UA-89169382-1 Crônicas de Juvenal: Já pra casa!

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Já pra casa!

Existe uma coisa muito bonita em teoria da linguagem que se chama "contradição performativa". O nome pomposo esconde volteios de linguagem que estão presentes no dia-a-dia de qualquer um. Por exemplo, de onde já se viu morador de rua ser condenado à prisão domiciliar?

Eis aí, portanto, uma autêntica contradição performativa: a presença de duas proposições incompatíveis (um morador de rua preso em casa) não poderia gerar outra coisa senão um problema insolúvel em termos lógicos e linguíticos. Mas tem juiz lá em São Paulo que não está nem aí para elas, as famosas contradições performativas.

Pois um único caso narrado nessa curta matéria publicada hoje no jornal Hoje em Dia online revela que a vida anda mesmo recheada de contradições dessa ordem. Tudo começou porque "Nelson Renato da Luz foi preso em flagrante por furto, em outubro do ano passado, quando tentava furtar placas de alumínio em estações do Metrô" (http://www.hojeemdia.com.br/noticias/2.349/justica-de-sp-condena-morador-de-rua-a-pris-o-domiciliar-1.405069). O flagrante, por sinal, foi convertido em prisão preventiva dois dias mais tarde.

O problema é que o Sr. da Luz é portador de transtorno mental e, portanto, não poderia ser preso. E nem seu delito seria grave o bastante para determinar internação em hospital psiquiátrico: "Nelson não poderia ter sido preso devido ao transtorno mental e nem pode ser internado pois o delito cometido por ele não envolve violência ou grave ameaça".

A solução pouco brilhante encontrada pelos magistrados de São Paulo para o Sr. da Luz foi a famigerada prisão domiciliar: "O desembargador Figueiredo Gonçalves considerou que em caso de liberdade o réu poderia voltar a cometer delitos". Ótimo! Agora só falta a justiça determinar também a locação de uma casa com água, luz e ventilação para que o réu possa cumprir sua pena em paz.

Evidentemente, como as contradições performativas costumam gerar problemas lógicos dos mais gritantes, logo, logo apareceu alguém para defender a corte: "Em nota, o Tribunal de Justiça disse que a notícia de que o acusado é morador de rua não foi informada nos autos". E o suposto endereço dele, também constava nos autos? Difícil acreditar. Contradição performativa: 3; justiça brasileira: 0.

Moral da história: agora, "o advogado de defesa pretende entrar com recurso para que seja concedido um benefício compatível com a situação de Nelson". Assim espero. Meu temor é que, com uma magistratura dessas, uma pena justa seja o supra-sumo das contradições performativas.

2 comentários:

  1. Certa feita vi no Estado de Minas uma manchete que dizia que uma quadrilha roubou um iate no Rio de Janeiro e percorreu todo o litoral fazendo farras. Dentre as cidades que eles farrearam estava Belo Horizonte...

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  2. Hahahaha! Sabe aquela canção "vai virar mar, mar do coração, com medo de que algum dia o mar também vire sertão"? Pois é, vai ver que levaram a letra muito a sério...

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