UA-89169382-1 Crônicas de Juvenal: Maratonistas

segunda-feira, 20 de maio de 2013

Maratonistas

É raro, mas acontece. De vez em quando, um dos nossos jornais de circulação nacional lembra que aqui no Brasil também se faz pesquisa de ponta. A prova é esta notícia publicada hoje no jornal O Globo online, que aborda estudo brasileiro sobre uma espécie de pinguins muito popular na Antártida, que pode elucidar funcionamento de proteína que ajuda a enfrentar variações térmicas extremas (http://oglobo.globo.com/ciencia/codigo-genetico-dos-pinguins-pode-beneficiar-maratonistas-8424744).

Para tanto, "pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) foram a Antártica coletar sangue de uma espécie da ave, a 'Pygoscellis antartica', a mais abundante na região próxima à base brasileira no continente. Agora, estudarão no Brasil a composição dos tecidos desses pinguins, assim como a análise de 13 genes do DNA mitocondrial contidos nas células", relata a notícia.

Uma parte do interesse no pinguim tem a ver com a sua longevidade: "Além desse grande tempo de vida, estas aves existem há pelo menos 60 milhões de anos - revela Schmidt. - Sua capacidade de sobrevivência, associada às grandes variações de temperatura que suporta ainda hoje, pode ser revelada pelo seu DNA mitocondrial".

Obviamente, para que tamanho milagre acontecesse - ver cientistas brasileiros de carne e osso virando notícia por aqui - foi necessário largar a mão (ao menos, temporariamente) de um vício imperioso no jornalismo contemporâneo e que vai muito além da cobertura de assuntos científicos: as agências de notícia.

Em primeiro lugar, é bom lembrar as grandes agências de notícias internacionais como a Reuteurs, Agence France-Presse (AFP) ou a British Broadcasting Company (BBC) são, como os respectivos nomes indicam, estrangeiras e sabem muito pouco do que se faz de ciência nos países do lado de baixo do Equador (talvez a Austrália seja uma excessão, mas enfim...). A menos, é claro, que os pesquisadores do "Hemisfério Sul" (só para não usar aquele jargão desgastado que qualifica os países de acordo com o estágio de "desenvolvimento") furem o bloqueio noticioso das agências e virem notícia digna de mérito, publicando na revistas cientificamente mais qualificadas do "Hemisfério Norte" (mas este é um assunto complexo que merece virar pauta para outro comentário futuro).

Em segundo lugar, temos que reconhecer que engolir a matéria mastigada, tal como as agências as fornecem às redações do mundo inteiro, elimina toda a etapa da apuração: é bem mais fácil burilar um texto pré-moldado por uma agência de notícias do que ir diretamente até as fontes, registrar entrevistas, fazer citações diretas daquilo que os pesquisadores disseram (se bem que a questão da fidedignidade também é outro assunto polêmico que eu prefiro deixar para outro dia) ou ler qualquer relatório ou  outro material impresso de divulgação que o pesquisador tenha fornecido. A bem da verdade, matéria de agência são que nem papinha indusrializada de bebê: fácil de servir, mas infinitamente piores do que qualquer alimento preparado na hora.

Felizmente, a referida matéria do O Globo online teve ao menos a boa vontade de ouvir os pesquisadores Beny Schmidt, chefe do Laboratório de Patologia Neuromuscular da Unifesp, e  Fernando Pacheco, Membro do Comitê Brasileiro de Registro Ornitólogos. Bem ou mal, suas falas estão lá, devidamente citadas. Somente quando isso acontece é que se pode passar à etapa posterior na escala de complexidade da cobertura noticiosa para discutir se, de fato, o relato foi criterioso ou não. Do contrário, ficaremos presos na infância do jornalismo, mastigando papinhas da BBC News, da AFP e da Reuters, achando uma maravilha o que está sendo feito alhures, quando, na verdade, tem coisa muito mais inovadora e interessante feita na universidade pública mais próxima.

Então é isso. Faço votos de que o estudo da Unifesp produza bons frutos e que o desvendamento do DNA mitocondrial do pinguim não produza uma geração de maratonistas pés-frios.

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