UA-89169382-1 Crônicas de Juvenal: setembro 2016

quinta-feira, 29 de setembro de 2016

A dança da vassoura

Notícia alvissareira: a rede Band de TV anuncia a não renovação do contrato do seu âncora Boris Casoy

Apresentador do Jornal da Noite há 9 anos, Casoy foi todo gratidão ao falar de sua passagem pelo referido canal: "Foi um período fértil na minha vida profissional. A Band, com seu apoio e sua confiança, me proporcionou condições de trabalho que permitiram realizar um bom projeto. Só tenho a agradecer", relata notícia publicada hoje no jornal Hoje em Dia Online.

Já bem mais econômico nas palavras, o diretor de jornalismo da Band, Fernando Mitre, definiu a parceria com Casoy como portadora de "ótimos resultados".

Há indícios, contudo, de que a saída de Casoy da Band foi acolhida com furor pelos garis de São Paulo. Para quem não sabe, Boris Casoy nunca morreu de amores pelos garis. Estes últimos, no entanto, teriam prometido que, do alto de suas vassouras, varreriam o apresentador para debaixo do tapete do esquecimento para toda a eternidade.

De acordo com suspeitas (não comprovadas) de fontes (não reveladas), os garis estariam organizando um churrascão na porta da Band para animar o bota-fora de Casoy. Juntos, prometeram ressuscitar,  em alto e bom som, "A Dança da Vassoura", grande sucesso do Grupo Molejo nos anos 1990.
Ao que parece, entre uma varrida e outra, o recado será este: "Diga aonde você vai/ Que eu vou varrendo."

terça-feira, 27 de setembro de 2016

Gobineau-zando a Ciência

A notícia tinha passado despercebida, apesar da sua importância. Mas ainda dá tempo de retoma-la ainda que ela caia no esquecimento.

É bem verdade que, de tempos em tempos, isso acontece mesmo: quando uma parte representativa da comunidade científica acredita que a discussão sobre a existência (ou não) de raças entre seres humanas havia chegado a um termo, eis que um pesquisador vem a público e, munido de novos dados de pesquisa, argumenta que a raça ainda possui relevância para a classificação genética da população humana.

Há, contudo, duas novidades nesta notícia publicada no jornal Folha de S. Paulo online do dia 22 de setembro de 2016, em relação às precedentes. A primeira novidade é que, desta vez, a retomada do tema racial não acontece propriamente pela voz de um cientista, mas pela de um jornalista científico. Em entrevista telefônica ao também jornalista de ciência Reinaldo José Lopes, da Folha de S. Paulo, o jornalista britânico Nicholas Wade, 74 anos, explica a razão pela qual ele decidiu dedicar todo um livro, intitulado Uma Herança Incômoda, ao tema: "Senti que era meu dever contar ao público o que estava sendo descoberto sobre a natureza das raças humanas – os fatos estavam todos lá, na literatura científica, mas colocados de uma forma oblíqua, por meio de uma série de eufemismos."

Detrator da obliquidade e dos eufemismos, Wade descreve sua obra nos seguintes termos: "O livro tem duas partes. A primeira, sobre as diferenças genéticas mais gerais entre as raças humanas, não me parece algo controverso. A segunda parte do livro, de fato, é uma conjectura, um palpite bem informado" sobre o fato de que "parece haver uma diferença sutil no comportamento social nas várias regiões do mundo, em especial no que se refere ao nível de confiança entre os indivíduos". "Ao longo da história," explica o autor, "isso levou ao desenvolvimento de civilizações com características distintas", o que seria supostamente explicado pela variância genética entre populações".

Bem, até aqui, nada de aparentemente muito novo em relação ao racismo científico do Séc. XIX, quando as variações culturais entre as populações humanas costumavam ser explicadas em função do fenótipo (aparência) do indivíduo (sim, já existiu uma época em que a ciência sustentava este tipo de teoria). A segunda novidade que vejo na abordagem do jornalista Wade reside no entendimento que ele tem dos cientistas sociais - ou, mais propriamente, do impacto que ele acredita que sua obra terá junto a estes últimos: "Não acho que mais evidências farão com que os que não aceitam a ideia de raça mudem de opinião. É a mesma coisa com os criacionistas que defendem a verdade literal da Bíblia – as evidências da evolução estão aí aos montes, mas nem por isso eles mudam de ideia. Os cientistas sociais são muito parecidos com os criacionistas nesse aspecto."

A opinião de Wade sobre a posição dos cientistas sociais merece, porém, uma ressalva importante: se, por um lado, o estudo sobre as raças parecia ter perdido relativa capacidade explicativa para a Genética até a publicação deste livro, por outro, a questão racial continua tendo muita relevância no campo das Ciências Sociais. E a razão para isto é simples: a despeito da (in)existência de qualquer base genética concreta naquilo que se entende por "raça", os cientistas sociais se interessam em compreender porque as pessoas ainda continuam, nos dias de hoje, a emitir julgamentos e fazer opções em função da percepção de características fenotípicas das pessoas.

