UA-89169382-1 Crônicas de Juvenal: abril 2011

sexta-feira, 29 de abril de 2011

Brincando de casinha?

Um pouco de humor agridoce para coroar nossa semana!

Depois de uma taxa de crescimento milagrosa do PIB em 2010 - algo como 7,5% - nada como o senso do IBGE para colocar os pés dos brasileiros no chão (http://oglobo.globo.com/pais/mat/2011/04/28/brasil-tem-mais-de-130-mil-casas-chefiadas-por-criancas-diz-censo-2010-924344175.asp).

Os autos demonstram que a realidade nacional ainda está muito longe dos contos de fada (sem bem que nesses também havia exploração do trabalho infantil doméstico): 132mil lares brasileiros são chefiados por crianças de 10 a 14 anos. Ou seja, nessas mesmas famílias, o trabalho das crianças é a principal fonte de renda.

Surpresos? Esperem que aí vem bala: mesmo se abstrairmos o valor da renda nacional média das significativas diferenças regionais, veremos que algo próximo de 60% dos domicílios brasileiros sobrevivem com um salário mínimo. E se aumentarmos a renda para 2 salários mínimos, teremos nada mais, nada menos do que 82,4% dos domicílios brasileiros nessa situação.

Muitos têm insistido no aumento do poder de consumo da classe C, ela própria em franco crescimento. Há quem diga que resorts luxuosos têm baixado seus preços, de olho nessa nova clientela (http://economia.uol.com.br/ultimas-noticias/infomoney/2011/04/25/aumento-do-poder-de-consumo-da-classe-c-faz-resorts-baixarem-os-precos.jhtm).

Bem, se o trabalho infantil teimar em crescer na mesma proporção que a classe C, então é bom os resorts irem logo planejando adaptar suas dependências à proporção das casinhas de brinquedo, com vistas a atender às novas demandas da jovem clientela de 10 a 14 anos. Algo assim nas dimensões de Lilliput...

quinta-feira, 28 de abril de 2011

Enfim, uma visão dissonante...

Já vai longe o tempo em que "fato científico" era sinônimo absoluto de "consenso". Aliás, se essa ideia se manteve em alta durante desde o Séc. XIX até bem recentemeente, dentro de uma visão positista de ciencia, isso se deu muito mais em função de anseio profundo de que esses consensos fossem realmente absolutos, do que pela verificação empírica da existência de consenso.

Na melhor das hipóteses, como nos lembra Foucault, os consensos (quando existem) são fabricados às custas da exclusão de várias outras possibilidades. Não que a ideia de consenso como fundamento científico tenha caído totalmente por terra. Mas o próprio processo de construção desses consensos (fabricados) passaram a ser objeto de reflexão crítica.

Enfim, conquanto essa visão venha se alterando com o passar dos anos, não são muito frequentes as matérias que fazem jus à ideia de ciência enquanto um debate aberto em constante evolução. E para falar que nem só de críticas irônicas e cínicas vive esse blog, cá tenho nas mãos (ou melhor, diante dos olhos, em outra janela do computador) um raro exemplar dessa visão menos consensual de ciência.

Mas a matéria faz muito mais do que isso. Ela ecoa uma interpretação dissonante sobre os recentes deslocamentos de eixo da Terra que aconteceram em consequência de terremotos de grande proporção como os do Japão. Tal interpretação vai justamente na contramão da "indústria-midiática-do-fim-do-mundo" que vem tomando vulto nos últimos tempos.

A matéria em questão foi veículada no New York Times e reproduzida na Folha Online (http://www1.folha.uol.com.br/ciencia/908469-terremotos-alteram-eixo-da-terra-mas-nao-mudam-clima.shtml). A controvérsia surge entre os pesquisadores do Laboratório de Propulsão a Jato (JPL), da Nasa, e os do Centro de Pesquisa de Sistemas Climáticas, da Universidade Columbia. Enquanto os primeiros alegam que o deslocamento de cerca de 16,5 cm do eixo da Terra ocorrido com o último terremoto do Japão, "alterando levemente a distribuição de massa no planeta", os pesquisadores da Columbia oferecem uma interpretação divergente quanto à intensidade dessas mudanças.

De acordo o pesquisador Allegra N. LeGrande, as "alterações naturais na massa da Terra na atmosfera e oceanos também causam mudanças de aproximadamente 99 centímetros no eixo rotacional todo ano". Ou seja, "as mudanças ligadas a terremotos são muito menores do que as alterações imperceptíveis que acabam ocorrendo todos os anos". A questão, portanto - como eu já venho defendendo com alguma insistência, especialmente em comentários como os do dia 17 de março deste ano - passa a ser de perspectiva: "as alterações que acontecem todo ano com a obliquidade são tão minúsculas que não percebemos", ressalta o pesquisador.

No final das contas, vale a máxima do Lulu Santos: "tudo muda o tempo todo no mundo". Vê caos e destruição quem por isso espera, ou melhor: quem acha que sai ganhando uma certa forma de precaução emocional com isso. Ou por pura catarse, vai saber. Por mim, já tá decidido: "fim do mundo, pode vir quente que eu já tô fervendo!"

P.S. 1= Putz, acabei de citar o Roberto Carlos! Deve ser mesmo o fim do mundo!!!

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Sonho e vigília

Ontem, quando falava do estado de "quase sonho" vivenciado pelo Internauta em estado de imersão nas redes sociais, fiquei me perguntando se a matéria em questão já não trazia em si um viés negativo contra o tal estado (http://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/907408-usuarios-de-redes-sociais-exibem-ate-o-que-nao-querem-mostrar.shtml). Raciocinem comigo: por que alguém teria, supostamente, que falar mais bobagem só porque está meio adormecido?

Enfim, qualquer que seja a resposta, a premissa que ficou implícita ali foi a de que qualquer relaxamento da consciência é (ou deva ser encarado como) uma grande ameaça. Bem, o risco de embarcar nessa é achar que é possível se manter em estado de vigília constante e esquecer que dormir também faz parte.

O legal é ver o caminho que os cientistas fazem para chegar até essas conclusões. Hoje mesmo diversos jornais replicaram uma matéria da agência de notícias francesa AFP divulgando os achados de uma equipe de pesquisadores da Universidade de Wisconsin, sob a liderança da professora de psiquiatria Chiara Cirelli. (A mesma matéria pode ser acessada, sem nenhuma alteração subtantiva, no Hoje em dia - http://www.hojeemdia.com.br/cmlink/hoje-em-dia/vida/saude/cerebro-pode-ficar-acordado-e-adormecido-ao-mesmo-tempo-por-cansaco-1.271550 - e na Folha Online - http://www1.folha.uol.com.br/ciencia/907944-cansaco-faz-cerebro-ficar-acordado-e-adormecido-ao-mesmo-tempo.shtml).

O interessante da pesquisa em questão é o caminho da demonstração. Ela conseguiu demonstrar, pelo intermédio de eletrodos acoplados nos cérebros de 11 camundongos voluntários, recrutados nas melhores unviersidades americanas, que do total de 20 neurônios monitorados, 18 permanceram em vigília, e 02 resolveram parar para tirar uma sonequinha. Isso mesmo: enquanto o estado geral dos camundongos em estado de fadiga acusava "awaken mode on", uma partezinha cansada daqueles cérebros resolveu fechar para balanço durante o expediente. Ou melhor, "nos outros dois, havia sinais de sono, com alternância entre períodos breves de atividade e períodos de silêncio".

Até aqui, a pesquisa acima confirma a equação "estado de quase sonho = bobobagem à vista". No mundo dos camundongos, as coisas não andaram melhores. "Os animais foram treinados por duas horas para realizar uma tarefa complicada: segurar uma bolinha de açúcar com uma única pata. Mas quanto mais cansados ficavam, mais difícil para os roedores se tornava o trabalho. Eles começaram a deixar cair as bolinhas, ou então não conseguiam pegá-las quando oferecidas", explica a matéria.

Mas como verdades científicas são voláteis e não me intimidam, prefiro me rebelar e seguir a senda das respostas menos prontas. Numa belezura de curso que fiz sobre "tradição ancestral brasileira", por exemplo, aprendi que na tradição dos índios tapuias o mundo "real" é o mundo dos sonhos. Os Krahô, por exemplo, consultam seus sonhos antes de sair para caçar. Diz-se que um bom caçador Krahô não sai para caçar: ele marca um encontro com a caça.

Na base dessa crença, subsiste uma confiança de que algo muito sábio permanece latente dentro de nós e que este "algo mais" pode ser acessado, de alguma forma, fora do estado de vigília. Essa visão é estritamente oposta à do camundongo cansado. Uma coísa é certa: a inabilidade dos camundongos se deve justamente ao fato de que eles não dormiram o suficiente para realizar suas tarefas. Isso nos lembra que, em vez de dar murro em ponta de faca, o caminho mais produtivo consiste em render-se para não "dormir no ponto". Com vocês, mais um paradoxo da vida moderna.

terça-feira, 26 de abril de 2011

Nu na vitrine!

Não sei se você, amigo leitor, é um deles. Pode até ser que seja. Aliás, pode até ser que EU também seja assim e nem perceba. Mas não vou mudar o rumo da prosa para esconder o que eu penso: nunca entendi muito bem porque as pessoas têm essa atração mórbida por contar coisas absolutamente banais nas redes sociais, do tipo Facebook, Orkut, Twitter e similares. Mas hoje foi a primeira vez em que li uma explicação plausível para o que chamarei aqui de "efeito vitrine".

O segredo para que as pessoas confiem tantos detalhes pessoais ou até íntimos naquela janelinha "diga o que vc está pensando agora" reside na capacidade de imersão vivida cada vez mais pelo Internauta. Segundo matéria da Folha Online, "uma das hipóteses para isso é que, quando se está na internet, perde-se um pouco a noção de tempo e espaço. O internauta fica em imersão, o que favorece uma condição quase de sonho"(http://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/907408-usuarios-de-redes-sociais-exibem-ate-o-que-nao-querem-mostrar.shtml). O problema é que "nesse estado alterado de consciência, a censura e a autocrítica ficam rebaixadas".

Senão, vejamos três pequenos exemplos de ações irrefletidas, retiradas da vida real de amigos e de amigos de amigos - ações estas que podem ter consequências desastrosas para a vida social e profissional do seu autor.

Exemplo no. 1 : Dona Fulaninha, dona do Empreendimento Comercial X, posta, todos as semanas - infalivelmente - uma foto das suas unhas pintadas com a cor de esmalte da semana. Entre os contatos de Dona Fulaninha, como não podia deixar de ser, estão seus principais clientes. Tenho certeza de que Dona Fulaninha nem sequer pensa neles na hora de postar essas fotos, mas devia. De coração.

Exemplo no. 2 : Seu Ciclaninho é roubado em praça pública e lança impropérios contra o país onde mora. No auge do seu arroubo emocional, seu Ciclaninho perde a compostura e diz que quer mais é tirar vantagem daquele paiseco de merda e, com um pé na Jovem Guarda, deseja mesmo é "que tudo o mais vai para o inferno". Só que seu Fulaninho, que está procurando emprego, nem cogitou que seu ex-futuro-empregador pode ter decidido dar passada naquele dia. Com certeza, ele terá saído com uma péssima impressão da base moral de Seu Ciclaninho.

Exemplo no. 3: Seu Beltraninho adora postar frases de efeito, expressando suas posições políticas retrógradas nas redes (às vezes, em todas ao mesmo tempo). O problema é que, além de retrógrado, seu Beltraninho é daqueles que parece ter saltado a primeira série do ensino fundamental, principalmente aquela parte do treino ortográfico. Ele não hesita, por exemplo, em escrever "simplismente", "incherga" e "vc é legal di mais". Lamento informar, mas seu Beltraninho - que está solteiro e a procura de um par - acaba de decepcionar meio milhão de pretendentes letrados, seja pela escorregadela na forma, seja pelo vacilo no conteúdo de seus proferimentos.

É, camaradas! O caminho entre cérebro e os dedos teclantes parece estar se encurtando consideravelmente. Com isso, a gente topa cada vez mais com figuras que derramam coisas hiper-pessoais para contatos que até então só ficavam restritos aos meios profissinais ou acadêmicos.

Para concluir - que o assunto é longo e mereceria muitas twittadas - vou trazer um último dado citado pela matéria que, de tão bizarro e descontextualizado, vai servir de ponto de reflexão para a minha longa noite de sono. Segundo essa mesma matéria da Folha, "uma pesquisa feita no ano passado pela Oxygen Media e Lightspeed Research mostrou que 21% das mulheres entre 18 e 34 anos que estão nas redes se levantam à noite só para checar o Facebook". Pode? Em vez do tradicional pipi no meio da noite, uma espiadela no Facebook!

Céus! Onde é que vamos parar? Ainda vai chegar um dia em que uma pesquisa da Bananas University vai aparecer comprovando que recém-casados, na noite de núpcias, dão uma média de 12 twittadas entre um orgasmo e outro. Valha-me Deus! Credo em cruz! Toc, toc, toc na madeira! Marte, aí vou eu!

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Não me convidem!!!

Casamento do Príncipe William e da Kate Middleton: NÃO ME CONVIDEM, nem por decreto de São Jorge! Aquilo que alguns chamam de "O casamento do ano" (http://oglobo.globo.com/mundo/casamento-do-ano/) já virou a chatice do século. Pior, corre ainda o risco de virar um verdadeiro pesadelo midiático para aqueles que estão pouco se lixando para a nobreza desta ou de outras paragens .

Esse casamento tem se revelado um festival de tagarelices sem sentido: quantos quilos a noiva emagreceu para entrar no vestido, quais foram as esposas mais bonitas da realeza britânica, como o casal de pombinhos se conheceu numa universidade obscura de gente rica... Isso tudo porque eu não procuro saber de nada. Imaginem se procurasse... A medida que os dias passam, a coisa ganha ares de histeria coletiva! Pobre de quem, como eu, morre de preguiça de hierarquias de sangue.

Em suma: senhoras e senhores, não tenho nada contra casamento (acho inclusive que os da Terra da Macaxereira costumam ser mais emocionantes), mas estou dando linha para esta cerimônia e não iria nem se me pagassem!

E tem mais. Meus instintos republicanos avisam: a Bastilha ainda pode cair! Nem que seja no país errado e alguns séculos mais tarde.

E deixa eu correr que tenho mandar bronca aqui numa inscrição. Até amanhã.

sexta-feira, 22 de abril de 2011

O som e o dom de ser canção

Que alegria topar com essa música do Eduardo Agni no Youtube! Linda, linda, linda! Dessas próprias para se ouvir num belo fim de tarde outonal, quando o sol vai descendo no horizonte e aquela pontinha de saudade dá as caras.



Um bom feriado para todo mundo!

quarta-feira, 20 de abril de 2011

Ser o que se é... com a ajuda de Gloria Gaynor!



Em tempos em que a palavra "bullying" é recitada pelos quatro cantos a ponto de merecer incorporação defintiva ao Dicionário Aurélio, a belíssima canção de Gloria Gaynor "I Am What I Am" tem muito a nos ensinar. Primeiro, porque ela é um grito de afirmação da identidade - com suas nuances, contornos e percalços próprios - num mundo que teima em rejeitar as pequenas e grandes diferenças em proveito de um padrão único: de beleza, de comportamento, de reflexão. Em segundo lugar porque, ao escutá-la numa aula de biodança na última 2a feira, ela me trouxe também à memória um evento marcante da minha infância que gostaria de narrar brevemente aqui. Tal evento, curiosamente, tem tudo a ver com práticas subreptícias de "bullying".

Estávamos, mais precisamente, em meados no ano de 1984. Naqueles tempos, eu estudava em um colégio estadual da região central de BH. As mães de algumas alunas haviam preparado uma festa surpresa de aniversário para a professora da nossa turma. A festa, eu me lembro bem, aconteceu em horário de aula, numa sala ampla onde tínhamos nossas aulas de artes.

Entre os vários números preparados pelos alunos, lá estávamos eu e a minha amiga S com um número de dança. A coreografia havia sido confeccionada por S especialmente para a ocasião e tinha como base a canção de Gloria Gaynor. S, que hoje é cantora profissional, além de deter uma voz das mais prodigiosas já naquela época, também dançava divinamente. E eu, que era muito bem intencionada mas não dançava quase nada, topava qualquer coisa para estar no meio da festa.

E não é que estávamos lá, bem no meio do nosso tão ensaiado número, cujos passos seguiam engenhosamente a marcação da música (obra de S, não minha), quando, de repente, a música é cortada e adiantada. Eu, que tinha ensaiado muito para compensar a falta de dom natural, perdi literalmente o rebolado e a sequência dos passos. S, que era mais esperta, conseguiu retomar o ritmo mais adiante e tocar o barco para frente. Sem entender direito o que estava acontecendo, continuamos dançando, tentando retomar a sincronia dos passos.

Opa! De novo! A música é mais uma vez adiantada. Mais descompasso. S dança de um jeito, eu danço de outro. Olho para a radiola (tá bom, admito: sou do tempo da radiola!) e entendo o truque: a mãe de uma das alunas estava "adiantando" a música propositalmente. Fiquei querendo reclamar, sem saber o que fazer, dançando de qualquer jeito e S, salvando a pátria, fazendo de tudo para a peteca não cair. A música acaba e os aplausos são poucos para compensar o evidente vexame.

Na época, o motivo alegado pela mãe era o atraso na programação da festa, o que justificaria então alguns cortes na música, tudo isso feito - claro - sem consulta e aviso prévio. O sentimento de indignação ficou ainda maior quando percebemos que o número dançado pelas filhas das mães organizadoras - a música do "biquini amarelinho" - não foi cortada. "Sacanagem!", pensamos.

Levei anos tentando entender a razão daquele ato de sabotagem gratuito. Mas só na última 2a feira é que uma possível explicação me saltou aos olhos. S, que era minha melhor amiga na época, era uma das primeiras alunas da turma, dançava muito e cantava mais ainda. S não era pobre, pelo contrário: tinha pai e mãe formados em Direito e vivia com algum conforto no bairro Padre Eustáquio. Só que S era... negra! Negra numa turma de colégio supostamente público, mas que mantinha na ordem do dia toda sorte de artifício para a manutenção de clivagens sociais e raciais as mais mesquinhas. S era tudo o que não esperava dela: negra, bonita, inteligente e talentosa.

Ao longo dos 9 anos que estive nesse colégio, presenciei diversas cenas de discriminação vividas por S. Foram várias e várias delas. Mas nunca correlacionei este fato específico com as demais situações de discriminação. A associação entre o evento em questão com um suposto incômodo diante daquela figurinha cheia de talentos só me ocorreu agora. O mais engraçado, fico aqui pensando, é que só agora também que me dou conta de que a canção da Gloria Gaynor já trazia em si o melhor soro-antiofídico para aquela pequena perversidade: "I am what I am and what I am need no escuses".

Também não é à toa que, passados muitos anos daquele e de outros eventos de discriminação presenciados na escola pública, a memória da indignação ainda me é muito presente. Talvez, uma forma de resolver esse desconforto existencial tenha sido a defesa de uma tese de doutorado sobre discriminação racial em 2008. Quanto a S, tive a grata oportunidade de tocar nesse assunto com ela no início desse ano. Falei do tema da minha tese e do quanto a postura de resistência dela foi crucial para despertar em mim um outro senso de justiça. Foi da boca dela, aliás, que ouvi pela primeira vez a palavra "discriminação".

Por essas e por outras, meus caros, pensem bem no ambiente que filhos, sobrinhos, netos e outras crianças de suas relações frequentam. Que seja esse um ambiente que prime pela diversidade e pelo respeito às diferenças. Sem restrições.

P.S.= A propósito, é por essas e por outras que sou totalmente favorável à política de cotas no Brasil.

terça-feira, 19 de abril de 2011

Na ponta da agulha, uma ambiguidade.

Quem tem medo de agulha aqui? Você?

Então você faz parte daquele seleto grupo que acreditaria que sua fobia estava com os dias contados ao ler o título de uma matéria da Folha Online de hoje: "Vacina para quem tem medo de agulha é lançada no Brasil" (http://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/904646-vacina-para-quem-tem-medo-de-agulha-e-lancada-no-brasil.shtml).

É claro que era bom demais para ser verdade. O título não passa de uma ilusão sutilmente sugerida pela imaginação pouco reflexiva do jornalista responsável pela notícia. Senhoras e senhores: é com grande pesar que anuncio que não se trata, infelizmente, de uma vacina contra o medo de agulha. Nem tampouco se trata de uma vacina sem agulha. Mas o que promete então a Fabricante Sonafi Pasteur? Tão pura e simplesmente "uma vacina contra gripe com uma agulha dez vezes menor que a convencional". Só isso? É!

A promessa é no mínimo decepcionante. Como se não bastasse a ambiguidade que se esgueirou pelo título, a notícia ainda promete um falso alívio para quem tem fobia de agulha. É como se, guardadas as devidas proporções, alguém impusesse um cão menor para quem já morre de medo de cachorro. Na prática, tanto faz se o cachorro é grande ou pequeno, o cachorro-fóbico não quer nem saber: sai sapeteando diante do primeiro poodle toy que vê pela frente. O mesmo acontecerá com a agulha: até as de acupuntura assustam.

Propaganda enganosa no meio de uma notícia? A quem recorrer? Ao CONAR? Ao PROCON? A Comissão de Ética da Câmara dos Deputados? À imagem de Nossas Senhoras das Dores? Sei lá. Enquanto o marco regulatório das comunicações no Brasil se primar pela abstenção, matérias ambiguas como essa será dos males o menor! E tenho dito...

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Escapamentos assassinos

Já vão longe os dias em que Belo Horizonte era tachada de "cidade vergel", verdadeiro paraíso terrestre para a cura das doenças respiratórias. Estudo do Laboratório de Poluição Atmosférica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), em parceria com a UFMG, joga pelo menos duas pás de cal nessa imagem: a primeira na memória de quem já conheceu essa nobre vocação da cidade; e a outra nas esperanças de quem um dia pretende rever esse cenário.

Segundo matéria publicada no Jornal Hoje em Dia Online, "pelo menos uma pessoa morre, diariamente, devido à poluição provocada pelos carros da cidade" e "mais de 900 são internadas com doenças respiratórias e cardiovasculares agravadas pela fumaça dos automóveis" (http://www.hojeemdia.com.br/cmlink/hoje-em-dia/minas/poluic-o-dos-veiculos-mata-uma-pessoa-por-dia-em-bh-1.267959). Para quem não sabe, as principais doenças agravadas pela poluição do ar são "infarto, hipertensão, acidente vascular cerebral (AVC), pneumonia, bronquite, asma e câncer de pulmão".

Para se ter uma ideia da catástrofe pulmonar, façamos um paralelo besta: em 2009, a taxa anual de homicídios no Canadá foi de 610 mortes (http://www40.statcan.ca/l02/cst01/Legal12a-fra.htm). Só em BH, e por causa da poluição gerada por veículos automotores, teremos algo próximo de 360 mortes só neste ano. Trocando em miudinhos: as mortes daqui, cuja população é de cerca de 2 milhões e 500 mil habitantes, equivalem a mais da metade das mortes de lá, um país de 31 milhões de cidadãos. Quase que minha calculadora tem uma parada respiratória!

