UA-89169382-1 Crônicas de Juvenal: A morte da estrela

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

A morte da estrela



A ciência pode até gostar dos fatos, mas acaba prestando um grande serviço à imaginação literária, principalmente quando suas imagens se tornam um campo fértil para metáforas existenciais.

Querem um exemplo?

Notícia publicada hoje no jornal Folha de S. Paulo fala da mais nova peripécia do telescópio espacial Hubble, que teria registrado "o momento exato da morte de uma estrela, um fenômeno que os astrônomos raramente conseguem ver."

Segundo a notícia, divulgada simultaneamente pela Agência Espacial Norte Americana (NASA) e pela Agência Espacial Europeia (ESA), o evento teria se passado a 5 mil anos-luz da Terra, na Constelação de Puppis, colocando a Nebulosa Cabalash no centro das atenções: "A imagem mostra uma estrela, chamada de gigante vermelha, no seu estágio final, no qual libera nuvens de gás e poeira para se transformar em uma nebulosa planetária."

Conhecida como a "Nebulosa do Ovo Podre" em função da sua elevada concentração de enxofre, Cabalash deu seu próprio show, com direito a jatos de gás e muita poeira cósmica: "Os jatos de gás – que aparecem em amarelo – e a poeira cósmica são liberados em direções opostas a uma velocidade de um milhão de quilômetros por hora, explicam os cientistas."

Pirotecnias à parte - e deixando de lado a analogia ao ovo podre - não haveria melhor maneira de referir ao crítico literário Tzvetan Todorov do que recorrendo à imagem da explosão da gigante vermelha. Porém, não é propriamente seu falecimento aos 77 anos de idade em um hospital de Paris que o aproxima do destino das estrelas: é sua vida - e toda a potência crítica da sua obra - que imprimem no universo o seu poder transformador. 
  
Mesmo não estando listado entre suas obras mais relevantes no pequeno obituário preparado pela Folha de S. Paulo, quero deixar aqui o meu tributo ao autor e ao seu livro "A Conquista da América". Obra impactante e analiticamente refinada, "A Conquista da América" encontra na análise Semiótica uma explicação plausível para o processo de conquista e dominação da América pelos espanhóis, que aqui chegaram em flagrante inferioridade numérica (estima-se que a população nativa das Américas estivesse em torno de 25 milhões de pessoas à época da descoberta).

Leitura obrigatória para os tempos atuais, "A Conquista da América" conta uma história inteligente sobre a narrativa da dominação, capaz de liberar pensamentos críticos com mesma a potência devastadora dos jatos de gás liberados pela explosão da gigante vermelha.

Sem dúvida, um livro a ser devorado sem comedimento, enquanto houver poeira cósmica no Universo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário