UA-89169382-1 Crônicas de Juvenal: No plano das intenções

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

No plano das intenções

Pode haver muita distância entre o querer e o realizar, isto é: entre se ter uma ideia e vê-la tomar corpo e alma. Geralmente, esta distância vai sendo preenchida com interpretações e expectativas de toda ordem, de modo que a coisa toda faça algum sentido: para quem idealizou e para quem sofre as consequências.

Vejamos aqui dois exemplos, extraídos da imprensa no dia de hoje, que mostram como o desejo de um pode esbarrar nos lapsos interpretativos do outro (os quais, às vezes, nem são tão lapsos assim). Na primeira notícia, Leonardo Dicaprio é confundido com bandido ao aparecer de capuz, cercado por dois guardas-costas, em uma joalheria na cidade de Sidney (http://f5.folha.uol.com.br/celebridades/972653-leo-dicaprio-vai-a-joalheria-encapuzado-e-vendedora-o-confunde-com-ladrao.shtml).

O galã só não chegou a ser preso, porque a vendedora notou o equívoco antes de chamar a polícia. Mas ela tem todo o direito de achar que à noite todos os gatos são pardos. E que deve ser noite escura dentro de toda joalheria que tem colares de US$ 1.600 em seu mostruário. Taí um exemplo clássico de ressignificação ao avesso: querendo se livrar de uma ameaça - o assédios dos fãs - ele acabou sendo percebida como uma.

O segundo exemplo é um pouco mais vago quanto às intenções originais de seu idealizador, o que abre o precedente para conjecturas de maior monta. Sob o sugestivo de título de "Milionário paranaense dá calcinha e cuecas para funcionarios", a matéria publicada na Folha online vem seguida do depoimento do empresário Mário Gazin, 62 anos, dono de uma loja de móveis e eletrodomésticos da cidade Douradinha (PR) (http://www1.folha.uol.com.br/mercado/972419-milionario-paranaense-da-calcinhas-e-cuecas-para-funcionarios.shtml). O Sr. Gazin com certeza teria muito a esclarecer sobre hábitos em ambiente de trabalho. É que ele "distribui cuecas e calcinhas com as metas da empresa e reza com os funcionários antes do expediente".

Bom, que ele reze em seu estabelecimento, isto realmente não me surpreende, ainda que a prática não deixe de me causar uma certa aflição: afinal, liberdade de culto e crença é direito (ao menos em tese) de todo cidadão no Brasil. E até que ponto que a prática instituída em ambiente de trabalho não fere as crenças alheias, permanece uma questão em aberto. Afinal, o desejo de conservação do emprego e o receio de impor sua própria crença, quando esta existir, podem criar uma forma sutil de constrangimento diário em ambiente de trabalho.

Mas a histórias das calcinhas e das cuecas é que me intriga. Por que as metas da empresa tem que chegar até o espaço íntimo do trabalhador? Pior, não são apenas as metas enquanto tais, mais um emaranhado de informações técnicas que aparece podem gerar tanto alegria quanto tristeza nos usuários das peças íntimas (e em quem quer que usufrua delas). É ele próprio quem explica: "Há mais de 20 anos entrego cuecas e calcinhas com as metas do mês, o lucro e o crescimento de patrimônio líquido. Virou tradição."

Enquanto a intenção primerva do seu autor permanece tão obscura quanto o disfarce do Sr. DiCaprio, fico por aqui me perguntando pelos efeitos práticos gerados nos usuários dessas roupas íntimas. Torço, claro, para que a alegria prospere entre os funcionários e todos os seus nos meses em que o patrimônio líquido cresce...

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