E sabe o que é pior? A projeção de mortes por ano em BH está sendo subestimada, já que os dados do estudo da USP são baseados em amostragem coletada entre 2007 e 2008, quando a frota de veículos era menor do que a atual. " Três anos depois, cresceu 20% e já supera 1,3 milhão".

Já o outro lado da moeda - representado na matéria pelo vice-presidente da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet), na pessoa do Sr. Guilherme Durães - se defende alegando que considera "ainda prematuro relacionar as mortes destas doenças com os poluentes emitidos pelos carros". Para tanto, seriam necessários "dados mais precisos", conforme a matéria.

Enquanto os "dados mais precisos" não dão as caras, a frota de automóveis cresce a passos largos na cidade, brotando que nem chuchu na cerca. Vai chegar o dia em que eu vou comprar, no lugar dos antigos saquinhos de leite (que eu nem bebo mais), uns saquinhos de oxigênio, vendidos aos litros também. Tenho certeza de que dona da padaria continuará me dando o troco em balas, só para garantir uma certa estabilidade ontológica ao meu dia-a-dia.

P.S. 1 = Obviamente, precisamos de mais verde, urgente!
P.S. 2 = Por um metrô rápido, abrangente e acessível já!

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Na terra dos caraíbocas, antes da CLT

Eu hoje aprendi a origem da expressão "entre a cruz e a espada".

Diz-se que os índios não tinham opções lá muito louváveis durante os 14 anos de governo de Mém de Sá no Rio de Janeiro (1558-1572): ou bem eles se submetiam ao jugo dos portugueses recém-chegados e eram escravizados, aceitando jornadasde 12 a 14 horas de trabalho, 7 dias por semana (opção "espada"), ou bem eles corriam para as barras da saia dos jesuítas (opção "cruz") para acatarem jornadas mais brandas de 8 a 9 horas de duração, tendo os domingos livres para rezar.

Por mais acurada que seja a expressão com relação ao sentimento que ela descreve, ela não deixa de omitir outras alternativas. Existia uma "terceira via" para os povos indígenas que viviam na região do Rio de Janeiro naquela época: juntar-se a uma bandeira e desbravar o interior do país, capturando outros índios para trazê-los à escravidão. Nada mal para um projeto identitário endossado pelo dominador: esqueça quem você é e cace o seu irmão. Claro, uma quarta opção também era possível: lutar, resistir e se esconder. Mas essa dava muito trabalho e gerava mortes. Como punição, esta última alternativa será execrada nos livros de história da maior parte das escolas brasileiras durante muitos e muitos anos.

É, eu hoje vou dormir menos besta... graças ao Kaká Werá!

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Ar puro... com brócolis!

Difícil demais manter o pique do blog no meio de um congresso no Rio, mas vamos lá!

Para quem vive falando "abobrinhas" como eu, um novo alento: tá na hora de falar "brócolis". Pesquisadores da John Hopkins University, em Baltmore, vem descobrindo maravilhas sobre esses caules verdinhos (http://oglobo.globo.com/vivermelhor/mat/2011/04/14/composto-base-de-brocolis-pode-ajudar-sistema-imunologico-limpar-bacterias-nocivas-aos-pulmoes-924238600.asp). Segundo matéria publicada no O Globo Online, substância presente no brócolis, couve-flor e outros vegetais crucífros - o sulforafano - ativa a ação de macrófagos, que por sua vez limpam os pulmões de detritos e batérias potencialmente infecciosos.

Em dia de inversão térmica, confirmada por intensa bruma sobre a Baía da Ganabara, vivi um delírio ímpar: fiquei me imaginando uma Chapéuzinho Vermelho, passeando entre florestas inteiras de brócolis centenários, frondosos, gritando a plenos pulmões: vamos comer essa couve-flor enquanto seu Lobo não vem.

P.S.1 = Não, não tomei chá de cogumelo!
P.S.2 = Continuo falando abobrinha do mesmo jeito.

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Vapor barato...

Amigos,

Assim ficaremos na presente data: a ver navios... Porque nenhum comentário que se preze vale o pôr do sol de hoje!

Até breve.

terça-feira, 12 de abril de 2011

Direito à "siesta"

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) anda de caso com o Tiririca, só pode! É que os dois fazem mil e uma palhaçadas e depois ficam sem entender porque ninguém os leva a sério.

Escutem essa: duas semanas depois de ter deixado o funcionalismo do poder judiciário de cabelos em pé com a determinação de que os tribunais funcionem ininterruptamente das 9h às 18h, o CNJ chuta o pau da barraca e oficializa a "siesta" (http://www.hojeemdia.com.br/cmlink/hoje-em-dia/noticias/politica/cnj-oficializa-a-siesta-para-servidores-do-judiciario-1.265783).

Se nos fiarmos no que diz a matéria veiculada no Hoje em Dia Online, a nova determinação do CNJ fica parecendo um verdadeiro tiro no pé: "para ter o expediente flexibilizado, garantindo a pausa no almoço, basta que o órgão comprove que não tem o número suficiente de funcionários para cumprir o horário ininterrupto ou que mostre que precisa respeitar costumes locais". Trocando em miúdos: basta alegar um sincero apegos aos "costumes locais" para que a determinação B anule a determinação A. Assim, troca-se 6 por meia dúzia e ninguém sai do lugar. Legal o CNJ!

Mas o que mais me dá frio nos ossos é esse profundo respeito do CNJ para com os "costumes locais": se o órgão começa a levar a sério esse súbito apego ao hábitos da casa, a melhor solução vai ser mesmo mandar fechar a bodega e ir embora para casa. É que no judiciário, o exemplo vem de cima. Para memórias que clamam por refresco, aqui vai um "souvenir" dos bons: não faz muito tempo, o Sr. Ministro do Supremo Tribunal Federal, Paulo Medina, foi afastado por " por suposto envolvimento em venda de decisões judiciais a fim de favorecer a máfia dos caça-níqueis, desarticulada em 2007" (http://www.leieordem.com.br/ministro-do-stj-suspeito-de-corrupcao-exige-regalias.html).