Portanto, ao contrário do que o Sr. Wade anuncia, não é de todo exato dizer que os cientistas sociais não se interessam pela raça, já que a crença na sua existência continua mobilizando o comportamento de muitos e está relacionada a fenômenos sociais tais como o preconceito de raça, de cor, de gênero e de origem.

Aliás, livros como Uma Herança Incômoda apenas confirmam a intuição dos cientistas sociais de que o melhor caminho para se compreender a permanência do termo "raça" na pauta das discussões científicas, em pleno Séc. XXI, tenha muito pouco a ver a questão genética propriamente dita - como pretende Nicholas Wade - e muito mais com o próprio fenômeno do racismo.

P.S.= O título da postagem é uma referência ao francês Arthur de Gobineau, um dos grandes teóricos do racismo científico do Séc. XIX. Amigo próximo de D. Pedro II, Gobineau escreveu Essai sur l'inégalité des races humaines ("Ensaio sobre a Desigualdade das Raças Humanas") depois ter morado no Brasil.

sábado, 24 de setembro de 2016

Conselho de amigo: não abra!

Pois é: bombou e eu abri.

Tudo começou com a leitura de uma manchete de jornal que me pareceu desproporcionalmente honesta, se comparadas com as demais. Aliás, trata-se simplesmente da melhor manchete lida no decorrer de toda essa semana. E ela está lá, disponível na edição de hoje jornal Hoje em Dia online.

 "O que bombou na semana e não mudou a sua vida" é, paradoxalmente, o título mais honesto da notícia mais inútil de todos os tempos do jornalismo brasileiro. Ele é retrato fidedigno daquilo que anuncia e resume muito bem o conteúdo da notícia: uma lista infindável de baboseiras que deram o que falar nesta última semana, mas não fizeram de você uma pessoa melhor e nem te ajudam a pagar uma única conta no final do mês.

Sim, é verdade: caí na armadilha da manchete atrativa e li cretinices que não pretendo descrever aqui. Sim, sucumbi à tentação para ver do que se tratava a notícia e apenas constatei o esperado. Não, ainda não fiz lobotomia. Pelo menos, não que eu saiba.

Mas o mais interessante - e talvez, o único aprendizado útil que tiro de toda essa perda de tempo - foi perceber o que título mais honesto do jornal apenas anunciou algo cuja maior parte dos títulos busca disfarçar: a inutilidade de uma boa parte do conteúdo que nos é oferecido diariamente.

A bem da verdade, os demais títulos fazem algo que este, pelo menos, não fez: dar relevância a fatos triviais de pessoas sem nenhum impacto concreto na vida da maior parte das pessoas - exceto pelo tempo que você dispensou (perdeu, desperdiçou e nunca mais irá recuperar), lendo futilidades da vida pessoal dessas mesmas pessoas.

Há um ditado - bastante cínico, por sinal - que diz que "ladrão que rouba ladrão tem 100 anos de perdão". E quem tece longos comentários inúteis sobre notícia fútil: merece quantos anos de cadeia?

Depois dessa, vou dormir. Bons sonhos. E, por favor, não abram aquela notícia!

quinta-feira, 22 de setembro de 2016

Amigo de todos

Ok, vou falar de mais uma notícia sobre descobertas arqueológicas. Mas que culpa tenho eu se o presente anda meio sombrio e o futuro a Deus, Buda e Maomé pertence? Dá mais onda falar do passado. Ou melhor: falar do presente tentando explicar o passado, pois é disso que a Arqueologia gosta.

Na verdade, a notícia publicada hoje no jornal Folha de S. Paulo online é mais uma promessa do qualquer outra coisa. Para ser justa, vou explicar melhor: ela aborda uma descoberta que pode ajudar a entender um artefato que até então era considerado um enigma.

Para ser menos enigmática e explicar melhor ainda, o enigma em questão nada mais é do que uma descoberta anterior, realizada em 1900, nas imediações da ilha grega de Symi, conhecida como mecanismo de Anticitera. Descoberto há 2000 anos atrás, o mecanismo é supostamente " o 'primeiro computador criado pela raça humana', tal como descreveram seus descobridores", e tinha, ao que tudo indica, finalidade astronômica, "como rastrear complexos movimentos da Lua e dos planetas".

