UA-89169382-1 Crônicas de Juvenal: No túnel do tempo da publicidade 14

terça-feira, 27 de setembro de 2011

No túnel do tempo da publicidade 14

( Fonte: Revista IstoÉ, 24-02-93, p. 66-67)

É muito comum ouvirmos nas salas de aula dos cursos de publicidade aí afora uma dada versão (muito famosa, aliás) da distinção entre publicidade e propaganda. Segundo esta, a publicidade atenderia a ditames comerciais, enquanto a propaganda estaria voltada a fins políticos.

Conquanto esta separação seja arbitrária e difícil de ser sustentada - principalmente se levarmos em conta que toda mensagem publicitária é potencialmente política, na medida em que é formadora de subjetividade e, consequentemente, pode agir como mobilizadora de protestos ou de afirmações identitárias com viés político - pelo menos fica claro que, no Brasil, a distinção teve um respaldo histórico. É que quando se pensou em um sistema auto-regulatório para a publicidade brasileira no final dos 1970 quis-se provar, em plena ditadura militar, que a publicidade comercial comercial não tinha cunho político e que este aspecto cabia tão somente à propaganda política. A ideia era tirar a publicidade comercial do jugo militar, provando que ela diferente da propaganda política e, portanto, capaz de se auto-regular. Claro, a noção de ppropaganda aqui parece estar mais estreitamente ligada à esfera eleitoral e constituída uma preocupação central dos esforços de censura daquela época.

Mas não quero aqui discutir se noção de política que os publicitários daquela época retinham para si é a mesma que esboçamos logo acima. Na verdade, nem preciso. O que quero mostrar hoje, com exemplos concretos, é que a publicidade comercial já quis, em um dado momento, se aproximar estrategicamente da política institucional, incorporando figuras de grande visibilidade em um dado cenário político.

As publicidades que aparecem, respectivamente, no topo da página e ao lado são um exemplo de um momento-chave da política brasileira - o impeachment do então presidente da República Fernando Collor de Mello - que foram estrategicamente apropriada na propaganda comercial.

(Fonte: Revista IstoÉ, 22-12-93, p. 93-94)

Para quem não se lembra ou não estava lá, fica aqui o lembrete: Collor foi afastado do poder assim que o processo de impeachment foi instaurado em 02 de outubro de 1992. Na verdade, seu afastamento só foi consumado quando ele renunciou em meio à sessão do julgamento do processo de impeachment no Senado, em 29 de dezembro do mesmo ano. Portanto, a publicidade que aparece logo acima foi veiculada às vésperas da votação do processo, ao passo que a publicidade do topo da página faz alusão ao ex-presidente no ano seguinte (1993), poucos meses após seu afastamento do cargo na Presidência da República.

Não se pode deixar de notar que as duas publicidades selecionadas aludem ao mesmo segmento de produto: jornais impressos de tiragem diária (Folha de São Paulo e Diário da Tarde, respectivamente). Mas as estratégias foram bastante distintas.

No caso da Folha de São Paulo (topo da página), a citação do Collor é um subterfúgio para registrar um vantagem competitiva deste jornal com relação ao seu maior concorrente: o Estado de São Paulo. No caso da Folha da Tarde, o aspecto panfletário fica bem mais evidente: o texto conclama o leitor à participação cívica: por exemplo, firmando abaixo-assinados reivindicando rigor na apuração da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) ou ligando para lideranças parlamentares para pressioná-los na votação do impeachment.

Se claro está que houve utilização intencional da imagem política de Fernando Collor de Mello nessas duas publicidades comerciais, qual delas foi mais política?

Impossível dizer. Ou melhor: ambas foram, mas cada qual a seu modo. Enquanto a primeira aludia indiretamente a uma diferencial editorial entre os jornais Folha de São Paulo e o Estado de São Paulo (já que este último havia sustentado, até certo ponto, a candidatura de Collor) - diferença esta que pode ser traduzida tanto em dividendos políticos quanto comerciais - a segunda publicidade acena para uma participação política orientada para fins éticos. A primeira publicidade (topo da página) mostra a política sendo disputada em linhas editoriais; a segunda publicidade (meio da página) pretende emprestar ao jornal nela anunciado um certo ar de imprensa de opinião do Séc XVIII, quando se valia com empenho do seu papel de mobilizador de ações políticas práticas.

Se existe uma versão de uso político mais conveniente do que a outra, isso é algo que deixo para o leitor deste blog concluir. Mas não se esqueçam: a intenção de traduzir a temática política em dividendos comerciais esteve muito bem representada em ambas. Sinal de que a política pode ser um negócio rentável, até mesmo como tema da publicidade comercial.

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