UA-89169382-1 Crônicas de Juvenal: Platão às avessas

terça-feira, 14 de junho de 2016

Platão às avessas

"Quando a luz dos olhos meus/
 e a luz dos olhos teus/
resolvem se encontrar..." 

Pois bem, inspirados amantes: se depender da poluição luminosa que assola pelo menos 1/3 da Humanidade, a luz dos olhos meus e a luz dos teus jamais nos permitirão ver a Via Láctea.

Notícia publicada hoje no jornal O Globo online traz diagnóstico assustador, obtido graças a um atlas global da poluição luminosa que foi publicado recentemente na revista Science Advances. "De acordo com os dados do atlas, 83,2% da Humanidade estão expostos a um nível já relativamente alto de poluição luminosa, sendo que 13,9% da população mundial vivem em locais tão iluminados — com um brilho no céu acima de 3 mil microcandelas por metro quadrado (mcd/m2) — que seus olhos não precisam mais atuar à noite na chamada visão escotópica, produzida sob baixa luminosidade em que os bastonetes — receptores em nossa retina responsáveis pela detecção de cores e que só funcionam em boas condições de luz — são 'desligados'"

Em termos bem práticos, os dados indicam que estamos perdendo a capacidade de nos adaptar ao escuro porque este simplesmente está deixando de existir. Uma das consequências disso é que o excesso de luz está originando um novo tipo de ignorância nunca antes experimentado pelos nossos antepassados: "Temos gerações inteiras de pessoas nos Estados Unidos que nunca viram a Via Láctea — lamenta Chris Elvidge, pesquisador do Centro Nacional de Informações Ambientais da Administração Nacional para Oceanos e Atmosfera dos EUA (NOAA) e um dos coautores do atlas." Além do NOAA, participaram do estudo o Centro Alemão para Pesquisas em Geociências (GFZ) e Oa Instituto Italiano de Ciência e Tecnologia da Poluição Luminosa

Outro dado interessante do atlas é que, quando se trata de poluição luminosa, países ricos são mais afetados do que os pobres, inversamente ao que acontece com outras formas de poluição, muito embora todos sejamos, de alguma forma, impactados pelo avanço das tecnologias de iluminação, como as lâmpadas de vapor de sódio e de LED: "O problema é maior em países ricos, como na União Europeia e nos EUA, onde, respectivamente, quase 60% e 80% da população não conseguem mais ver a Via Láctea onde moram, mas também afeta nações pobres e em desenvolvimento como o Brasil, no qual 62,5% das pessoas vivem em locais em que estão impedidas de observar nossa galáxia pela invasão das nossas luzes no céu".

Claro, o problema vai muito além de apenas de ver ou não ver estrelas, dado que a saúde também padece junto com o desconhecimento do céu noturno: "estudos apontam que a poluição luminosa prejudica a saúde humana, afeta nossos padrões de sono e provoca danos ao meio ambiente, em especial a animais de hábitos noturnos."

Com tanta luminosidade disponível, nosso risco agora é viver o avesso do mito da caverna de Platão: ao invés de mantermos nossa ignorância acreditando nas sombras que vemos projetadas na parede da caverna, tal como reza o mito, deixaremos olhar para o céu e de nos conectar com o Cosmos justamente porque estamos expostos em demasia à luz. Triste destino: seremos gerações de mentes brilhantes cegados pela luz artificial.

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