UA-89169382-1 Crônicas de Juvenal: Nas bodas de Caná - versão tupiniquim

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Nas bodas de Caná - versão tupiniquim

No final da semana passada, fui agradavelmente supreendida com um presentão do meu progenitor, o que incluía passagem de ida e volta para a Terra da Macaxeira - lá onde o girimum grassa e as tapiocas são da melhor qualidade. É lá também que meu primo P. resolveu celebrar suas bodas com a graciosa H., namorada de tão longa data que esta já tinha até virado patrimônio mundial da Família Botelho, sob as bençãos da UNESCO.

Bem, dizem os mais versados em assuntos bíblicos que as Bodas de Caná constituíram um evento público de grande importância, no qual Jesus pôde operar seu primeiro milagre: a transformação da água em vinho. Mas nesta curiosa variante das Bodas de Caná - versão tupiniquim - o vinho não faltou. Quem quase faltou foi a noiva, deixando o noivo passar o maior perrengue na porta da igreja.

Passemos, pois, aos fatos. O noivo, ao contrário do que reza a tradição familiar, andava todo descontraído na véspera do grande dia. Dizem as línguas mais ferinas que seu grau de despojamento era tamanho que ele teria até mesmo aventado a possibilidade de passar as 12 horas anteriores ao evento investindo no seu bronzeado, estatelado sobre as areias escaldantes de uma badalada praia ao sul da cidade que não convém nem citar, não tivesse São Pedro sido precavido e cortado a onda dele com um dilúvio de quase 24 horas de duração.

Fato é que às 20h do dia 08 de abril, lá estava o noivo, pontualmente, na porta da Igreja, bem como os demais padrinhos, madrinhas, testemunhas e convivas. Notem que o padre da paróquia local já havia advertido os noivos de que estes estariam sujeitos à excomunhão caso chegassem atrasados. E eis que o noivo zen, num acesso de entusiasmo furioso, incomum nos noivos de ontem e de hoje, resolveu acenar positivamente para a equipe do cerimonial, indicando a todos que a noiva acabava de chegar. O seu gesto, pleno de sentido e de certeza de que a hora era aquela, gerou consequências imediatas: todos os padrinhos, madrinhas e testemunhas foram imediatamente alinhados aos pares, e tal qual uma parada militar, adentraram, solenes, igreja adentro.

Epa! Grave engano! Do carro que acabava de parar junto ao acostamento da Igreja não desceu a noiva, mas uma senhorinha qualquer, que não era convidada de ninguém e que chegava ali para ver outra coisa. Mas o ok já havia sido dado. Foi aí então, senhoras e senhores, que tiveram início os minutos mais longos da vida de P. O que fazer? Celular em riste, o jeito foi ligar para a noiva. Não atendeu! "Caramba!", pensou P. "Que raios deu em H?!".

Por breves alguns instantes P. repassou a sua vida na tela preta mental: bóia de patinho aos 5 anos, perna quebrada no futebol aos 12, cabelo raspado por causa de vestibular, o primeiro sub-emprego, o primeiro concurso público, uma carreira promissora numa instituição - tudo isso, pensava P. em completo desespero - tudo isso para acabar largado na porta da Igreja, a dois passinhos da excomunhão, e o que é pior: sem comer o chocolate da cidade de Gramado, onde o ditoso casal passaria as núpcias!

Foi então que P., atordoado, resolve pedir por um milagre: "Jesus, me dá uma luz", clamou o noivo, sem medo da rima pobre. Rezou, rezou, rezou, rezou... e nada da noiva! Foi então que P. teve um lampejo místico, uma espécie de clarividência incomum em pessoas em estado de abstinência alcoólica, e viu uma luz se abrindo ali pertinho do altar, e no meio daquela luz um papagaio verde, por sua vez envolto numa nuvem espessa, gritando para o noivo: "A noiva foi comer picolé de cajá.... A noiva foi comer picolé de cajá...". Mas claro! Como P. não tinha pensado nisso antes? A noiva era viciada em picolé de cajá! Não deu outra: tocou o noivo para o Mercado da Madalena, deixando padrinhos, madrinhas e padre excomungador esperando no altar. Lá, P. encontrou H. de joelhos, três picolés de cajá em cada mão, pensando com qual delas iria tirar as moedinhas cuidadosamente acondicionadas no espartilho para pagar a conta do sorveteiro.

Conta paga, noiva debaixo do braço, P. voltou voando para a Igreja e mandou seguir a cerimônia. A noiva, lambuzada de picolé de cajá, nem notou que a Igreja estava repleta, que os convidados aguardavam ansiosamente e que P., feliz da vida, já havia perdoado sua recaída pelo picolé de cajá... Quê que tem? Todo mundo tem uma fraqueza na vida! Ele em breve iria descontar tudo, degustando milhões de chocolates na cidade de Gramado...

A propósito, os nomes foram mantidos em sigilo para que eventuais cobradores ou promotores de venda dos produtos Avon não perturbem a vida do singelo casal, pelo menos nos primeiros 5 dias úteis após o casamento.

Fico por aqui, desejando vida longa aos noivos, infinitamente grata pela maravilhosa acolhida!

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