UA-89169382-1 Crônicas de Juvenal: Turquia - Parte 2: Capadócia e outras curiosidades turcas

quinta-feira, 19 de maio de 2016

Turquia - Parte 2: Capadócia e outras curiosidades turcas

A Turquia é um lugar curioso. Aliás, curiosíssimo. Não conseguiria resumir aqui tudo o que foi visto e sentido nos dias passados por lá, dias estes que, por sinal, já estão ficando para trás. Informação demais, comoção em triplo. 

Fora isso, contrariando um hábito arraigado meu, tomei a liberdade de não tomar nota de nada durante a viagem. Assim sendo, por mais que eu quisesse escrever um texto bonitinho sobre a Turquia, generoso em citações bibliográficas e dados históricos precisos e confiáveis, eu naufragaria no fracasso e acabaria traindo meus informantes (os quais serão, para o bem da reputação deles, mantidos no anonimato nesta publicação). 

E como eu nada anotei para poder escutar com mais atenção e fotografar com mais liberdade, então, meus caros leitores, esqueçam o texto histórico e contentem-se com o meu pequeno breviário de curiosidades turcas, que, conforme sugere o próprio nome, será breve mesmo. Atenção, contudo, para o forte teor ficcional da obra, que está ricamente ilustrada por fotografias de minha própria autoria. 

Isto posto, passemos ao breviário.

Curiosidade 1: A invenção da casa dos Smurfs


Casa nas rochas no estilo Smurf clássico. 
Os habitantes da Capadócia inventaram a casa dos Smurfs muito antes dos Smurfs serem criados. A imagem ao lado atesta a semelhança. Difícil, contudo, definir quem foi o arquiteto que teve a brilhante ideia de cavar nessas rochas de cinza vulcânica endurecida e inspirar um desenho animado que só seria veiculado alguns milhares de anos depois. Pode ter sido coisa dos hititas, dos bizantinos, dos turcos seljúcidas, dos cristãos novos, dos persas, dos mongóis... Enfim, como foram muitos os povos e os impérios que passaram por aquelas terras, é bem provável que eles estejam se engalfinhando até hoje na Corte Internacional de Justiça para definirem a quem pertence a autoria do desenho animado.

Curiosidade 2: A primeira rede internacional de hotelaria turca e o primeiro seguro contra roubo


Os turcos seljúcidas, descendentes de tribos nômades da Ásia central, saíram da região do Turcomenistão e adjacências e expandiram seu domínio até a Anatólia, região onde está localizada a Capadócia. Trouxeram com eles um forte espírito empreendedor e acabaram fundando a primeira rede internacional de hotelaria turca, caracterizada pela disseminação das Caravançarai
Caravançarai da localidade de Saruhan, na Capadócia.
Os caravançarais serviam de pousada ou estalagem para mercadores e comerciantes, oferecendo também local para armazenamento de carga e estábulo para o acondicionamento de animais de carga. Dizem as más línguas turcas que era possível percorrer toda a Rota da Seda falando apenas turco. 

Além de um serviço de hotelaria de primeira linha, os turcos reivindicam a invenção do primeiro seguro contra roubo da história. Carabineiros que percorriam a Rota da Seda pagavam aos turcos uma determinada quantia para receberem proteção durante o trajeto e, em caso, de roubo, serem ressarcidos proporcionalmente ao valor da mercadoria furtada.

Curiosidade 3: A primeira cisterna com trilha sonora TOP


Cisterna da basílica vista e ouvida de dentro.
Agora, vamos deixar um pouco a Capadócia de lado para falar de um tesouro do Império Bizantino localizado em Istambul: a Cisterna da Basílica, construída, salvo engano, no reinado de Justiniano. Outra obra arquitetônica suntuosa, a cisterna é/era alimentada por um rio que passava a 11 km dali e que fora desviado para garantir o abastecimento de água local. Mas o grande barato da cisterna é a sua trilha sonora. Por sinal, ela é a única coisa que justifica as dez liras turcas que você pagará pelo audio-guia, já que o texto falado no áudio é estritamente igual ao que está escrito nas placas afixadas no local. Mas, acreditem, vale a pena escutá-la assim mesmo!  

Curiosidade 4: O fim da Idade Média


Ruínas da muralha de Constantinopla
Alguém aí não se lembra do marco histórico que divide a Idade Média da Idade Moderna? Quem levantou a mão e gritou "a tomada de Constantinopla" (atual Istambul), antiga capital do Império Romano do Oriente, vai ganhar uma balinha e um carimbinho com "Parabéns!". 


Painel do museu encenando a tomada de Constantinopla
Recebida com desespero pelo resto da Europa, que já andava de cabelo em pé com o avanço do Império Otomano, a tomada de Constantinopla precipitou o fim do Império Bizantino. A despeito da comoção provocada na Europa cristã, o evento é cantado em prosa e verso no Panorama 1453, um museu localizado ao lado das ruínas da muralha de Constantinopla, inteiramente dedicado ao culto de Mehmet II,  o autor da conquista. Dizem as más línguas turcas que Mehmet sonhava desde criança em conquistar Constantinopla, peripécia que ele cumpriu ainda muito jovem, na idade de 21 anos. Quem visitar o museu vai sair de lá achando que Mehmet era "o" cara! 

Bem, se ele era, de fato, "o" cara, isto não é questão para resolvermos aqui hoje. Por hora, basta ressaltar que, desde sua tomada pelos otomanos, a antiga terra de Bizâncio nunca mais foi a mesma. Ela ganhou minaretas, desfigurou a cara de santos (uma prática muito comum em imagens sagradas cristãs, já que o islã não é lá muito afeito ao culto de imagens) e deu origem a uma sobreposição de crenças e cultos jamais vista antes. 


Visão parcial da abóboda da Basílica de Santa Sofia.
A prova disso é a Basílica de Santa Sofia (Hagia Sophia, ou sabedoria sagrada), ícone do Cristianismo Ortodoxo no Oriente. Transformada em mesquita logo após a tomada de Constantinopla, e em museu na década de 1930, Santa Sofia é uma mistura de influências dos dois impérios: Bizantino e Otomano. Diversas alterações foram feitas na basílica para adaptá-la à nova religião monoteísta que chegava ao poder. Guardadas as devidas proporções, é como se um álbum de figurinhas da Mônica fosse preenchido com figurinhas de jogadores de futebol. 

Certo, muitos turcos irão dizer que existem outras criações turcas mais fundamentais do que essas, como a invenção do iogurte (erroneamente atribuída aos gregos) e do tapete (erroneamente atribuída aos persas). Prefiro concluir este breviário lembrando que, se não fosse a tomada de Constantinopla e o consequente fechamentos do acesso dos cristãos à Rota da Seda, não estaríamos aqui hoje. Foi graças a esse fechamento que os navegadores portugueses e espanhóis buscaram outras alternativas de acesso às Índias e vieram parar em Pindorama, dando início à exploração do Novo Mundo.

Por fim, quero registrar a pontinha de inveja que tenho dos turcos por estes terem oferecido ao mundo o marco histórico que ele precisava para dar fim à Idade Média (ao menos, em tese). Para mim, não tem iogurte nem tapete que supere esse feito. Quem me dera se Mehmet II decidisse invadir o Planalto Central do Brasil e decretar o fim da nossa!

P.S. = Meu agradecimento especial aos meus informantes na Turquia, sem os quais esta postagem não teria sido possível.

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