E a tal da nova descoberta - que emplacou um artigo publicado na revista Nature desta semana - envolve a recuperação de "restos de um esqueleto humano localizado em um barco naufragado" na mesmíssima ilha. Os ossos, que estavam em excelente estado de conservação, permitiram aos pesquisadores envolvidos decifrarem alguns elementos do seu informante - doravante nomeado "Pamphilos, que, em grego, significa 'amigos de todos' ": trata-se de um homem que faleceu ainda jovem, com idade em torno de 20 anos.

De resto mesmo, a notícia só faz promessas. "Segundo os pesquisadores, futuros exames de DNA poderiam ajudar a desvendar alguns dos mistérios que envolvem o mecanismo de Anticitera, como a origem geográfica dos ancestrais de Pamphilos e, portanto, do artefato". Acharam pouco? A notícia também alega que "também seria possível saber detalhes físicos do jovem (cor de pele e olhos, por exemplo) e até que tipo de atividades ele realizava ou quais condições de vida tinha devido ao estado de seus ossos".

A descoberta de Pamphilos trouxe, portanto, muitas expectativas para um futuro não muito longínquo. Agora, se Pamphilos conhecia, de fato, o tal mecanismo de Anticitera, isso já é outra história. Talvez ela ainda valha outro artigo na Nature e a luz nos holofotes das agências de notícias internacionais (a propósito, esta notícia é da BBC Brasil).

Na piorzíssima das hipóteses, Pamphilos já "nasceu" nosso amigo e nem a nossa descrença no presente poderia abalar essa convicção. Pior seria se já nascêssemos descrentes no passado, pois, quanto a isso, nem a Arqueologia conseguiria fazer muita coisa.

terça-feira, 20 de setembro de 2016

Sushi moderno

Pode parecer conversa de pescador - e talvez até seja - mas o fato já foi até anunciado hoje no jornal O Globo online: "Arqueólogos encontraram na Ilha de Okinawa, no Japão, o par de anzóis de pesca mais antigos do mundo, com aproximadamente 23 mil anos". Os anzóis foram encontrados na caverna de Sakitari, juntamente com outras ferramentas feitas de conchas.

A descoberta, que já valeu um artigo descritivo na famosa revista Proceedings of the National Academy of Science" (PNAS) desta semana, desbanca artefatos concorrentes encontrados no Timor Leste, com idade aproximada entre16 e 23 mil anos, e na Papua Nova Guiné, com cerca de 18 a 20 anos.

Boa parte do alvoroço dos pesquisadores se deve ao fato de que os tais anzóis constituem as primeiras evidências claras de que a ocupação naquela ilha começou entre 30 mil e 35 mil anos atrás, ou seja, muito antes da marca de 10 mil anos que vinha sendo considerada pelo arqueólogos até então. Outro mérito da pesquisa é superar um problema metodológico muito comum aos sítios arqueológicos do sudeste da Ásia: "a falta de evidências que indiquem comportamentos modernos como ornamentos pessoais e tecnologia lírica".

Ao fornecer evidências seguras da ocupação humana nesta região da Ásia, o achado acaba ocasionando mudanças na forma como se deu especificamente a ocupação humana naquela ilha: "Para os autores da publicação, a ocupação da ilha aconteceu após sucessivas travessias pelo oceano, cuja distância sem sinais visíveis pôde chegar a 200 quilômetros em meio a fortes correntes marítimas", relata a notícia.

Fora da cobertura da imprensa diária, contudo, os boatos são outros. A versão extraoficial que circula nos salões de beleza de toda a Ásia é a de que os arqueólogos estejam interessados em encontrar evidências definitivas do comportamento humano moderno na ilha, incluindo, entre outras possibilidades, a localização do sushi fossilizado mais antigo do mundo.

Quem viver, verá!

quinta-feira, 15 de setembro de 2016

Diego, o psicodélico

A vida é feita de escolhas, garotada!

Não é por um acaso que Diego, uma tartaruga da espécie Chelonoidis hoodensis, chegou aonde chegou: a "tartaruga gigante macho de Galápagos com mais de cem anos de idade está sendo considerada a grande responsável por recuperar a população desses animais em sua ilha nativa, Española, e, assim, salvar a espécie da extinção."

Diego optou pela vida ao conseguir reverter um quadro dramático para a sobrevivência de sua espécie: "Há 50 anos, havia apenas 2 machos e 12 fêmeas da espécie de Diego em Española –e os animais estavam espalhados demais pela ilha para que fosse possível reproduzir".

Foi necessário uma campanha internacional para buscar sobreviventes dessa espécie até que Diego fosse trazido do zoológico de San Diego, nos EUA, em meados da década de 1970. Desde então, Diego vive em um centro de reprodução na Ilha de Santa Cruz, em Galápagos, onde se tornando pai de cerca de 800 filhotes, isto é, aproximadamente "40% dos filhotes liberados na natureza pelo projeto."

