UA-89169382-1 Crônicas de Juvenal: Deusdará

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Deusdará

A notícia correu solta hoje pelos jornais online: não houve redação de jornal que não se alvoroçasse com o caso do ganense Emmanuel Akomanyi, de 29 anos, que quis ter comprado uma passagem para a Guiana Francesa, mas acabou indo parar na cidade de Goiânia. Por conta deste erro primário, ele não tem mais dinheiro para chegar ao seu destino.

O embroglio teria começado no Aeroporto Internacional de Guarulhos, em São Paulo, quando, por algum desvio de pronúncia, ele acabou sendo mal-interpretado e enviado ao deusdará - isto é, aquele lugar existencial onde ficamos dependente da boa vontade dos que se solidarizaram com a nossa sorte (http://oglobo.globo.com/brasil/africano-que-queria-ir-para-guiana-vai-parar-em-goiania-por-engano-15412055).

Viver em estado de deusdará é incerto, muitas vezes indigno e na maior parte do tempo perigoso, mas às vezes traz resultados. No caso do viajante ganense, ele pode contar sua notável trajetória a TV Anhanguera, filiada da TV Globo em Goiás. Professor, órfão de pai e mãe, arrimo de uma família composta por quatro irmãos mais novos, Emmanuel quer chegar até Georgetown para estudar medicina.

Além do apoio da rede afiliada à TV Globo, Emmanuel acabou arrematando a solidariedade de funcionários e passageiros do aeroporto, "que custearam a estadia em um hotel simples da capital por alguns dias", e da dona de casa Lourdes Ricardo que, além de o acolher em sua casa, deu início a uma campanha de arrecadação de fundos para o emigrante de Gana.

No fim das contas, quem perdeu duplamente com o equívoco foi a Agência de Turismo Visão, responsável pela venda da passagem equivocada. Em vez de aproveitar a visibilidade do caso para tentar recuperar uma credibilidade posta à prova, a agência preferiu informar "em nota, que opera há oito anos no Aeroporto Internacional de Guarulhos e que todos os funcionários falam inglês".

Para coroar de glória sua própria miopia, a agência ainda bateu na tecla da desresponsabilização, afirmando que "o cliente pediu a passagem para Goiânia e não à Guiana Francesa, e ainda ressaltou a diferença de preço entre as passagens". Por sinal, um argumento totalmente inócuo para justificar a conduta de quem lida frequentemente com clientes de outro país, com pouca ou nenhuma familiaridade com  preços em reais.

Porém, viver ao deusdará na terra da opressão, do trabalho escravo, dos autos de resistência e da exploração da miséria humana é atividade de alto risco. Torçamos para que ele chegue logo ao seu destino final, sem desvios de percurso que podem custar uma vida.

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