UA-89169382-1 Crônicas de Juvenal: Chuva poética

quarta-feira, 14 de março de 2012

Chuva poética

Como não reverenciar a chuva que cai essa noite?

Pois ela mal começou a cair e já veio lavando tormentos, levando descrenças, regando novos desafios. A chuva que cai agora, lá fora, já fez seus milagres de cura e limpeza. Aqui, ela trouxe à lembrança o abraço da criança amendrontada, querendo colo, carinho e proteção. Acolá, ela semeou a esperança de um novo gostar, de uma nova fonte nutrição - quiças - de uma nova oportunidade de entrega. Chuva poética, intensa, reveladora de verdades profundas, que enxarca de poesia uma noite mágica.

Pois aqui vão minhas múltiplas e repetidas reverências: à chuva que encerra o Dia Nacional da Poesia, a Manuel Bandeira, à promessa de vida em nossos corações.

Enquanto a chuva cai - Manoel Bandeira

A chuva cai. O ar fica mole . . .
Indistinto . . . ambarino . . . gris . . .
E no monótono matiz
Da névoa enovelada bole
A folhagem como o bailar.

Torvelinhai, torrentes do ar!

Cantai, ó bátega chorosa,
As velhas árias funerais.
Minh'alma sofre e sonha e goza
À cantilena dos beirais.

Meu coração está sedento
De tão ardido pelo pranto.
Dai um brando acompanhamento
À canção do meu desencanto.

Volúpia dos abandonados . . .
Dos sós . . . — ouvir a água escorrer,
Lavando o tédio dos telhados
Que se sentem envelhecer . . .

Ó caro ruído embalador,
Terno como a canção das amas!
Canta as baladas que mais amas,
Para embalar a minha dor!

A chuva cai. A chuva aumenta.
Cai, benfazeja, a bom cair!
Contenta as árvores! Contenta
As sementes que vão abrir!

Eu te bendigo, água que inundas!
Ó água amiga das raízes,
Que na mudez das terras fundas
Às vezes são tão infelizes!

E eu te amo! Quer quando fustigas
Ao sopro mau dos vendavais
As grandes árvores antigas,
Quer quando mansamente cais.

É que na tua voz selvagem,
Voz de cortante, álgida mágoa,
Aprendi na cidade a ouvir
Como um eco que vem na aragem
A estrugir, rugir e mugir,
O lamento das quedas-d'água!

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