UA-89169382-1 Crônicas de Juvenal: Fazendo as pazes

terça-feira, 9 de agosto de 2016

Fazendo as pazes

Depois do olé que as brasileiras estão dando no campo de futebol e nos tatamis do judô, nesse início de jogos olímpicos, nada mais conveniente do que uma pesquisa que fale sobre as diferenças de gênero no esporte, certo?

Bom, se for para levantar ainda mais polêmica sobre as supostas diferenças, então a resposta é "sim". Notícia publicada hoje no jornal O Globo online promete acirrar os ânimos que discutem o destoante desempenho  entre a ala masculina e feminina nessas olimpíadas e defendem a qualidade da perfomance do sexo dito frágil: "Homens demonstram mais propensão a se reconciliar após uma situação de embate do que mulheres. É o que sugere um estudo que analisou horas e horas de imagens de atletas se cumprimentando depois de duelos de tênis, tênis de mesa, badmington e boxe."

A pesquisa, que foi encabeçada por pesquisadores da Universidade de Harvard (infelizmente, a notícia não menciona o departamento de origem dos pesquisadores) e publicada recentemente na revista Current Biology, parte de evidências coletadas a partir da análise de "vídeos de atletas de 44 países retirados do YouTube, da Federação Internacional de Tênis de Mesa e da rede social Badminton Link, que reúne jogadores e fãs desse esporte".

As análises apontam para uma diferença sensível entre os gêneros no que tange as reações adotadas pelos dois lados: "homens se tocam por mais tempo e até trocam mais abraços e carícias depois de uma disputa, enquanto as mulheres são menos afetuosas nesses momentos."

Mas o mais interessante ainda está por vir. A também professora da Harvard, Joyce Berenson, usa esses dados para colocar em xeque estudos anteriores, segundo os quais as mulheres são vistas "como o sexo mais interconectado, cuidadoso e emotivo" e mais propensas a interagir "mais fisicamente do que os homens no cotidiano geral". Ao contrário do que se observa nesses estudos, "elas podem ter mais dificuldades para se reconciliar depois de conflitos".

É bem certo que existem perguntas fundamentais sobre a metodologia de pesquisa que precisariam serem respondidas adequadamente antes de entrarmos no mérito da questão. Uma delas, por exemplo, é se as quatro modalidades esportivas escolhidas (tênis, tênis de mesa, badmington e boxe) no estudo são, de fato, representativas do universo esportivo para permitir a generalização das observações sobre diferenças de gênero para as demais práticas esportivas.

Fora isso, existe uma série de pressupostos relacionados com a competitividade feminina que mereciam ser examinados com mais cuidado. É a própria notícia do O Globo que cuida de esmiuçar os pilares da reflexão da pesquisadora Berenson: "De acordo com Joyce Benenson, os humanos são a única espécie que travam embates letais entre grupos, quase sempre compostos por homens. Mas esses confrontos exigem cooperação, o que pode explicar por que homens são capazes de trocar mais facilmente sua postura de confronto, durante uma disputa, para uma titude (sic) de cooperação em seguida, explica a professora". 

As consequências tiradas do alegado espírito de cooperação masculino, contudo, mais parecem confirmar um rol de imagens negativas cotidianamente feitas do gênero feminino do que qualquer outra coisa: "Por outro lado, diz ela, as fêmeas de chimpanzé e as mulheres são menos capazes de se reconciliar e 'apenas se levantam e vão embora' ".

No fundo, os achados de pesquisa terminam por trocar um determinado ideal do gênero feminino - "interconectado, cuidadoso e emotivo" - por uma equação de opostos: o que temos aqui são "homens cooperativos" e "mulheres ressentidas" que agem de forma diferente, parece sugerir o estudo. Isto é, no final das contas, são as mulheres as menos tolerantes, abertas ao diálogo e à superação de conflitos.

Realmente, este é o tipo de estudo que, ao ler, dá vontade de levantar e ir embora. Mas aí vem o pior de tudo: se eu me levantar e for realmente embora depois de ler este estudo, vou acabar reforçando a conclusão do estudo. Deixa para lá. Melhor deixar as nossas divas do futebol e do judô feminino falarem por si só - e responderem à altura.  Há mais cooperação no universo feminino do que julga a nossa vã filosofia.


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