A escolha de Diego, contudo, foi muito diferente da de George, o Solitário, "último sobrevivente conhecido" de outra espécie de tartaruga gigante de Galápagos, a Chelonoidis abingdoni. Também centenário, George "faleceu em 2012 após se recusar por muitos anos a reproduzir em cativeiro."

Neste mundo de disputas e ilusões vãs, Diego, o reprodutor-messias que veio para salvar a sua espécie, deixa para as gerações futuras a lição aprendida nos seus anos de convívio psicodélico no Zoo de San Diego: "make love, not war."

quinta-feira, 8 de setembro de 2016

A um passo da meta

Essa vida é mesmo plena de contradições.

A dois passos do Brasil se tornar uma nova Pequim, eis que dou de cara com duas notícias, que misturam lindamente histórias de superação com o mais que merecido reconhecimento.

A primeira delas é o desempenho alcançado pela Escola Municipal Friedenreich no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) do estado do Rio de Janeiro. A escola em questão obteve nota 8,3, considerada a maior entre "as escolas públicas da cidade nos anos iniciais do ensino fundamental (4º e 5º ano)", de acordo com dados do Ministério da Educação (MEC).

O bom resultado obtido pela escola, que conseguiu superar a meta de 7,2 que ela própria havia estabelecido para 2021, merece ser ainda mais comemorada quando se sabe que ela já esteve a um passo de ser demolida "para ser substituída por equipamentos de apoio aos megaeventos", em função de sua proximidade com o estádio do Maracanã. 

Felizmente, "em 2013, após intensa campanha de professores, pais e alunos e várias manifestações contra a derrubada da escola, o governo estadual, comandado na época por Sérgio Cabral, cedeu aos protestos e resolveu poupar a unidade, que seria demolida para construção de um estacionamento". Hoje, a escola desponta como exemplo de excelência em meio ao tão desacreditado ensino público no país.

O segundo caso de superação é a conquista da medalha de ouro na prova dos 200 m livre classe S5 hoje pelo nadador paraolímpico Daniel Dias. O nadador paulista, que já foi ouro nas edições anteriores de Pequim e Londres, acumula 16 medalhas em competições paraolímpicas, 11 das quais foram ouro.

O bom resultado obtido por Dias ganha ainda mais brilho quando se sabe que ele começou a nadar tardiamente, aos 16 anos, "depois de assistir aos Jogos Paraolímpicos de Atenas-2004 e se encantar com os feitos de Clodoaldo Silva, grande nome do país naquela edição". Quatro anos mais tarde, ele já colecionava sua primeira medalha de ouro nos jogos paraolímpicos. "Até hoje ele treina em uma piscina pequena em Bragança Paulista, a 83 km de São Paulo. Isso nunca foi um impeditivo para que sobressaísse em nível internacional."

Em meio a tantas outras metas lastimáveis, essas duas fizeram valer o meu dia. 

terça-feira, 6 de setembro de 2016

De estrelas e asteroides

Olás, boa noite, salve, salve.

Desculpem a prolongada ausência. Estava passando férias em Saturno, na esperança de melhorar o meu mau humor cósmico, depois de uma semana que me tirou toda a vontade de passear os dedos pelo teclado. 

Passada a indisposição inicial, eis que consigo trazer pelo menos uma notícia alvissareira lá dos confins do nosso sistema solar. Senhoras e senhores, de acordo com notícia publicada hoje no jornal Hoje em Dia onlineuma estrela do rock acaba de deixar de ser estrela para virar asteroide

Não, não se trata aqui de um transbordamento intergalático da nossa crise política. Trata-se simplesmente de uma homenagem póstuma a um grande ícone da ópera rock, dado que "um asteroide orbitando Júpiter foi batizado em homenagem a Freddie Mercury, que completaria 70 anos nesta segunda-feira (5)".

A homenagem foi promovida pelo Centro de Planetas Menores da União Astronômica Internacional, que rebatizou asteroide descoberto em 1991, ano da morte do cantor, de "Asteroide 17473 Freddiemercury". 

Antes que alguém reclame que rebatizar asteroide é perda de prestígio na escola de, seria de bom alvitre ao menos ouvir a opinião do guitarrista do Queen, Brian May, ele próprio detentor de um doutorado em Astrofísica pelo Imperial College (Reino Unido). May defende que um asteroide é "apenas um ponto de luz, mas é um ponto de luz muito especial", uma espécie de "cinza no espaço".

O que exatamente May quis dizer com isso permanece uma incógnita, visto que os asteroides não costumam ter luz própria. Mas, seja lá o que for, fica desde já um consolo para os fãs de Mercury (que, ironias à parte, já leva o nome do menor planeta do nosso sistema solar): quem já foi estrela, nunca perde a majestade.