UA-89169382-1 Crônicas de Juvenal: Desafio poético - 3º dia

quarta-feira, 8 de julho de 2015

Desafio poético - 3º dia

No terceiro dia do meu desafio poético, a dica é chutar o pau da barraca com a poetisa Wislawa Szymborska. E se há alguém que o faz com graça e leveza, é ela mesma.

Para tanto, escolhi "Sob uma estrela pequenina", um primor de poema feito para quem pretende, deliberadamente, frustrar as expectativas que foram colocadas sobre seus pobres ombros. Algumas dessas expectativas, fomos nós mesmos que nutrimos. Outras tantas e várias, foram sendo plantadas pelas diversas pessoas que atravessaram nossa existência ao longo dos anos. No final das contas, qualquer uma dessas expectativas cria suas próprias condições de desassossego: se elas forem atendidas, vivemos o sonho alheio e nos distanciamos de nós mesmos; se forem frustradas, ficamos de joelhos para nossos credores, pagando juros sobre juros.

Pois então: este poema de Wislawa Szymborska é um perfeito chute no pau da barraca de quem optou por não cumprir as regras do ritual. O bacana é que ela faz isso com a graça de quem se desculpa de algo. Mas desculpar-se de quê, afinal de contas? Da liberdade de ser o que se quer, muito provavelmente.

Vamos ao poema, sem mais delongas.

Sob uma estrela pequenina

Me desculpe o acaso por chamá-lo necessidade.
Me desculpe a necessidade se ainda assim me engano.
Que a felicidade não se ofenda por tomá-la como minha.
Que os mortos me perdoem por luzirem fracamente na
                                                                                    [memória.
 Me desculpe o tempo pelo tanto de mundo ignorado por
                                                                                    [segundo.
Me desculpe o amor antigo por sentir o novo como
                                                                                    [primeiro.
Me perdoem, guerras distantes, por trazer flores para casa.
Me perdoem, feridas abertas, por espetar o dedo.
Me desculpem os que clamam das profundezas pelo disco
                                                                                     [de minuetos.
Me desculpe a gente nas estações pelo sono das cinco da
                                                                                    [manhã.
Sinto muito, esperança açulada, se às vezes me rio.
Sinto muito, desertos, se não lhes levo uma colher de água.
E você, falcão, há anos o mesmo, na mesma gaiola,
fitando sem movimento sempre o mesmo ponto,
me absolva, mesmo se você for um pássaro empalhado.
Me desculpe a árvore cortada pelas quatro pernas da mesa.
Me desculpem as grandes perguntas pelas respostas
                                                                              [pequenas.
 Verdade, não me dê excessiva atenção.
Seriedade, me mostra magnanimidade.
Ature, segredo do ser, se eu puxo os fios das suas vestes.
Não me acuse, alma, por tê-la raramente.

Me desculpe tudo, por não poder estar em toda parte.
Me desculpem todos, por não poder ser cada um e cada
                                                                                       [uma.
Sei que, enquanto viver, nada me justifica
já que barro o caminho para mim mesma.
Não me julgue má, fala, por tomar emprestado palavras
                                                                               [patéticas,
e depois me esforçar para fazê-las parecer leves.

Wislawa Szymborska [poemas]. Tradução de Regina Przybycien. São Paulo, Companhia das Letras, 2011, p. 50-51. 

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