Enfim... para uma nação que se crê deitada eternamente em berço esplêndido, a legalização da "siesta" nada mais é do que a confirmação da sua verdadeira vocação: dormir no ponto!

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Nas bodas de Caná - versão tupiniquim

No final da semana passada, fui agradavelmente supreendida com um presentão do meu progenitor, o que incluía passagem de ida e volta para a Terra da Macaxeira - lá onde o girimum grassa e as tapiocas são da melhor qualidade. É lá também que meu primo P. resolveu celebrar suas bodas com a graciosa H., namorada de tão longa data que esta já tinha até virado patrimônio mundial da Família Botelho, sob as bençãos da UNESCO.

Bem, dizem os mais versados em assuntos bíblicos que as Bodas de Caná constituíram um evento público de grande importância, no qual Jesus pôde operar seu primeiro milagre: a transformação da água em vinho. Mas nesta curiosa variante das Bodas de Caná - versão tupiniquim - o vinho não faltou. Quem quase faltou foi a noiva, deixando o noivo passar o maior perrengue na porta da igreja.

Passemos, pois, aos fatos. O noivo, ao contrário do que reza a tradição familiar, andava todo descontraído na véspera do grande dia. Dizem as línguas mais ferinas que seu grau de despojamento era tamanho que ele teria até mesmo aventado a possibilidade de passar as 12 horas anteriores ao evento investindo no seu bronzeado, estatelado sobre as areias escaldantes de uma badalada praia ao sul da cidade que não convém nem citar, não tivesse São Pedro sido precavido e cortado a onda dele com um dilúvio de quase 24 horas de duração.

Fato é que às 20h do dia 08 de abril, lá estava o noivo, pontualmente, na porta da Igreja, bem como os demais padrinhos, madrinhas, testemunhas e convivas. Notem que o padre da paróquia local já havia advertido os noivos de que estes estariam sujeitos à excomunhão caso chegassem atrasados. E eis que o noivo zen, num acesso de entusiasmo furioso, incomum nos noivos de ontem e de hoje, resolveu acenar positivamente para a equipe do cerimonial, indicando a todos que a noiva acabava de chegar. O seu gesto, pleno de sentido e de certeza de que a hora era aquela, gerou consequências imediatas: todos os padrinhos, madrinhas e testemunhas foram imediatamente alinhados aos pares, e tal qual uma parada militar, adentraram, solenes, igreja adentro.

Epa! Grave engano! Do carro que acabava de parar junto ao acostamento da Igreja não desceu a noiva, mas uma senhorinha qualquer, que não era convidada de ninguém e que chegava ali para ver outra coisa. Mas o ok já havia sido dado. Foi aí então, senhoras e senhores, que tiveram início os minutos mais longos da vida de P. O que fazer? Celular em riste, o jeito foi ligar para a noiva. Não atendeu! "Caramba!", pensou P. "Que raios deu em H?!".

Por breves alguns instantes P. repassou a sua vida na tela preta mental: bóia de patinho aos 5 anos, perna quebrada no futebol aos 12, cabelo raspado por causa de vestibular, o primeiro sub-emprego, o primeiro concurso público, uma carreira promissora numa instituição - tudo isso, pensava P. em completo desespero - tudo isso para acabar largado na porta da Igreja, a dois passinhos da excomunhão, e o que é pior: sem comer o chocolate da cidade de Gramado, onde o ditoso casal passaria as núpcias!

Foi então que P., atordoado, resolve pedir por um milagre: "Jesus, me dá uma luz", clamou o noivo, sem medo da rima pobre. Rezou, rezou, rezou, rezou... e nada da noiva! Foi então que P. teve um lampejo místico, uma espécie de clarividência incomum em pessoas em estado de abstinência alcoólica, e viu uma luz se abrindo ali pertinho do altar, e no meio daquela luz um papagaio verde, por sua vez envolto numa nuvem espessa, gritando para o noivo: "A noiva foi comer picolé de cajá.... A noiva foi comer picolé de cajá...". Mas claro! Como P. não tinha pensado nisso antes? A noiva era viciada em picolé de cajá! Não deu outra: tocou o noivo para o Mercado da Madalena, deixando padrinhos, madrinhas e padre excomungador esperando no altar. Lá, P. encontrou H. de joelhos, três picolés de cajá em cada mão, pensando com qual delas iria tirar as moedinhas cuidadosamente acondicionadas no espartilho para pagar a conta do sorveteiro.

Conta paga, noiva debaixo do braço, P. voltou voando para a Igreja e mandou seguir a cerimônia. A noiva, lambuzada de picolé de cajá, nem notou que a Igreja estava repleta, que os convidados aguardavam ansiosamente e que P., feliz da vida, já havia perdoado sua recaída pelo picolé de cajá... Quê que tem? Todo mundo tem uma fraqueza na vida! Ele em breve iria descontar tudo, degustando milhões de chocolates na cidade de Gramado...

A propósito, os nomes foram mantidos em sigilo para que eventuais cobradores ou promotores de venda dos produtos Avon não perturbem a vida do singelo casal, pelo menos nos primeiros 5 dias úteis após o casamento.

Fico por aqui, desejando vida longa aos noivos, infinitamente grata pela maravilhosa acolhida!

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Para o alto e avante!

Meus caros leitores,

Eu hoje estou indo enfiar o pé na jaca lá nas Bodas de Caná. Volto no fim de semana, com muita história da terra da macaxeira, do girimum e do cucuz da Tia Ana Cristina.

Até breve!

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Limões e limonadas

Depois de marcada a data do fim do mundo, nada como uma notícia leve e estimulante para ventilar os pensamentos sombrios e encher nossos corações de esperança.

Bem, sempre me simpatizei muito com aquele provérbio "se a vida só lhe dá limões, faça uma limonada". Não que eu seja otimista na maior parte do tempo. Aliás, gosto dele justamente porque vivo com a pulga atrás da orelha quando pratico minhas leiturinhas diárias pela mídia afora. Ele é o contraponto (necessário) às minhas inclinações irônicas, digamos assim.

