UA-89169382-1 Crônicas de Juvenal: O gênero dos furacões

terça-feira, 3 de junho de 2014

O gênero dos furacões

Tem teoria tão furada, mas tão furada, que ela já nasce natimorta, antes mesmo de suportar qualquer teste empírico.

Pois esta publicada hoje no jornal Folha de S. Paulo, no meu humilde entender, já nasceu agonizando: "Os furacões com nomes femininos podem matar três vezes mais porque as pessoas os percebem como menos ameaçadores do que as tempestades com nomes masculinos, afirmam cientistas" (http://www1.folha.uol.com.br/ciencia/2014/06/1464549-machismo-torna-furacoes-com-nome-de-mulher-mais-letais-diz-estudo.shtml).

Mas quem, afinal, inventou essa história de dar nomes aos bois, ou melhor, aos furacões? Ainda segundo notícia, a prática nasceu nos anos 1970, justamente para tentar evitar o viés de gênero: "Os furacões são nomeados segundo uma ordem pré-determinada e alternada que não tem nada a ver com a força da tempestade. Os cientistas desenvolveram este sistema nos anos 1970 para evitar uma percepção influenciada por gênero".

No entanto, segundo o estudo em questão, se a medida foi pensada para evitar o viés de gênero, o tiro parece ter saído pela culatra. Publicado no periódico Proceedings of the National Academy of Sciences, ele oferece um fundamento estatístico ao viés de gênero: "Comparativamente, estima-se que um furacão com nome masculino cause 15,15 mortes, enquanto se calcula que um furacão com nome feminino cause 41,84 mortes", destacou o estudo.

A questão, porém, é como interpretar esses dados. A explicação oferecida à letalidade dos furacões de nome feminino remete, em princípio - de maneira um tanto quanto contraditória - a uma subestimação do poder de destruição do furacão em função do nome feminino: de acordo com o professor de marketing, Sharon Shavitt, "ao julgar a intensidade de uma tempestade, as pessoas parecem aplicar suas crenças sobre o comportamento masculino e feminino", o que faz com que
"um furacão com nome de mulher, especialmente um com um nome muito feminino, como Belle ou Cindy, parece mais suave ou menos violento".

 Interessante, a meu ver, é associar a letalidade de um furacão à percepção das próprias vítimas e não ao viés da própria classificação científica. Vou ser mais específica; o fato de alternar ciclicamente os nomes masculinos e femininos pode ser um viés dos próprios cientistas (e não das vítimas), favorecendo a associação de nomes femininos justamente aos momentos mais propensos aos furacões de maior magnitude.

Apesar de divergentes quanto à fonte da percepção enviesada, o que subsiste de comum entre elas é a existência do viés de gênero e o entendimento de que este viés mobiliza as pessoas de uma ou outra forma. Resta imaginar qual delas prevaleceria como a melhor interpretação, caso fossem submetidas a um teste empírico.

Como considero que a teoria rival à minha já chegou ao mundo natimorta, sugiro enterrá-la de vez com um teste simples e prosaico: que o próximo furacão seja nomeado com o nome de transgêneros famosos como a Madame Satã ou o Cintura Fina, só para ver o que acontece quando se bagunça a linha que separa uma distinção inequívoca dos gêneros "feminino" e "masculino". Estou curiosa para saber que potencial de destruição se atribuiria a um furacão de tipo "coluna do meio". 
 

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