insuficientes em resultados de testes in vitro que simulavam a absorção dos comprimidos pelo organismo – o que pode estar relacionado uma possível falha na fabricação."

Diante desta revelação, os motivos de ressaca e emoção serão vários. Para aqueles que se tornaram contumazes consumidores desses produtos farmacêuticos durante os Jogos Olímpicos, haverá muita emoção quando descobrirem que andaram comprando medicamentos dos lotes "premiados", isto é, com defeito de fábrica. E um pouco de ressaca, certamente, ao perceberem que andaram tomando um placebo sem qualquer eficácia, justamente quando mais precisou deles. 

Mas a emoção, certamente, terá a última palavra. Quando você se der conta de que foi, de fato, um fortuito comprador dos medicamentos dos lotes supracitados, então você realmente merecerá seu bônus "emoção" pós-encerramento: não é todo mundo que consegue administrar, por méritos próprios, a carga emocional imposta pelo acompanhamento diário e constante das finais de cada modalidade.

Se este foi o seu caso, então parabéns: é sempre uma alegria estar vivo, mesmo sabendo que comprou medicamento caro, de tarja preta e com eficácia limitada. E Jogos Olímpicos, bem... felizmente eles só acontecem de quatro em quatro anos. Até Tóquio 2020, você se recupera... 

Ou não, como diria Caetano.

Mais motivos para sorrir? Confira a história das Olimpíadas 2016 em memes


quinta-feira, 18 de agosto de 2016

Os trinta por cento

Esta é para quem tem assistido aos jogos olímpicos confortavelmente refestelado(a) na sua poltrona, perguntando a si mesmo(a) como é que aquelas jogadoras de vôlei de praia conseguem manter aqueles 2% de gordura corporal....

Notícia publicada hoje no jornal online Hoje em dia aborda estudo que promete tirar a paz de espírito daqueles que curtem muito mais ver do que fazer esportes. O estudo, coordenado por Mikael Rydén, do Instituto Karolinska, "aponta que a gordura de pessoas obesas - mesmo aquelas que são consideradas metabolicamente saudáveis - apresenta mudanças anormais em sua expressão genética na resposta à estimulação por insulina".

Até então, acreditava-se que cerca de 30% das pessoas obesas tinham perfil metabólico e cardiovascular saudável. Isto porque "uma das marcas da obesidade metabolicamente saudável é a alta sensibilidade ao hormônio insulina, que promove a captação da glicose do sangue pelas células para ser usada como energia".

Publicado hoje na revista Cell, o estudo proposto por Rydén e sua equipe pretende, contudo, jogar uma pá de cal sobre a suposta linha divisória entre a obesidade saudável e a nada saudável. Para mostrar como a definição de "obesidade saudável" é problemática, os pesquisadores realizaram o sequenciamento genético de amostras de tecido de gordura abdominal de outras 15 que nunca foram obesas (o famoso "grupo de controle") e outras 50 pessoas obesas, todas elas candidatas a cirurgia bariátrica. Destas últimas, 21 eram sensíveis à insulina e 29 resistentes a ela.

Como já era de se esperar, houve diferenças consideráveis entre os resultados do grupo dos obesos e o daqueles que nunca foram obesos. Contudo, os resultados dos que foram previamente identificados como obesos sensíveis e resistentes à insulina, isto é, obesos saudáveis e não saudáveis, foi bastante parecido: "A gordura dos resistentes à insulina e dos sensíveis à insulina apresentou padrões praticamente idênticos de expressão genética na resposta à estimulação por insulina". 

Com isso, o estudo sugere que nem mesmo os obesos saudáveis merecem trégua, desbancando a crença de que "eles precisariam de intervenções menos vigorosas para prevenção das complicações relacionadas à obesidade".

Cansado de tanta notícia ruim sobre sua forma física? Então corra (modo de falar, claro!) e vá ler sobre as dez melhores polêmicas das Olimpíadas Rio 2016. Mas aproveite enquanto é tempo: as Olimpíadas acabam em breve e, então, teremos todos que arrumar outra fonte de polêmicas e de desculpas para continuar no sofá.