Foi exatamente neste estado de espírito que terminei de ler a notícia publicada hoje no jornal Folha Online. É que a primeira linha da matéria não poderia encarnar melhor o espírito do ditado: "Decepcionada com os pais, que não quiseram lhe dar um cavalo, uma adolescente da Alemanha decidiu treinar uma vaca, que hoje usa para cavalgar e até saltar obstáculos" (http://www1.folha.uol.com.br/bbc/898997-alema-ensina-vaca-a-saltar-obstaculos-veja-video.shtml). Foi assim que a adolescente Regin Mayer, de 15 anos, moradora de uma pacata fazenda em Leufen, no sul da Alemanha, resolveu dar o troco: levando a sério um outro ditado - "em vaca dada não se olha os dentes" - ela partiu para a briga com o que tinha às mãos: cercas, pasto e uma vaquinha que, exatamente como sua dona, devia estar vivendo lá sua crise de identidade.

Adolescentes do mundo inteiro: mirem-se no exemplo daquela jovem de Leufen. Nem que vocês tenham que ensinar um gato a rosnar, o passarinho a nadar, os sapos a correr, os passarinhos a coaxar. Só não atentem contra a vida e a integridade físicas dos mesmos. Porque nesse mundo que exala histeria apocalíptica e auto-comiseração, mais vale uma imaginação sem grades, do que chorar sobre o leite derramado. Mas parabéns, sobretudo, à vaquinha saltadora, que permitiu gentilmente a transmutação da frustração adolescente em gozo coletivo (por favor, omitam quaisquer interpretações maliciosas).

Hoje eu fico por aqui, feliz por saber que existe um frutrado a menos nesse mundão sem porteira. A vida é assim: enquanto o mundo acaba para uns, para outros tudo acaba em limonada!

terça-feira, 5 de abril de 2011

Camping versus Shiva: o grande duelo sobre o fim do mundo

Amantes de catástrofes naturais e hecatombes de grandes proporções: surpresa!!! O fim do mundo já tem data marcada: é no dia 21 de maio de 2011. Pelo menos, é este o prognóstico de uma seita norte-americana denominada "Family Radio", com sede inclusive no bairro Nova Gameleira, em Belo Horizonte. De acordo com o jornal online Hoje em Dia, o cálculo do dia D do Apocalipse teria sido refeito pelo líder espiritual Harold Camping com base em uma nova exegese dos escritos bíblicos (http://www.hojeemdia.com.br/cmlink/hoje-em-dia/noticias/brasil/profeta-tenta-emplacar-fim-do-mundo-para-21-de-maio-1.262120).

Não quero aqui me repetir e dizer o quanto previsões catastróficas sobre o fim do mundo me surpreendem. É que já falei em outras ocasiões (17-03-11), neste mesmo blog, o quanto esse papo de um "fim" próximo nos leva a superdimensionar determinados fatos e eventos, em detrimento de outros. Mas vamos então deixar esse papo para lá. O viés que quero dar ao fim do mundo, na data de hoje, é outro.

A verdade, senhoras e senhores, é que a ideia de haver um dia (e quem sabe hora) marcado para o fim do mundo me agrada. Sério mesmo! Sabem por quê? Porque eu posso marcar encontros para antes ou depois do fim do mundo, dependendo das minhas reais expectativas.

Entrevistas para subemprego? Só mais para o final do dia 21 de maio, para ter o gostinho de ligar para empregador e dizer, aliviada: "aqui, o mundo tá acabando aqui em casa, então acho que não vai dar para ir na entrevista, não, falou?". Conversas longas sobre algo que já foi decidido e que você não quer voltar atrás? Claro! Marcarei todas para a manhã do dia 22, o "day after" que o Sr. Camping já me prometeu. Cobrança de dívida dos amigos? Deixarei todas com prazo de pagamento para o próprio dia 21 de maio. É que se acaso alguém me pagar, terei prazer em responder: "Você?!!! Me pagando?! Deve ser mesmo o fim do mundo!" Pelo menos assim, passo um fim de mundo mais divertido do que se tivesse sido pêga de surpresa num dia desses aí em 2012.

Claro está que a racionalidade moderna precisa realmente de dia marcado para perecer. A perspectiva de uma data precisa para a ruptura final nada mais é do que a suprema realização do próprio propósito moderno de romper (desta vez, "para sempre") com a ameaçadora circularidade do tempo tradicional. Como se a vida não fosse uma sucessão de pequenas mortes e pequenos renascimentos, ensaiados repetidamente, com graus diversos de erro e acerto... Vamos testar? Encontro marcado na Praça Sete no dia 21 de maio de 2011. Prometo pontualidade... a menos que o mundo acabe!

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Campanha pela criação de uma touca plástica

Depois do Massegeador Sculptor Body, é a vez da ANVISA suspender a publicidade da Bermuda Anticelulite Infravel em todos os meios de comunicação e nos sites de venda virtual (http://www.hojeemdia.com.br/cmlink/hoje-em-dia/noticias/brasil/anvisa-suspende-publicidade-de-bermudas-anticelulite-1.261988). O motivo permanece o mesmo: inexistência de registro desses produtos junto ao órgão fiscalizador, bem como total ausência de propriedade terapêutica comprovada nos mesmos.

Uma pena, diriam os mais ávidos por belas formas. Para esses, a ANVISA é uma desmancha-prazeres. Afinal, quem procura uma bermuda anti-celulite não deve estar lá muito preocupado nem com a saúde, nem com o esforço demandado pelos aparelhos entortadores de coluna e encurtadores de musculatura que pipocam pelas academias de ginástica pelo país afora.

