UA-89169382-1 Crônicas de Juvenal: Efeitos inusitados

terça-feira, 27 de março de 2012

Efeitos inusitados

Das duas, uma: ou as leis costumam ter efeitos estranhos e totalmente inesparados; ou o mundo está próximo do fim.

Acabou de ser aprovado na noite de hoje, 3a feira, um projeto de lei denominado "Lei Anti-Baixaria": "O projeto, de autoria da deputada Luiza Maia (PT), proíbe o poder público de contratar artistas cujas músicas 'desvalorizem, incentivem a violência ou exponham as mulheres à situação de constrangimento' ", ressalta matéria publicada hoje an Folha online (http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/1068198-lei-antibaixaria-limita-musicas-maliciosas-na-bahia.shtml).

A bem da verdade, isso já era para ser lei há muito tempo. Mas como a lei (infelizmente) tem validade somente para o território baiano, os efeitos imediatos recaem sobre um filão de mercado local: "O projeto da 'lei antibaixaria' causa polêmica no meio musical por representar uma ofensiva contra letras de ritmos como o 'pagode baiano', gênero popular entre as classes mais pobres", prossegue a matéria. O projeto aguarda agora a sanção do governador da Bahia, Jacques Wagner (PT).

Porém, ao contrário do que afirma a matéria, tenho cá minhas dúvidas de que o foco da polêmica assim seja realmente a representação das mulheres nas letras do pagode baiano. A meu ver, são as duas emendas que foram votadas hoje que poderão impactar de totalmente inesperada na discussão sobre a moralidade das representações femininas, tirando o foco do objeto principal da lei em questão.

Para quem não sabe, a primeira emenda previa sanções também as letras e coreografias que fossem ofensivas às mulheres. No entanto, "após discussão, os parlamentares optaram por retirar a parte que falava sobre as coreografias --a justificativa é que seria difícil fiscalizar esse tipo de ação".

Bem, até aí, vai. Afinal, já posso vislumbrar as dificuldades operacionais de se cumprir a lei na letra e no espírito. No mínimo, faltaria contingente humano na Bahia capaz de realizar tanta batida policial. Mas acredito realmente que seja a segunda emenda a que dará mais margem às especulações, ou seja: aquela que prevê a extensão do veto "aos grupos 'que fazem apologia a drogas ilícitas e incentivam a homofobia' ".

A questão agora é: se a lei for mesmo aprovada pelo governador Jacques Wagner, ela poderá suscitar reações indignadas não somente do setor musical que está sendo criativamente amputado - compositores de pagode baiano, no caso - como também suscitar indignação na tchurma do "Legalize já", que há anos milita em prol da legalização de drogas ilícitas como a maconha.

Já imaginaram os efeitos colaterais de tais emendas? Pois saibam que eles seriam de proporções inéditas. Na possibilidade de haver, algum dia, uma marcha de protesto com a lei em questão, ela certamente será lembrada por muitos e muitos anos por ter sido a única a alinhar politica e esteticamente os aficionados do Planet Hemp aos pagodeiros da Bahia - numa mistura inusitada, em que todos juntos dançariam até o chão. Os homofóbicos, quanto a eles, se sentiriam no mínimo vingados ao verem aquilo tudo: eles diriam, não sem razão, que o mundo está realmente perdido.

Eu, pela primeira vez na minha vida, teria que dar a razão a eles: o mundo estará realmente perdido se isso um dia acontecer.

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