"Recidiva" é o termo comumente empregado para descrever duas realidades distintas. Na área médica, ele é usado para nomear o reaparecimento de uma doença ou de um sintoma, após um período prolongado de ausência. No Direito Penal, ele sinaliza a recaída em algum crime ou falta que já tenha sido anteriormente cometido.
Pois bem: Marlon James, o ganhador deste ano do Man Booker Prize - um dos mais prestigiosos prêmios literários em língua inglesa da atualidade - teria um grande problema em saber se sua obstinação pela literatura seria classificada como "doença" ou "crime". De qualquer forma, ela se enquadraria perfeitamente na definição de recidiva: afinal, quem sobreviveria sobriamente a 78 rejeições de publicação do seu primeiro livro?
Bom, Marlon James sobreviveu! Um trecho da sua entrevista concedida a Rádio BBC 4, que circulou amplamente no noticiário nacional de hoje, dá a dimensão da sua força vontade - e até da falta dela: "Eu tive de sentar um dia e contar [as rejeições] e não sabia que eram tantas. Houve uma época em que eu realmente achei que escrevia o tipo de história que as pessoas não queriam ler. Eu desisti. Destruí o manuscrito e até acessei o computador dos meus amigos para apagá-lo."
E onde entra recidiva? A cada uma das 77 tentativas frustradas ou no momento supremo em que ele conseguiu recuperar o manuscrito, que "sobreviveu na caixa de email de um velho computador iMac, de onde foi resgatado para ser publicado em 2005", sob o título de John Crow's Devil?
Difícil avaliar. Felizmente, recidivas acontecem. Aparentemente, James está sendo premiado este ano por A Brief History of Seven Killings, romance em que o autor narra o avanço da cocaína e da violência política na sua terra natal, a Jamaica. Mas, no fundo, o prêmio só repara uma aparente assimetria de opiniões: ao fim e ao cabo, James teve razão em tentar 78 vezes; só não teve quando quis desistir.
Ficam aqui a minha reverência à grandeza do seu exemplo e os votos de uma longa e promissora carreira.
A autora criou esse blog para divagar sobre o que lê diariamente nos jornais, com foco principalmente (mas não exclusivamente) na cobertura diária de ciência. Suas principais armas são a ironia de inspiração machadiana e um computador bacaninha (ela tirou o escorpião do bolso e comprou um de verdade). Ao citar alguma passagem, por favor, dê créditos para a autora: até para as grandes bobagens o direito autoral é inalienável.
quinta-feira, 15 de outubro de 2015
Recidiva
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