É claro que academias de ginástica e sites de venda de produtos que prometem muita coisa com pouco esforço são espaços de venda bem distintos. Mas ambos são buscados por pessoas com algumas semelhanças básicas: a obsessão pela boa forma, o que não é, via de regra, uma aparência saudável no sentido mais amplo do termo. Não é à toa que este é o País da Mil e Uma Plásticas, um marco mundial que deixa a comissão julgadora do Guinness boquiaberta todos os anos. Aliás, só conseguimos perder em obsessão estética para os EUA, que tem uma população qusae 40% superior à nossa (http://pt.shvoong.com/medicine-and-health/1827019-cirurgia-pl%C3%A1stica-cirurgia-plastica-parcelada/). Afinal, não é segredo para ninguém que uma cirurgia plástica pode ser parcelada em 36 prestações... Em breve, toda criança terá sua caderneta de poupança "lipo" para um futuro em que as mazelas dos refrigerantes e dos sanduiches de isopor se fizerem presentes.

Pois eu sonho com o dia em que lançarão a Touca Plástica Mega-ressuscitator de Neurônios Perdidos! Um banho de cinco minutos com a touca, por exemplo, serviria para ativar sinapses comprometidas por anos de sedentarismo neuronal. O risco mais óbvio desse tipo de produto seria uma total incompatibilidade deste com todos os demais citados nessa página. Além disso, o produto poderia ser considerado subversivo, justamente em função do seu potencial auto-emancipador. Dois ou três meses de uso intenso eliminariam a necessidade de muitos produtos e serviços dispendiosos e altamente lucrativos que existem no mercado. Por fim, o produto seria considerado uma ameaça e cerceado por especialistas comprometidos com o lucro do ramo farmacológico do emagrecimento fácil. Já dá até para antever os milhares de entraves burocráticos para a entrada do produto no mercado nacional. Mas sem registro na ANVISA e sem distribuição em sites de venda, como sobreviveria a nossa revolucionária touca? Não dá para saber.

O certo é que uma vez retirada a touca, o confronto com o espelho do banheiro seria quase inevitável. O resultado do encontro de uma mente pensante com uma auto-imagem vituperada anos a fio poderia gerar resultados inesperados, que variariam desde a auto-aceitação dessa imagem até ações mais radicais como a auto-decaptação voluntária. O motivo é simples: uma touca que resgata neurônios deficitários não poderia jamais ensiná-los a sobreviver ao choque com a realidade. Melhor e mais fácil é parcelar o kit plástica + lipo + lobotomia em 36 suaves parcelas a perder de vista... sem juros!

domingo, 3 de abril de 2011

Relíquias

Depois de uma semana desalentadora, é a vez da esperança dar as caras.

"Sol de primavera
Abre as janelas do meu peito
A lição sabemos de cór
Só nos resta aprender
Aprender..."



P.S.= Feliz aniversário, Jussara!

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Parece mentira, mas não é...

Esse Brasil é muito maior do que a gente imagina. Mas o que aumenta mesmo com a distância é o desconhecimento que temos de certas realidades que grassam pelo país afora.

Vejam vocês que 112 possíveis formandos da Universidade Estadual do Amapá, primeira instituição estadual de ensino superior daquele estado, descobriram agora em março que não poderão receber seus diplomas de graduação porque "a universidade ainda não regularizou nenhum curso no CEE (Conselho Estadual de Educação) nem se cadastrou no MEC (Ministério da Educação)" (http://www1.folha.uol.com.br/saber/896948-na-colacao-aluno-descobre-que-diploma-nao-vale.shtml). "Para o ministério, a Ueap não existe", vaticina a matéria.

Apesar de estar em funcionamento há cinco anos, a instituição acabou naufragando no próprio processo de reconhecimento institucional. No âmbito local, o CEE argumenta paralisação do processo em função do déficit de pessoal qualificado para avaliar instituições de nível superior, sendo a maioria dos avaliadores trazidos de outros estados. No que se refere ao processo junto ao MEC, a coisa não anda nem de longe melhor: o reconhecimento também ainda não foi concluído e, ao que parece, nem tem prazo para ser.

O problema é que sem o devido reconhecimento do CEE e do MEC, a "Ueap não pode participar do Enade (Exame Nacional de Desempenho de Estudante), que avalia os alunos, nem receber recursos de emendas parlamentares". Além disso, de acordo com a matéria, a UEAP está devendo o aluguel de um de seus dois campi desde o mês de outubro de 2010.

Mas para quem achava a desgraça já não era pouca, eis aqui a cereja do bolo: "Em cinco anos de existência, a Ueap nunca fez concurso para contratar professores. Os docentes são funcionários cedidos pelo Estado ou temporários". Melhor do que isso, só se os prédios fossem construídos com lego.

Em tempo: laudo técnico confirma que o urso Knut, aquele que fora rejeitado pela mãe e adotado por milhões de curiosos babões no zoológico de Berlim, morreu afogado em virtude de uma encefalia (http://www1.folha.uol.com.br/bichos/896967-urso-polar-knut-morreu-afogado-apos-inflamacao-no-cerebro.shtml).

A história de Knut foi marcadas por perdas precoces e trágicas. Depois de ser rejeitado pela mãe, Knut foi criado pelo seu tratador, um tal Thomas Doerflein. Só que este acabou morrendo também jovem, aos 44 anos, em consequência de uma parada cardíaca.

Interessados em prestar homenagem ao urso afogado, devem aguardar alguns meses até que seu corpo seja empalhado e devolvido à adoração pública; ou então, podem participar da manifestação prevista para amanhã, sábado, dia 02, e que está sendo organizada por milhares de fãs indignados, que tentam evitar que o bicho seja justamente empalhado para adoração pública. Para o grupo dos primeiros formandos da UEAP, ficam aí duas excelentes dicas de atividade para matar o tempo, já que eles não terão muito o que fazer enquanto as autoridades estiverem discutindo a regularização de sua universidade.

Para os futuros professores desta instituição curso, fica aqui o meu convite: dar aula em uma universidade fantasma (visto que não existe institucionalmente), ameaçada de despejo (já que não paga aluguel), subfinanciada (porque nem pode receber verba licitamente). Alguém se habilita? Candidatos interessados, favor encaminhar seu currículo à Terra do Nunca. Pois, como diria Fernão Capelo Gaivota, "longe é um lugar que não existe!"... nunca.